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Estudos Avançados em Saúde e Exercícios - Treinamento: Saúde, Dicas e Outros (página 2)

Paulo Gentil

 

Referência bibliográficas

  • BARNARD KL, ADAMS KJ, SWANK AM, MANN E, DENNY DM. Injuries and muscle soreness during the one repetition maximum assessment in a cardiac rehabilitation population. Journal of Cardiopulmary Rehabilitation. Vol.19 nº1 pp:52-8, 1999.
  • CAMPOS GE, LUECKE TJ, WENDELN HK, TOMA K, HAGERMAN FC, MURRAY TF, RAGG KE, RATAMESS NA, KRAEMER WJ, STARON RS. Muscular adaptations in response to three different resistance-training regimens: specificity of repetition maximum training zones. European Journal of Applied Physiology. Vol.88 nº1-2 pp:50-60, 2002.
  • FAIGENBAUM AD, MILLIKEN LA, WESTCOTT WL. Maximal strength testing in healthy children. Journal of Strength and Conditioning Research. Vol.17 nº1 pp:162-6, 2003.
  • HOEGER WWK, HOPKINS DR, BARETTE SL, HALE DF. Relashionship between repetitions and selected percentages of one repetition maximum: a comparison between untrained and trained males and females. Journal of Applied Sport Science Research. Vol.4 nº2 pp:47-54, 1990.
  • KAELIN ME, SWANK AM, ADAMS KJ, BARNARD KL, BERNING JM, GREEN A. Cardiopulmonary responses, muscle soreness, and injury during the one repetition maximum assessment in pulmonary rehabilitation patients. Journal of Cardiopulmary Rehabilitation. Vol.19 nº6 pp:366-72, 1999.
  • SHAW CE, MCCULLY KK, POSNER JD. Injuries during the one repetition maximum assessment in the elderly. Journal of Cardiopulmary Rehabilitation. Vol.15 nº4 pp:283-7, 1995.
  • TAN B. Manipulating Resistance Training Program Variables to Optimize Maximum Strength in Men: A Review. Journal of Strength and Conditioning Research, Vol.13 nº3 pp:289-304, 1999.

 

Pliometria para corredores

Segundo Verkhoshanski (1998), "o método de choque é destinado ao desenvolvimento da força rápida dos músculos e da capacidade reativa do aparelho neuromuscular".

O método de choque foi criado na ex-União Soviética no final de década de 50, por Iuri Verkhoshanski, que o idealizou ao observar o enorme potencial da sobrecarga gerada pela energia cinética dos saltos. O autor cita como exemplo nosso atleta João do Pulo, que desenvolvia, na segunda passada do salto triplo, um esforço médio de 300 kg em uma das pernas em um período de apenas 0,125 segundo.

Algum tempo depois de sua criação, o método foi descoberto por treinadores de outros países, com destaque para pesquisadores importantes e competentes como Carmelo Bosco (Itália), Paavo Komi (Finlândia) e Dietmar Schimdtbleicher (Alemanha). Após a passagem pela Europa, o método de choque finalmente chegou aos Estados Unidos onde foi (in)devidamente alterado e mal aplicado, recebendo o nome genérico de pliometria.

O próprio termo pliometria já gera, segundo Verkhoshanski (1998), uma desvirtuação da proposta original, pois se refere somente à fase excêntrica ou de amortecimento, quando na verdade o método deveria ser centrado na transição rápida entre as fases de amortecimento e impulsão. A essência do método de choque não está em saltar ou amortecer e sim em aproveitar de forma eficiente a energia cinética do contra-movimento para impulsionar o movimento seguinte.

Além do equívoco terminológico, a cultura capitalista do "quanto mais, melhor" vem sendo outro grave problema para a aplicação correta do método. Enquanto Verkhoshanski (1998) recomenda algo em torno de 4 séries de 10 saltos profundos, não passando de alturas de queda geralmente menores que 1 metro, há relatos de treinadores realizando um total de mais de 100 saltos profundos por treino, com os atletas chegando a sair de plataformas de 1,5 metro!!!

Uso do método de choque ("pliometria") em corredores de fundo

Atualmente vem ganhando força uma nova proposta de treinamento para corredores de fundo, que passa a se preocupar também com mecanismos neuromusculares (Noakes, 2003), em uma abordagem bem diferente do paradigma dominante, onde os treinos praticamente se resumem a parâmetros "cardiopulmonares". Esta nova visão vem fazendo com que os treinos de força e potência ganhem papel essencial no treinamento dos atletas de endurance (Kraemer & Hakkinen, 2004).

Um dos principais parâmetros onde uma intervenção neuromuscular pode ajudar corredores de fundo é a economia de movimento, um conceito muito importe que ainda tem pouca notoriedade. Durante a corrida, até 60% da energia mecânica da passada anterior pode ser recuperada para a próxima passada, sendo necessário despender apenas os 40% restantes através de reações metabólicas (Verkhoshanski, 1998; 1999), deste modo, quanto mais energia se aproveitar das passadas precedentes, menor será o desgaste durante a corrida e, conseqüentemente, maior a performance. Esta economia de corrida pode ser, inclusive, um dos fatores que fazem os corredores africanos terem bons resultados em provas longas, conforme pode ser visto no estudo de Weston et al (2000).

Em um estudo feito com atletas de elite, pesquisadores finlandeses verificaram que a substituição de um terço do treino de corrida por treinos de força explosiva, incluindo o método de choque, resultava em melhoras na performance da corrida de 5 km, enquanto o treino convencional não modificava os resultados. No estudo, as melhoras foram altamente relacionadas à maior economia de corrida, maior potência muscular e menor tempo de contato com o solo durante as passadas (Paavolainen et al, 1999).

Posteriormente, Spurs et al (2003) verificaram que a inclusão de um programa de saltos no treinamento de corrida durante 6 semanas levava a melhoras na performance do teste de 3 km e na economia de corrida, sem alterar o VO2máx ou o limiar anaeróbio. As únicas melhoras verificadas foram em parâmetros neuromusculares, como salto com contra-movimento, rigidez musculotendínea dos membros inferiores e o teste de 5 saltos.

Neste mesmo ano, Turner et al (2003) estudaram os efeitos do método de choque em indivíduos treinados, mas não atletas, e também verificaram que o treino com saltos promove melhoras na economia de corrida, mas não no VO2máx.

Recomendações e limitações

Basicamente, corredores de todos os níveis podem se beneficiar do método de choque, no entanto, este é uma estratégia intensiva que não deve ser usada de forma descontrolada.

Os treinos com saltos devem estar dentro de uma fase especifica do planejamento de longo prazo, sendo precedidos de uma preparação neuromuscular adequada e do ensino pedagógico das técnicas dos saltos. Assim, dentro do planejamento anual ele é usado intensivamente apenas durante algumas semanas. Entretanto, grande parte dos atletas nem ao menos tem um trabalho de força (musculação) bem orientado e já está buscando partir para os saltos o que pode trazer conseqüências danosas e lesivas.

Assim como não se deve usar o método de choque no período de base, deve-se ter cautela para suspendê-lo ou adequá-lo antes da competição, para que haja recuperação adequada e transferência proveitosa dos ganhos para a realidade da prova em que se deseja competir.

A montagem de um treino com saltos é um processo complexo que envolve diversos passos, como o cálculo das alturas, da quantidade de saltos e do descanso entre as séries, controle do movimento dos braços, do tempo de contato com o solo e até mesmo a escolha do tipo de solo e de calçados. A quantificação no método de choque é outro ponto muito delicado, pois não há uma sensação muito evidente de cansaço, sendo comum pecar pelo excesso. É importante lembrar as palavras de Verkhoshanski (1998) ao dizer que, quando se trabalha com saltos profundos, "é melhor menos do que mais".

O método não é recomendado para: iniciantes, pessoas sem experiência com treino de força e potência, pessoas lesionadas ou com problemas ortopédicos.

Quem já usou o método de choque adequadamente concorda que ele é, sem dúvidas, um dos meios mais eficientes de se desenvolver as capacidades neurais de corredores, no entanto, quando aplicado inadequadamente, ele se torna altamente lesivo e contraproducente, tanto que até hoje há diversos especialistas, principalmente nos Estados Unidos, que o olham de maneira desconfiada. Para se ter sucesso, é essencial procurar um professor de Educação Física especializado no assunto, evitando as indicações de pessoas sem formação e as autoprescrições, as quais invariavelmente resultam em práticas irresponsáveis e inadequadas que levam a um alto índice de lesões e prejuízos na performance em curto e longo prazo.

Referências bibliográficas

  • Kraemer WJ & Hakkinen K. Treinamento de força para o esporte. Porto Alegre: Artmed, 2004.
  • Noakes, T. Training and bioenergetic characteristics in elite male and female kenyan runners. Medicine and Science in Sports and Exercise. Vol. p:305, 2003
  • Paavolainen L, Hakkinen K, Hamalainen I, Nummela A, Rusko H. Explosive-strength training improves 5-km running time by improving running economy and muscle power. Journal of Applied Physiology. Vol.86 n°5 pp:1527–1533, 1999.
  • Spurrs RW, Murphy AJ, Watsford ML. The effect of plyometric training on distance running performance. European Journal of Applied Physiology. Vol.89 n.1 pp:1-7, 2003.
  • Turner AM, Owings M, Schwane JA. Improvement in running economy after 6 weeks of plyometric training. Journal of Strength and Conditioning Research. Vol.17 n.1 pp:60-7, 2003.
  • Verkhoshanski IV. Força: treinamento de potência muscular – método de choque. Londrina: Centro de Informações Desportivas, 1998.
  • Verkhoshanski IV. Treinamento desportivo. Porto Alegre: Artmed, 1999.
  • Weston AR, Mbambo Z, Myburgh KH. Running economy of African and Caucasian distance runners. Medicine and Science in Sports and Exercise. Vol. 32, No. 6, pp. 1130–1134, 2000.

 

Alongamentos antes e depois do treino, qual a utilidade?

Vimos, em artigos anteriores (veja o texto Alongamento e hipertrofia), que o trabalho de alongamento é muito importante para manter a funcionalidade e ajudar no ganho de massa muscular. Fica claro então que deve-se trabalhar para manter a amplitude funcional das articulações, ou até mesmo aumentá-la em alguns casos. No entanto, uma questão ainda permanece obscura e recheada de mitos: qual o papel do alongamento antes e após as sessões de treino resistido.

Antes do treino

O senso comum indica que uma sessão de alongamento estático seria necessária para prevenir lesões e melhorar a performance nos treinos de musculação. Quanto à primeira hipótese, deve-se ponderar que os exercícios resistidos são realizados em ângulos, eixos e velocidades totalmente diferentes dos trabalhados nos alongamentos estáticos, trazendo o questionamento quanto a sua real aplicabilidade. Justamente por este motivo, diversos estudos verificaram que o uso de alongamentos estáticos antes de sessões de treinamento não tem efeitos relevantes na prevenção de lesões (YOUNG & BEHM, 2002; HERBERT & GABRIEL, 2002).

Além de inócuo, o alongamento estático pode trazer prejuízos para a performance no treino subseqüente, pois atuaria negativamente na rigidez musculotendínea e no reflexo neuromuscular (KAKKONEN et al, 1998; AVELA et al, 1999; YOUNG & ELLIOT, 2001). KAKKONEN et al (1998) compararam os efeitos do alongamento na realização de 1RM (flexão e extensão de joelhos) em duas situações: 1) após os indivíduos permanecerem sentados durante 10 minutos ou; 2) após 20 minutos de alongamento passivo. O alongamento passivo era composto de movimentos de sentar e alcançar, posição de lótus e outros movimentos direcionados para músculos do quadril e membros inferiores, sendo a amplitude definida pelo próprio participante. De acordo com os resultados, o alongamento promoveu uma queda de 7,3% e 8,1% na carga para 1RM, na flexão e extensão do joelho, respectivamente.

Em 2001, YOUNG & ELLIOT realizaram um estudo comparando alongamentos estáticos (protocolo similar ao anterior), facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP) e contrações voluntárias máximas; e verificaram que o alongamento estático tinha a pior interação com os testes de força e potência, sendo os efeitos deletérios também encontrados com o uso da FNP. Posteriormente, em uma comparação entre alongamentos estáticos e corridas, como aquecimento para testes de força e potência foi verificado novamente que os primeiros são prejudicais à performance (YOUNG & BEHM, 2003). Segundo uma pesquisa de FOWLES & SALE (1997), a queda na performance induzida por alongamentos estáticos pode permanecer por até 60 minutos.

Outro grande dogma é a proibição da insistência dinâmica, sob a argumentação que isto tornaria o movimento lesivo. Ao comparar alongamentos estáticos e dinâmicos, SMITH et al (1993) verificaram que os níveis de creatina quinase (CK), um marcador de danos celulares, tenderam a ser maiores, e os níveis de dor muscular tardia eram significativamente maiores com a realização do alongamento estático, mostrando resultados contrários ao senso comum. Vale ressaltar que a única diferença entre os protocolos foi que, durante o alongamento balístico se realizavam as temidas insistências, que normalmente são proibidas dentro das academias.

Após o treino

Uma recomendação comum é que se realizem alongamentos estáticos ao final do treino para diminuir a dor muscular tardia e não correr riscos de se perder a flexibilidade. Porém, deve-se ressaltar que a flexibilidade dificilmente será perdida caso se treine com amplitude adequadas (veja o texto Amplitude – a qualidade esquecida), sendo os encurtamentos fruto de treinos incorretos e não uma conseqüência natural do programa de treinamento. Quanto à primeira colocação, já há fortes evidências comprovando que o alongamento estático não atenua a dor muscular tardia promovida pelo exercício (BUROKER & SCHWANE, 1989; HIGH & HOWLEY, 1989).

No entanto, a realização de alongamentos pode ser útil ao atuar como um meio de "volta à calma", adaptando novamente o sistema neuromuscular às tarefas cotidianas. Em treinos (realmente) intensos é muito comum que haja uma perda de controle motor o que pode ocasionar alguns incômodos e até mesmo lesões na realização de tarefas simples, como tomar banho e girar o volante do carro, logo após o treino. Neste caso um relaxamento pode "avisar" ao corpo que o treino acabou e fazer com que os músculos trabalhem de forma adequada para as atividades que seguirão.

Considerações finais

Tendo em vista a ausência de evidências relacionando o alongamento estático (antes do treino de força) à prevenção de lesões e a abundância de evidência mostrando que sua realização é prejudicial à performance, é recomendável que o aquecimento seja feito de forma dinâmica, com a utilização de movimentos específicos e baixas cargas, tendo em vista que os benefícios a que se propõem os alongamentos estáticos podem ser facilmente obtidos com alongamentos dinâmicos e aquecimentos específicos, conseguindo maior eficiência na prevenção de lesões e sem trazer prejuízos à performance. 

Deve-se ressaltar que este texto se refere especificamente ao treino de força e ao alongamento estático feito meramente como artifício de aquecimento e profilaxia, casos específicos onde se busca aumento de flexibilidade e em certos desportos é necessário empregar uma abordagem diferenciada.

Referencias Bibliográficas

  • AVELA J, KYROLAINEN H, KOMI PV. Altered reflex sensitivity after repeated and prolonged passive muscle stretching. Journal of Applide Physiology. Vol.86 n°4 pp:1283–1291, 1999
  • BUROKER KC, SCHWANE JÁ. Does post-exercise static stretching alleviate delayed muscle soreness? The Physician and Sportsmedicine. Vol.17 n°6 pp:65-83, 1989
  • FOWLES JR, SALE DG. Time course strength deficit after maximal passive stretch in human. Medicine and Science in Sports and Exercise. Vol.29 supplmentum p.S26, 1997.
  • HERBERT RD, GABRIEL M. Effects of stretching before and after exercising on muscle soreness and risk of injury: systematic review. British Medical Journal, Vol.Volume 325 n°7362 pp-462-472, 2002
  • HIGH DM, HOWLEY ET. The effect of satatics stretching and warm-up on prevention of delayed-onset muscle soreness. Research Quartely for Exercise and Sport. Vol.60 pp:357-361, 1989
  • KOKKONEN J; NELSON AG; CORNWELL A. Acute muscle stretching inhibits maximal strength performance. Research Quarterly for Exercise and Sport. Vol.69 n°4 pp:411-415, 1998.
  • SMITH LL, BRUNETZ MH, CHENIER TC, MCCAMMON MR, HOURNARD JA, FRANKLIN ME, ISRAEL RG. The effects of static and ballistic stretching on delayed onset muscle soreness and creatine kinase. Research Quarterly for Exercise and Sport; Vol.64 n°1 pp:103-107, 1993
  • YOUNG W, ELLIOTT S. Acute effects of static stretching, proprioceptive neuromuscular, strecthing, and maximum voluntary contractions on explosive force produtoin and jumping performance. Research Quarterly for Exercise and Sport. Vol.72 n°3 pp:273-279, 2001
  • YOUNG WB, BEHM DG. Should Static Stretching Be Used During a Warm-Up for Strength and Power Activities? National Strength & Conditioning Association. Vol.24 N°6 pp:33–37, 2002

 

Exercícios aeróbios

***Os textos sobre exercícios aeróbios direcionam-se à prescrição indiscriminada e injustificada deste tipo de atividade, em nenhum momento pretendemos criticar os esportes que utilizam-se prioritariamente da via metabólica aeróbia, como corridas de fundo, triatlon, etc... estas atividades são extremamente nobres e valiosas e em nada tem a ver com o paradigma que estou combatendo (Paulo Gentil)***

Normalmente sugere-se atividades aeróbias para diminuir a ansiedade e melhorar o bem estar, mas, como eu escrevi em um artigo anterior (veja Aerobios e qualidade de vida), o bem-estar pós-exercício tem mais relação com a situação que com a característica aeróbia da atividade. Além disso, há o inevitável poder da sugestão: de tanto ouvirmos falar que determinada atividade nos trará bem-estar, acabamos por acreditar e, conseqüentemente, os resultados realmente ocorrem. 

Um grupo de pesquisadores do hospital canadense Laval, em Quebec, realizou uma pesquisa para verificar o efeito placebo nas condições psicológicas de indivíduos submetidos a um programa de exercícios. A amostra foi dividida em dois grupos: metade era levada a acreditar que o programa foi especialmente desenvolvido para melhorar sua condição psicológica de bem-estar, e o outro grupo não recebeu nenhuma intervenção neste sentido. Ao final do estudo, ambos os grupo obtiveram melhoras semelhantes nos parâmetros fisiológicos (capacidade aeróbia), porém somente o grupo sugestionado melhorou sua auto-estima e bem-estar.

Cuidado ao interpretamos esse estudo! Os resultados não significam que você deva abandonar os exercícios. Ou que os efeitos são pura ilusão. Essa pesquisa serve, mais do que tudo, para afirmar o poder que cada pessoa tem de mudar sua situação psicológica e sentir-se melhor, para isto só basta uma coisa: ACREDITAR. 

Referencia Bibliográfica

  • DESHARNAIS R, JOBIN J, COTE C, LEVESQUE L AND GODIN G. Aerobic exercise and the placebo effect: a controlled study. Psychosomatic Medicine, Vol 55, Issue 2 149-154.

 

Respiração durante o treino

Repare que ao nos prepararmos para um esforço intenso, instintivamente inspiramos e prendemos a respiração, isto é o início da manobra de Vassalva, que nada mais é que a exalação forçada contra a glote fechada, ocorrendo como um reflexo inconsciente de nosso corpo diante da superação de sobrecargas altas. Durante essa manobra, a pressão intratoráxica aumenta bastante (cerca de 50 vezes, ou mais), comprimindo as veias da região toráxica, o que reduz o retorno sangüíneo para o coração. A queda no fluxo sangüíneo aliada à subseqüente diminuição da pressão arterial levam àquela conhecida tontura, muito comum no fim dos levantamentos pesados. Durante a manobra de vassalva, a pressão arterial sobe consideravelmente, podendo passar dos 300 mmHg Devido à estas respostas fisiológicas, pessoas com problemas cardiovasculares e iniciantes devem ter muito cuidado com exercícios de sobrecarga elevadas, por isso os portadores das referidas limitações só devem se exercitar orientados por um profissional competente.

A manobra de Vassalva é necessária e eficiente em casos de levantamentos intensos, ajudando a estabilizar o tronco e até mesmo aumentando os níveis de força, WEINECK (2000) cita estudos soviéticos, no qual se verificou que a força de contração dos músculos é maior durante a manobra de Vassalva, seguida pela expiração e menor na inspiração, fato confirmado por ZATSIORSKY (1999), que explica essa resposta através do reflexo pneumomuscular. Repetindo, os maiores níveis de força são obtidos durante a manobra de Vassalva, expiração e inspiração, respectivamente.

Ao recomendarmos procedimentos para a respiração durante atividades físicas pode-se faze-lo com base em dois parâmetros: o equilíbrio anatômico e o equilíbrio biomecânico. Quando levamos em conta o equilíbrio anatômico, como em movimentos em pé que envolvem flexão do tronco recomenda-se que a expiração seja feita com a aproximação entre tronco e coxa, porém, nos movimento exigem que altas taxas de força a respiração deve seguir o equilíbrio biomecânico, com a expiração sendo executada durante a fase forçada do movimento (geralmente a fase concêntrica), portanto a recomendação geral na musculação é: inspirar na fase excêntrica e expirar na concêntrica, só fechando a glote quando for inevitável e não houver complicações cardiovasculares. Esta dica serve também para melhorar seu rendimento no exercício, pois sabemos que a fase onde temos maior dificuldade neuromuscular em executar o movimento é a concêntrica, então utilize a expiração ou, se necessário, a manobra de Vassalva, já a fase excêntrica proporciona relativa facilidade, e pode ser aproveitada para inspirar e estabilizar novamente sua respiração.

Referencias Bibliográficas

  • WEINECK, J. Biologia do Esporte. Rio de Janeiro, Editora Manole, 2000.
  • ZATSIORSKY, V.M. Ciência e Prática do Treinamento de Força. Rio de Janeiro, Editora Manole, 1999.

 

Exercícios aeróbios e qualidade de vida

***Os textos sobre exercícios aeróbios direcionam-se à prescrição indiscriminada e injustificada desse tipo de atividade, em nenhum momento pretendemos criticar os esportes que utilizam-se prioritariamente da via metabólica aeróbia, como corridas de fundo, triatlon, etc... essas atividades são extremamente nobres e valiosas e em nada tem a ver com o paradigma que estou combatendo (Paulo Gentil)***

Esse talvez seja o último refúgio dos defensores das atividades aeróbias de baixa intensidade que, para justificar a prática destes exercícios recorrem ao argumento: "e a qualidade de vida?". Como essa é uma variável extremamente subjetiva e não pode ser medida diretamente de maneira fidedigna, referências bibliográficas não serão necessárias aqui.

O primeiro questionamento a ser feito é: como atividades aeróbias podem melhorar seu cotidiano? Se você morasse em uma fazenda isolada no interior do continente africano, não possuísse veículo e o vestígio de civilização mais próximo estivesse a, no mínimo, 5 quilômetros, eu entenderia a importância dos exercícios aeróbios de longa duração para sua vida. Porém morando em um centro urbano e utilizando-se da facilidade dos veículos automotores eu duvido muito que você precise andar mais que dois quilômetros e correr mais de 100 metros com freqüência. Agora, mesmo o fazendeiro africano precisaria correr somente os cinco quilômetros, ou um pouco mais, então de que adiantaria correr cem vezes mais que isso (500 quilômetros)? **explicações sobre este número no final do texto **. Adiantaria sim, se você conseguisse correr os cinco quilômetros em menos tempo. 

Espero que tenham pego a idéia: a intensidade seria útil e o volume não. Explicando, melhor: dentro do volume específico que você utiliza no dia a dia, somente o aumento da intensidade traria benefícios para sua "qualidade de vida". Ninguém morre do coração andando lentamente, os problemas ocorrem quando realiza-se algum esforço muito intenso em relação a sua capacidade atual, ou seja, quando não há força suficiente para realiza-lo com segurança.

Salvo em casos extremos, caminhar nem ao menos é exercício. Mesmo em patologias, a dificuldade em caminhar é causada pela falta de FORÇA, quer seja por debilidade na massa muscular, quer seja pela deficiência no recrutamento correto das unidades motoras. Você pode dizer: "mas os pessoal da reabilitação fica caminhando..." Eu digo a você que eles estão fazendo treinamento de força, e bastante intenso para alguns.

"Dentro do volume específico que você utiliza no dia a dia, somente o aumento da intensidade traria benefícios para sua ‘qualidade de vida’" (adorei esta frase, quem também gostou fique a vontade para usá-la). Sendo assim, se você precisa agachar e levantar uma vez dentro de um espaço médio, digamos, de 5 minutos então teríamos que tornar esta atividade mais fácil para você, quer dizer menos intensa (sentar e levantar pode não parecer nada hoje, mas daqui a alguns anos isto vai fazer muita diferença), e o que seria melhor: treinar resistência ou força? Ou ainda, andar uma hora na esteira ou fazer agachamento com sobrecarga? Não responda agora.. pois com o agachamento você ainda terá aumento na massa muscular e na densidade óssea!!!! Mais uma possível pergunta é: "e quanto a pressão arterial?" A minha resposta é que sua pressão vai subir tanto quanto mais intensa for a atividade que estiver realizando. Sendo assim quanto mais forte você for menor será o esforço relativo, então...

Muitos defendem que a caminhada traz bem-estar, porém eu duvido que esse efeito seja resultado da caminhada, na minha opinião ele é conseqüência da situação envolvida. Você ficaria feliz em caminhar na Avenida Paulista (São Paulo), Madureira, Centro (Rio de Janeiro) ou Setor Comercial Sul (Brasília) no meio da tarde, debaixo de um sol de quarenta graus, vestindo roupas desconfortáveis, entre milhares de pessoas estressadas e apressado para chegar ao trabalho? Por outro lado, você se sentiria bem ao caminhar em um bosque ou algum lugar paradisíaco ao lado da pessoa que gosta, sem se preocupar com horários ou afazeres? Em ambos os casos você esta caminhando, ou melhor, fazendo exercício aeróbio de baixa intensidade, mas somente o segundo seria agradável. Por que? O ambiente muda, a situação muda. Repetindo a idéia, nesse caso o bem-estar é causado pela situação e não pela atividade (veja mais em Aerobios e bem-estar). 

Por isso eu defendo que façamos atividades que tragam os melhores benefícios no menor tempo possível, para que possamos dedicar nossa vida ao lazer, a nossa família, aos nossos amigos e a nós mesmos. O que acontece é que algumas pessoas se limitaram a abstrair-se de seus problemas durante este tipo de atividade, pessoalmente recomendo que se procure a abstração dentro de outros ambientes como o familiar ou social.

A qualidade de vida atingirá seu ápice quando todos tiverem um emprego agradável, que lhes deixe tempo disponível para viver suas vidas e quando ninguém precisar ter preocupações sociais, financeiras nem de qualquer outro tipo. Atualmente estão tentando vender a qualidade de vida, assim como acontece com tudo mais em nosso modo de produção, e o pior de tudo, é uma venda conjugada com bens materiais e, por que não dizer, exercícios aeróbios, porém devemos ter consciência de que nenhum dos dois traz os resultados prometidos.

** Cem vezes o volume que usa no dia a dia é o que a maioria das pessoas fazem em sua benditas atividades aeróbias, correm em média 100 vezes mais do que precisam para sua vida diária, vamos supor que você só precise dar "tiros" de 100 metros, seja para pegar um ônibus atravessar a rua, ir ao banheiro, buscar seu cachorro... facilmente vemos pessoas correndo acima de 10 km em uma esteira ou seja 10.000 metros. Matematicamente: 10.000/100 = 100.

Treinamento individual

Com o crescimento da procura pela perfeição estética e qualidade de vida, surgiu uma nova ramificação profissional da Educação Física: os personal trainers, ou simplesmente treinadores individuais. Pessoas procurando atendimento diferenciado e treinamentos mais elaborados recorrem a esses profissionais para alcançar seus resultados pois infelizmente, o professor de academia dificilmente pode atender de maneira individualizada todos os alunos.

A chave do sucesso de um programa de exercícios não está somente em escolher os exercícios certos, mas sim em aplicar e acompanhar a metodologia adequada a situação. É essencial saber a hora de interromper o exercício, fazer os ajustes biomecânicos necessários, manipular tempos de descanso, calcular a progressão do volume e intensidade, alterar os métodos no momento oportuno, enfim o controle global do planejamento é uma tarefa árdua que exige dedicação e competência.

Em pesquisa feita no Laboratório de Performance Humana da Ball State University, um grupo de pesquisadores liderados por MAZZETTI, com presença do ilustre William Kraemer, procurou verificar se a supervisão influenciaria diretamente nos resultados de um programa de treinamento. A amostra foi dividida em dois grupos seguindo a mesma periodização linear de musculação, ou seja, ambos os grupos realizaram o mesmo tipo de treino. De acordo com os resultados, o grupo treinando sob supervisão obteve maiores ganhos de força e massa magra, o que os autores atribuíram ao controle mais rigoroso da intensidade. Se seguindo a mesma periodização o grupo supervisionado obteve melhores resultados, imagine quão grande seria a diferença com uma metodologia montada e acompanhada individualmente.

Quando fala-se em contratar um treinador particular, a questão que mais assusta é o preço, porém se esse aspecto for analisado minuciosamente, veremos que os custos estão longe de serem absurdos. Pense no dinheiro que você gasta com bebidas alcoólicas em bares, boates, churrascos, restaurantes e outros. Pense nos gastos com remédios e outras drogas. Pense nos gastos que tem e provavelmente terá com médicos. Pense nas quantias gastas com insumos capitalistas para aliviar tensões como: roupas, calçados, jóias... Grande parte desses custos relativamente inúteis serão amenizados se você estiver equilibrado física e psicologicamente. O investimento na prática bem orientada de atividades físicas pode lhe trazer benefícios impagáveis como o bem-estar físico e psicológico. 

Porém nem tudo são flores, como em todas as áreas, existem profissionais excepcionais, bons, médios, ruins, péssimos e por aí vai. Com a rápida procura por este serviço, muitos oportunistas viram um meio de ganhar dinheiro fácil, fazendo nome com um trabalho medíocre e estratégias que nada tem a ver com qualidade profissional. È fácil ver profissionais conhecidos que não conseguiriam manter uma conversa técnica de 10 minutos.

Portanto se você tem possibilidade de contratar os serviços de um treinador particular, vá em frente, porém escolha muito bem a pessoa a quem você vai confiar sua saúde e em quem você vai investir seu dinheiro.

Referências Bibliográficas

  • MAZZETTI SA, KRAEMER WJ, VOLEK JS, DUNCAN ND, RATAMESS NA, GOMEZ AL, NEWTON RU, HAKKINEN K, FLECK SJ. The influence of direct supervision of resistance training on strength performance. Med Sci Sports Exerc 2000 Jun;32(6):1175-84.

 

O fim da filosofia aeróbia

Por muito tempo o médico David Cooper e seus seguidores cultivaram um paradigma de que as atividades aeróbias seriam a principal opção para manutenção de uma vida saudável, porém um raciocínio mais elaborado aliado às novas descobertas científicas demonstram que esta concepção é indadmissível. No entanto a idéia foi criada e defendida com mais paixão do que raciocínio, esquecendo preocupações sociais, criando a chama "filosofia aeróbia", que apesar de seu uso antigo e freqüente trouxe poucos benefícios para a humanidade.

Este texto é uma adaptação de um artigo de Ken Hutchins publicado em 1995. O autor, crítico ferrenho e radical de qualquer atividade aeróbia, publicou diversos trabalhos condenando esta prática, chocando-se diretamente com personagens como Dave Carpenter e Michaell Pollock, pupilo de David Cooper, ex- presidente do American College of Sports and Medicine e autor de diversos livros e artigos, a maior parte do trabalho deles girando em torno de atividades aeróbias, consumo de oxigênio...

Ao publicar um trabalho condenando as atividades aeróbias e atacando os principais divulgadores desta idéia, Hutchins foi avisado por seu colega Ellington Darden que esperasse por fortes respostas dos defensores da "filosofia aeróbia". Porém tais respostas nunca vieram, simplesmente porque não há como negar que toda a base desta filosofia foi construída sobre premissas falsas e linhas de raciocínio simplistas e equivocadas.

Algum tempo depois, Darden encontrou Pollock em uma conferência médica, onde conversaram sobre os textos de Hutchins. Segue uma parafrase do diálogo (ao final do texto original, Hutchins desafia Pollock a confirmar publicamente suas afirmações) o qual achei interessante publicar por mostrar de forma interessante um pouco dos bastidores do mundo dos exercícios:

(lembrando que Pollock era um dos braços direitos de Cooper)

Pollock: Ell, eu fiquei muito ofendido com o que seu colega de Orlando falou sobre meu amigo, Ken Cooper, em sua publicação.

Darden: O que foi que te chateou Mike?

Pollock: Hutchins apenas devaneou, e não chegou a nenhuma conclusão.

Darden: Convenhamos Mike! Se você esta chateado, deveria conseguir identificar com o que descorda nos escritos de Hutchins.

Pollock: OK. Hutchins acusou Cooper de promover os exercícios aeróbios através seu evangelhismo cristão, ao invés de ciência.

Darden: Ele (Cooper) fez isso?

Pollock: Sim... Eu tenho que admitir que a fé de Cooper sobrepõe-se aos seus métodos científicos.

Darden: Mike, eu repreendi Ken por usar uma linguagem generalista, mas concordo com ele nos pontos científicos. Por exemplo, nós dois discordamos que os testes de capacidade máxima de oxigênio sejam válidos.

Pollock: Você está certo Ell. Teste de capacidade máxima de oxigênio não prova nada. Qualquer resultado variavel deste teste é quase uma aberração genética

Darden: Além disso, nós também acreditamos que toda atividade aeróbia e o interesse promovido pela industria do fitness desde os anos 60 não levou a nenhum tipo de benefício cardiovascular a longo prazo. Pelo contrário, causou uma epidemia de lesões na coluna e articulações. O que você tem a dizer quanto a isso?

Pollock: Eu concordo.

Darden: Então Mike, o que incomodou tanto no trabalho do Ken.

Pollock: Eu só acho que Hutchins veio com um tom muito inflamado.Você sabe, Arthur Jones teria muito mais seguidores hoje se ele não tivesse alienado as pessoas no início da Nautilus.

Darden: Então Mike, você quer que eu acredite que se Dave Carpenter não tivesse ficado tão enfurecido a ponto de colocar o artigo de Ken sob o seu nariz e dizer "aqui, é melhor ler o que Hutchins está dizendo sobre você na página 10", você o teria lido?

Pollock: Provavelmente não.

Darden: Mike, eu quero que você faça um favor para mim. Quero que volte, releia o que Hutchins escreveu e destaque os pontos científicos com os quais você discorda. Eu gostaria de saber quais são eles.

Pollock: Ell, eu não tenho tempo de fazê-lo.

 

Treinamento desportivo e abordagem sistêmica

Paradigmas

Na idade média predominava a visão orgânica da vida, dominada pelo misticismo e pelo determinismo, nesta época não se objetivava intervir ou predizer os processos da natureza, mas apenas entendê-los. Havia uma estreita relação entre fenômenos espirituais e materiais, portanto qualquer tentativa de intervir em processos ou mudar conceitos era uma afronta direta ao próprio Deus.

Porém por volta dos séculos XVI e XVII houve uma mudança radical nesta perspectiva, substituindo-se a visão orgânica pela visão mecanicista. Surgiram a descrição matemática e o método analítico de raciocínio, sendo os expoentes desta nova tendência grandes gênios como: Isaac Newton, Galileu Galilei, René Descartes e Nicolau Copérnico.

Um dos maiores expoentes deste modelo de raciocínio foi o filósofo René Descartes, a qual defendia que tudo poderia ser explicado pela matemática e que só devemos acreditar nas coisas completamente conhecidas, sobre as quais não há dúvidas, originando, desta forma o cientificismo que nos domina até hoje. É de sua autoria a célebre frase: "penso, logo existo".

Porém atualmente está ocorrendo uma inversão de paradigma com o crescimento do pensamento sistêmico, ou ecológico. A abordagem reducionista e fragmentada está sendo substituída por uma mais "completa" e integrativa. Segundo Capra "entender as coisas sistemicamente significa, literalmente, colocá-las dentro de um contexto, estabelecer a natureza de suas relações" (Capra, 2001, p.39).

Das partes para o todo

Uma das heranças mais influentes de Descartes é o método analítico (ou cartesiano), que consiste em decompor os problemas em suas partes menores, para serem submetidas à lógica. Esta brilhante descoberta permitiu à nossa ciência sair da "escuridão" e evoluir enormemente nos séculos seguintes. Entretanto, este progresso veio acompanhado de uma excessiva fragmentação e reducionismo extremo, os quais geraram a crença equivocada de que todos os fenômenos podem ser compreendidos através da redução em suas partes constituintes.

A visão mecanicista dos seres vivos nos aproximou conceitualmente das máquinas, surgindo uma famosa analogia entre o homem e o relógio. Desta forma acreditava-se que o funcionamento de nosso organismo poderia ser compreendido através de sua decomposição em "engrenagens" menores. Tanto que vários fisiologistas tentaram explicar – sem sucesso – diversos processos complexos através da análise linear. Na Educação Física não foi diferente, ao aplicarmos a abordagem cartesiana no treinamento, paramos de observar os seres humanos como totalidade e passamos a vê-los como amontoados de sistemas fisiológicos e biomecânicos, esquecendo que um depende do outro, ou melhor, que qualquer um deles é inseparável dos demais.

A compreensão reducionista de que pelo entendimento das partes poderia se entender o funcionamento do todo levou a diversas teorias equivocadas. De acordo com as teorias mecanicistas o futuro de um sistema poderia ser, em princípio, previsto se seu estado atual fosse totalmente conhecido. Apesar de ainda ser comum aplicar este modelo em nossa fisiologia, não há como prever matematicamente todos os processos de nosso corpo, aqui a soma da propriedade das partes é diferente da propriedade do todo, ou seja, "1 + 1 ≠ 2". Você soma duas partes e de repente surge algo totalmente novo, com propriedades únicas diferente da simples soma das partes. Peguemos a água como exemplo simples, suas propriedades não advêm nem do oxigênio, nem do hidrogênio, mas sim de sua união.

Não faz sentido, desta forma, procurar subsidiar ou tentar prever o resultado das intervenções (treinos ou dietas) através da compreensão de mecanismos fisiológicos separados da sua totalidade, desta forma é totalmente incoerente tentar encontrar a melhor série, o melhor exercício, a melhor dieta, o melhor suplemento, etc. Assim como não é possível prever os resultados da aplicação de nenhum deles através da abordagem reducionista.

Essa imprevisibilidade dos sistemas complexos é bem clara na teoria do caos, com destaque para a chamada "teoria da borboleta", onde através de três equações complexas acopladas, Edward Lorenz provou que a batida de asas de uma borboleta em Pequim pode causar um furacão em Nova Iorque dentro de um mês. O problema das intervenções motoras e nutricionais (como variações de exercícios, treinos e suplementos) atuais está na raiz: a submissão de estruturas complexas ao método analítico. Normalmente o que se faz é analisar uma reação extremamente complexa e descobrir algum componente que faça parte (ou possa fazer parte) do processo. O próximo passo é isolar o componente e dizer que a intervenção nele traria interferência positiva em todo o processo. Isto é, no mínimo, infantil. É como se um terrorista descobrisse a teoria do "efeito borboleta" e em seguida colocasse dez borboletas juntas em Pequim para destruir nova Iorque. A discussão sobre qual o melhor suplemento ou o melhor exercício seria o mesmo de, no caso anterior, o terrorista ainda discutir o tamanho das asas das borboletas.

A abordagem reducionista nos leva a conhecer componentes cada vez menores, porém não nos leva a compreensão do todo. Sabemos, por exemplo, que há determinados elementos microscópicos envolvidos no processo de hipertrofia muscular, mas ainda não sabemos exatamente como um músculo hipertrofia em resposta ao treino. Talvez o mais importante não seja conhecer elementos microscópicos, mas sim compreender "as atividades integrativas do organismo e suas interações com o meio ambiente" (Capra, 2000 p.98). Daí tira-se mais uma idéia essencial: o mais importante não são as peças, mas sim como elas interagem para formar o todo, ou seja, o foco sai da estrutura para o processo.

Pensando desta forma vemos que pouco adianta saber que substancias compõem ou são liberadas em determinadas reações, antes, deve-se entender como os processos se inter-relacionam. Farei uma analogia com o computador para efeitos didáticos, de nada que você saiba as peças que compõem seu computador, se você não sabe como elas se relacionam para se tornar um computador. Essas peças separadas em cima de sua mesa nada mais são do que peças, porém quando unidas da maneira certa elas formam um objeto completamente novo, capaz de fazer tarefas também novas... e que precisa de um software para fazê-lo funcionar. O que muitos fazem com relação à atividade física e nutrição é abrir o computador, ver o que tem dentro e depois jogar as peças de maneira aleatória.

Qualidade x quantidade

O modelo mecanicista da vida negava a subjetividade, focalizando-se somente no que pudesse ser medido e quantificado matematicamente. Desta forma o "sentir" foi substituído pelo "medir". A qualidade deixou de ser essencial, pois ela não poderia ser medida objetivamente, desta forma a intuição do treinador ou as sensações do atleta passam a ser negligenciadas em favor de uma planilha recheada de números. A quantidade de carga, repetições, tempo, etc, passam a ser aspectos essenciais em detrimento da qualidade dos estímulos oferecidos ao organismo.

A nova teoria de sistemas deve substituir a hierarquia pela cooperação, desta forma serão abandonadas as teorias quanto ao fator "principal", a "melhor" intervenção, pois à medida que reconhecermos nosso corpo como um sistema complexo não linear, reconheceremos também que não há fórmulas mágicas para interferimos nele. Tudo isso nos levará a descobrir formas de tornar a interação entre as diversas partes do sistema mais eficientes, como disse Capra: "Em vez de se concentrar nos elementos ou substancias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização." (Capra, 2000, p.260).

Assim que tomarmos essa consciência, a procura por formulas mágicas não farão mais sentido. Imagine uma estrutura de base triangular, sustentado por três pilares, independente da espessura de cada um deles, todos são essências para sua sustentação, de modo que a retirada de qualquer um deles fará a edificação cair, assim como o fortalecimento de um, de pouco contribuirá para a estabilidade geral da estrutura se os outros não forem também fortalecidos. Obviamente o exemplo do prédio é somente didático, nosso funcionamento estaria mais próximo a uma teia onde o exemplo se aplicaria da mesma forma.

Desta forma qualquer pessoa envolvida com seres humanos, seja educador físico, nutricionista, médico... deverá abrir mão não só de suas antigas teorias, mas de toda base conceitual para poder orientar de forma mais eficiente e humana seu trabalho.

É essencial que se descubra que não basta ter conhecimento (no sentido positivista) para sermos bons profissionais, devemos nos ver como parte inseparável de um sistema maior ao mesmo tempo que nos vemos como um todo composto de um teia de relações. O bom treinador deve ter consciência e intuição, para poder lidar de forma adequada com os complexos problemas do treinamento desportivo, a intuição volta a ter um papel essencial, no sentido de compreender de forma não cognitiva o sistema em questão, ou seja, o bom treinador não será somente o que tem conhecimento cognitivo, mas também o que tem sensibilidade sistêmica para compreender e saber se inserir em um contexto ecológico. Questões como: atleta não é uma pessoa comum, esporte não é saúde, estética não é qualidade de vida deverão ser revistas, pois se uma intervenção causa prejuízo à harmonia do sistema, o problema está com ela e não com o sistema. Desta forma, o estudo da teoria de sistema configura-se como condição indispensável para o sucesso profissional e pessoal.

Obs.: ainda encontrei muita dificuldade em usar termos e exemplos para teoria de sistemas, tendo em vista que até mesmo o vocabulário que possuo é impregnado pelo modelo mecanicista, desta forma usei exemplos reducionistas apenas com fins didáticos e somente para o ponto em questão e nada mais. Palavras como "soma", "composto", "parte" e outras também seriam, em principio inadequadas para expressar corretamente aspectos relativos aos sistemas, porém tive de usá-los para facilitar o entendimento e por não dispor de outras melhores. Será que é por isso que se dizia que só é possível filosofar em alemão?

  • Capra, Frijof. A Teia da Vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Editora Cultrix, 2001
  • Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação: A ciência, a Sociedade e a Cultura emergente. São Paulo: Editora Cultrix, 2000.

 

Paulo Gentil
Presidente do Grupo de Estudos Avançados em Saúde e Exercícios; 14/09/2003;
http://www.gease.pro.br



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