A educação de Maurício Tragtenberg (Depoimento pessoal sobre um método político-pedagógico)



 

1. Introdução: um educador para todas as estações

"No man means all he says, and yet very few say all they mean,
for words are slippery and thought is viscous." *
Henry B. Adams, The Education of Henry Adams (1907)

Contrariamente à assertiva de Henry Adams, autor da mais famosa autobiografia (escrita na terceira pessoa) publicada no século XX, Maurício Tragtenberg – doravante referido apenas como MT – tinha por hábito dizer tudo o que pensava. Ele também costumava pensar tudo o que dizia, assim como expunha claramente e defendia publicamente suas idéias, ainda que também tendia a acreditar que os conceitos são, efetivamente, escorregadios e que o pensamento pode ser "viscoso", ou pelo menos inercial. Como muitos pensadores originais, vários elementos de sua contribuição intelectual encontram-se dispersos em muitos escritos de caráter aparentemente "objetivo", mas sempre impregnados de reflexões pessoais e de referências a seu próprio itinerário de "produtor de idéias".

Infelizmente, MT não nos deixou – salvo pequenas referências pessoais em algumas de suas palestras – escritos autobiográficos que pudessem revelar como e do quê exatamente foi feita sua educação – no sentido do conceito alemão de Bildungs, isto é, formação – e de como ele compreendia e que sentido atribuía à sua própria missão educativa, certamente o traço mais permanente e identificador de seu caráter enquanto homem e de seu itinerário de vida, enquanto ser social.

Tendo tido a sorte, que no caso pode ser considerado um verdadeiro privilégio, de me ter beneficiado, durante curto espaço de tempo, em minha vida "juvenil", de suas qualidades de educador, e tendo depois, numa fase já adulta, cultivado essa relação e interagido com o velho mestre nos curtos intervalos permitidos por uma vida essencialmente nômade, posso testemunhar pessoalmente sobre algumas das características do Bildungsprocess de MT e do que me parece relevante destacar numa vida marcada pela coerência entre as idéias pessoais e a prática social do maior Magister – talvez o único a merecer efetivamente esse título – que conheci em minha própria fase formativa. Não pretendo fazer aqui um Bildungsroman, à la manière de Henry Adams, nem traçar qualquer itinerário biográfico, ainda que intelectual, do velho mestre anarco-marxista, mas tão simplesmente oferecer alguns "instantâneos" de sua carreira enquanto pedagogo, seguramente o título que melhor honraria um homem que passou o essencial de uma fecunda vida intelectual transmitindo um pouco de seu saber e experiência a milhares de alunos temporários no espaço de algumas décadas (três ou quatro, no seu caso) de conturbada vida política brasileira e de definições dramáticas para as próprias doutrinas e movimentos pelos quais se definia MT.

Há uma tendência, nas ciências sociais brasileiras, a se perguntar, no caso das grandes obras fundadoras de uma corrente explicativa: "Quem fez a cabeça do Brasil?" Tal inquirição se aplica, por exemplo, aos trabalhos seminais publicados nos anos 1930 por Caio Prado Jr, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda, ou mesmo, mais próximo dos anos 50, por intelectuais como Celso Furtado e Florestan Fernandes. Eles de certa forma fizeram a "cabeça do Brasil", contribuindo, com vários outros pensadores, à formulação de uma "teoria social" – no sentido frankfurteano ou marcusiano da palavra – essencialmente brasileira. No meu caso, assim como provavelmente também no de milhares de outros jovens que tiveram a sorte de tê-lo tido como professor, a pergunta de "Quem me fez a cabeça?" seria facilmente respondida, após breve recapitulação de nossos "mestres fundadores" pessoais: MT viria certamente em primeiro lugar, se mais não fosse nas categorias "originalidade" e "criatividade".

Caberia observar, como nota final introdutória, que estas minhas reminiscências de MT estão naturalmente impregnadas de um certo tom autobiográfico, o que parece inevitável, na medida em que observações e comentários sobre entes e figuras queridas de nosso passado trazem sempre a marca da interação particular que, neste caso específico, ocorreu nos momentos fugazes em que pude beneficiar-me e compartilhar um pouco da atividade pedagógica de MT, em conjunturas nas quais suas palavras, textos, exemplos ou ações concretas foram importantes para iluminar meu próprio itinerário.

 


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