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A execução da pena de multa (página 2)

Rômulo de Andrade Moreira

 

Pergunta:

Comentando a respeito do assunto, José da Silva Pacheco "Só abrange a dívida ativa a fixada por lei federal, ou pode abranger toda e qualquer dívida ativa, desde que, por força de lei administrativa, federal, estadual ou municipal, seja inscrita em livro próprio?" (Tratado das Execuções – Execução Fiscal – Saraiva – p. 108, grifo nosso)."Portanto, qualquer valor cuja a cobrança seja atribuída por lei à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e respectivas autarquias, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública, não importa a origem, tributária ou não tributária, contanto que submetida à prévia inscrição, consoante veremos seguidamente." (in Teoria e Prática do Processo Executivo Fiscal, AIDE Editora, 2ª. edição, p. 44, grifo nosso).

Ressalte- se que na cobrança da multa, a Fazenda Pública estará atuando como um ente do Estado/Administração, fazendo valer um título executivo proveniente do Estado/Juiz; ambos pertencem ao Estado (lato sensu), detentor do jus puniendi.

Neste sentido, veja -se a lição de Fábio Fanucchi:

"Desde o instante em que o Estado obrigue o indivíduo a um pagamento em moeda tendo como motivo e razão exclusiva a prática de um ato ilícito (prática de crime ou contravenção, inobservância de preços tabelados, falta de fornecimento de dados exigidos em lei, atraso ou não pagamento de tributos etc.), não estará exercendo seu poder tributante mas, isto sim, outro tipo de autoridade (jus puniendi)." (Curso de Direito Tributário Brasileiro, Vol. I, IBET, 4ª. edição, p. 53).Não é necessário gastar doutrina nem jurisprudência para respaldar o nosso entendimento; a título de ilustração, no entanto, veja- se o que escreveu o Juiz Federal Antonio Claúdio Macedo da Silva:"Não efetuado o pagamento da pena de multa, no prazo de dez dias do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a referida multa, convertida em dívida de valor desde o trânsito em julgado da sentença penal, será cobrada como dívida ativa não-tributária da Fazenda Pública, para o que serão extraídas cópias da sentença e da certidão de seu trânsito em julgado, enviando-se à Procuradoria Fazendária federal ou estadual, conforme tenha sido a condenação proferida pela Justiça Estadual ou Federal, que se encarregará de, na forma da legislação em vigor, inscrever o débito na dívida ativa e promover a sua cobrança." (in Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 17, págs. 127/131, com grifo nosso). Luiz Flávio Gomes, por sua vez, não discrepa:

"O réu tem dez dias para pagar a multa espontaneamente no juízo criminal mesmo (não foi revogado o art. 50 do CP). Não efetuado o pagamento, extrai-se certidão da condenação, que será enviada à Fazenda Pública para inscrição. A partir daí é pura ‘dívida de valor’, sem nenhum reflexo na liberdade do condenado, e já não será correto falar em prescrição penal, senão em prescrição (de crédito) civil." Este mesmo autor, ao final de suas considerações, afirma textualmente que a multa "deixa de ser um assunto penal e passa a ser um assunto fiscal, inclusive no que concerne à prescrição." (IOB, n.º 10/96, p. 180).

Diz Damásio:

"Transitada em julgado a sentença condenatória, o valor da pena de multa deve ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública. A execução não se procede mais nos termos dos arts. 164 e s. da LEP: deixa de ser atribuição do Ministério Público. (...) A execução passa a apresentar caráter extrapenal, a ser promovida pela Fazenda Pública." (Código Penal Anotado, Saraiva, 9ª. edição, p. 174, grifo nosso).

Universidade de Roma:

No mesmo sentido, outro grande penalista, Livre -docente da "Inscrita a dívida correspondente à pena pecuniária, será ela cobrada tal qual um crédito tributário, mediante execução fiscal." (cfr. Paulo José da Costa Jr., in Comentários aos Crimes do Novo Código de Trânsito, Saraiva, 1998, p. 40).

No mesmo sentido, Romeu de Almeida Salles Jr.:

"A execução da multa não se faz mais conforme os arts. 164 e s. da Lei de Execução Penal, devendo ser promovida pela Fazenda Pública e não pelo Ministério Público." (Código Penal Interpretado, Saraiva, 1996, p. 108).Inúmeros são os julgados favoráveis à tese ora esboçada (esta corrente, indiscutivelmente, é majoritária); é certo que há, outrossim, julgamentos em contrário; exatamente por isso, transcreveremos, apenas, a posição do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciada em quatro recentes julgados:"Com o advento da Lei n.º 9.268/96 que deu nova redação ao art. 50 do Código Penal, a multa passou a ser considerada dívida de valor e a ter caráter extrapenal. Sua execução passou a ser regulada pela Lei n.º 6.830/80, necessitando da respectiva inscrição na dívida ativa e sendo ajuizada pela Fazenda Pública. Recurso improvido."(Recurso Especial 175909/SP (98/0039356- 0), DJ 21/09/98, p. 99, 1ª. Turma, Min. Garcia Vieira, unanimidade)."De acordo com o ‘novo’ art. 51 do CP, a multa imposta em sentença penal condenatória é considerada dívida de valor, devendo ser cobrada segundo a Lei n.º 6.830/80. Por essa razão, será inscrita em dívida ativa, e será reclamada via execução fiscal movida pela Fazenda Pública, falecendo legitimidade ativa ao Ministério Público." (Recurso Especial 180921/SP (98/0049330-1), DJ 19/10/98, p. 81, 2ª. Turma, Min. Adhemar Maciel, unanimidade)."Multa imposta em processo criminal (Código Penal – art. 51) Lei 9.268/96 – Cobrança – Ilegitimidade do Ministério Público Estadual – Legitimidade da Fazenda Pública. Desde o advento da Lei 9.268/96, compete ao Estado, através de seus procuradores, cobrar dívida correspondente à pena de multa, imposta em processo criminal (CP art. 51).

O Ministério Público carece de legitimidade para tal cobrança." (Acórdão unânime da 1ª. S do STJ – Conflito de Atribuições 76/RJ – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j 28.04.99 – DJU- e 31.05.99, p. 71 – ementa oficial)."Multa imposta em processo criminal (Código Penal – art. 51) Lei 9.268/96 – Cobrança – Ilegitimidade do Ministério Público Estadual – Legitimidade da Fazenda Pública. Desde o advento da Lei 9.268/96, compete ao Estado, através de seus procuradores, cobrar dívida correspondente à pena de multa, imposta em processo criminal (CP art. 51). O Ministério Público carece de legitimidade para tal cobrança." (Acórdão unânime da 1ª. T do STJ – Resp 175.911/RJ – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j 11.05.99 – DJU- e 1 14.06.99, p. 115 – ementa oficial).Por solicitação da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, o Juiz de Direito paulista, Dr. José Ernesto de Souza Bittencourt Rodrigues também concluiu, em alentado estudo, neste mesmo sentido (cfr. Tribuna da Magistratura, Caderno de Doutrina/março de 1997), assim como Sérgio Mazina Martins (in Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 21, p. 246), Vera Regina de Almeida Braga (Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n.º 59), além do Grupo de Estudos do Setor das Execuções Fiscais da Fazenda Pública de São Paulo (cfr. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n.º 47) e do enunciado XIV do I Encontro dos Magistrados dos Juizados Especiais do Estado do Rio de Janeiro, segundo o qual "a multa não paga é considerada dívida de valor e deve ser executada no Juízo fazendário" (Boletim dos Juizados Especiais, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, novembro/dezembro de 1997).Nada obstante, algumas questões são postas por aqueles que pretendem legitimar o Ministério Público para essa tarefa. Vejamos cada uma delas:1ª.) Diz-se, então, que sendo dívida de valor, a execução da multa atingiria os herdeiros do condenado, ferindo o disposto no art. 5º., XLV, segundo o qual "nenhuma pena passará da pessoa do condenado ." Tal dispositivo não pode ser considerado óbice ao entendimento ora posto, tal como explica aquele mesmo Juiz Federal, anteriormente citado:"O fato de ser uma dívida de valor decorrente de uma multa penal, a ser cobrada dos herdeiros do de cujus, respeitados os limites das forças da herança, não a faz incidir sobre o patrimônio do herdeiro antes da aquisição da herança, o que, aí sim, configurada uma inconstitucionalidade, pois faria incidir sobre o patrimônio de pessoa diversa o efeito da condenação criminal de natureza pecuniária."E nem se objete com o argumento de que a aquisição do acervo hereditário se dá na data do óbito (cf. CC, arts. 1.572 et seq.), pois tal fato não influencia o raciocínio, haja vista que o monte partível herdado no momento da abertura da sucessão, que corresponde à data do óbito, pelos herdeiros, consiste no acervo result ante dos créditos, diminuídos dos débitos existentes à época do óbito, o que será apurado ao depois, na forma da legislação em vigor." (ob. cit., p. 129).

2ª.) A Lei Complementar n.º 79/94, que criou o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, determina, no seu art. 2º., V, que constitui recurso do FUNPEN as "multas decorrentes de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado ."; afirma- se, por isso, que a receita proveniente da execução fiscal da multa iria para um Fundo Nacional, mesmo tendo sido cobrada pela Fazenda Estadual (quando se tratasse de crime julgado pela Justiça Comum Estadual), o que seria inconcebível.

Responde-se com o já citado Juiz de Direito da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, Dr. José Ernesto de Souza Rodrigues:

"Ademais, por não se tratar de tributo, também não cabe argumentar que ‘o fato gerador (crime de competência da Justiça Estadual) vincula a arrecadação (fundo estadual)’, pois estaríamos confundindo institutos de direito tributário, com taxativa disposição legal criminal em contrário, apenas para justificar a conveniência do recolhimento a fundo estadual, o que não pode prescindir da formal análise de sua possibilidade jurídica, que no caso não existe." (trabalho já referido).Ainda no que concerne a este aspecto, observa -se que a citada lei complementar foi regulamentada pelo Decreto n.º 1.093/94 que determina que os recursos constitutivos do FUNPEN (entre os quais estão as multas criminais) serão depositados pelos respectivos gestores públicos, responsáveis ou titulares legais. Nada impede, portanto, que a Fazenda Estadual execute a dívida e remeta ao FUNPEN o produto da arrecadação, mesmo porque tais recursos poderão reverter, novamente, aos cofres estaduais, tal como expressamente previsto no art. 6º., do mesmo decreto, tudo a depender de "acordos, convênios, ajustes ou qualquer outra modalidade estabelecida em lei." (arts. 5º. e 6º.).3ª.) Impossibilidade do executado, em uma vara sem competência criminal (como são as varas da Fazenda Pública), poder argüir em sua defesa matéria pertinente à nulidade do processo penal originário.

Acontece que o § 2º., do art. 16, da multicitada Lei n.º 6.830/80, prevê a possibilidade de que o executado, no prazo dos embargos, alegue toda a matéria útil à defesa, inclusive podendo "requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas", o que resolve o problema.

A esse respeito a advogada Vera Regina de Almeida Braga, mestra em Direito Penal pela USP, acrescenta:

"Matéria útil à defesa pode abranger várias alegações, tais como: nulidade do processo penal que condenou o executado à pena de multa, a qual deu origem à dívida ativa que está sendo cobrada por meio de executivo fiscal, por força do art. 51, do Código Penal; prescrição da pretensão executória da pena de multa; decisão judicial contrária à prova dos autos, ou, ainda, qualquer alegação que envolva decisão proferida no juízo criminal." A mesma autora, socorrendo- se do art. 1º., da Lei n.º 6.830/80 (in fine) e art. 265, IV, b, do Código de Processo Civil, esclarece que "efetuada qualquer alegação, em sede de embargos à execução, que determine a desconstituição da decisão proferida perante o juízo criminal que originou a inscrição da Dívida Ativa, o juízo da execução suspenderá o processo até que ocorra pronunciamento do juízo criminal competente a respeito da matéria alegada pelo embargante." (trabalho acima citado).

Assim, em nosso entendimento, o Ministério Público não mais possui legitimidade para execução da multa aplicada na sentença penal condenatória.

Rômulo de Andrade Moreira
romuloamoreira[arroba]uol.com.br
Rômulo De Andrade Moreira Promotor de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais e Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS

 

 



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