Emoção, Gênero e Violência:
experiências e relatos de vitimização (1)

Maria Claudia Coelho (2)

 

 

 

Resumo

Este artigo apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa que venho desenvolvendo acerca da percepção da violência em camadas médias cariocas. Tem como problema fundamental examinar as relações entre violência e alteridade sob o prisma das emoções suscitadas pelas experiências de vitimização, com foco naquelas emoções cuja lógica remete às temáticas da inclusão versus exclusão social.

PALAVRAS-CHAVE: Violência, experiências de vitimização, emoções, gênero.

 

Abstract

This article presents the first results of a research concerning the perception of the violence in Carioca middle classes. It has as basic problem to examine the relations between violence and afterimage under the prism of the emotions excited for the victimization experiences, with focus in those emotions whose logic sends to the thematic ones of the inclusion versus social exclusion.

KEYWORDS: Violence, victimization experiences, emotions, gender.

 

Introdução

Este artigo apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa que venho desenvolvendo acerca da percepção da violência em camadas médias cariocas3. O projeto tem como problema fundamental examinar as relações entre violência e alteridade sob o prisma das emoções suscitadas pelas experiências de vitimização, com foco naquelas emoções cuja lógica remete às temáticas da inclusão/exclusão. Seu pressuposto teórico fundamental é uma perspectiva que vem orientando estudos na área da antropologia das emoções batizada pelas antropólogas norte-americanas Catherine Lutz e Lila Abu-Lughod de "contextualista", cuja atenção está voltada para a análise da dimensão micropolítica das emoções.

O objetivo específico deste trabalho é explorar algumas possibilidades de análise da gramática das emoções suscitadas pela experiência de vitimização em uma forma particular de criminalidade: os assaltos a residências. Utilizei aqui como forma de obtenção de dados a entrevista em profundidade, com um roteiro voltado para a narrativa e comentário de experiências de assalto a suas residências vivenciadas pelos entrevistados.

Os dados aqui analisados são duas entrevistas realizadas com um casal que vivenciou, marido e mulher juntos, uma experiência de assalto a sua residência. O casal reside na Zona Sul do Rio de Janeiro e tem dois filhos. Ambos são profissionais liberais e estão na faixa etária de 50-60 anos. Vivenciaram juntos, há pouco mais de 25 anos, uma experiência de assalto à residência dos pais dela, também situada na Zona Sul do Rio de Janeiro, na qual estavam temporariamente hospedados.

Este trabalho está estruturado em duas partes. Na primeira, exponho os pressupostos teóricos que orientam as reflexões que se seguem, concentrando- me no exame de duas questões oriundas da antropologia das emoções de matriz norte-americana: a - a noção de "etnopsicologia", ou seja, de concepções nativas acerca do fenômeno das emoções, concepção esta que, nos Estados Unidos e nas sociedades européias ocidentais contemporâneas, seria fortemente marcada por um corte de gênero (LUTZ, 1988); e b – a dimensão micropolítica das emoções mencionada acima, ou seja, a capacidade que as emoções têm de atualizar, na vivência cotidiana de atores de carne e osso, aspectos de nível macro da sociedade em que vivem.

A segunda parte do texto é uma exploração da fecundidade destas questões para a análise dos depoimentos colhidos. Também aqui subdivido o tratamento dado em duas partes, enfocando em primeiro lugar o modo como a relação entre violência e alteridade aparece nos relatos e comentários dos entrevistados e as emoções suscitadas em conjunção com este problema. Em seguida, busco apontar para algumas diferenças na forma de narrar e comentar estas experiências de vitimização que me parecem orientadas por diferenças de gênero associadas à vivência emocional.

 

1. A Antropologia das Emoções: duas questões para o estudo da violência

O campo da antropologia das emoções conheceu, a partir de meados dos anos 80 nos Estados Unidos, um forte desenvolvimento. Podemos apontar dois marcos na trajetória destes estudos: o trabalho de Michelle Rosaldo (1984) em que a autora discute as implicações da antropologia interpretativista de Clifford Geertz para o estudo de aspectos da experiência humana tais como o self, os afetos e a personalidade e a coletânea organizada por Catherine Lutz e Lila Abu- Lughod (1991) em que é formulada a perspectiva contextualista para a antropologia das emoções. O primeiro trabalho nos servirá como ponto de partida para expor a etnopsicologia ocidental das emoções; o segundo nos conduzirá à dimensão micropolítica dos afetos.

 

1. a Primeiro tempo: a construção cultural das emoções

Rosaldo (1984), com base em diversas comparações de cunho etnográfico com material obtido em trabalho de campo junto aos Ilongot, formula como sendo tarefa da antropologia mostrar de que modo a cultura (em sua dimensão pública e simbólica) interfere na experiência psicológica dos indivíduos. Para a autora, o ponto central é "o reconhecimento do fato de que o sentimento sempre recebe sua forma através do pensamento, e de que o pensamento é carregado de sentidos emocionais" (p. 143, tradução minha). Em uma tentativa de esclarecer a fronteira entre pensamento e sentimento, Rosaldo sugere que a distinção-chave é a forma de envolvimento do self do ator social, extraindo daí sua conhecida formulação do sentimento como um "pensamento incorporado":

"As emoções são pensamentos de algum modo ‘sentidos’ em rubores, pulsações, movimentos do fígado, mente, coração, estômago, pele. São pensamentos incorporados, pensamentos perpassados pela preocupação de que "eu estou envolvido". A oposição pensamento/afeto revela assim a diferença entre a mera escuta do choro de uma criança e a escuta sentida – como aquela que ocorre quando percebemos que há perigo envolvido ou que a criança que chora é o seu próprio filho." (ROSALDO, 1984, p. 143, tradução minha).

Rosaldo (Idem, p. 143) conclui então pela afirmação de que os sentimentos são práticas sociais, estruturadas pelas formas de compreensão e concepção do corpo, do afeto e da pessoa, estas por sua vez culturalmente definidas, o que a leva a postular uma desconfiança quanto à suposição da universalidade das emoções.

Esta perspectiva, cuja essência podemos definir como sendo a crença no caráter culturalmente construído das emoções, é também o que orienta as reflexões de Lutz (1988) acerca da concepção euroamericana das emoções abstraída a partir do esforço de compreensão das emoções Ifaluk, em um movimento auto-reflexivo típico do empreendimento antropológico. Lutz esboça um minucioso quadro da forma euroamericana de conceber o plano emocional da experiência humana, na qual a oposição-chave seria emoção-pensamento.

Esta oposição surgiria no pensamento euroamericano em diversas versões: no universo acadêmico, sob a forma afeto/cognição; em sua variante romântica, como uma oposição entre razão e paixão; e no senso comum, como sentimento/pensamento. Estes opostos compartilhariam um traço comum: seriam as realidades mais autênticas do indivíduo, os espaços de surgimento do self verdadeiro, mais autênticos do que a fala ou outras formas de interação.

O eixo fundamental em torno do qual a autora elabora esta concepção euroamericana das emoções (aquilo a que chama "etnopsicologia") é um par de termos em relação aos quais a emoção se opõe: o pensamento e o distanciamento do mundo. Quando em relação com o pensamento, a emoção situa-se no pólo negativo, sendo o pensamento a forma valorizada; quando em oposição com o distanciamento, a emoção é o pólo positivo, o distanciamento sendo algo a ser evitado.

Lutz mostra ainda a forte associação entre a emoção e os atributos do "feminino", do "subjetivo" e do "natural", que mudam de valoração de acordo com aquilo que se lhes opõe – o pensamento ou o distanciamento. É assim, então, que quando oposta ao pensamento, a emoção é vista como domínio do irracional, do impulsivo, do vulnerável, do caótico, do valorativo e do natural. Quando, contudo, oposta ao alheamento, a emoção passa a ser valorizada, sendo vista como o espaço da autenticidade e do comprometimento.

A autora enfatiza ainda a natureza intrinsecamente ambivalente desta forma de conceber o fenômeno emocional, que o faz oscilar entre dois pólos valorativos, sugerindo a existência de uma articulação entre esta duplicidade na forma de ver a emoção e a contradição, inscrita na cultura ocidental, entre enfatizar a racionalidade, o controle e a ordem como atributos positivos e ao mesmo tempo promover a experiência da emoção como algo simultaneamente prazeroso e doloroso.

 

1. b - Segundo tempo: a micropolítica das emoções

Os trabalhos de Rosaldo e Lutz, em seus esforços de teorização sobre o fenômeno emocional a partir de comparações entre materiais etnográficos distintos, podem ser entendidos como representantes daquela vertente que a própria Catherine Lutz, poucos anos depois, batizaria como corrente "relativista" dos estudos sobre emoção. Nesta corrente, a tônica seria o rompimento com a crença na existência de qualquer aspecto essencial nas emoções, que seriam construtos culturais de natureza evidentemente variável.

Esta corrente relativista integra, juntamente com duas outras formas de estudo das emoções, o mapa das formas de pensar sobre emoção delineado por Lutz e Abu-Lughod (1990) na introdução a uma coletânea de estudos sobre emoções. As autoras apontam a existência de duas outras correntes: a essencialista – marcada, como o nome sugere, pela convicção de que as emoções são fatos universais, brotando do íntimo da experiência individual e refratárias a qualquer configuração sociocultural – e a historicista, que compartilharia com o relativismo a convicção de que as emoções são construtos culturais, entendidos aqui porém sob uma perspectiva diacrônica.

Lutz e Abu-Lughod elaboram, contra o pano de fundo deste mapa, a proposta que batizam de perspectiva contextualista, cuja inspiração teórica é a noção de discurso de Foucault, entendida como uma fala que forma aquilo sobre o que fala, ao invés de manter com ele uma relação de referência a algo que lhe é externo. Esta perspectiva permite às autoras adentrar a dimensão micropolítica dos sentimentos, mostrando como as emoções são tributárias de relações de poder entre grupos sociais, servindo simultaneamente para expressar e reforçar estas relações.

Um exemplo desta visão é o próprio trabalho de Lutz (p. 69, tradução minha) incluído nesta coletânea. Nele, a autora retoma suas reflexões sobre o lugar da emoção no pensamento ocidental, partindo da idéia de que "qualquer discurso sobre emoção é também, ao menos implicitamente, um discurso sobre gênero". Seu foco neste texto é a existência de uma "retórica do controle" das emoções associada ao gênero, o que, em sua visão, faria com que o discurso sobre as emoções fosse também uma fala sobre o exercício do poder.

Com base em um conjunto de entrevistas realizadas com homens e mulheres norte-americanos pertencentes às camadas médias e populares, Lutz desenvolve então uma análise sobre o modo como o tema do controle das emoções aparece no discurso de homens e mulheres. Seu ponto de partida é um paradoxo que identifica no discurso ocidental sobre as emoções: elas seriam ao mesmo tempo "sinais de fraqueza" e uma "força poderosa". Este paradoxo estaria no cerne da ambigüidade que cercaria a condição feminina no pensamento ocidental: "a emocionalidade é a fonte do valor da mulher, sua expertise ao invés da racionalidade, mas ao mesmo tempo é a origem da sua inadequação para tarefas sociais mais amplas e mesmo uma ameaça potencial a seus filhos" (p. 77, tradução minha).

Lutz sugere ainda a existência de um paralelo entre esta forma de compreensão da condição feminina e o estudo de Taussig (1984) sobre o colonialismo, em que o autor aponta para a ambigüidade presente na visão dos colonizadores em relação aos indígenas, em que medo e espanto alternam-se com nojo e menosprezo. Para o autor, este seria um processo em que um "espelho colonial" "reflete de volta para o colonizador a barbárie de suas próprias relações sociais" (TAUSSIG, 1984, p. 495, apud LUTZ, 1990, p. 77 tradução minha). Lutz enxerga nesta comparação a possibilidade de se pensar em um "paradoxo da vontade" como recorrentemente presente nas relações de dominação,

"pois o outro subordinado é ideologicamente representado como fraco (de forma a precisar de proteção ou disciplina) e ainda assim periodicamente como uma ameaça à fronteira ideológica, podendo rompê-la através da insubordinação ou da histeria. A fala sobre a emoção, conforme evidenciado nestas transcrições, mostra as mesmas contradições quanto ao controle, à fraqueza e à força. Dada sua definição como natural, ao menos no Ocidente, os discursos sobre a emoção podem ser um dos mais prováveis e poderosos instrumentos por meio dos quais se exerce a dominação." (Idem, pp. 77-78, tradução minha)

Este tema das relações entre emoção e poder está no cerne de outros estudos produzidos nas ciências sociais norte-americanas voltados para a compreensão da dimensão micropolítica de sentimentos específicos, mostrando como a gramática da emergência e da expressão destes sentimentos pode iluminar aspectos da organização social tal como a vivência das hierarquias. É o caso da análise empreendida por Clark (1997) a respeito da compaixão.

Partindo de uma concepção da relação entre sociedade e emoção como uma "via de mão-dupla", em que as emoções são socialmente configuradas ao mesmo tempo em que participam da modelagem da estrutura social, a autora propõe-se a efetuar uma análise da gramática da compaixão, ou seja, do conjunto de regras e lógica que governam os atos de dar e receber compaixão. Para ela, a compaixão integra o conjunto dos sentimentos que estabelecem vínculos entre as pessoas, sendo socialmente valorizada na cultura ocidental como uma "reação à miséria alheia". Nem todo mundo, contudo, é igualmente digno de receber compaixão em situações de aflição. Esta gramática da compaixão define fronteiras entre os grupos, demarcando "a linha entre ‘nós’ e ‘eles’" (Idem, p. 19).

O esforço de seu trabalho é pelo desvendamento da "economia socioemocional" da compaixão. Para Clark, a compaixão é um sentimento assimétrico, que ao mesmo tempo em que é facultado pela ocupação de lugares socialmente distintos, concorre por sua vez para assinalar e reforçar essas assimetrias entre aquele que dá e aquele que recebe a compaixão. É este caráter assimétrico da compaixão que a conduz à reflexão sobre a "micropolítica emocional":

"Mesmo quando aqueles que se compadecem não têm a intenção consciente de fazê-lo, compadecer-se pode ter conseqüências micropolíticas. Ironicamente, trocar compaixão na economia socioemocional pode aproximar as pessoas e ao mesmo tempo aprofundar o abismo social entre elas." (Idem, p. 228, tradução minha)

A compaixão apresenta ainda, segundo a autora, uma íntima relação com a moralidade, ensejando dramas nos quais as concepções culturais de justiça e merecimento são postas a nu. Conceder compaixão exige uma avaliação do merecimento do outro em termos de justiça ou injustiça, sendo assim "um ato de construção de moralidade", pois envolve a decisão de considerar o outro como culpado ou vítima. Essa decisão envolve responder a duas questões fundamentais: "quem merece nossa compaixão?" e "por que?" (Idem, p. 22).

 

2. Análise dos Relatos: pistas exploratórias

Caldeira (2000), analisando relatos sobre experiências de vitimização obtidos junto a habitantes de São Paulo, faz uma distinção entre o crime e a fala do crime: enquanto aquele desorienta e desorganiza o mundo, o seu relato é um esforço de restauração da ordem no plano simbólico. É assim que as narrativas principiam por estabelecer uma hora exata, um lugar e as circunstâncias, enfatizando o caráter corriqueiro daquilo que viria a ser perturbado pelo crime, descrito como um acontecimento traumático.

Estas características são encontradas também na fala de meus entrevistados. Chamou-me a atenção o enorme esforço para precisar exatamente quando os assaltos haviam se dado, com numerosas tentativas para compatibilizar informações (Joana: "quantos anos meu irmão devia ter...uns dezessete, ele não tinha nem carro. Tava na faculdade? Ah, tinha carro, sim, porque eles falavam que iam atrás da gente, é isso mesmo. Ele devia ter o que, uns dezoito, dezenove anos. Né? Eu devia ter uns vinte e oito, isso mesmo. Aí ele...não, tinha menos porque o meu filho ainda não era nascido. Eu devia ter uns vinte e seis anos, vinte e sete, vinte e seis.") .

Falas como essa aparecem mais de uma vez ao longo das entrevistas, em um esforço evidente de alcançar precisão. Entretanto, a forma de contextualizar o assalto é muito diferente se compararmos o relato feminino com o masculino. Joana e Luís4, que vivenciaram juntos na casa dos pais dela o assalto ocorrido há 25 anos, falam assim do momento:

"Eu fui assaltada, uma época que eu tava provisoriamente morando na casa da minha mãe, (...) e eu tava lá provisoriamente como eu te falei que esse apartamento aqui que nós havíamos comprado, ele tava esperando armários, essa coisa toda. Então eu tava ali e foi num dia assim especial, e foi incrível, porque, nós távamos nos preparando, eu e meu marido, naquele dia, pra sair pra comprar os armários à vista, tá." (Joana)

"Eu acho que esse assalto foi em 1979... eu lembro que foi, era início da crise do petróleo, foi...foi depois do jantar, eu tava conversando com meu sogro sobre exatamente a crise do petróleo." (Luís)

Essa diferença na forma de contextualizar pode obviamente ser entendida à luz das atribuições diferenciadas dos espaços público e privado a mulheres e homens (os armários domésticos para ela, a conjuntura internacional para ele). Entretanto, elas também anunciam uma diferença que quero tomar aqui como eixo organizador das formas de narrar essa experiência de vitimização: como algo vivenciado (no caso dela) ou como algo a ser analisado (no caso dele).5 Essa diferença perpassa tanto a forma de comentar sua visão dos assaltantes quanto sua própria experiência do assalto.

 

2.1 – O outro: sentimentos versus explicações

Os depoimentos revelam uma preocupação, por parte dos entrevistados, em dar conta do modo como supõem que são vistos pelos assaltantes. Joana relata assim sua percepção de que os assaltantes supunham serem ela e sua família muito mais ricos do que de fato eram:

"Enfim, eles... e eles... tava numa época, da novela, aquela novela, "Ossos do Barão". Eu nunca me esqueço. Porque ele falava, "casa de barão", "neto de barão", e apagava o cigarro assim nos móveis. E olhava pra casa da mamãe que era grande, e achavam que tinha barra de ouro nas arcas. Aquelas arcas, né, na sala de jantar, assim, então eles queriam que eu pegasse barra de ouro. Eu falei, ‘mas gente’..."

"Eles xingavam a gente, (...) "casa de barão", "neto de barão", não sei o que. A gente não tem nada de barão nem nada, era por causa do "Ossos do Barão", a tal da novela."

A preocupação de Joana é em demarcar o erro dos assaltantes, que "achavam que a gente tinha muito mais do que a gente tinha...Procuravam até barra de ouro, nunca vi um troço desses, eu falei, bom, realmente, foi bom a gente ter alguma coisa pra dar pra eles".

Ao mesmo tempo, contudo, em que enfatiza estar a avaliação dos assaltantes em relação a sua condição financeira superestimada, Joana deixa entrever uma relação subjacente, em seu raciocínio, entre o assalto e diferenças de classe social, traduzidas basicamente como diferenças de poder aquisitivo. É assim que especula ter sido a causa inicial do assalto um "papo de empregada":

"...eu sabia que eles tinham estudado a casa da gente, eles sabiam que devia ter coisa lá, eu achava que tinha papo de empregada, porque empregada adora contar que a patroa tem mais do que a outra patroa. Deve ter falado alguma coisa (...) porque tinha uma empregada que trabalhava lá em casa, que era muito deslumbrada...entendeu? Então eu achei que lá, na casa da mamãe, eles sabiam que tinha alguma coisa."

Essa associação entre o assalto e diferenças de classe social aparece de forma muito nítida em uma conversa ocorrida logo após o término formal da entrevista. Assim que desliguei o gravador, Joana continuou a comentar o efeito que o assalto tivera sobre ela. Contou-me que até então vivera "anestesiada", "sem ver as pessoas", e que a partir de então passara a sentir "pena" delas. Não nomeia quem são essas pessoas a quem não via e de quem a partir de então passa a sentir pena. Só podemos entrever quem são atentando para as cadeias associativas de seu discurso. É assim que, logo após expor este efeito do assalto, Joana me dá o exemplo de uma faxineira que fora trabalhar em sua casa e de quem ela não se lembrava, embora a moça houvesse trabalhado na casa de seus pais. É porque, segundo ela, até o assalto que a despertou para "essas pessoas", para Joana "ela era só um detalhe na minha vida".

O que gostaria de destacar aqui é que, uma vez vistas, o que "essas pessoas" despertam em Joana é "pena", um sentimento que, embora capaz de estabelecer pontes entre as pessoas, aprofunda ao mesmo tempo as assimetrias sociais, sendo um sentimento demarcador das hierarquias sociais, ao mesmo tempo facultado por elas e capaz de reforçá-las, conforme discutido por Clark (1997).

Luís também discorre sobre a experiência de assalto de que foi vítima recorrendo às diferenças de classe social. Conforme já sugerido acima a respeito das diferenças na maneira de narrar, entretanto, Luís não conta a experiência do ponto de vista da vivência pessoal, optando por discorrer sobre a situação socioeconômica do país. Pergunta-me se assisti ao documentário de João Moreira Salles ("Notícias de uma Guerra Particular") e com base nele expõe sua visão sobre a violência como um fenômeno que opõe "nós" a "outros":

"Você percebe, voltando ao assunto da nossa violência e me referindo a esse documentário, você percebe claramente que o cara que tá lá no morro se acha de um time e nos vê, nós aqui de baixo, em outro time, contrário ao dele. Quer dizer, o que a gente fica com a sensação errada de que nós que nos consideramos honestos, justos, enfim, caridosos, estamos meio que imunes. Porque nós não somos os maus. Mas pra ele não tem bom nem mau, tem eles e os outros. E nós somos os outros. Pobres, ricos, brancos, pretos, quem tá aqui embaixo são os outros. (Aqui embaixo que você diz...) Fora do morro. Entendeu? Você tem a favela lá em cima, eu tou me referindo à favela lá em cima porque nesse filme em vários momentos eles entrevistam rapazes que tá na favela no morro. Isso não quer dizer morro, o morro aí é só uma figura geográfica. Podia ser uma favela numa região plana, mas enfim...Você tem comunidades ...é...que, que assumem papéis antagônicos, né, posições antagônicas."

Contudo, embora na fala de Luís haja um tom crítico quanto à percepção "deles" de que "nós" somos "outros" (em um movimento curiosamente paradoxal que, creio, dispensa maiores comentários), seu raciocínio logo em seguida rende-se definitivamente a essa polarização maniqueísta em que diferenças entre classes superpõem-se ao rasgo favela-asfalto já exaustivamente apontado por tantos analistas sociais como cisão fundamental do Rio de Janeiro. Comentando sobre o tema dos direitos humanos nas políticas de segurança pública, Luís fala:

"Eu acho...tem que se evitar a todo custo que você, que você misture...é...assaltante, meliante, traficante, com pobre. As coisas não são idênticas. Não é? Por exemplo...os pobres não são uma extensão desse conjunto de pessoas. Porque isso é o risco que a sociedade corre, e seria um erro, ou será um erro, eu acho que horroroso, se isso, se essa sensação se espalhar. Pois o que acontece é o seguinte, quer dizer, quando você atravessa a Avenida Niemeyer e para em frente ao Vidigal, e você se expõe a levar um tiro vindo de alguém que está, partindo de uma arma portada por alguém no Vidigal, você tem a sensação de que todo aquele mundo que está ali tá contra você. E quem são 99% das pessoas que vivem naquele morro? São pobres honestos. Hoje em dia nem tão pobres mais como antigamente, né, se você considerar a quantidade de eletrodomésticos, enfim, já é uma classe média baixa que tá ali. Mas você não pode. Você tem que lutar pra evitar isso, quer dizer, tentar misturar, né, eles... são tão bons quanto nós. Tão justos quanto, tão decentes quanto a gente. Simplesmente eles tão, eles são mais vítimas do que nós, porque eles tão ali dentro, né, os filhos deles levam tiro."

A fala de Luís é assim uma fala que se apresenta como analítica, distanciada. Resiste fortemente a adentrar o plano da experiência pessoal. Na seqüência de seus comentários sobre a situação social dos jovens que moram nas favelas, Luís fala de sua compreensão quanto ao poder de sedução do tráfico:

"Isso é outra coisa que tinha nesse documentário, é a impossibilidade de que pelas vias normais qualquer jovem se remunere de uma maneira sequer semelhante ao nível de remuneração que ele consegue no tráfico. É muito difícil, né, prum jovem dizer "não, eu não vou, não vou ajudar aqui, não vou trabalhar no tráfico, vou trabalhar honestamente", primeiro porque ele vai precisar conseguir um emprego, que atualmente é difícil. Segundo, se ele conseguir um emprego ele vai ter uma remuneração baixa. Ao mesmo tempo em que ele luta, vai lutar loucamente por essa vida, né, pra se sair bem nessa vida, ele vê um amiguinho, um colega que optou pelo outro caminho, que tem dinheiro que ele jamais vai ter. Quer dizer, um cara desses pode ganhar o que? 500 reais por semana, 2 mil reais por mês? O sujeito pra ganhar dois mil reais por mês líquidos na nossa sociedade é difícil. Vai enfrentar dificuldade muito grande. Na grande maioria não vai conseguir."

A articulação de seu raciocínio só sucumbe uma vez: exatamente diante da sugestão de que vincule análise crítica à experiência de que foi alvo. Luís reage assim à minha sugestão explícita quanto à pertinência desta vinculação:

"(Você classificaria os rapazes do assalto assim? Você acha que eles são, podem ser entendidos assim?) Olha, 80, vamos dizer que isso foi em 80, nós estamos falando de 25 anos, é muito tempo, mudou muito, mudou muito. A situação, a situação econômica mudou muito. (interrupção) A gente tá sempre exposto a isso...(interrupção) Mas então, voltando a sua pergunta, tentando classificar, quer dizer, será que essas pessoas, rapazes do assalto lá de 1980 teriam esse perfil? Não sei...não sei, talvez, olha, eu acho que...hoje eles talvez tivessem mais oportunidade do que naquele tempo, mas...não, acho que naquele tempo talvez fosse até um pouco melhor em termos de oportunidade de emprego, mas a crise já tava se instalando naquela época...mas, olha, a sociedade nunca foi muito justa, não, viu? ... Eu não sei, isso eu não sei...é uma pergunta interessante a sua, eu não sei te dizer, tenho que refletir mais sobre isso."

 

2.2 – Emoções e violência: as marcas de gênero

O relato de Joana é repleto de referências a emoções. Ela fala de "pânico" ao perceber a situação, de um sentimento de "impotência"; diz que gritou, que enfiou um band-aid na boca, que ficou aflita. Fala abertamente do medo que sentiu por ser a única que não teve as mãos amarradas e não foi amordaçada:

"Então eu tava, eu comecei a ficar muito tensa e eu pedi a eles que me amordaçassem. Eu tava com pavor, ‘põe, por favor’. (Por que?) Porque eu tinha medo, porque eu via todo mundo, eles tavam amordaçando todo mundo, meu marido, tava todo mundo já amordaçado, deitado de costas, né, e...de bruços, né, todos imobilizados e eu, e eu via que eu era por último, eu falei, ‘eles vão me levar.’ O meu medo é que eu me via assim, jogada, num subúrbio aí qualquer da vida, estuprada, levando tiro, ou morta, eu visualizava na minha cabeça já eu, já era, jogada num buraco aí qualquer porque eles não me amordaçavam..."

Se as emoções abundam no relato de Joana, sendo expressas de forma aberta como recurso primeiro na forma de narrar sua experiência, elas aparecem de maneira muito diferente no relato de Luís. O sentimento fundamental aí é a calma, que surge já em seu primeiro contato com o assaltante: "o sujeito se aproximou, chegou, eu me levantei, ele me deu um tapa, eu disse então... ‘fique tranqüilo, fique calmo’...". O tom analítico e distanciado de seu discurso faz-se sentir também na forma como descreve as reações emocionais dos outros: "e isso é uma coisa curiosa, as pessoas reagem de forma completamente surpreendente. Os pacíficos se revoltam, os nervosos e violentos ficam mudos..."

Luís admite ter sentido medo. Mas não é o pânico, a aflição ou o grito descontrolado de Joana. Seu medo também é um sentimento controlado e movido por uma preocupação racional: "o meu medo era de que a polícia percebesse, quer dizer, fosse avisada pelos vizinhos e viesse, porque aí eu dizia ‘se esses caras forem cercados vão querer levar um refém’. Esse era o medo que eu tinha".

A descrição da participação dos personagens masculinos e femininos neste drama condensa de forma muito nítida as marcas de gênero na forma de lidar com as emoções em uma situação como esta. Os relatos de Luís e Joana coincidem em muitos pontos na descrição que fazem das reações dos personagens.

O herói-protagonista deste relato parece ser o homem calmo, controlado e que passa a dominar a situação. Este é Luís, descrito por Joana e por si mesmo como alguém que dava as ordens, que se impunha até mesmo ao chefe dos assaltantes e que conduziu as ações até seu "final feliz": perda dos bens sem qualquer injúria física. Luís descreve assim sua atuação:

"Outra coisa interessante é o seguinte, eu consegui me manter calmo e eu tentei durante todo o momento organizar o assalto, que era a forma que eu encontrei de fazer com que, na minha visão, o assalto transcorresse da forma mais pacífica possível, que fosse rápido...".

Sua calma contrasta com a participação dos outros homens, como o amigo que "chegou, foi amarrado, amordaçado e ficou quieto até o final do assalto. Na verdade, ele tinha claustrofobia, tem claustrofobia, então quando puseram, amordaçaram, puseram um pano na boca dele, ele ficou achando que ia morrer sufocado. Fruto disso, ficou anos se tratando com um psiquiatra, etc. e tal." Sua descrição da reação deste amigo é confirmada pelo relato de Joana:

"E ele quando foi amordaçado, foi uma coisa muito estranha, porque a mulher dele conversava com os assaltantes antes de ser amordaçada e ele, botaram um pano nele, não sei que, e ele ficou o tempo todo de bruços de olho fechado, porque ele não olhava pra gente. Ele entrou num processo, coitado, ele ficou completamente... apavorado, em pânico, né, com aquele negócio."

A calma e o domínio da situação de Luís contrastam também com a covardia do copeiro, que se trancou em um armário, só concordando em sair mediante a intervenção firme e ponderada de Luís (segundo Joana):

"Aí nesse meio tempo, também, o Luís uma hora foi desamarrado, que ele foi lá embaixo e falou com o copeiro. ‘José, não tem jeito. Sai daí, abre essa porta, porque eles vão arrebentar isso aí mesmo, e nós tamos todos presos.’ Inclusive a irmã dele, tava presa também, amordaçada, a cozinheira....todo mundo preso lá em cima, junto com a gente, tudo no chão. ‘Então nós já perdemos, mesmo, você tem que sair daí, porque acabou pra gente, são os assaltantes, nós temos que ir embora, e tem que sair.’ Aí ele saiu, abriu a porta e subiu com meu marido e o assaltante (...) e também ficou preso em cima."

Outro personagem cuja atitude é descrita de forma também vivamente contrastante com a calma e a firmeza de Luís é o velho sogro, pai de Joana. Sua reação é contada de forma levemente jocosa pela filha e pelo genro:

"Porque meu pai, na hora que viu os assaltantes, ele era um senhor assim muito de outra época, ele arrebentou a camisa, assim, que o homem falou, ‘fica quieto, seu velho, não sei que’, ele era diabético, e ele pegou e rasgou a camisa, assim, e falou ‘atira se você tem coragem. Ponha-se daqui pra fora da minha casa!’ E o ladrão tava pouco ligando pra ele, então amarrou ele, e tal" "Aí o meu sogro depois teve um ataque, abriu a camisa, rasgando os botões, mandou o cara atirar...são essas coisas interessantes, o sujeito mais pacífico, uma das pessoas mais pacíficas que eu conhecia era meu sogro. Nunca imaginei que fosse capaz disso, de abrir assim...parecendo um super-homem, assim, expondo o peito à bala, ‘pode atirar’."

A reação do sogro e os comentários jocosos a respeito de Luís e Joana parecem apontar na direção da análise feita por Velho (1987) sobre as mudanças nas expectativas quanto às reações dos homens em situações de vitimização e nas diferentes formas de construção da masculinidade frente a estes dramas no Rio de Janeiro. Velho mostra como naquele momento em que escreve era possível identificar a substituição do heroísmo pela ideologia da sobrevivência, em que o importante era permanecer vivo e garantir a integridade dos demais (em especial as mulheres), sendo esta a atitude valorizada na identidade masculina. O contraste feito nestes relatos entre a calma e a firmeza eficaz de Luís (que conduz o assalto a seu final feliz) e o heroísmo que beira o ridículo (cuja firmeza é inteiramente ineficaz – o ladrão "pouco ligava pra ele") são exemplos eloqüentes desta mudança já percebida por Velho há quase vinte anos atrás.

Mas são os assaltantes os principais antagonistas de Luís. Suas atitudes são de dois tipos: jovens e descontrolados (embora em graus variáveis), mais velho e controlado (o chefe). O chefe é descrito assim por Luís:

"Esse não era o transtornado, era um outro que também não era, não chegava a ser tão transtornado quanto mas tava longe de ser o chefe, de ter o equilíbrio do chefe. Felizmente esse cara, esse que era o chefe era um sujeito equilibrado. Ele dava a impressão de ser assim um militar, como se fosse um sargento, sabe? Um cara que sabe o que tem que fazer, dá as ordens claramente...tem o conhecimento da ação...Ele não era um sujeito despreparado. Felizmente. (E isso te tranqüilizava?) Isso me tranqüilizou. Quando eu percebi que ele era assim eu fiquei mais tranqüilo. Porque eu percebia que ele também, tanto quanto eu, não queria que o assalto desandasse. Porque se ficasse por conta dos malucos ia virar um pandemônio"

A calma do chefe, contudo, se por um lado é fator de tranqüilização –tanto Luís como Joana fazem referência a isso-, por outro também suscita temor. Esta ambivalência aparece somente na fala de Joana. Comparando este assalto com outra experiência semelhante de que foi vítima, ela comenta:

"E eles eram mais organizados, e eu tinha mais medo...eu fiquei com maismedo deles, que eu achei eles muito organizados, muito profissionais. E eu tinha, ao mesmo tempo que eu sabia que aquele chefe era mais calmo, eu sabia que ele po...sabe aquele medo, ele...é racional, não vai querer fazer nada, mas...ele é um cara que, sei lá, de repente vai te mandar fazer alguma coisa errada. (Mas você acha que essa racionalidade dele te assustava? Porque em parte te tranqüilizava.) Me tranqüilizava em parte,e em outra me colocava um pouco intranqüila porque eu sabia que ele erao mais inteligente. E que de repente, ele...como ele não tava com nada no rosto, nem nada, eu tinha medo durante o assalto inteiro, e eu pedia pra me..."por favor, vocês me amordacem", e tudo, que eu tinha medo que ele tivesse uma outra idéia, entendeu, que ele não estava, tava me deixando por último, porque ele tava com outras idéias. Quer dizer, ou de me levar, ou de pedir outra coisa, ou de achar que nós tínhamos mais do que nós tínhamos, porque nós não tínhamos, mas pra eles, eles...pra perguntar se tinha barra de ouro, escondida...nunca vi...quer dizer, falei, "não, não tenho", abri as arcas pra mostrar que não tinha nada. Quer dizer, ao mesmo tempo eles tinham essas atitudes, que eu não sei, eu nunca ouvi falar numa coisa dessas. Então eu tinha um pouco de medo dele, porque ele era mais educado, ele era mais assim...contido, não gritava, não falava palavrão, não berrava...e os outros não, entendeu, riam, davam gargalhada, tavam se divertindo com o assalto. E ele já tava mais assim, botando ordem, e querendo agilizar, querendo que não fizesse barulho, que ninguém chamasse..."

Essa ambivalência na reação de Joana diante da calma do chefe pode ser compreendida à luz das considerações de Lutz (1988) expostas acima sobre as representações ocidentais das emoções. Assim, esta calma, se pensada à luz da oposição emoção-pensamento, aparece associada à ordem, à evitação do caos, do "pandemônio". Quando, contudo, pensada à luz da oposição entre emoção e alheamento, ganha contornos ameaçadores, porque evoca frieza e cálculo racional, provocando medo.

Não é à toa, também, que esta ambivalência aparece somente no depoimento de Joana. Para Luís, a calma é só positividade, pois opõe-se às emoções associadas ao feminino, ao descontrole. É só no depoimento de Joana que a calma, se colocada em oposição às emoções – narradas, pelo viés feminino, como parte natural de uma experiência aterradora – pode aparecer como algo ao mesmo tempo tranqüilizador e assustador.

 

Considerações Finais

Apresentei aqui algumas pistas iniciais para a análise destes relatos de experiências de vitimização quanto à sua dimensão emocional. Procurei demonstrar de que modo os entrevistados associam a violência da qual são alvo a uma percepção de diferenças de classe social, ainda que de forma não muito explícita. Procurei ainda sugerir que os sentimentos porventura suscitados por estas experiências podem contribuir para um melhor entendimento do modo como as diferenças de classe social (entendidas pelos entrevistados em termos de desníveis no poder aquisitivo) são acionadas como fatores de explicação para a violência urbana.

Busquei também explorar a maneira como os sentimentos gerados pelas situações de vitimização estão presentes no relato, em especial em sua relação com as marcas de gênero. Assinalei a nítida diferença na maneira de narrar – como experiência pessoal ou como dado analítico -, bem como a natureza dos diferentes sentimentos expressos. Mostrei ainda que nestes relatos há uma narrativa de estrutura muito clara, com um protagonista –o homem calmo e controlado– tendo suas virtudes demarcadas por oposição a outros tipos masculinos (o herói patético, o covarde e o frio estrategista).

Este esboço de análise aqui empreendido, contudo, não pretende estar fazendo mais do que levantar algumas pistas de análise para desdobramentos futuros da pesquisa, com a incorporação à análise de depoimentos relativos a outras experiências de vitimização em episódios de assaltos a residências.

 

Referências Bibliográficas

  • ABU-LUGHOD, Lila e LUTZ, Catherine (orgs.). (1990). Language and the Politics of Emotion. Cambridge: Cambridge University Press.
  • CALDEIRA, Teresa. (2000). Cidade de Muros – crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34/Edusp.
  • CLARK, Candace. (1997). Misery and Company - sympathy in everyday life. Chicago & London: The University of Chicago Press.
  • LUTZ, Catherine. (1988). Unnatural Emotions: everyday sentiments on a Micronesian atoll and their challenge to Western theory. Chicago: University of Chicago Press.
  • LUTZ, Catherine. (1990). "Engendered emotion: gender, power, and the rhetoric of emotional control in American Discourse", in L. Abu-Lughod e C. Lutz (orgs.) – Language and the Politics of Emotion. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 69-91.
  • REZENDE, Claudia B. (ano 6). "Ser brasileiro: identidade nacional e subjetividade entre acadêmicos". In: Interseções, nº. 2, p. 296-310.
  • ROSALDO, Michelle. (1984). "Toward an Anthropology of Self and Feeling", in R. Shweder e R. LeVine (orgs.) - Culture Theory - Essays on Mind, Self, and Emotion - Cambridge, Cambridge University Press.
  • VELHO, Gilberto. (1987). "O Cotidiano da Violência: identidade e sobrevivência". In: Boletim do Museu Nacional, nº. 56.

 

Notas

1. Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no Grupo de Trabalho "Antropologia das Emoções: sociabilidade e subjetividade", integrante da VI Reunião de Antropologia do Mercosul (VI RAM), realizada em Montevidéu (16-18 de novembro de 2005).

2. Maria Claudia Coelho é Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

3. O projeto intitula-se "Violência, Alteridade e Sentimentos: um estudo sobre a percepção da violência em camadas médias do Rio de Janeiro" e vem sendo desenvolvido no âmbito do PROCIÊNCIA da UERJ.

4. Os nomes são fictícios como de praxe.

5. Esta diferença entre os gêneros na forma de narrar é apontada também por Rezende (2004) ao analisar a forma como seus entrevistados discorrem sobre sua experiência de ser brasileiro no exterior.

 


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