É ‘barbárie’, ‘genocídio’, ‘holocausto’, ou “massacre”?


No Iraque, insurgentes degolam civis e soldados norte-americanos humilham prisioneiros iraquianos em fotos divulgadas pela Internet. Em Madri, terroristas explodiram trens que transportavam trabalhadores numa manhã ao se dirigirem para o trabalho. Em Israel, ônibus lotados de civis são explodidos por homens-bomba. Na Rússia, uma escola é transformada em campo de concentração e matadouro de crianças nos moldes nazistas. Em vários lugares da África, a população é obrigada a morrer de fome, ou pelo facão do grupo rival. No Brasil, moradores de rua, indefesos, são covardemente mortos a pauladas.

O noticiário tem usado a palavra ‘barbárie’ para representar morticínios aparentemente irracionais de grandes proporções. Mas, invariavelmente também tem sido usadas palavras semelhantes, tais como: ‘genocídio’, ‘crime hediondo’, ‘holocausto’, ‘massacre’, ‘chacina’, etc. Adiantando o que será comentado mais à frente (item 3), por exemplo, a palavra “holocausto” foi cunhada para ser referir apenas aos crimes dos nazistas cometidos em escala inimaginável principalmente contra os judeus.

A intenção desse artigo não é reduzir o fato criminoso a um simples formalismo de linguagem. Longe disso, é um pretexto para relembrar o que jamais deve ser esquecido, e denunciar as novas ocorrências, sem no entanto descuidar do uso da linguagem, que jamais é neutra, mas pode ser usada para “enfeitiçar” nosso entendimento da coisa acontecida, como diz Wittgenstein. Começamos, então, pelo significado e uso atual da palavra barbárie.

A palavra ‘barbárie’ originalmente foi empregada pela mentalidade eurocêntrica, que se considerava o exemplo de organização social civilizada. Foi Vico [1638-1744] que cunhou de ‘barbárie’ o estado primitivo ou selvagem de indivíduos ou grupos que não teriam evoluído rumo ao estado de homem ocidental civilizado. A barbárie passou a se opor ao humanismo, ou seja, é um ato considerado ‘desumano’ porque não respeita os fundamentais valores conquistados no campo da ética, do direito, da ciência, da democracia pluralista e da própria organização social. No século 20, o termo ‘barbárie’ sofreu uma virada de sentido com as pesquisas antropológicas que reconheceram as demais culturas humanas não brancas também eram dotadas de organização social racional, tinham valores e preceitos morais próprios, portanto, eram civilizadas. Essa virada, com C. Lévi-Strauss, chegou-se ao extremo de considerar que bárbaro autêntico é aquele que apenas denuncia a barbárie do vizinho e não se dá conta de reconhecer sua própria barbárie.


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Raymundo da Lima
ray_lima[arroba]uol.com.br


 
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