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A educaçao na transformaçao da sociedade brasileira (página 2)

Simon Schwartzman

 

  • o ensino primário está praticamente estacionado em seu crescimento. Ele atende pouco mais de 80% da população, principalmente nos centros urbanos de centro-sul; a qualidade tende a ser baixa.
  • o ensino secundário tem crescido mais, mas atende a uma parcela pequena da população, não proporciona formação profissional, dado o fracasso da lei 7044 de 1970; as melhores escolas são as particulares, e são as que selecionam para o vestibular.
  • existe ainda um pequeno ensino técnico de qualidade, englobando os sistemas SESI-SENAI e algumas escolas técnicas e agrícolas.
  • todo o ensino brasileiro está marcado por grandes discriminações sociais (quadro 4). A pré-escola, e principalmente o ensino superior, são quase privativos dos grupos de renda mais alta; os que ganham até um salário mínimo dificilmente terminam o primeiro grau; os de 2 a 5, dificilmente chegam ao segundo.
  • o ensino superior é altamente estratificado, com divisões entre:
  • pós graduação e graduação
  • centro sul e Nordeste
  • profissões tradicionais e novas profissões
  • setor público e setor privado.

Quadro 4 - Distribuição de Renda e Matrícula em Escolas,
para crianças de 7 anos e mais em escolas.

pre-escola

1º grau

2º grau

superior

Total

Até 1 salário mínimo

11.6

15.3

3.4

1.1

1 a 2

17.9

24.6

10.2

4.5

2 a 5

31.2

38.5

38.0

18.0

5 a 10

37.5

15.3

31.0

26.1

Mais de 10

48.3

IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1983, 245-247.

2.2 Gastos governamentais em educação: (quadro 2):

Quadro 2: Gastos governamentais com Educaçao no Brasil (1983)

1º grau

2º grau

superior

Total

Federal

38,2

8,9

52,7

29.5%

Estadual*

77.1

11.5

11.4%

55.7%

Municipal*

98.0

2

---

14.8%

TOTAL

67.5

9.2

23.3

100%

*cerca de 20% dos recursos estaduais e municipais provêm de transferências do governo federal.

Fonte: Dados preliminares, compilados principalmente a partir de Alberto de Melo e Souza, "Despesas Governamentais em Educaçao no Brasil", mimeo, 1983.

 

A maioria dos gastos governamentais em educação são feitos a nível estadual e municipal, ainda que com transferências do governo federal. O Brasil gasta pouco em educação: cerca de 5% do PNB, e 13 a 15% do orçamento federal. Os estados e municípios pagam os salários dos professores de primeiro grau, e recebem repasses do Salário Educação, parte do qual é utilizado na forma de bolsas de estudo para o ensino particular. Os municípios gastam cerca de 30 a 40% de seus orçamentos em educação primária; o governo federal cuida, principalmente, do ensino superior.

2.3 Algumas características gerais do ensino básico: (quadro 3a.):

Quadro 3
a) Características Gerais do Ensino Básico no Brasil, 1985.

1ª série

4ª série

8ª série

Alunos matriculados

6,7 milhões

40%

17%

Setor rural

2,8 milhões

18%

0,012%

% de alunos em idade maior do !ue a recomendada

58%

66.2%

68%

Taxa de repetência

24%

12%

15%

Taxa de evasão imediata

14%

8.4%

11.2%

b) Características Gerais do professorado de primeiro grau:

Total de professores:

1.040.553

Na área rural:

24%

com estudos até o primeiro grau

14%

Com estudos completos de 2º grau

45%

Com estudos superiores

41%

Fonte: Ministério da Educaçao, Sinopse Estatística do Primeiro Grau, 1985, Edição Preliminar.

O ensino básico é altamente deficiente, com grandes taxas de abandono e repetência, principalmente entre a primeira e quarta série. A ineficiência é especialmente alta nas zonas rurais, em que menos de um em cada cinco alunos de primeiro ano chegam ao 4º.

Existe uma grande ficção quanto ao sistema seriado e às idades consideradas "apropriadas" para os cursos:

- a primeira série, que deveria ser de alfabetização, leva normalmente dois anos para ser cumprida, e inclui um ano de "pré-escola" embutido e mal administrado, o que implica, em parte, as altas taxas de repetência;

  • as novas gerações permanecem nas escolas de 7 a 8 anos, mas cumprem somente 4 séries, em média;
  • a grande maioria dos alunos é mais velha do que seria "normal" para as respectivas séries;
  • os conhecimentos efetivos obtidos pelos alunos em cada série são altamente variáveis, o que torna bastante aleatório, e meramente burocrático, o conceito de repetência. Seus efeitos para os alunos, no entanto, podem ser traumáticos.
  • os horários curtos, a falta instalações e de material didático, a má qualificação e desmotivação dos professores são fatores que afetam de maneira decisiva os resultados do ensino.

2.4 - Algumas características do pessoal docente do ensino básico: (quadro 3b):

  • cerca de 15% do pessoal docente de primeiro grau não têm o segundo grau completo, e estão, em sua grande maioria, no setor rural;
  • em contrapartida, o pessoal mais qualificado se concentra no centro-sul.
  • quase metade do pessoal docente possui nível superior. No entanto, notam-se as seguintes deformações:
  • Pessoal de nível superior só ensina, geralmente, no segundo ciclo (antigo ginásio); para o primeiro ciclo ainda prevalece a imagem da professora normalista, de nível secundário, e geralmente mal paga;
  • Os professores de primeiro ciclo que fazem os cursos superiores de educação normalmente passam a funções administrativas ou de orientação, e deixam as salas de aula;
  • dada a baixa remuneração e prestígio associados ao magistério básico e secundário, a seleção profissional de professores tende a ser negativa, sem condiçoes de atrair vocações e pessoal melhor qualificado.
  • existe, pois, uma tendência a expulsar os melhores professores das salas de aula, principalmente nos níveis mais básicos de ensino.

2.5 Algumas características gerais do ensino superior (quadro 5):

Quadro 5: Características Gerais do Sistema de Ensino Superior Brasileiro:

Pós-Graduação

Setor Público

Setor Privado

Número de professores

14 mil

45 mil

60 mil

Número de estudantes

40 mil

450 mil

950 mil

Qualificação docente

doutorado e mestrado

pós graduação e mestrado

graduação

Salários

bons a excelentes

bons

ruins

Regime de trabalho

tempo integral

tempo integral

tempo parcial

Custo dos estudos

bolsa de estudos

gratuito

pago

Localização

Centro sul

centro-sul e nordeste

centro-sul (periferia)

  • o ensino superior é altamente estratificado, com três setores bem diferenciados - a pós-graduação, o setor público e o setor privado.
  • o setor privado se encarregou, no Brasil, de absorver a maior parte da demanda por ensino superior, vinda de setores economicamente menos favorecidos. Sua qualidade em geral não é boa, e ele vem tratando de se adaptar, dentro do possível, às características de sua clientela: cursos noturnos, tempo parcial para os estudantes, menores exigências de conteúdo.
  • o setor público, federal ou paulista, é totalmente subsidiado, atende principalmente os setores médios e alto. Sua qualidade é variável, de razoável a péssima. Não existem mecanismos de controle de qualidade e eficiência de recursos. A eficiência é geralmente baixa, seja em termos de evasão, seja nas taxas professor/ aluno, seja na capacidade de profissionalização efetiva dos estudantes. Graças à capacidade organizativa dos professores, eles possuem estabilidade, facilidades de promoção e salários de razoáveis a bons (principalmente se comparados ao mercado de trabalho).
  • a pós graduação deveria ser, e em parte é, a garantia de qualidade de todo o sistema. É a única que passa por um sistema periódico de avaliação. No entanto, ela sofre por funcionar como represamento dos graduados em situação de desemprego, por altas taxas de deserção e evasão, e pela incapacidade de incorporar as pessoas mais capazes formadas no país e no exterior.

3. Algumas propostas gerais sobre a problemática do ensino no Brasil.

O quadro anterior mostra com clareza que, apesar de insuficiente e inadequado às necessidades do país, o sistema educacional brasileiro já apresenta uma série de características de rigidês e imobilidade, que podem deitar a perder grande parte dos recursos que a ele venham a ser destinados. Para que isto não aconteça, algumas mudanças importantes de perspectiva devem ser introduzidas. Os objetivos gerais a serem obtidos, em todos os níveis, devem ser:

  • reduzir os aspectos burocráticos e ritualistas da educação, fazendo com que as pessoas busquem as escolas pelo que elas possam proporcionar, efetivamente, em termos de conhecimento, e não de títulos formais;
  • proporcionar condiçoes para reduzir os aspectos socialmente regressivos do ensino superior brasileiro, aumentando as possibilidades de acesso dos menos favorecidos a sistemas de ensino de qualidade
  • atrair talentos e vocações para as atividades de ensino, principalmente nos níveis mais baixos do sistema educacional.

A título de sugestão, gostaria de mencionar algumas medidas bastante gerais que poderiam conduzir a estes objetivos:

3.1 - No ensino básico, a profissão de professor precisa ser revalorizada. Esta revalorização depende, em grande parte, de melhores salários; ela depende, também, de valorizar mais o ensino de primeiro ciclo em relação ao de segundo, invertendo o quadro que existe hoje.

3.2 - Deve haver um trabalho sistemático de desburocratização dos sistemas estaduais de ensino, com a transferência direta de recursos e autoridade para as escolas e para as salas de aula. A desburocratização deve levar também a automatizar os mecanismos de transferência de recursos federais para os estados e municípios.

3.3 - A introdução de ensino público de qualidade deve ser feita onde e quando for possível,e não pode esperar o atendimento quantitativo e horizontal sem qualidade, já que é o primeiro que proporciona competência e direção para o segundo. Experiências como a dos CIEPS no Rio de Janeiro, se acompanhadas de procedimentos pedagógicos e educacionais adequados, devem ser estimuladas e difundidas.

3.4 - Sistemas escolares para o atendimento de populações "defasadas" precisam ser criados e estimulados. Grande número de pessoas procuram escolas fora de sua idade "normal", em todos os níveis, e os programas convencionais são completamente inadaptados a suas necessidades, motivações e capacidade. Escolas para adolescentes sem curso primário, cursos superiores não convencionais para adultos que trabalham são os exemplos mais óbvios.

3.5 - Substituir, tanto quanto possível, as exigências de diplomas formais pela verificação de competência específica. No passado, a exigência de diplomas funcionava como um incentivo à escolarização. Hoje, ela funciona como elemento de burocratização do ensino, e da introdução de discriminações injustificadas no mercado de trabalho.

3.6 - Introduzir, em todos os níveis, mecanismos de avaliação do desempenho das instituições de ensino. Estas avaliações devem servir para sinalizar ao público quais cursos, e escolas, produzem melhores resultados; e para sinalizar aos governos e agências financiadoras onde os recursos estão públicos estão sendo melhor utilizados.

3.7 - Modernizar o Ministério da Educação e as Secretarias Estaduais. Esta modernização deve consistir em dar a estas instituições predominantemente funções de avaliação, acompanhamento e experimentação de novas metodologias, e não de controle e execução burocráticos, que devem ser transferidos tanto quanto possível às próprias escolas.

3.8 - Aumentar e incentivar os vínculos entre as instituições de ensino e as comunidades. O envolvimento de pais, associações de moradores, igrejas, empresas, sindicatos, e outras organizações comunitárias com os estabelecimentos de ensino é de grande importância para lhe dar maior contato com o mundo real, e inclusive lhe proporcionar, quando possível, recursos adicionais.

3.9 - Rever o papel do Estado em relação ao financiamento e ao controle do Ensino. O ensino de qualidade é caro, e, em todos os países em que ele existe, ele é de responsabilidade essencial do Estado. É socialmente injusto que, no Brasil, o Estado dê ensino superior gratuito aos filhos de classes altas e médias, e force os mais pobres a buscar o ensino privado e de má qualidade; seria também nefasto que o Estado se encarregasse somente do ensino de massas e de má qualidade, deixando ao setor privado o ensino de elite.

O papel do Estado em relação ao ensino poderia melhorar muito pela adoção, entre outras, das seguintes medidas:

a) introduzir, no setor privado, uma distinção clara entre "empresas de ensino", organizadas de forma privada e com fins lucrativos; e instituições de ensino comunitárias, e não lucrativas. As primeiras deveriam sem controles de preço e sem subsídios; as segundas, na medida em que comprovarem seu bom desempenho, poderiam receber auxílio público, na forma de verbas, professores e outros insumos.
b) introduzir, no setor público, sistemas graduais e efetivos de recuperação de custos, com os devidos cuidados para a proteção dos setores menos favorecidos. Isto aumentaria a disponibilidade financeira das instituições, e desestimularia o uso indevido dos recursos educacionais públicos por pessoas não adequadamente motivadas.
c) eliminação progressiva da idéia de que os sistemas educacionais podem ser efetivamente geridos por grandes burocracias centralizadas. As instituições de ensino deveriam, tanto quanto possível, ser transferidas para as comunidades em sua gestão quotidiana. Caberia ao Estado provê-las de recursos, mas, principalmente, de padrões, critérios, competência e estímulo.

* Conferência dada no Ciclo de Extensão III/87 da Escola Superior de Guerra, 13 de Outubro de 1987.

Simon Schwartzman
simon[arroba]schwartzman.org.br
http://www.schwartzman.org.br/simon/esg.htm



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