5. Universalismo e relativismo nos direitos humanos

O princípio da universalidade
Os tempos atuais caracterizam-se por uma construção paradoxal que envolve, de um lado, um programa universalista inaugurado pela modernidade globalizante e, de outro, um conjunto de práticas e discursos que efetivam o abandono do humano e legitimam esse esquecimento. a própria idéia de Direitos Humanos pressupõe a recepção do conceito de humanidade; o que só pode ser feito, se se mantém operante a identidade vinculadora a todos os demais.
Segundo André-Jean Arnaud, a idéia do universalismo é fruto do pensamento filosófico ocidental caracterizado pela visão etnocentrista de que os valores válidos para o ocidente o são urbi et orbi. Está pautada fundamentalmente sobre o sujetivismo, do qual surgiram as Declarações dos Direitos Do Homem e do Cidadão. É a partir do conceito de subjetivismo que se extrai o caráter humanístico das regras mais essenciais que ordenam as relações jurídicas, norteadas pelo princípio da valoração da vida em sociedade.
Sempre que se exclui alguém da idéia definida de direito, está decretada a ruína do princípio da universalidade e ocorre consequentemente a regressão para aquém da própria noção de direito.

Aduz Arnaud, in litteris:
"... a junção entre abstração, axiomatização e subjetivismo que permitiu aos autores da época moderna – notadamente os da corrente jsunaturalista racionalista – construir axiomaticamente uma ciência de direito fundada na primazia do sujeito. Subtende-se que este último é "sujeito de direitos; isto é, titular de direito "subjetivos".(...)
A idéia de que os valroes estabelecidos na base dos fundamentos de nossos direitos, pelos filósofos europeus da época "moderna", seriam univerais, penetrou tão profundamente nas mentalidades que a encontramos nos mínimos recantos da cultura ocidental."
Não por acaso, todas as versões do anti-humanismo, à direita ou à esquerda, consagram a intolerância como estilo, a violência como método e a irracionalidade como conteúdo. Por esta via , que se renova contemporaneamente no abandono e descaso aos Direitos Humanos, o que se perde de vista, sempre, são os indivíduos concretos. Afinal, os particularismos não podem conceber as pessoas como intransponíveis. As plataformas extremas apenas o evidenciam pelo que possuem de incontrastável.
Assim, como o exemplifica Marcos Rolim, Hitler podia nos falar "(..) do nada do ser humano individual e da sua existência prolongada na imortalidade visível da nação." No entanto, a realidade histórica objetiva demonstrou que o ser humano e o desenvolvimento pleno de suas potencialidades é o que de verdade importa, independente dos marcos configurados das fronteiras, sejam elas de caráter geográfico, cultural ou social. E de maneira incondicionada visto que elas extrapolam em muito suas circunstâncias. Marcos Rolim preconiza que:
"...os conceitos de raça e classe social emergiram na experiência totalitária como particularismos absolutos porque estavam, de uma ou outra forma, no centro de ideologias cuja pretensão foi a de revelar o absoluto fosse como natureza ou "sentido da história". Tais experiências demonstraram o que há de temível na idéia de "verdade" e sua virulência frente ao ideal democrático. Demonstraram mais, não obstante. Pelo totalitarismo, sabemos que a figura do mal radical neste século só pode ser vitoriosa sobre a destruição do princípio de universalidade, o mesmo princípio que sustenta a luta pelos Direitos Humanos".

Os ataques contrários à nova universalidade dos direitos fundamentais são verdadeiros despautérios. Leciona Paulo Bonavides:
"a nova universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia. é universalidade que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade".
Continua o mestre: "A nova universalidade procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser o homem deste ou daquele País, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade."

O relativismo e as especificidades regionais
Arnaud preconiza que entre os diversos e numerosos paradoxos enfrentados pelo pós-modernismo, dois são particularmente apontados ao longo do processo de globalização: o primeiro tem a ver com o próprio pós-modernismo que opõe o universal ao particular, e o segundo – a globalização, por colocar em pólos opostos global e local.
Por outro lado, o mesmo autor admite em sua obra que o "universal e o particular se opõem , mas são indissociáveis, tanto em uma perspectiva de reconstruçào do direito na base dos fundamentos pós-modernos, como na implementaçào da relaçào jurídica no âmbito da globalização das trocas". Defende o relativismo a partir de uma visão pela qual a redescoberta do "local" faz com que as identidades culturais se afirmem, fato que o universalismo não o permite.
Considera Rolim, por seu turno, que polêmica proposta pelo relativismo acerca das especificidades regionais, como limitadoras da amplitude e eficácia dos direitos humanos, carecendo de sustentação se analisada com profundidade e método adequados. Significa afirmar que possui limitações teóricas constitutivas que terminam por desacreditar seus próprios pressupostos. Isto não implica em afirmar que os adeptos do relativismo não forneçam ao debate público questões que empalmam com a realidade objetiva. Não parece ser possível enfrentar qualquer dilema político relevante a partir de uma posição relativista, se a entendermos, genericamente, como a afirmação de uma ética "comunitária" – legitimada por comunidades – contraposta aos imperativos de uma ética universalista, como aquela pressuposta no próprio ideário dos Direitos Humanos.
O relativismo indiscriminado exclui valores e práticas de uma cultura da avaliação moral de indivíduos de outras culturas, como se o aporte de todas para a liberdade e a igualdade fosse igualmente valioso. Ou como se os direitos humanos não constituíssem o próprio limite à diversidade. Urgente então seria preservar critérios universais que retiram a legitimidade de todos os valores e práticas baseados na dominação e na discriminação, inclusive de gênero, e endossam a responsabilidade internacional pela proteção da pessoa, consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

O exemplo da mutilação genital feminina
A mutilação genital feminina, por exemplo, como o informa Carlos Alberto Idoetaé prática comum na África e em alguns países do Oriente Médio. Ocorre também em comunidades de imigrantes em países latino-americanos, asiáticos, europeus, Canadá e EUA. Está ligada à castidade e à crença de que diminui o desejo sexual e reduz o risco de infidelidade (na infibulação, a mulher "costurada" só é "aberta" para o marido). Outros supostos argumentos a dar respaldo consistem em motivos de higiene e estética, com a genitália feminina tida como feia e volumosa. Em algumas culturas, às mulheres não mutiladas é vedado o manuseio de alimentos e água.
O autor aponta que é desconhecida a origem da mutilação. Precedeu o cristianismo e o islamismo, era praticada pelos "falashas" (judeus etíopes), não é preceito de nenhuma das chamadas grandes religiões.
A violência contra as mulheres é uma realidade antiga. Mas, ao contrário de outros grupos oprimidos, as mulheres raramente têm recorrido à violência para a afirmação de seus direitos. Até as declarações de direitos humanos enunciaram direitos do homem e excluíram de sua abrangência formas de violência doméstica ou comunitária como a mutilação genital feminina. A subordinação foi aceita como inelutável enquanto um dos sexos foi, por séculos, assumido como física e intelectualmente inferior ao outro.
Quando a humanidade passa a desafiar, além do racismo e do colonialismo, o patriarcalismo, a violência contra a mulher deixa de ser "pessoal" e adquire a condição de problema político e social. Os próprios defensores de direitos humanos carecem de encontrar quais as formas de lidar com violações cometidas pelo indivíduo contra o indivíduo, em escala ainda maior e autorizadas pela própria família da vítima.
Às dificuldades de ordem prática, soma-se o argumento muitas vezes aplicado de fazer do multiculturalismo um obstáculo ao universal. Enfrentar a mutilação genital feminina, por exemplo, seria uma causa "eurocêntrica", ou ocidental que despreza valores de culturas milenares? Nesse debate, imperativo se fazer dar voz e vez às próprias vítimas.

A prática da excisão de clitóris encontra amplo respaldo cultural nos países muçulmanos. Conta com o apoio, inclusive, da grande maioria das mulheres. Ora, o próprio ideário dos Direitos Humanos integra o direito à autodeterminação das nações como um dos seus valores. Com isto, não se pretende negar a nenhum povo a prerrogativa de estabelecer os seus próprios regramentos. Este mesmo ideário, entretanto, é incompatível com a oferta de dor e sofrimento a quem quer que seja e queda por oferecer elementos suficientes para um juízo moral a respeito daquela prática de mutilação que é, também, sustentada por uma cultura amplamente repressora frente às mulheres. Está-se, então, diante de um conflito ético que justapõe dois valores absolutamente imponderáveis: a consideração pela independência, autonomia e soberania dos povos, de um lado, versus a intolerância diante da violência, de outro. Apenas a ética universalista dos Direitos Humanos pode manter a exigência de respeito e luta pela afirmação dos dois valores. Se, pelo contrário, toma-se como suficiente a aceitação cultural de determinadas práticas nesta ou naquela comunidade situada historicamente – abandonando, portanto, a perspectiva universalista – estar-se-ia absolutamente desarmado teórica e politicamente para questionar o mal radical produzido com grande aceitação interna pelo nazismo na Alemanha, por exemplo.

Especificidades político-religiosas
As objeções suscitadas quanto à universalização dos direitos humanos são particularmente levantadas pelos países islâmicos e asiáticos. Estes acusaram que os propósitos universalistas dos direitos humanos são, na verdade, princípios ocidentais, que desprezam as particularidades regionais de cada povo. É uma discussão que deve ser aprofundada, ainda mais em face dos recentes acontecimentos político-religiosos do Islã e da China, só para fornecer um exemplo.
O fundamentalismo religioso nega uma série de direitos que os ocidentais, reputam como ínsitos à natureza humana, principalmente a liberdade religiosa e de expressão. O Islã vem fechando cada vez mais as suas portas, procurando um isolamento frente ao Ocidente, no ideal de formar uma comunidade vinculada aos preceitos do Corão. Tal política isolacionista dificulta sobremaneira a vigilância internacional sobre os direitos humanos. É o tribalismo maléfico.
Com a China, o processo de abertura econômica não causou a devida abertura política e, por conseguinte, a sua democratização. Atualmente a situação é delicada, principalmente para os EUA, posto que os maciços investimentos das empresas ocidentais e, evidentemente, os avantajados lucros, estão em conflito com as posturas políticas de seus países, no tocante às exigências de respeito aos direitos humanos pelos chineses. Pequim ameaçou retaliar se continuassem as intromissões em sua política interna. Os prejuízos econômicos podem ser enormes. Eis o dilema. Qual a prioridade: investimentos ou direitos humanos?

6. Rumo a um Direito Internacional dos Direitos Humanos

Renato Sócrates Gomes Pinto observa que, na atualidade, em face da tendência à universalidade dos direitos humanos configura-se uma nova seara jurídica, com com âmbito próprio a denominar-se Direito Internacional dos Direitos Humanos .
Na normatização deste florescente Direito, que tem dimensão universal, estão a consubstanciar-se declarações, pactos, convenções e protocolos. As declarações, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos Humanos, são instrumentos que congregam regras de Direito Internacional e princípios gerais do direito. Os pactos, convenções e protocolos adicionais constituem tratados que vinculam os Estados signatários, sendo incorporados no Direito Constitucional e infra-constitucional dos diversos países.
Esse novo ramo do Direito emerge com princípios próprios. Suas normas, tal como o autor o afirma "têm hierarquia constitucional e se caracterizam por sua força expansiva decorrente da abertura tipológica de seus enunciados. O Direito Internacional dos Direitos Humanos também rompe com a distinção rígida entre Direito Público e Direito Privado, libertando-se dos paradigmas clássicos".
Como base jurídico-política do que pode ser considerada a vertente humanista da globalização, o "Direito Internacional dos Direitos Humanos", por ter também uma função de dissolver fronteiras, a operar a proteção do ser humano intrinsecamente considerado, tangencia o tradicional conceito de soberania irrestrita, reivindicando a universalidade como valor colocado na ordem do dia das relações internas e externas das sociedades humanas.
O que se vislumbra em todo esse processo de internacionalização dos direitos humanos, a que Norberto Bobbio se refere como essencial no caminho obrigatório para a busca da "paz perpétua", no sentido Kantiano da expressão, é a configuração de um fenômeno da mesma natureza da globalização econômica.

A estrutura normativa de proteção internacional dos direitos humanos abrange os instrumentos de proteção global, cujo código básico é a chamada international bill of human rights, compreendendo o pacto e o protocolo facultativo internacional dos direitos civis e políticos, o pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais e os instrumentos de proteção regional, que são aqueles pertencentes aos sistemas europeu, americano, asiático e africano.
Gomes Pinto informa que "o primeiro marco histórico referido à internacionalização dos direitos humanos terá sido a Convenção de Direito Humanitário de 1864" . O Direito Humanitário surgiu então como primeira positivação, no campo do Direito Internacional, dos direitos humanos.
Acrescenta o autor que outro marco decisivo foi a Convenção da Liga das Nações de 1920 , que continha previsões genéricas referentes aos Direitos Humanos, obrigando os Estados signatários a respeitarem a dignidade dos homens, mulheres e crianças, particularmente no campo do trabalho. Pela primeira vez, foram previstas sanções econômicas e militares contra os Estados que violassem essa Convenção.
No processo de internacionalização dos direitos humanos, foi também de fundamental importância a instituição da Organização Internacional do Trabalho. Nessa fase inicial, contudo, ainda vigorava a idéia de que os direitos humanos eram matéria que excluía de participação o indivíduo como ator do processo. Os instrumentos institucionais eram endereçados apenas aos Estados, sendo os indivíduos apenas objeto de proteção, sem direito de representação.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, em 1945, houve uma genuína revolução jurídica, que internacionalizou, de modo decisivo, os direitos humanos (arts. 55 e 56 da Carta da ONU).
Em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, enunciando direitos referidos à liberdade e à igualdade. Esta representou também um salto de síntese dialética de superação da velha dicotomia (liberdade versus igualdade), ao reunir, num mesmo documento, os direitos civis e políticos, bem assim os direitos econômicos, sociais e culturais, afirmando então a indivisibilidade dos direitos humanos fundamentais.
Ainda em 1948, foi aprovada a convenção contra o genocídio. No mesmo ano, foi assinada, em Bogotá, a Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis e dos Direitos Políticos à Mulher.
Em 1950, foi aprovada a Convenção Européia dos Direitos Humanos. O tratado europeu representou um dos mais significativos avanços na consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, com uma grande inovação: elevou o indivíduo à condição de sujeito de direito internacional, ao prever a possibilidade de qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, individual ou coletivamente, ajuizar petições junto à Comissão Européia de Direitos Humanos, denunciando violações dos direitos e liberdades enunciados na Convenção.

Numerosas outras convenções vêm sendo firmadas, a saber:

a) em 1951, a convenção relativa ao estatuto dos refugiados;
b)em 1966, o pacto internacional para a proteção dos direitos civis e políticos e o pacto internacional para a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais;
c) em 1968, a convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial;
d)em 1969, a convenção americana sobre direitos humanos;
e)em 1979, a convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher;
f) em 1984, a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes;
g) em 1985, a convenção interamericana para prevenir e punir a tortura;
h) em 1989, a convenção sobre os direitos da criança;
i) em 1994, a convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

A partir, portanto, de meados deste século, várias declarações, pactos e convenções sobre direitos humanos vêm sendo produzidas, num processo de convergência mundial pela positivação universalista desses direitos. E os direitos e liberdades enunciados nesses tratados internacionais vêm sendo internalizados no Direito Constitucional dos países, como normas materialmente constitucionais.
A existência de normas internacionais, que, pela sua própria natureza, situam-se num plano mais elevado que as de direito interno (apenas nesse sentido é que pode falar em supremacia), como situar a Declaração Universal de Direitos do Homem (que não é tratado, mas resolução da Assembléia Geral da ONU) e o Pacto de São José da Costa Rica em um plano infraconstitucional, como é o entendimento reiterado da jurisprudência.
No Brasil, esses direitos são constitucionalizados em virtude do disposto no parágrafo 2
° ; do art. 5° ; da Constituição de 1988, que diz que os direitos nela enunciados não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
No Direito Constitucional Comparado Latino-Americano a mesma força normativa dos tratados internacionais sobre direitos
humanos é observada. Flávia Piovesan, em sua excelente obra Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional faz substanciosa síntese da recepção dos tratados sobre direitos humanos nas constituições latino-americanas, nestes termos:

"Destaque-se, inicialmente, a Constituição do Peru de 1979, ao determinar no art. 105 que os preceitos contidos nos tratados de direitos humanos têm hierarquia constitucional e não podem ser modificados senão pelo procedimento que rege a reforma da própria constituição.
No mesmo sentido, a Constituição da Argentina, após a reforma constitucional de 1994, passou a dispor no art. 75, inciso 22, que, enquanto os tratados em geral têm hierarquia infra-constitucional, mas supra-legal, os tratados de proteção dos direitos humanos têm hierarquia constitucional, complementando os direitos e garantias constitucionalmente reconhecidos.
Por sua vez, a Constituição da Nicarágua de 1986 integra à enumeração constitucional de direitos, para fins de proteção, os direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (...).
Esta Constituição confere assim hierarquia constitucional aos direitos constantes dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos.
Um outro exemplo é a Constituição da Guatemala de 1986, ao prever que os direitos e garantias nela previstos não excluem outros que não figurem expressamente no elenco constitucional. Este texto adiciona que os tratados de direitos humanos ratificados pela Guatemala têm preeminência sobre o Direito interno, nos termos do art. 46.
Nesta mesma direção está a Constituição da Colômbia de 1991, que no art. 93 confere hierarquia especial aos tratados de direitos humanos, ao determinar que estes prevalecem na ordem interna e que os direitos humanos constitucionalmente consagrados serão interpretados em conformidade com os tratados de direitos humanos ratificados pela Colômbia".

Mesmo que não se atribua status de regra constitucional às enunciações de direitos dos tratados internacionais sobre direitos humanos, ainda assim subsiste sua força normativa constitucional, pois consubstanciam princípios com carga de normatividade, inclusive como diretriz hermenêutica. A força normativa dos princípios já está consolidada no constitucionalismo pós-positivista, a partir de Müller, na Alemanha, que suplantou o positivismo tradicional de Kelsen e seus seguidores, e a partir de Dworkin, que, no mundo anglo-saxônico, mudou o eixo de Oxford (Bentham e Austin) para Harvard.
Nesse final de século, desenha-se no contexto mundial a imperiosa necessidade de a cidadania dispor de instrumentos normativos que assegurem a inviolabilidade dos povos. Essa tendência, iniciada pela separação do indistinto poder soberano, premente nas antigas relações entre governantes e governados, tem como marco histórico e inaugural a célebre instituição do Tribunal de Nuremberg, responsável pelo julgamento dos crimes cometidos contra a humanidade patrocinados pelo nazismo hitleriano .

7. Conclusão

Os direitos humanos não são apenas um conjunto de princípios morais que devem informar a organização da sociedade e a criação do direito. Enumerados em diversos tratados internacionais e constituições, asseguram direitos aos indivíduos e coletividades e estabelecem obrigações jurídicas concretas aos Estados.
Mormente quando se dá conta que o próximo século que se avizinha apresentará aos países em desenvolvimento novos desafios, sem os quais suas inserções na ordem mundial não se viabililizarão, esses direitos assumem uma importância ainda mais objetiva. Embora a proposital referência ao processo em curso de globalização aponte para uma visão economicista, com finalidade de explorações financeiras e mercantis, torna-se cada vez mais inevitável contemplar o novo cenário planetário sem perceber a inevitável inclusão de reivindicações humanitárias, que venham a aproximar os povos de todos os continentes em direitos e dignidade.
Trata-se pois de conceber o programa dos Direitos Humanos como a proposição mais avançada e radical de promoção da liberdade e da cidadania que se opõe, constitutivamente, ao modelo do sujeito alienado, desinteressado das questões públicas ou alijado das questões político-sociais por conta da ignorância e da miséria extemada.
A criação de mecanismos judiciais internacionais de proteção dos direitos humanos, como a Corte Interamericana e a Corte Européia de Direitos Humanos, ou quase judiciais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ou Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, deixam claro uma mudança na antiga formulação do conceito de soberania. É certo, porém, que a obrigação primária de assegurar os direitos humanos continua a ser responsabilidade interna dos Estados .
No entanto, face às constantes violações aos direitos fundamentais do ser humano escudadas em pretensas fundamentações que reivindicam as questões ligadas às tradições quer culturais ou religiosas regionais ou tribais, cresce a importância da discussão necessária acerca da universalidade dos Direitos Humanos consagrados nas Declarações existentes, no marco da globalização em curso.
Nesse quadro multiplica-se consideravelmente a importância dimensional dos tratados gerais de proteção internacional dos direitos humanos no plano das relações exteriores, bem como a configuração de um Direito Internacional dos Direitos Humanos.

8. Referências bibliográficas

ARNAUD, André-Jean. O Direito entre Modernidade e Globalização. Lições de Filosofia do Direito e do Estado, RJ: Renovar, 1999.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 11a. ed., RJ:Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo. Malheiros, 1999.
IDOETA, Carlos Alberto. A indivisibilidade dos Direitos Humanos, retirado de http:/www.eupg.br/rj/a1vat12.htm, 2000.
MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. O Brasil e o direito internacional na nova ordem mundial. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. V. 34, N. 34. 1994.
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Globalização dos Direitos Humanos?, Retirado de http:/www.eupg.br/rj/a1vat12.htm, 2000.
RAUSCHNING, H. Hitler Speaks , Londres, T. Butterworth, 1939, p.222, in ROLIM, Marcos. A universalidade como princípio, retirado de:www.rolim.com.br/cronic/html.
SANTOS, Edilsom Pereira dos. Colisão de Direitos (A Honra, a Intimidade, a Vida Privada e a Imagem versus a Liberdade de Expressão e Informação). Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris Editor, 1996.
TRINDADE A. Cançado. Ao Legado de Viena. A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro, anais da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993), 1996.

Abstract
Este ensaio tem por objetivo delinear alguns pontos da fundamental discussão sobre a universalidade na aplicação dos Direitos Humanos num cenário mundial globalizado, porém ponteado por especificidades sociais e culturais de caráter regional e tribal que colocam em destaque a discussão acerca de questões como soberania, auto-determinação dos povos e dignidade humana em contraposição face a valores ligados particularmente às tradições religiosas e ao poder político.
É neste marco que vem se configurando paulatinamente, fruto dos acordos, protocolos, convênios e tratados, a normatização de um novo Direito, de caráter universal, cujo objeto são os Direitos Humanos.
Eis que, com essa abordagem, abre-se uma oportunidade para enxergar o assunto sob o prisma da preocupação com a garantia da efetividade universal dos Direitos a regular a vida em sociedade sob a égide da legitimidade normativa.
"...nestes últimos anos, falou-se e continua a se falar de direitos do homem, entre eruditos, filósofos, juristas, sociólogos e políticos, muito mais do que se conseguiu fazer até agora para que eles sejam reconhecidos e protegidos, efetivamente, ou seja, para transformar aspirações (nobres, mas vagas), exigências (justas, mas débeis), em direitos propriamente ditos (isto é, no sentido em que os juristas falam de "direito")".
Norberto Bobbio

 

Trabajo enviado por:
Edna Raquel R. S. Hogemann
hogemann[arroba]uol.com.br


 
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