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A industrialização e a questão ambiental na Região Sudeste do Brasil (página 2)

Roberto Schmidt de Almeida

 

A questão ambiental no sudeste e suas relações com a indústria: um sumário conceitual e histórico

O estudo das vinculações entre os diferentes setores da produção que extraem e transformam matérias-primasdo meio ambiente terrestre ou o utilizam como suporte (subsolo, meio líquido, gases, solo, vegetação e animais) é o ponto de partida para o entendimento da questão ambiental X industrialização na Região Sudeste (Quadro 1).

A agricultura, a pecuária, a silvicultura e a indústria extrativa mineral e vegetal operam diretamente com essas matérias-primas, impactando de forma imediata o meio ambiente; pela retirada pura e simples do bem, como no caso da mineração, ou pela modificação das condições ambientais preexistentes, como no caso da agricultura.

Esses bens retirados da natureza, ao sofrerem vários processos de transformação no ambiente industrial, convertendo-se em novas matérias-primas para outros processos industriais ou em produto final para o consumo da sociedade, impactam o meio ambiente através do que denominamos, generalizadamente, de poluição industrial.

O ato de consumir determinados produtos que se apresentam como elo final da cadeia produtiva também impacta, em grau variado, o ambiente natural. Os exemplos dos combustíveis fósseis usados nos veículos de transporte e o do lixo, que são os resíduos dos processos de consumo da sociedade são os mais representativos.

No âmbito dos processos da produção industrial o trabalho de Esteves e Amêndola (1990) estabelece um marco de referência no que tange à questão da poluição industrial. Os autores sintetizaramconvenientemente os mecanismos de poluição do ar e da água, decorrentes da transformação dasdiferentes matérias-primas em produtos, levada a efeito no contexto das unidades fabris.

A poluição do ar é composta por duas categorias de poluentes: os poluentes primários que são liberados diretamente na atmosfera e os poluentes secundários, formados por combinações físico-químicas entre diferenteselementos ocorridas na atmosfera.

Os especialistas em poluição do ar definiram alguns poluentes como referência para definir critérios genéricos de qualidade do ar: o dióxido de enxofre (SO2) liberado pelacombustão de elementos que contém enxofre em suas composições. As refinarias de petróleo, as fábricas de celulose, de ácido sulfúrico e de fertilizantes são as principais fontes de emissão desse poluente, que provoca graves danos ao ser humano, como irritação das mucosas e vias respiratórias, altera o processo de fotossíntese nos vegetais e que, através das chuvas ácidas, (reação entre o SO2 e o vapor d'água das nuvens) contamina os corpos d'água causando morte aos animais aquáticos e terrestres.

Os hidrocarbonetos (HC) que são o resultado da combustão incompleta de derivados do carbono como o etileno, benzeno, propileno, buteno, tolueno e naftaleno, que liberam gases tóxicos noprocesso. Novamente as refinarias de petróleo e os depósitos de combustíveis derivados do petróleo são as maiores fontes poluidoras. Esses gases causam irritação das mucosas e atacam o sistema nervoso causando alterações no sono.

As partículas em suspensão (PS) resultantes de processos mecânicos que envolvem o fracionamento de minerais, metais e vegetais que, dependendo de seus tamanho ficam em suspensão na atmosfera e causam problemas diversos, em virtude da natureza do material que é fracionado. As fábricas de cimento e as siderúrgicas são os piores emisores dessas partículas, entretanto, apesar de não apresentar locais pontualizados de grande emissão, as grandes cidades são áreas produtoras de enormes quantidades de partículas em suspensão que se originam no tráfego, nas construções e nas indústrias localizadas em seus perímetros. As alergias, os problemas pulmonares, a corrosão e a sujeira nas superfícies externas dasedificações e dos monumentos, a diminuição da visibilidade em certas áreas urbanas são os principais problemas causados pelas P.S.

Mais abrangentes que as partículas emsuspensão são as emissões de óxido de nitrogênio - Nox, pois podem ter diversas origens tanto urbanas quanto rurais: os motores de combustão interna(automóveis, ônibus e caminhões), fornos industriais e incineradores são as principais fontes urbanas e as indústrias de cal, de fertilizantes e as grandes queimadas são os principais emissores das áreas peri-urbanas e rurais. As vias respiratórias em toda a sua extensão são o principal alvo desse poluente, além de ocasionar nevoeiros, em caso de alta concentração na atmosfera.

A poluição das águas também possui como referência um grupo restrito de poluentes que foram classificados pelos especialistas em virtude dos efeitos nocivos ao ser humano e ao meio ambiente e pela freqüência de ocorrência.

As substâncias tóxicas - ST são poluentes que alteram radicalmente a composição dos corpos d'água, tornando-os impróprios para o consumo humano, animal e para a irrigação de vegetais. Os ácidos, álcalis, metais pesados, fenóis, cianetos e outros são substâncias que, no processo industrial ou no trato agrícola, são despejadas nas águas dos rios, dos lagos e no litoral.

As indústrias químicas, as siderúrgicas e metalúrgicas, os curtumes e as de papel e papelão, além dos proprietários rurais são os maiores emissores de substâncias tóxicas nas águas.

Dependendo da quantidade e da substância, os efeitos nocivos podem ir da interdição para tratamento do corpo d'água, até seu bloqueio para sempre como no caso de acidentes com certassubstâncias radioativas fortes.

Os óleos e graxas - (OG) são substâncias que, em contato com a água, criam uma película bloqueadora à penetração da luz solar, impedindo as trocas gasosas nos corpos d'água, matando por asfixia os animaisaquáticos e os pássaros que fazem das águas parte de seus habitats. Oschamados grandes desastres ecológicos da atualidade vinculam-se diretamente a essas substâncias, transportados por superpetroleiros e que se acidentaram em suas rotas, ou que são atiradas propositadamente nos corpos d'água fluviais que despejam restos de produtos de petróleo, de petroleiros que lavam seus porões em alto mar e até por ações bélicas, como no caso do derramamento de óleo cru no Golfo Pérsico durante o conflito do Iraque entre o final de 1990 e início de 1991.

No que concerne ao processo industrial, as principais fontes poluidoras são as refinarias de petróleo, as unidades fabris dos pólos petroquímicos, as siderúrgicas, as indústrias mecânicas de grande porte que se utilizam grandes quantidades de lubrificantes para os processos de usinagem de peças metálicas.

O que se convencionou chamar de material em suspensão - MS, é o resultado da desagregação de materiais diversos como madeiras, papel, borracha, plásticos, ocorrida durante o processo industrial, materiais que são despejados ou levados pela ação dos ventos para a superfície das águas, sendo, também, o resultado da decantação das partículas em suspensão(PS), diretamente nos espelhos d'água.

As maiores fontes poluidoras são as fábricas de beneficiamento de borracha,de explosivos, de reciclagem de papel e papelão. Além de deixar os espelhos d'água com um aspecto terrível, sob o ponto de vista estético, o material em suspensão, assim como os óleos e graxas (OG), alteram a cor da água, aumentando a turbidez, contribuindo ainda mais no impedimento da penetração da luz solar e encarecendo os processos de potabilidade da água.

Finalmente, o último parâmetro de poluição das águas é conhecido como demanda bioquímica de oxigênio - (DBO), são cargas orgânicas compostas por bactérias consumidoras de oxigênio que destroem o processo de oxigenação natural dos corpos d'água, matando a fauna e a flora aquáticas, principalmente em rios e lagos de pequeno porte, isto é, sem muito volume e vazão de água. As fábricas de alimentos, bebidas, químicas, de celulose e papel são as principais fontes emissoras dessas cargas orgânicas.

Embora sejam reconhecidos mundialmente, esses parâmetros são medidos isoladamente, isto é, não se levando em consideração a ocorrência das diversas combinações de poluentes que, em virtude de suas interações sinérgicas, podem potenciar seus efeitos nocivos.

A esse respeito, é importante conhecer o artigo de Magrini (1990) que faz uma retrospectiva interessante dos principias métodos de avaliação de impactos ambientais, analisando inclusive a legislação brasileira concernente.

No caso brasileiro, em termos históricos,a intensificação das preocupações da sociedade com poluição industrial alcançou uma escala nacional no início da década de 70, na esteira do "Milagre Brasileiro". A criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) em 1971, iniciou um processo legislativo que culminou com a Lei do Meio Ambiente, promulgada em 1981 e regulamentada em 1983, dotando o Brasil de uma política nacional quanto ao meio ambiente, que pode ser dividida em dois grandes segmentos: quanto à preservações ambientais, no que tange à determinação de numerosos espaços chamados de unidades de conservação como parques, reservas, estações ecológicas e áreas de proteção específicas e quanto ao controle e reversão dos processos de poluição do meio ambiente de origem industrial/agrária, através de legislação própria, fiscalização e controle das fontes poluidoras.

No caso específico das quatro unidades federadas que compõem a Região Sudeste, (possuidoras das maiores concentrações industriais) foram as que,primeiramente, montaram suas estruturas de controle ambiental nos dois segmentos citados. Em Minas Gerais, com a Fundação Estadual do Meio Ambiente(FEAM), no Espírito Santo com a Secretaria para Assuntos do Meio Ambiente (SEAMA). Nos casos de São Paulo e Rio de Janeiro, estruturaram-se agências específicas como a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), vinculada à Secretaria de Meio Ambiente do estado de São Paulo e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), vinculada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente do estado do Rio de Janeiro, que se tornaram centros de referência nacional no que concerne a procedimentos de medição e controle dos processos de poluiçãoindustrial e dos ligados ao saneamento básico (água, esgotos e lixo).

Com a promulgação da Constituição de 1988, a questão ambiental ganhou um capítulo próprio, que foi considerado pela Organização das Nações Unidas como um dos mais avançados, pois contempla tanto problemas que são típicos de países desenvolvidos, quanto questões que são características de países em desenvolvimento, ou mesmo subdesenvolvidos.

No que tange aos aspectos operacionais, numa reforma administrativa levada a efeito em 1989, o governo federal criou o Instituto Brasileiro do Meio Ambientee dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) que, vinculado diretamente ao Ministério do Meio Ambiente, absorveu as funções de um conjunto de órgãos como o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), Superintendência da Borracha (SUDHEVEA) e Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE).

Tal reforma, foi sem dúvida alguma, a de maior abrangência até hoje feita na área de gerenciamento ambiental do governo brasileiro.

 

A delimitação espacial dos problemas ambientais nos diferentes contextos: urbano e rural

A diversidade dos cenários onde ocorrem, atualmente, os processos poluidores, implica em sistematizar a questão em dois grandes contextos: o espaço urbano e o espaço rural e em seguida, classificar em termos de abrangência espacial (ponto, área restrita e área ampla) as fontespoluidoras, vistas aqui de forma maisgenérica.

O caráter pontual de uma fábrica que possua uma ou várias fontes de poluição, pode somar-se a outras fontes emanadoras de fábricas vizinhas,alcançando todo um centro urbano. A noção de ponto, vinculada a um centro urbano é perfeitamente assimilada em mapas de escala regional. Os exemplos de Vitória e Angra dos Reis são interessantes. Vitória, com uma forte fonte efetiva de poluição do ar emanada de um só ponto: o complexo de pelotização da Cia. Vale do Rio Doce/Usina Siderúrgica de Tubarão e Angra dos Reis, com uma usina termelétrica de fissão nuclear que representa uma única e grande fonte potencial de radiação.

No contexto rural, a noção de ponto torna-se mais rara, em virtude do caráter extensivo da quase totalidade das atividades vinculadas à agricultura, pecuária e extrativismo vegetal, muito embora, não possa ser descartada a possibilidade de se ter uma fonte perigosa de poluição (radioatividade ou química por exemplo) puntualmente localizada em um estabelecimento agrícola.

Após o ponto, o segundo nível de abrangência espacial foi o de área restrita que, para fins de nosso estudo no âmbito do Sudeste, alcança dimensões variadas dependendo do contexto tratado. Os problemas ambientais decorrentes do processo industrial em áreas urbanas e peri-urbanas são, sem sombra de dúvida, os mais graves e, no caso específico da região Sudeste, tomam uma dimensão espacial que pode até extrapolar a das regiões metropolitanas.

Os processos poluidores que ocorrem ao longo de todo o vale do rio Paraíba do Sul, na extensão da rodovia BR-116, entre as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo é um bom exemplo de área restrita, pois os principais focos poluidores distribuem-se próximos às margens da rodovia e do rio, formando uma longa e estreita faixa de área comprometida.

No caso das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas hierarquicamente abaixo, o conceito de área restrita também se aplica, pois em todos os espaços contidos por seus perímetros que delimitam tenuemente a franja peri-urbana, os problemas ambientais vinculados a um maior ou menor processo de industrialização são verificados.

No contexto rural o conceito de área restrita é obviamente mais abrangente e abarca preferencialmente as áreas de agricultura modernas, normalmente vinculadas ao Complexo Agro-Industrial (C.A.I.). O uso intensivo de defensivos agrícolas, a utilização de mecanização pesada correm paralelas à construção de unidades fabris (as usinas de açúcar e álcool são os melhores exemplos) que processam a produção ainda no espaço rural. Essa combinação de atividades rurais/industriais certamente agride o meio ambiente de forma conjunta. O exemplo dos processos poluidores que já comprometeram, em diversos níveis, alguns rios, lagos e reservatórios de represas que ocorrem em determinadas áreas da região, principalmente ao longo das principais bacias hidrográficas como a do Tietê, Paraíba do Sul, Doce, Grande, São Francisco e Paranaíba são, na maioria dos casos, o resultado dessa combinação.

O terceiro nível de abrangência foi o de área ampla e somente ocorre no contexto rural, inexistindo, portanto, uma vinculação estreita com o segmento industrial. No caso brasileiro ainda não foi detectado um processo poluidor que alcance, em termos regionais, tal amplitude, porém se tal processo vier a acontecer no Sudeste, provavelmente o noroeste paulista e o triângulo mineiro possam vir a ser as primeiras áreas amplas mais poluídas, em virtude das grandes modificaçõespor que tem passado suas atividades agropecuárias. È importante assinalar que os problemas que poderão advir do desenvolvimento das culturas trangênicas (doenças novas nos cultivares ou nos rebanhos) teriam as mesmas características de um processo poluidor de grande escala, embora ainda não se tenham evidências nesse sentido. Mas é preciso estar alerta, no contexto agro-pecuário, para situações análogas à epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave ocorrida na Ásia entre 2002 e 2003.

 

Um exemplo de comprometimento do meio ambiente ocasionado pelo processo industrial

Estando a atividade industrial localizada, em sua maior parte, em áreas urbanas, é lógico que os principais problemas de poluição ocorrem em centros urbanos que tem na indústria seu principal suporte econômico.

Cubatão, Paulínia, Itabira, João Monlevade,Resende, Mariana, Pindamonhangaba, Barroso são exemplos de cidades nas quais a industrialização predominante baseia-se em gêneros altamente poluidores como a metalurgia e a química e o processamento e extração de minerais.

Outro aspecto importante diz respeito ao tamanho da área urbana considerada e, por isso mesmo, as aglomerações urbanas de escala metropolitana são também o palco de grandes processos poluidores, em virtude do elevado número de indústrias, dos mais variados gêneros que operam nesses espaços: as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte e as aglomerações de Campinas, Santos, São José dos Campos, Vitória, Sorocaba, Jundiaí, Guaratinguetá /Aparecida, Barra Mansa/Volta Redonda, Ipatinga/Coronel Fabriciano, são os exemplos mais característicos.

É importante considerar, porém, que existem níveis diferenciados de comprometimento ambiental, pois a ocorrência das diversas combinações de fatores que envolvem: os gêneros industriais, os diferentes tamanhos das fábricas, as tecnologias de transformação utilizadas e os diversos aspectos infra-estruturais das áreas de entorno, resultam em ações poluidoras desiguais. Nesse sentido, algumasdessas aglomerações citadas sofrem mais do que outras, os resultados combinados de processos poluidores de origem industrial.

O exemplo mais dramático de poluição por fontes industriais em área urbana foi, sem dúvida, o de Cubatão, município pertencente à aglomeração urbana de Santos e sede de um vasto complexo industrial petroquímico e siderúrgico, que se vincula à grande estrutura portuária de Santos. A história de sua evolução industrial em um sítio inadequado, inicia-se na década de 50, com a implantação da Refinaria Presidente Bernardes (1955), que foi o polo indutor da indústria petroquímica, e com a fundação da COSIPA -Companhia Siderúrgica Paulista, em1953, muito embora esse complexo siderúrgico da COSIPA só se torne importante a partir dos anos 60, continuando a expandir-se até a década de 80. Para maiores detalhes sobre esses processos, ver Goldenstein (1972).

A combinação de atributos geomórficos característicos da Baixada Santista: estreitas áreas de mangue e aterros artificiais encaixados entre o litoral e as escarpas da Serra do Mar, particularizados pelos esporões com denominações locais como Serra do Mourão, Serra do Quilombo; com fatores econômicos que tiraram partido da proximidade entre o Porto de Santos e a região metropolitana de São Paulo, gerou um processo de concentração industrial pesado, apoiado na petroquímica e na siderurgia, que garantiu a esse município o título de o mais poluído do País.

Para que se possa ter uma noção das dimensões do problema, o trabalho de Awazu, Serpa, Aventurato e Rossin (1985) listou 16 acidentes ambientais ocorridos em Santos e Cubatão entre 1976 e 1985, que ocuparam os técnicos da CETESB por 98 dias. Desses acidentes, dois ocasionaram situações trágicas: o do incêndio de Vila Socó, ocasionado por um vazamento de gasolina (algo em torno de 1.200 m3 ) no sistema de oleodutos entre Santos e São Paulo, que durou 9 horas e matou 93 pessoas em 25/02/84 , o do vazamento de amônia na tubulação que liga o complexo químico da Ultrafértil à Faper- Fábrica de Fertilizantes em 25/02/85. Os 15 m3 de amônia geraram uma nuvem tóxica, que obrigou a retirada de 6.000 pessoas da área, entre moradores do bairro popular de Vila Parisi e operários das unidades de produção próximas. Durante três dias, todas as atividades produtivas foram suspensas, assim como o cotidiano de quase 2.000 famílias moradoras do espaço, foi drasticamente afetado.

Outra questão relativa à poluição de Cubatão foi a constatação que, em meados dos anos 80, a ocorrência de alterações no trato respiratório da população residente no município foi bastante elevada e que também, a grande incidência de bebês com graves anomalias cerebrais passou a preocupar seriamente as agências encarregadas da saúde pública no município.

A questão saúde pública X poluição ambiental foi o principal fio condutor do documento síntese do grupo de trabalho sobre Cubatão da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, (Queiroz Neto, Monteleone Neto & Marques,1984) e que reconheceu a extrema gravidade e complexidade dos problemas que afetavam esse município de apenas 25 indústrias mas que lançavam algo em torno de 1.000 toneladas/dia de poluentes atmosféricos e 2.600 toneladas/dia de efluentes nos corpos d'água da Baixada Santista.

Após atingir o ponto mais crítico, o processo poluidor de Cubatão começou a dar sinais de reversão, no final dos anos 80. Essa modificação do quadro anterior deve-se, principalmente, ao trabalho de controle efetuado pela Cia. de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), analisado por Reis (1990).

Inicialmente foram identificadas as 320 fontes de poluição do município, passando-se em seguida para o processo de autuação legal das empresas, que tiveram de apresentar seus projetos de despoluição com seus respectivos cronogramas de implantação dos equipamentos de controle.

Das 25 empresas monitoradas, apenas a COSIPA apresentava atraso em seu cronograma de instalações dos equipamentos de controle. das emissões. Das 320 fontes de poluição em 1984, 230 poluíam o ar e dessas, 180 foram totalmente controladas até 1987 e das 44 fontes poluidoras de águas em 1984, 38 também ficaram sob controle.

O governo estadual iniciou, paralelamente, um trabalho sistemático de reflorestamento das encostas da Serra do Mar utilizando a aspersão de micro-esferas gelatinosas contendo sementes de espécies vegetais nativas, tratadas especialmente, visando uma rápida e segura germinação em encostasde grande declividade.

A prefeitura de Cubatão iniciou também um processo de remoção de favelas situadas em locais críticos, construindo novos bairros populares em áreas mais seguras, porém, como mostra odocumento de 1984 da SBPC, o problema é enorme, altamente complexo e não apresentará soluções completas em curto prazo, pois os terrenos de encosta também estão ocupados e os riscos de deslizamento são altos.

As questões fundiárias também apresentam diferentes níveis de complexidade, principalmente quando associadas a questões de planejamento de infra-estrutura urbana e detransportes. Tais problemas acabarão por restringir ainda mais o conjunto de variáveis que garantiriam uma realocação positiva desses moradores localizados em áreas de risco.

Entretanto, o maior problema de Cubatão ainda não foi equacionado em bases reais. Quantos são, onde estão e o que contém os depósitos de lixo tóxico do município? A cada ano a CETESB e a Prefeitura localizam antigos depósitos de substâncias tóxicas altamente perigosas, não podendo a maioria das empresas, precisar quando e o que foi enterrado em tais depósitos.

Situação semelhante também está ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro, onde no Centro Tecnológico de Residuos (Centres), localizado no município de Queimados (Região Metropolitana do Rio de Janeiro), estão depositados mais de 20 mil toneladas de lixo tóxico no mais completo abandono desde 1996. O problema assumiu proporções tão perigosas, que o Ministério Público Estadual abriu uma ação civil contra a Secretaria de Meio Ambiente e a FEEMA, pois a área está cercada pelo tecido urbano da periferia metropolitana do Rio.

Os grandes problemas de ocupação, no futuro, estarão fortemente vinculados a esses depósitos, pois osnovos loteamentos fatalmente se sobreporão a tais áreas e já se descortinam os tipos de doenças que atacarão as populações que nelas se alojarem. As complicações neurológicas, dermatológicas e do trato respiratório serão as mais freqüentes.

 

Perspectivas Futuras Da Relação Industrialização X Meio Ambiente Na Região

Em virtude do elevado grau de economias de escala incorporado ao território do Sudeste, é perfectamente crível que o processo industrial continue a se desenvolver hegemonicamente na região, principalmente se levarmos em conta que o eixo São Paulo-Minas ainda não foi suficientemente explorado pelo capital industrial mais moderno e/ou de maior porte.

Tal premissa abre um leque de perspectivas positivas e negativas, quanto ao controle do meio ambiente na região. Como perspectivas positivas, poderemos ter: Uma descentralização da produção industrial, desafogando as metrópoles e estendendo-se por territorios comandados por cidades de porte médio, que geralmente apresentam uma estrutura de planejamento de ocupação menos restritiva, pois não estão ainda premidas por vetores migratórios de grande intensidade. Nessas condições, um planejamento do controle ambiental poderia vir antes do problema tornar-se quase insolúvel em termos econômicos e seria possível associar um amplo programa de educação ambiental, que poderia consolidar os parâmetros de boa qualidade de vida, que as sociedades locais não gostariam de perder.

No contexto do planejamento de alocação da infra-estrutura de energia e transportes, muitas opções se abririam, podendo-se escolher a mais viável e barata, tirando-se um melhor partido do quadro físico, evitando-se barreiras naturais, que exigem onerosas obras de engenharia e que, certamente, degradariam o meio ambiente.

Quanto às perspectivas negativas: No caso da ocorrência de uma mayor vinculação entre o segmento agropecuário e a industrialização, e com isso, ampliando os limites do complexo agro-industrial (C.A.I.), principalmente ao longo da fronteira São Paulo – Minas Gerais, pode-se conjeturar que, a impactação do meio ambiente será intensificada, mormente se atentarmos para o tipo de cultura e criatório que se desenvolve na área, que utiliza tratos culturais que exigem forte mecanização e insumos químicos em grande quantidade, além das incertezas relativas ao desenvolvimento das culturas trangênicas num futuro próximo.

Vale lembrar que, ao se adicionar a essa área um elenco de unidades industriais de diferentes portes, deve-se também levar em consideração o incremento dos fluxos de transportes de substâncias tóxicas e inflamáveis. Isso implica que os riscos ambientais crescerão sobremaneira, pois não se pode esquecer que grande parte dos impactos ambientais negativos são decorrentes de acidentes envolvendo os meios de transporte dessas cargas.

Outra questão que poderá gerar impactos negativos, será o inevitable aumento das taxas de ocupação do solo urbano e de suas periferias imediatas, elevando o valor da terra e criando condições propícias à especulação fundiária sem controle. Com isso, áreas de matas que protegem mananciais e matas galerias que garantem as margens dos rios, poderão ser ocupadas legal ou ilegalmente por vários segmentos da sociedade, com gravíssimos prejuízos para o meio ambiente.

Um amplo planejamento industrial para o futuro, implica na concepção de uma nova dimensão qualitativa do desenvolvimento regional que contemple harmoniosamente, tanto o quadro natural quanto os processos sócio-econômicos que venham a operar nessas regiões.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Awazu, Luis Antônio M.; Serpa, Ricardo R.; Aventurato, Helvio & Rossin, Antônio Carlos Análise histórica da ocorrência de acidentes ambientais no Estado de São Paulo, CETESB, São Paulo, publicação interna [ xerox ], 1985.
  • Esteves, Maria Guilhermina & Amêndola , Pedro Luiz A questão da poluição industrial. in: Diagnóstico Brasil: a ocupação do território e o meio ambiente, IBGE, Rio de Janeiro, 1990.
  • Goldenstein, Léa A industrialização da Baixada Santista, USP, Instituto de Geografia, São Paulo, série teses e monografias n0 7, 1972.
  • Magrini, Alessandra A Avaliação de Impactos Ambientais. In: Margulis, Sérgio. Meio Ambiente: aspectos técnicos e econômicos, IPEA / PNUD, Rio de Janeiro, 1990.
  • Queiroz Neto, José P.; Monteleone Neto, Roque & Marques, Randau A. Cubatão 1984, documento síntese do grupo de trabalho sobre Cubatão da SBPC, Ciência Hoje, vol. 3 ( 13 ):80 - 86, jul/ago, 1984.
  • Reis, Raul Cubatão se recupera. Saneamento Ambiental, nº 1:17-20, jan. 1990, São Paulo

 

 

CAMINHOS DE GEOGRAFIA - revista on line
www.ig.ufu.br/caminhos_de_geografia.html

ISSN 1678-6343
Instituto de geografia ufu
programa de pós-graduação em geografia
Caminhos de Geografia 4(11)53-66, Fev/2004

Roberto Schmidt de Almeida
Pesquisador Titular [Geógrafo] do IBGE
almeidar[arroba]br.inter.net



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