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O Brasil e a construção da ordem econômica internacional (página 3)

Paulo Roberto de Almeida

8. A ordem de Bretton Woods: o sistema econômico onusiano do pós-guerra.

Argumentando sempre em termos de "democratização" do sistema internacional, pode-se constatar que as Nações Unidas, finalmente, encetaram sua missão universal de paz e desenvolvimento com pouco mais de 50 países membros, alcançando quase 200 desde então. Esse movimento de ampliação da "base censitária" do sistema internacional tem sua equivalência no plano dos processos de democratização social e política das principais sociedades ocidentais, com uma lenta mas segura incorporação das massas operárias aos benefícios da democracia política e do Estado de bem estar; nessa evolução secular, o Brasil originalmente monárquico também abandonou o sistema de voto censitário e as formas mais gritantes de exclusão social em favor de formas restritas de inclusividade social no período republicano, movimento acelerado no Estado varguista e completado na fase recente.

Na nova fase do pós-segunda guerra, o ordem internacional deixa de ser formulada, segundo Murphy, pelos "fundamentalistas" da Liga das Nações e passa a ser administrada pelos "keynesianos" das Nações Unidas, começando por Bretton Woods.

"Cooperação em finanças públicas, apoio aos refugiados e ajuda aos países menos desenvolvidos são três áreas de atividade para as Nações Unidas que não têm precedentes nas Uniões Internacionais Públicas" do período anterior (1994: 166). Mas, ele também estabelece claramente os limites sob os quais deve passar a atuar a ONU: a Guerra Fria, iniciada praticamente com a inauguração dessa entidade, "terminou com qualquer esperança de que uma organização mundial pudesse estar no centro do sistema do pós-guerra de administração de conflitos entre os grandes poderes" (Idem, 177). O sistema das Nações Unidas "requeria o tipo de consenso entre grandes poderes que tinha existido sob o sistema das conferências européias do século 19" e isso estava claro, pela atitude de Stalin, que não iria mais ocorrer. A Revolução maoísta — e o conseqüente isolamento da China das Nações Unidas, durante várias décadas —, assim como o conflito Norte-Sul também dificultou a emergência de algum tipo de "governo mundial". Mas, o sistema das Nações Unidas era muito mais realista do que o da Liga, embora a partir dos anos 60 — a partir das independências de ex-colônias européias — a maioria automática do Terceiro Mundo na Assembléia Geral tenha servido para retrair algo do antigo multilateralismo dos EUA: muitas novas agências foram criadas desde então, precipitando talvez a crise de todo o sistema.

De fato, a partir da segunda metade do século 20, e com maior vigor a partir dos anos 1960, os acordos multilaterais começaram a suplantar os instrumentos bilaterais enquanto mecanismos reguladores da vida econômica das nações.

Inaugurados timidamente no último terço do século 19, durante a fase do capitalismo triunfante, mas interrompidos logo depois pelos desastres políticos, econômicos e sociais das duas guerras mundiais e mais particularmente pelos fenômenos da depressão e do protecionismo dos anos 30, os instrumentos multilaterais passam a estar no centro da reconstrução da ordem econômica internacional, que começou a ser elaborada, sob a égide da ONU, em bases essencialmente contratuais e institucionalistas.11

Os Estados, sob a discreta pressão da potência hegemônica nessa época, aceitam transferir uma parte de suas soberanias respectivas — ou melhor, de suas competências reguladoras — em favor de uma administração concertada de alguns setores da vida econômica, sobretudo no campo do comércio, das finanças e dos meios de pagamentos e adicionalmente no da regulação de alguns aspectos da vida produtiva (como o das relações de trabalho, por exemplo). A conferência de Bretton Woods (julho-agosto de 1944) é o marco inicial desse processo "fundador" multilateral (com a criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), que se desdobra igualmente em Chicago (dezembro de 1944:

Organização da Aviação Civil Internacional) e no Quebec (1945: Organização para a Alimentação e Agricultura), bem como nas várias conferências do pós-guerra em capitais européias e em cidades norte-americanas (1946-47), preparatórias à conferência sobre comércio e emprego de Havana (1947-48), que deveria completar o tripé institucional concebido em Bretton Woods, acrescentando uma organização dedicada exclusivamente ao comércio (mas num sentido amplo) às entidades já criadas para os aspectos monetário (FMI) e financeiro (BIRD).

A emergência de novos instrumentos e instituições multilaterais de caráter econômico se deu durante as três décadas seguintes — reforma do GATT, surgimento da UNCTAD, criação da ONUDI e de diversos outros foros para inserir os países menos avançados na economia mundial —, culminando com a própria tentativa de estabelecimento, pelos países em desenvolvimento, de uma "nova ordem econômica internacional" (SOUTO MAIOR, 1996). As grandes mudanças nos cenários político e econômico mundiais, nos anos 1980, com a fragmentação política do chamado Terceiro Mundo, a emergência da Ásia e a derrocada econômica do mundo socialista, acarretaram situações inéditas do ponto de vista das relações internacionais, sobretudo em sua vertente econômica. À "diplomacia comercial" do tratamento especial e mais favorável para os países em desenvolvimento, isto é, o estabelecimento de regimes concessionais sem reciprocidade — propugnado com bastante ênfase pelo Brasil durante os 1960-1980, marcados pela idéia desenvolvimentista — veio somar-se, nos anos 1990, a "diplomacia dos investimentos", praticada por países asiáticos dotados de grande atratividade para os capitais produtivos, e a "diplomacia do ajuste estrutural", em que se empenharam nos anos 1980 os latino-americanos e africanos e se empenham ainda hoje africanos e ex-socialistas. Os recursos limitados colocados à disposição das instituições de financiamento sistêmico de desajustes estruturais contrastam com a enormidade dos fluxos de capitais voláteis suscitada pela integração dos mercados financeiros e o aparecimento de instrumentos derivados de liquidez.

De modo geral, as instituições de Bretton Woods, a OCDE e a Organização Mundial do Comércio ganham relevância em relação à UNCTAD, que pretendeu ser, nos anos 1970, o principal foro negociador de uma "nova ordem econômica internacional" (ALMEIDA, 1994a e 1998). A OMC, por exemplo, passou a ser encarregada de administrar, desde 1995, os resultados da mais complexa rodada de negociações comerciais multilaterais — envolvendo agricultura, serviços, investimentos e propriedade intelectual, por exemplo — já conhecida na história econômica contemporânea. O FMI e o BIRD se vêm confrontados, cada um à sua maneira, a gigantescos fluxos de capitais voláteis ou a necessidades insaciáveis de capitais para investimentos, num contexto de instabilidade crescente dos mercados financeiros. A OCDE se lança em iniciativas — como a negociação de um Acordo Multilateral sobre Investimentos — que passam a evidenciar um novo papel negociador, ademais de suas tradicionais funções enquanto foro de coordenação de políticas macroeconômicas.

9. As organizações econômicas do multilateralismo contemporâneo

Como situar, nesse contexto, o papel da diplomacia multilateral? Ele se torna certamente mais complexo, permanente e constante, e não apenas restrito aos temas habituais ou exercido apenas por ocasião de grandes conferências, como no passado. Esse tipo de diplomacia passa a tocar em terrenos não apenas comerciais, ou pelo menos não classicamente econômicos: meio ambiente, recursos naturais, tecnologias da informação e de comunicações, normas laborais, questões sociais de um modo geral. 12 Os instrumentos jurídicos resultantes dos diferentes foros negociadores acumulam-se com velocidade espantosa: à multiplicidade particularista e pouco homogênea dos antigos acordos bilaterais de tipo político sucede a enormidade quantitativa de atos multilaterais, buscando aplicar um conjunto uniforme de regras institucionais — acesso a mercados, não-discriminação, solução de controvérsias — a matérias complexas e tematicamente diversas. Em outros termos, o adequado tratamento do escopo jurídico e do quadro institucional das relações internacionais contemporâneas tornou-se essencial para a plena compreensão dos modos possíveis de inserção externa de um país como o Brasil.

O mundo hoje é, reconhecidamente, mais global do que nunca. Seja por efeito do "fim da História", seja como resultado da unificação dos mercados capitalistas, o "Mundo Livre", como argumenta Murphy, unificou a ordem interimperial do começo do século 20 e o sistema norte-americano expandiu-se para incluir o Japão. Não está muito claro qual o papel relativo das organizações internacionais e o do poder hegemônico, mas eles podem ser considerados como complementares. Segundo esse historiador, "se a dissuasão nuclear pode ter servido para ‘conter’ o comunismo, as organizações mundiais facilitaram importantes formas de cooperação entre países divididos pela ideologia. Elas permitiram que as superpotências trabalhassem juntas para minimizar a proliferação nuclear e conter alguns dos violentos conflitos nos quais elas estavam sustentando lados opostos. O sistema da ONU também ajudou os adversários globais a usar recursos comuns globais — os oceanos, o rádio-espectro e o espaço exterior — sem chegar às vias de fato. Finalmente, as organizações intergovernamentais globais facilitaram o comércio e a cooperação social entre sistemas, tarefas largamente empreendidas pelas atualmente desprezadas UNCTAD e UNESCO" (1994: 241-242).

Sem que seja mais necessário dividir o mundo entre sistemas opostos, recorremos, uma vez mais, ao trabalho de Murphy para uma última relação das organizações relevantes do multilateralismo contemporâneo (Idem, 154-157):

1. Promovendo a Indústria

1.1. Infra-estrutura:

1944: OIAC/ICAO (Organização Internacional da Aviação Civil).

1947: Junta Internacional de Registro de Freqüências.

1948: Organização Internacional Consultiva Marítima.

1957: Conselho Consultivo de Estudos Postais (UPU).

1964: Intelsat (Organização Internacional das Telecomunicações por Satélite).

1.2. Padrões Industriais e Propriedade Intelectual:

1944: Comissão das Nações Unidas para a Padronização.

1946: ISSO (Organização Internacional de Padronização/International Standardization Organization).

1952: Comitê Internacional do Direito Autoral.

1955: Organização Internacional de Metrologia Legal.

1961: União para a Proteção das Variedades Vegetais (UPOV).

1962: FAO/OMS Comissão do Codex Alimentarium.

1967: OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual).

1.3. Comércio:

1948: GATT (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio).

1950: Conselho de Cooperação Aduaneira.

1964: Centro Internacional de Comércio.

2. Administrando Conflitos Sociais Potenciais

2.1. Trabalho:

1959: Centro de Saúde e Segurança no Trabalho.

1960: Instituto Internacional de Estudos Sociais (OIT).

1963: Centro de Treinamento Vocacional.

2.2. Agricultura:

1944: Grupo Internacional de Estudos sobre a Borracha.

1945: FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

1947: Grupo Internacional de Estudos sobre a Lã.

1946: Comissão Internacional da Baleia.

1948: Comissão Internacional do Arroz.

1948: Comissão Sericícola Internacional.

1949: Conselho Internacional do Trigo.

1950: Conselho Internacional do óleo de oliva.

1951: Conselho de Apelação de Origem de Queijos.

1958: Organização Internacional do Açúcar.

1962: Organização Internacional do Café.

2.3. Outros velhos setores:

1956: Conselho Internacional do Estanho.

1959: Grupo de Estudo Internacional do Chumbo e do Zinco.

2.4. Países menos Avançados:

1945: Banco Mundial.

1946: UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

1955: Instituto de Desenvolvimento Econômico.

1956: Corporação Financeira Internacional.

1957: Fundo Especial da ONU para o Desenvolvimento.

1958: Centro para a Preservação da Propriedade Cultural.

1960: Associação Internacional de Desenvolvimento.

1962: Secretariado Internacional para o Serviço Voluntário.

1963: Programa Alimentar Mundial.

1964: UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).

1965: PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

1966: Centro Internacional para Solução de Controvérsias sobre Investimentos.

1966: Fundo das Nações Unidas para o "Capital" Desenvolvimento.

1967: ONUDI (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial).

1968: Centro da OMS para o Suprimento de Água das Comunidades.

1969: Fundos das Nações Unidas para Atividades de População.

1970: Banco Internacional de Investimentos.

3. Reforçando os Estados e o Sistema de Estados.

3.1. Ordem Pública:

1963: Instituto das Nações Unidas para o Treinamento e a Pesquisa.

1968: Conselho para o Processamento de Dados nos Governos.

1968: Instituto das Nações Unidas para Pesquisa em Defesa Social.

3.2. Finanças Públicas:

1945: FMI (Fundo Monetário Internacional).

3.3. Administrando conflitos interestatais:

1945: Organização das Nações Unidas.

1945: Corte Internacional de Justiça.

1956: AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).

1970: Sistema Internacional de Informação Nuclear.

3.4. Refugiados:

1943: Administração das Nações Unidas de Socorro e Reabilitação.

1946: Organização Internacional de Refugiados.

1950: Agência das Nações Unidas de Socorro e Obras (Palestina).

1951: ACNUR (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados).

1951: Comitê Intergovernamental para as Migrações Européias.

4. Reforçando a Sociedade

4.1. Direitos Humanos:

1945: Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.

1947: Centro das Nações Unidas contra o Apartheid.

4.2. Salvamento e Bem-estar:

1950: Centro Internacional da Criança.

1963: Instituto de Pesquisa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social.

4.3. Saúde:

1946: OMS (Organização Mundial da Saúde).

1955: Grupo Assessor das Nações Unidas sobre Proteínas e Calorias.

1961: Junta Internacional de Controle de Narcóticos.

1965: Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer.

4.4. Educação e Pesquisa:

1945: UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura).

1946: Organização Meteorológica Mundial.

1951: Instituto da UNESCO para a Educação.

1960: Comissão Oceanográfica Internacional.

1963: Instituto Internacional para o Planejamento Educacional.

1970: Centro Internacional de Física Teórica.

10. Construindo a paz universal: uma globalização à la Kant?.

O longo itinerário histórico-analítico sobre a construção da ordem internacional contemporânea empreendido até aqui permitiu constatar que, a despeito dos percalços eventuais, a "comunidade internacional" se ampliou e se democratizou bastante em relação aos padrões conhecidos no século 19. As autorizações oficiais para "guerra de corso", com efeito, foram banidas desde 1856 e as "presas" e "butins" não se encontram mais na moda. Muito embora bloqueios e "diplomacia da canhoneira" possam estar ainda eventualmente em uso, deve-se reconhecer que a força do direito tende a ampliar sua margem de atuação em relação ao direito da força. Trata-se de um desenvolvimento significativo em relação ao realismo cru do século 19, quando navios de guerra das nações "civilizadas" se achavam no direito de violar impunemente, em nome de um conceito auto-assumido de "justiça", as águas territoriais e, como ocorreu em algumas ocasiões, até mesmo os portos brasileiros.

Por outro lado, a despeito de uma configuração basicamente liberal apresentada pela "ordem econômica internacional" do século 19 e, inversamente, de tendências fortemente estatizantes, intervencionistas e protecionistas observadas no decorrer do século 20, assim como de tentativas frustradas de construção de uma "nova ordem econômica internacional" no período recente, deve-se enfatizar a crescente interdependência do mundo econômico contemporâneo. A revolução industrial, agora em sua terceira geração, chegou à periferia, alterou radicalmente fluxos de intercâmbio de bens, serviços e capitais e continua produzindo grandes modificações nos padrões de distribuição da riqueza e da tecnologia proprietária em nível mundial. Certamente que, em termos de poder e dinheiro, a "oligarquia econômica mundial" não é muito diferente hoje do que ela era em meados ou finais do século 19, mas novos atores entram em cena — as chamadas "economias emergentes", as empresas multinacionais e os atores nãogovernamentais — e os termos do intercâmbio global não reproduzem mais necessariamente, pelo menos para alguns desses atores, o tradicional padrão norte-sul de trocas entre bens primários e produtos manufaturados.

Mais importante, ainda, uma fração crescente do poder regulatório internacional deixou a esfera puramente bilateral das relações entre Estados soberanos para concentrar-se cada vez mais no seio de organizações intergovernamentais, dotadas de staff técnico capacitado para lidar com os complexos problemas da agenda econômica internacional. É evidente que o poder real de propor, negociar e implementar medidas efetivas de acesso a mercados ou normas disciplinadoras das relações econômicas internacionais permanece e permanecerá com os Estados individuais, mormente com os mais poderosos dentre eles. Mas, não resta dúvida que a emergência do multilateralismo econômico representa um enorme avanço sobre a era dos "tratados desiguais" do século 19.

Entre o cosmopolitismo esclarecido dos pioneiros do século 19, ao organizar as primeiras reuniões fundacionais das "uniões" e "escritórios de cooperação", e as grandes conferências globais onusianas do final de século 20 e início do 21, o mundo certamente evoluiu para melhor, no sentido em que se logrou diminuir enormemente o potencial de conflito embutido nas divergências de interesses por motivos econômicos.

Muito embora as organizações originais de cooperação industrial não tenham conseguido evitar dois desastrosos conflitos mundiais no século 20, o surgimento da ONU, em 1945, e a multiplicação de suas agências especializadas desde então, fez com que o cenário político internacional certamente se aproximasse um pouco mais dos projetos de "paz perpétua" advogados pelo primeiro internacionalista liberal conseqüente: Kant.

O consenso tornou-se um princípio quase que imutável de negociação de interesses econômicos divergentes e a global governance buscada desde os tempos do filósofo de Königsberg vem sendo pacientemente construída, ainda que de forma parcial e parcelada, pela miríade de instituições multilaterais hoje existentes. A emergência do liberal-internacionalismo no final do século 20 talvez não signifique a confirmação da paz universal, tal como pretendia Kant no final do século 19, mas sem dúvida a guerra tornou-se bem mais difícil no início do século 21. Uma única guerra parece doravante justificada: a guerra pelo desenvolvimento econômico e social de quase dois terços de países membros do sistema internacional contemporâneo. Em todo caso, mais do que nunca o mundo parece entrar numa era de crescente cooperação econômica internacional, mesmo entre antigos rivais geopolíticos, o que permitirá augurar, pelo menos, o fim dos grandes conflitos entre impérios concorrentes. Guerras de conquista e expedições predatórias parecem ter sido eliminadas em sua grande parte, subsistindo tão somente conflitos regionais e guerras civis com algum impacto externo.

Depois dos conflitos terríveis no decorrer do século 20, que também tiveram suas causas econômicas – como revelado precocemente, por exemplo, por um observador arguto da conferência de paz de Versalhes, como John Maynard Keynes, e como suspeitado por outro britânico clarividente, como Edward Carr13 – e que escreveram algumas das páginas mais sombrias da história da humanidade, depois de tentativas de construção de uma ordem econômica alternativa – representadas pelas diversas experiências de socialismo estatista, mais que em declínio irresistível, na fase agônica final –, o mundo parece estar novamente aberto ao aprofundamento de um processo ampliado de globalização capitalista (ALMEIDA, 1999b). Os economistas e historiadores ainda debatem se os movimentos tendenciais no tocante às distâncias relativas no desempenho científico e tecnológico entre os países e no que se refere à distribuição de renda dentro dos e entre os países caminham ambos no sentido de uma maior convergência ou no da divergência pura e simples, mas o certo é que não se pode mais conceber, no início do século 21, processos de desenvolvimento isolados ou autárquicos das unidades estatais soberanas: todas estão inseridas, mesmo se de modo não voluntário, na interdependência global.

Talvez essas entidades soberanas, mesmo se economicamente interdependentes, não respondam aos critérios colocados pelo filósofo de Königsberg para a configuração de um sistema de "paz perpétua", quais sejam o caráter de repúblicas – ou seja, Estados constitucionais –, dotados de um regime legítimo e representativo, o que indica que a próxima etapa da construção do direito internacional passe pelo requisito democrático, o que parece chocar-se com o princípio vestfaliano da soberania das nações. Mas também é certo que a crescente interdependência econômica da atualidade contribuirá de maneira significativa para a erosão da soberania absoluta dos países.

11. Perfil institucional do multilateralismo econômico brasileiro, 1944-2004

Um resumo historicamente linear, tal como apresentado a seguir, dos mais importantes atos econômicos multilaterais de que participou o Brasil, desde a conferência de Bretton Woods aos dias de hoje, representaria o próprio ambiente de trabalho da diplomacia econômica brasileira contemporânea. Desde esse instante fundador da ordem internacional atual até a criação da OMC (1995) e nas negociações em curso nos planos regional (Mercosul e países sul-americanos), hemisférico (tentativa de criação de uma área de livre comércio das Américas), multilaterais (rodada de Doha da OMC) e inter-regionais (Mercosul e União Européia), ademais de outros arranjos pluri ou minilaterais (Brasil ou Mercosul com outros blocos e países emergentes, como SADC, Índia, China, G-20 etc.), a diplomacia econômica brasileira esteve presente nas mais importantes conferências e reuniões das quais resultaram organizações e instituições multilaterais de caráter econômico. Os instrumentos selecionados incluídos na relação abaixo, muitos deles de caráter essencialmente político, mas contendo dispositivos suscetíveis de causar impacto nas relações econômicas internacionais ou podendo afetar em maior ou menor grau a vida econômica nacional, testemunham a densificação normativa e a extensão temática coberta pela diplomacia econômica do Brasil, bem como a crescente complexidade de suas relações econômicas internacionais.

1944: Ata Final da Conferência Financeira e Monetária de Bretton Woods

1944: Convenção relativa à Aviação Civil Internacional – OACI

1945: Ata de Chapultepec: solidariedade interamericana, liberalização econômica

1945: Carta das Nações Unidas, capítulo econômico

1945: Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO

1945: Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO

1945: Acordo sobre a criação do Fundo Monetário Internacional – FMI

1945: Acordo do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD

1946: Convenção Internacional da Baleia (1951; denúncia: 1965; nova adesão: 1974)

1946: Organização Mundial da Saúde – OMS

1946: Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas

1946: Convenção Interamericana sobre Direito do Autor

1947: Organização Meteorológica Mundial – OMM (1950)

1947: Organização Sanitária Pan-Americana (em 1958 passa a se chamar OPAS)

1947: Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT

1948: Carta de Havana criando a Organização Internacional do Comércio – não ratificada

1948: Convenção do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (não vigiu)

1948: Constituição da Comissão Internacional do Arroz (1964)

1948: Carta da Organização dos Estados Americanos, capítulo econômico

1949: Convenção sobre Comércio de Trigo

1950: Convenção sobre o Conselho de Cooperação Aduaneira – CCD/OMA (1981)

1951: Convenção Internacional para a Proteção dos Vegetais – FAO (1961)

1951: Conferência de Direito Internacional Privado – CODIP (1972; denúncia: 1977)

1952: Convenção Universal sobre o Direito Autoral – UNESCO (1960)

1952: Acordo Interamericano de Radiocomunicações (1957)

1953: Comitê Intergovernamental para Migrações Européias (1957; retirada: 1979)

1953: Convenção sobre Abolição da Escravidão e o Tráfico de Escravos (1966)

1953: Acordo Internacional do Açúcar – ISO/OIA (1958)

1954: Organização Internacional do Açúcar

1955: Organização Internacional de Metrologia Legal (1984)

1955: Corporação Financeira Internacional – CFI/BIRD

1955: Comissão Sericícola Internacional (1979)

1956: Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA

1958: Acordo Internacional do Café

1958: Convenção sobre o Alto Mar – ONU (1968)

1958: Convenção sobre Conservação dos recursos Vivos do Alto Mar – ONU (1968)

1958: Convenção sobre a Plataforma Continental – ONU (1968)

1959: Tratado da Antártida – ONU (1975)

1959: Convenção Internacional das Telecomunicações – UIT (1964)

1959: Convenção de Nova York: reconhecimento de laudos arbitrais (2002)

1959: Acordo criando o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID

1960: Associação Internacional de Desenvolvimento – AID/BIRD

1960: Tratado de Montevidéu criando a ALALC (substituída pela ALADI em 1980)

1961: Convenção de Proteção dos Artistas Intérpretes ou Executantes

1961: Clube de Paris (participação a partir de 1983 como credor)

1961: Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais – UPOV (1999)

1962: Carta de Aliança dos Países Produtores de Cacau

1962: Convenção criando a Organização Internacional do Café – OIC/ICO

1962: Resolução sobre a Soberania Permanente sobre os Recursos Naturais – ONU

1963: Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares – AIEA (1993)

1963: Programa FAO/OMS de Normas Alimentares – Codex Alimentarium (1968)

1963: Banco Africano de Desenvolvimento – BAD

1964: Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD

1964: Comitê de Produtos de Base – UNCTAD

1964: Constituição da União Postal Universal – UPU

1964: Organização Internacional das Telecomunicações por Satélite – Intelsat

1965: Convenção para a facilitação do tráfico marítimo internacional (1977)

1965: Convênio de Créditos e Pagamentos Recíprocos da ALALC/ALADI

1965: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD

1966: Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1992)

1966: Comissão da ONU sobre Direito Comercial Internacional – UNCITRAL

1966: Convenção Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico (1969)

1967: Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI

1967: Centro de Comércio Internacional UNCTAD/GATT

1968: Tratado de Não-Proliferação Nuclear (assinatura em 1997; adesão em 1998)

1968: Convenção constitutiva da Corporación Andina de Fomento – CAF (1996)

1969: Tratado da Bacia do Prata, cooperação regional

1969: Convenção sobre poluição por hidrocarburantes em alto mar – OMI (1977)

1970: Tratado de Cooperação sobre Patentes - OMPI

1970: Sistema Geral de Preferências – UNCTAD

1970: Organização Mundial do Turismo

1970: Convenção sobre importação, exportação e transferência de bens culturais

1971: Convenção para a Proteção dos Produtores de Fonogramas

1971: Acordo da Comunidade da Pimenta do Reino (1981)

1971: Convenção sobre zonas úmidas habitat de aves aquáticas – UNESCO (1993)

1971: Grupo dos Vinte e Quatro – G-24 (atuação no âmbito do FMI-BIRD)

1972: Convenção sobre a conservação das focas antárticas (1991)

1972: Convenção sobre armas bacteriológicas (biológicas) e toxinas (1975)

1972: Convenção sobre armas convencionais excessivamente danosas (1995)

1972: Acordo Internacional sobre o Cacau

1972: Convenção sobre danos causados pelos objetos espaciais

1972: Acordo constitutivo do Fundo Africano de Desenvolvimento – FAD

1972: Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente

1972: Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente – UNEP

1972: Convenção sobre Proteção do Patrimônio Mundial – UNESCO (1977)

1972: Convenção sobre poluição marinha por alijamento de resíduos – OMI (1982)

1973: Convenção sobre poluição pelos navios – MARPOL/OMI (1988)

1973: Convenção sobre fauna e flora ameaçados de extinção – CITES (1975)

1973: Convênio da Organização Latino-Americana de Energia – OLADE

1973: Arranjo relativo ao comércio de têxteis – Acordo Multifibras/GATT

1974: Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata – FONPLATA

1974 Declaração sobre a Nova Ordem Econômica Internacional – ONU

1974: Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados – ONU

1974: Grupo de Países Latino-Americanos e do Caribe Exportadores de Açúcar

1975: Convênio criando o Sistema Econômico Latino-Americano – SELA

1975: Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional (1995)

1975: Diretivas do Clube de Londres sobre equipamentos nucleares (1996)

1976: Organização Internacional de Telecomunicações Marítimas – OMI/Inmarsat

1976: Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola – FIDA/FAO

1976: Programa integrado para os produtos de base da UNCTAD

1977: Convênio sobre o Escritório Internacional de Madeiras Tropicais

1978: Tratado de Cooperação Amazônica, cooperação regional

1979: Código de Normalização – GATT

1979: Código de Subvenções e Direitos Compensatórios – GATT

1979: Código de Valoração Aduaneira – GATT

1979: Código Antidumping – GATT

1979: Arranjo relativo à carne bovina – GATT

1979: Declaração sobre Tratamento diferenciado e mais favorável – GATT

1979: Medidas comerciais sobre Balança de Pagamentos – GATT

1979: Medidas de Salvaguarda para fins de Desenvolvimento – GATT

1979: Acordo sobre notificações, consultas, solução de controvérsias – GATT

1979: Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA

1979: Acordo sobre Itaipu e Corpus, entre Argentina, Brasil e Paraguai

1979: Convenção Interamericana sobre sentenças e laudos arbitrais (1995)

1979: Acordo Internacional sobre a Borracha Natural

1979: Organização para o Desenvolvimento Industrial – ONUDI

1980: Fundo Comum para os produtos de base – UNCTAD (1989)

1980: Convenção sobre os recursos vivos marinhos da Antártica – ONU (1986)

1980 : Tratado de Montevidéu criando a ALADI

1982: Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – ONU (1988)

1983: Convenção sobre o Sistema Harmonizado de mercadorias – CCA (1988)

1983: Associação dos Países Produtores de Estanho (ATPC) – (1998)

1983: Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana – RITLA (1990)

1983: Acordo Internacional de Madeiras Tropicais, OIMT/FAO/UNCTAD (1985)

1985: Agência Multilateral de Garantia de Investimentos – MIGA (1992)

1985: Convenção para a proteção da camada de ozônio – UNEP (1989)

1986: Declaração ministerial sobre a Rodada Uruguai – GATT

1986: Grupo de Cairns – GATT/OMC (originalmente 14 países; ampliado)

1986: Cooperação Aduaneira entre países de língua portuguesa (1995)

1987: Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis – MTCR (1995)

1987: Protocolo sobre substâncias que destroem a camada de ozônio (1990)

1988: Sistema Global de Preferências Comerciais - Países em Desenvolvimento

1989: Convenção sobre movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos (1993)

1989: Tratado sobre o registro internacional de obras audiovisuais

1989: Grupo dos 15 – G-15 (coordenação político-econômica entre países emergentes)

1990: Declaração da ONU sobre cooperação econômica internacional

1991: Tratado de Assunção – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (Mercosul)

1991: Protocolo de Brasília sobre Solução de Controvérsias no Mercosul (1993)

1991: Protocolo ao Tratado da Antártida sobre Proteção Ambiental (1995)

1992: Acordo de transporte fluvial da Hidrovia Paraguai-Paraná (1995)

1992: Instituto Interamericano para pesquisa em mudanças globais (1994)

1992: Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (1998)

1992: Convenção sobre Diversidade Biológica (1998)

1992: Agenda 21 e Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

1992: Fundo Multilateral de Investimentos – BID

1993: Convenção sobre Armas Químicas e sua Destruição (1995)

1993: Associação dos Países Produtores de Café – APPC (1995)

1994: Protocolo sobre jurisdição em matéria contratual no Mercosul (1996)

1994: Protocolo de promoção e proteção recíproca de investimentos no Mercosul

1994: Centro de Desenvolvimento da OCDE

1994: Ata Final da Rodada Uruguai criando a OMC: GATS, TRIMs, TRIPs, etc.

1994: Acordo Internacional sobre Madeiras Tropicais (1998)

1994: Protocolo sobre investimentos de Estados não-membros do Mercosul

1994: Convênio Internacional do Café (1998)

1994: Centro Sul – South Center (ainda não ratificado)

1994: Protocolo adicional ao Tratado de Assunção – Protocolo de Ouro Preto

1994: Protocolo relativo ao Código Aduaneiro do Mercosul

1994: Tarifa Externa Comum do Mercosul

1994: Norma de Aplicação sobre Valoração Aduaneira no Mercosul

1994: Acordo sobre Transporte Multimodal no Mercosul

1994: Princípios de "Supervisão Bancária Global Consolidada" no Mercosul

1994: Declaração de Miami sobre Área de Livre-Comércio das Américas

1995: Acordo de Cooperação Inter-regional Mercosul-União Européia

1996: Adesão ao Comitê do Aço da OCDE

1996: Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares – CTBT (1998)

1996: Instituto Internacional de Vacinas (1999)

1996: Convenção sobre proibição de armas excessivamente lesivas (2000)

1996: Acordo de Complementação Econômica (livre-comércio) Mercosul-Chile

1996: Protocolo de Defesa da Concorrência no Mercosul (2000)

1997: Adesão ao Comitê de Comércio da OCDE

1997: Acordo de Complementação Econômica (livre-comércio) Mercosul-Bolívia

1997: Adesão ao Comitê de Investimentos e Empresas Multinacionais da OCDE

1997: Convenção sobre o uso dos cursos de águas internacionais – ONU

1997: Convenção sobre corrupção nas transações internacionais – OCDE

1998: Adesão ao Comitê de Agricultura da OCDE

1998: Adesão ao Comitê de Política de Concorrência da OCDE

1998: Tribunal Penal Internacional – TPI (2002)

1998: Acordo-quadro Mercosul-Comunidade Andina para zona de livre-comércio

2000: Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança

2000: Tratado de Direito Patentário (OMPI)

2000: Acordo-quadro Mercosul-República da África do Sul

2001: Adesão ao Comitê de Administração Pública da OCDE

2001: Convênio Internacional do Café de 2001 – AICAFÉ 2001 (2002)

2002: Protocolo de Olivos sobre solução de controvérsias no Mercosul (2003)

2002: Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes

2003: Acordo-quadro entre o Mercosul e a Índia

2003: G-20 ou G-X: grupo de países em desenvolvimento no âmbito da rodada Doha

2003: Acordo de Complementação Econômica (livre-comércio) Mercosul-Peru

2004: Acordo de Complementação Econômica (livre-comércio) Mercosul-CAN

2004: Sistema Geral de Preferências Comerciais entre países em desenvolvimento

Este trabalho de apresentação, seleção e compilação de atos multilaterais no campo econômico ofereceu uma visão preliminar da estrutura normativa que enquadra a inserção econômica internacional do Brasil. Os instrumentos referidos permitem uma aproximação institucional à diversidade e mesmo complexidade dos temas que integram a agenda econômica internacional do País, mas esta última não se limita exclusivamente aos atos formais de caráter econômico assinados e ratificados pelo Brasil. A rigor, qualquer outro tipo de acordo multilateral regulando atividades humanas, mesmo quando não trata de matéria diretamente econômica – os de natureza cultural, por exemplo –, apresenta necessariamente impacto social e, portanto, custos econômicos, estes derivados, por exemplo, de sua implementação ou simples monitoramento.

Mencionem-se, a propósito, as grandes conferências das Nações Unidas sobre temas tipicamente ambientais ou sociais – como as relativas à Mulher, à População, aos Direitos Humanos, ao Desenvolvimento Social, aos Assentamentos Humanos ou a Cúpula da Alimentação e várias outras –, que produzem programas de trabalho relativamente ambiciosos quanto aos objetivos propostos, sem que para isso proponham necessariamente instrumentos vinculatórios do ponto de vista internacional.

Muitas declarações sobre meio ambiente, por exemplo, constituem demonstrações conspícuas do avanço da normatividade e institucionalidade nos mais diversos campos da vida humana, sem assumir o formato estrito e tradicionalmente conhecido dos tratados ou convenções multilaterais.

Esses instrumentos constituem, em todo caso, a moldura indispensável a partir da qual deve ser pensada a inserção econômica internacional do Brasil. O processo de desenvolvimento deve ser, cada vez mais, pensado em escala global e nenhum país pode continuar a conceber suas políticas setoriais numa perspectiva puramente nacional. Parece evidente que as discussões e negociações sobre temas econômicos e sociais nos foros internacionais exercem influência sobre as políticas governamentais nacionais. Arranjos e compromissos estabelecidos nessas conferências internacionais podem influenciar projetos de ação no plano nacional, o que de certo modo confirma a marcha tendencial do mundo contemporâneo para a interdependência global.

As organizações internacionais, sobretudo as de caráter econômico como as listadas no presente trabalho, desempenham um papel crescente nas relações econômicas internacionais e, em conseqüência, na vida econômica do Brasil. Elas contribuem, cada uma à sua maneira, para o avanço das normas jurídicas internacionais, favorecendo o encaminhamento pacífico dos principais problemas das relações entre os Estados.

O mundo do futuro pertence tanto aos Estados nacionais – cujo pretendido "fim", anunciado por alguns profetas, não parece próximo de realizar-se – quanto às organizações internacionais: como evoluirão as relações entre esses dois tipos de entidades é uma questão ainda em aberto, inclusive para o Brasil, que participa de um processo de integração que poderá, em última instância, influenciar de maneira decisiva sua maneira de se relacionar com a comunidade internacional.

Referências bibliográficas:

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––– (1997). "Estrutura institucional das relações econômicas internacionais do Brasil:

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–––– (2002). Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas, São Paulo, Paz e Terra.

–––– (2004). Relações Internacionais e Política Externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira, 2ª ed.; Porto Alegre, Editora da UFRGS.

CARDOSO DE OLIVEIRA, José Manoel (1997). Actos Diplomaticos do Brasil: tratados do periodo colonial e varios documentos desde 1492, edição facsimilar: Brasília, Senado Federal, 2 vols.; Coleção Memória brasileira nº 11, com introdução e atualização dos atos multilaterais até 1996 por Paulo Roberto de Almeida (edição original: Rio de Janeiro, Typ. do Jornal do Commercio, 1912).

GNACCARINI, José C. (1989). "A economia do açúcar: processo de trabalho e processo de acumulação" in FAUSTO, Boris (org.), História Geral da Civilização Brasileira, Tomo III, O Brasil Republicano, 1º volume, Estrutura de Poder e Economia, 1889-1930, 5ª ed.; Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 309-344.

MELO, Clovis (1969). Os Ciclos Econômicos do Brasil, Rio de Janeiro, Laemmert.

MURPHY, Craig N. (1994). International Organization and Industrial Change: global governance since 1850, Nova Iorque, Oxford University Press.

SEITENFUS, Ricardo (1997). Manual das Organizações Internacionais, Porto Alegre, Livraria do Advogado.

SOUTO MAIOR, Luis Augusto (1996). "A diplomacia econômica brasileira no pósguerra (1964-1990) in GUILHON DE ALBUQUERQUE, José Augusto (org.), Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990), Vol. II: Diplomacia para o Desenvolvimento. São Paulo: Cultura editores associados, p. 267-296.

THOMSON, David (1967). Pequena História do Mundo Contemporâneo, Rio de Janeiro, Zahar.

Notas

1. O presente trabalho pode ser lido como complementar a meu ensaio de 1997, "Estrutura institucional das relações econômicas internacionais do Brasil: acordos e organizações multilaterais, 1815 a 1997", publicado na Contexto Internacional. Ele baseia-se em pesquisas do autor desde o início dos anos 1990, que foram objeto de publicações diversas, seja em artigos isolados, seja como capítulos de livros do autor; ver ALMEIDA, 1999a, 2001, 2002 e 2004.

2. Cf. Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembléia Geral Legislativa na primeira Sessão da décima Legislatura [2de maio de 1857]. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1857, pp. 13-15. Em sua Nota, o Governo Imperial saudava a "adoção de máximas tão moderadas e justas" e declarava esperar que "a política sábia e generosa que inspirou tão feliz iniciativa, regulará também a sua verdadeira prática, evitando-se assim as divergências e conflitos que têm dado lugar em todas as épocas as restrições dos 2° e 3° princípios, no tocante ao direito de visita e a qualificação de mercadoria hostil..."; "mas, em nome dos mesmos princípios, é lícito ainda pedir às potências signatárias... a conseqüência salutar que se contém nas máximas que elas proclamaram... que toda propriedade particular inofensiva, sem exceção dos navios mercantes, deve ficar ao abrigo do direito marítimo contra os ataques dos cruzadores de guerra" (ALMEIDA, 2001: 379).

3. Vide os tratados de 22 Junho 1861 (Hanover) e de 16 Julho 1863 (Bélgica) in CARDOSO DE OLIVEIRA (1997), vol. I, pp. 293-294 e 324-325; segundo informam os Relatórios do MNE de 1862 e 1864, "o governo imperial teve de desembolsar [no caso do rio Elba] 1.038 thalers, ou 1:417$081, quantia insignificante, considerando-se a importância da negociação" (1862, p. 31), e 1.680 francos pelo trânsito no rio Escalda (1864, p. 24). Em contrapartida, o Governo imperial recusou-se a contribuir para o resgate dos direitos de passagem pelos estreitos de Sunda e de Belts, objeto de convenção de 1857, sob administração da Dinamarca ("a fim de não contrair voluntariamente um ônus em pura perda para os cofres públicos"), ou então propunha reciprocidade por permitir a livre navegação no Amazonas e para o Paraguai; ver CARDOSO DE OLIVEIRA, vol. II, pp. 33-34 e Relatórios de 1871, p. 50, e de 1872, Anexo I, p. 172 (ALMEIDA, 2001: 380).

4. Decreto nº 3.749, regulamentado em 31 de julho de 1867; cf. CARDOSO DE OLIVEIRA, vol. I, p. 381 (ALMEIDA, 2001: 380).

5. O Relatório de 1882 relaciona, assim, mais de dúzia de conferências, congressos e exposições aos quais o Governo Imperial tinha sido convidado; cf. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na primeira sessão da décima-oitava legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado interino dos Negócios Estrangeiros Franklin Americo de Menezes Doria. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1882, p. 35.

6. Pelo Artigo 5º da convenção, o privilegiado "ficará sujeito à obrigação de usar seu privilégio, na conformidade das leis do país onde introduzir os objetos privilegiados"; ver a Coleção das Leis do Império do Brasil de 1884, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1885, Parte II, Tomo XLVII, pp. 268-276: Decreto n° 9.233, de 28 de junho de 1884, promulga a convenção assinada em Paris a 20 de março de 1883, pela qual o Brasil e outros Estados (Bélgica, Espanha, França, Guatemala, Itália, Países Baixos, Portugal, El Salvador, Sérvia e Suíça) se constituem em União para a proteção da propriedade industrial; acessão ulterior da Grã- Bretanha, da Tunísia, do Equador e de outros Estados (ALMEIDA, 2001: 384-385).

7 Nesse "Congresso dos Estados da América do Sul", celebrado em Montevidéu para formular tratados em matéria de direito internacional privado, foram ainda discutidas convenções sobre direito penal, direito civil e exercício de profissões liberais, nenhuma delas suscetível de aprovação pelo Brasil, por divergências em relação à legislação interna; ver Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão da vigésima legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Rodrigo Augusto da Silva, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1889, pp. 5-11 (ALMEIDA, 2001: 415-416).

8. Cf. Relatório de 1889, op. cit., pp. 16-18 e 69-73 (ALMEIDA, 2001: 416).

9. Pela manutenção do Escritório, o Brasil pagaria, numa proporção calculada em função da população, uma quota de 5.250 dólares, de um total de 36 mil, enquanto os Estados Unidos ficariam com 18.800 e a Argentina 1.462 dólares; cf. Anexo ao Relatório de 1900, pp. 107- 109 (ALMEIDA, 2001: 417).

11. Em face da meia dúzia de entidades "multinacionais" do século passado, estima-se em cerca de 350 as organizações existentes atualmente, sendo pelo menos uma centena de base universal; cf. Jean-Paul Jacqué, Les organisations internationales contemporaines. Paris, Pedone, 1988, citado por SEITENFUS (1997: 21).

12. O tratamento político dado ao problema fundamentalmente econômico da chamada "cláusula social" no comércio internacional contemporâneo pode ter como antecedente histórico a questão do tráfico escravo no século 19; tratei desse tipo de analogia, não de todo anacrônica, no artigo relacionado em 1994b.

13. Refiro-me, obviamente, aos livros respectivos de Keynes, As Conseqüências Econômicas da Paz, publicado originalmente em 1919, e de Carr, Vinte Anos de Crises, cuja primeira edição foi publicada às vésperas da Segunda Guerra Mundial; ambos possuem edições brasileiras.

Paulo Roberto de Almeida*
paulo_almeida[arroba]terra.com.br

Revista Contexto Internacional (Rio de Janeiro: Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ; vol. 26, nº 1, janeiro-junho 2004; http://www.puc-rio.br/iri
Relação de Trabalhos nº 1237. Relação de Publicados nº 463.

* Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas, diplomata de carreira, ssessor especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
www.pralmeida.org



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