Humanismo e meio ambiente

Enviado por Simon Schwartzman


Humanismo e modernidade

Não seria necessário, falando ao final de um ciclo de palestras sobre o humanismo e sua crise, lembrar os diferentes sentidos e acepções que este termo tem adquirido através da história desde o fim da Idade Média e do Renascimento, que vão da redescoberta da herança filosófica clássica até a tradição do estudo das humanidades, tão central na constituição das universidades ocidentais. É possível falarmos, além deste humanismo filosófico e literário, em um "humanismo cultural", que é a inspiração da tradição racional, secular e empírica das ciências naturais, do direito e da ética do mundo contemporâneo. Todas estas tradições humanistas compartem o que chamamos hoje de antropocentrismo, ou seja, a noção de que o ser humano é, não só a fonte de todos os valores, mas também a grande força capaz de construir e ordenar o mundo, seja pelas manipulações palacianas de Maquiavel, no social e político, seja pela capacidade de transformar o caos dos eventos e percepções nas idéias claras e distintas que formam o universo cartesiano, no âmbito do natural.

Os humanistas não foram, necessariamente, inimigos das religiões, mas se recusavam a aceitar a idéia de um Deus onipotente, imprevisível e temperamental, cujos desígnios não conseguiriam entender. O Deus humanista, quando existe, é feito à imagem e semelhança do ser humano que, pelo uso da razão e do trabalho, pode compartir e participar do comando do destino do universo. Um outro componente central da tradição humanística é a idéia da evolução e do progresso, a crença na marcha incessante para um futuro cada vez mais grandioso e próximo de Deus e do paraíso, expressa por cientistas, filósofos e pensadores tão diferentes como Darwin, Hegel, Marx, Auguste Comte e Telliard de Chardin. Juntos, o antropocentrismo e o evolucionismo formam a base da tradição iluminista e da modernidade.

A modernidade sempre veio acompanhada de seus críticos. O que mais chama a atenção, hoje, é a pouca convicção de seus defensores. Poucos são os que ainda acreditem em um futuro paradisíaco marcado pelo domínio total da natureza pela ciência e pela organização racional da vida social. O fim do "socialismo real" fez desaparecer os que apostavam na capacidade do planejamento centralizado de resolver os problemas da pobreza e da exploração entre os homens, e as crises e perplexidades do mundo globalizado põem em dúvida a vertente liberal da tradição humanista, que apostava na racionalidade dos indivíduos para negociar entre si, com liberdade, o mundo que mais lhes conviesse.

Mais geralmente, o que parece caracterizar a crise do humanismo neste fim de milênio é a percepção cada vez mais nítida dos limites a que estamos submetidos. Os homens sempre se souberam mortais, mas a idéia de progresso abria possibilidades infinitas para nossos descendentes, tanto na ciência e na técnica quanto no mundo dos valores e da ética, e consequentemente da vida em comum, mesmo quando o presente e suas próprias vidas estivessem marcados pela guerra, pela pobreza, pela tirania e pela destruição do ambiente em que viviam. Sempre haveria, no futuro, possibilidades de paz, ou de guerras reparadoras. Contra a tirania e a pobreza, havia a esperança da revolução; e novas terras, novas fronteiras, novos produtos e novas fontes de energia sempre poderiam ser descobertos, criados e aperfeiçoados. Agora, sabemos que uma grande guerra pode ser a última das guerras, e que as revoluções não têm futuros alternativos a oferecer, e se corrompem no oportunismo do dia a dia. A conquista do espaço, que antes inflamava as imaginações, é pouco mais que uma relíquia dos anos sessenta. E, acima de tudo, começamos a nos dar conta de que não existem mais fronteiras a desbravar, que os recursos da natureza começam a se exaurir, e que muitas das certezas com que contávamos sem nos preocupar - o ar que respiramos, a água que bebemos, a sucessão das estações, o clima, os rios e os mares com que convivemos - já se transformam em grandes pontos de interrogação.

As "science wars"

Uma das conseqüências da crise do humanismo e da modernidade tem sido a reaproximação que vemos hoje entre as ciências naturais e as humanidades, reaproximação nada pacífica, descrita por muitos como uma verdadeira batalha pelo território das ciências, as "science wars". No passado, as humanidades e as ciências naturais se desenvolviam de forma independente, como duas culturas que não se compreendiam nem se comunicavam, mas que de alguma forma se respeitavam à distância. Com o prestígio e os grandes feitos das ciências naturais, sobretudo a partir do século XIX, as humanidades começaram a reivindicar também o status científico, adotando linguagem semelhante - teorias, hipóteses, experimentos, modelos - e se organizando de forma também similar - revistas especializadas, associações científicas, congressos acadêmicos, peer review. Não seria o caso de discutir, aqui, em que medida estas ciências sociais conseguiram, ou não, ser reconhecidas e aceitas pelas outras ciências, bastando lembrar que a luta tem sido difícil, e nem sempre bem sucedida. Só neste ano de 1999, por exemplo, é que a Academia Brasileira de Ciências passou a admitir cientistas sociais em seu quadro, em uma nova seção de ciências humanas; o CNPq só reconheceu a existência das ciências sociais no Brasil na década de 70.

 


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