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Manejo de nitrogênio no milho sob plantio direto com diferentes plantas de cobertura, em Latossolo V (página 2)

Alessandra Fabíola Bergamasco; Fábio Cesar da Silva; Luiz Henrique Antunes

Material e Métodos

O experimento foi conduzido em condições de campo, em área da Fac. de Engenharia de Ilha Solteira – Unesp, localizada no município de Selvíria, MS, cujas coordenadas geográficas são 51º22'W e 20º22'S, 335 m de altitude. Segundo a classificação de Köppen, o clima da região é do tipo Aw, definido como tropical úmido, com estação chuvosa no verão e seca no inverno, apresentando temperatura média anual de 24,5°C, precipitação média anual de 1.370 mm e umidade relativa média de 64,8%.

O solo foi classificado como Latossolo Vermelho distrófico (LVd) típico, argiloso (530 g kg-1 de argila), A moderado, hipodistrófico, álico, caulinítico, férrico, compactado, muito profundo, moderadamente ácido, fase cerrado, relevo suave ondulado (Embrapa, 1999).

O experimento constou de dois ensaios, conduzidos nos anos agrícolas de 2001/2002 e de 2002/2003, em áreas individuais e anexas, com histórico de 19 anos de plantio convencional com culturas anuais (feijão, milho, soja e arroz), e últimos cinco anos em plantio direto, cultivado com arroz no último ano agrícola (2000/2001).

Antes da instalação dos ensaios, foram realizadas amostragens do solo, nos meses de julho de 2001 e julho de 2002, nas camadas de 0,0–0,1, 0,1–0,2 e 0,2–0,4 m, para caracterização química (Tabela 1), segundo metodologias descritas por Raij et al. (2001). A média dos resultados das análises químicas do solo, das camadas de 0,0–0,1 e 0,1–0,2 m, foi utilizada para o cálculo da adubação com potássio, fósforo e zinco, para o milho, para uma expectativa de produtividade de grãos de 10 a 12 t ha-1, conforme Raij et al. (1996).

Tabela 1.
Resultados das análises químicas do solo, em amostras coletadas antes da instalação dos ensaios,
nos meses de julho de 2001 e julho de 2002.

O delineamento experimental foi em blocos ao acaso, com quatro repetições e 24 tratamentos, dispostos em esquema fatorial incompleto, 3x3x2 + 6 tratamentos adicionais, sendo três tratamentos controles, sem a aplicação de N (0 kg ha-1 de N no milho sobre crotalária, milheto e pousio), e três tratamentos que receberam somente 30 kg ha-1 de N na semeadura (30 kg ha-1 de N no milho sobre crotalária, milheto e pousio). Os demais tratamentos constituíram-se pela combinação de três doses de N no milho: 80, 130 e 180 kg ha-1, tendo sido aplicados 30 kg ha-1 de N na semeadura mais 50, 100 e 150 kg ha-1 de N em cobertura; três sistemas de cobertura do solo: crotalária, milheto e pousio; e duas épocas de aplicação de N: estádio quatro folhas ou estádio oito folhas. Cada parcela experimental constou de uma área de 44,8 m2 (7,0x6,4 m), com oito linhas de milho espaçadas de 0,80 m. Como área útil, foram consideradas as quatro linhas centrais, tendo-se desprezado 1 m em cada extremidade, perfazendo uma área de 16 m2.

As semeaduras da crotalária e do milheto foram realizadas mecanicamente, em 17/9/2001, no primeiro ano agrícola, e em 24/9/2002, no segundo. A crotalária foi semeada na densidade de 30 a 40 sementes por m2, com espaçamento de 0,40 m entre linhas, segundo recomendações de Carvalho (1999). Para o milheto, foi utilizada a variedade BN 2, semeada em linhas espaçadas de 0,17 m, na dose de 20 kg ha-1 de sementes, conforme recomendação de Salton & Kichel (1998). O manejo da crotalária, do milheto e da vegetação espontânea – constituída predominantemente de capim colonião, trapoeraba, picão preto e corda-de-viola – foi mecânico, com triturador de palha, realizado em 30/11/2001 e 26/11/2002, no primeiro e segundo ano agrícola, respectivamente. Para essas plantas de cobertura, foi utilizada irrigação suplementar por aspersão, nos períodos de estiagem prolongada.

As semeaduras do milho foram realizadas, mecanicamente, em 5/12/2001 e 28/11/2002, utilizando-se o híbrido simples Pioneer 30F80, de ciclo semiprecoce, na densidade de 65 mil sementes por hectare, previamente tratadas com inseticida thiodicarb, na dose de 700 g de i.a. por 100 kg de sementes. A adubação de semeadura foi de 105 kg ha-1 de P2O5, 60 kg ha-1 de K2O e 4 kg ha-1 de Zn, aplicada a 0,05 m abaixo e ao lado das sementes. No mesmo dia da semeadura do milho, foram aplicados os herbicidas glifosato e 2,4-D, nas doses (i.a.) de 1.080 e 670 g ha-1, respectivamente. O controle de plantas daninhas em pós-emergência foi realizado com o milho no estádio de cinco folhas (V5), utilizando-se o herbicida Nicossulfuron, na dose de 60 g i.a. ha-1.

A marcação isotópica com 15N (uréia) foi utilizada nos tratamentos em que o milho recebeu a dose de 30 kg ha-1 de N, na semeadura, e naqueles tratamentos que receberam as doses de 50, 100 e 150 kg ha-1 de N em cobertura, nos estádios quatro folhas ou oito folhas. Esses tratamentos tiveram microparcelas próprias de 1,0x2,4 m (três linhas de milho de 1,0x0,8 m), dentro da respectiva parcela. Em ambos os anos agrícolas, foram empregados um enriquecimento de 2% em átomos de 15N em excesso, para as doses 30 kg de N na semeadura e 50 kg ha-1 de N em cobertura e, de 1,5% em átomos de 15N em excesso, para as doses 100 e 150 kg ha-1 de N em cobertura. No restante da parcela, foi utilizada uréia comercial 45% de N, sem enriquecimento em 15N.

As coberturas nitrogenadas foram realizadas manualmente, em um sulco superficial, a 0,20 m da linha da cultura do milho e cobertas com uma camada de solo, para simular a aplicação mecanizada com implemento apropriado para cobertura nitrogenada incorporada ao milho em sistema plantio direto. No mesmo dia da aplicação de N, no estádio quatro folhas, em ambos os anos agrícolas, foram aplicados também 50 kg ha-1 de K2O, tendo como fonte o cloreto de potássio, conforme recomendação descrita em Raij et al. (1996).

A produtividade de matéria seca da parte aérea do milheto, da crotalária e da vegetação espontânea (pousio) foi determinada em quatro amostras, coletadas na área útil de cada parcela, um dia antes do manejo mecânico, e secadas em estufa de ventilação forçada de ar a 60ºC. Desse mesmo material, foram retiradas amostras para avaliar o teor de N total, conforme descrito em Malavolta et al. (1997), e avaliar a relação carbono-nitrogênio (C/N), que foi determinada pela combustão via seca da amostra a 1.400ºC, no aparelho Leco C/N.

O estande final foi determinado cinco dias antes da colheita, contando-se as plantas em quatro linhas de 2 m, da área útil da parcela. O número de grãos por espiga foi avaliado em duas amostras de dez espigas, provenientes da área útil da parcela. A massa de mil grãos foi avaliada em duas amostragens, com a transformação dos dados para 13% de umidade.

Para a determinação da produtividade de matéria seca da parte aérea do milho, foram coletadas três plantas na área útil da parcela, por ocasião da maturação fisiológica. A produtividade de grãos foi determinada, tendo-se coletado as espigas das quatro linhas centrais da área útil da parcela, desprezando-se 1 m em cada extremidade. As espigas foram trilhadas mecanicamente, e os dados transformados em kg ha-1 de grãos, padronizados a 13% de umidade.

Para análise do enriquecimento isotópico em porcentagem de átomos de 15N e N total, nos grãos e na parte aérea, foram coletadas três plantas na linha central das microparcelas, depois da maturação fisiológica dos grãos. As espigas foram debulhadas manualmente, e as folhas, colmos, pendões, sabugos e palhas da espiga, fragmentadas, retirando-se uma amostra para análises, as quais foram determinadas em espectrômetro de massa (IRMS), interfaceado com analisador elementar de N, no Laboratório de Isótopos Estáveis do Cena/USP, conforme metodologia de Barrie & Prosser (1996).

Os efeitos dos tratamentos foram avaliados pela produtividade de grãos (kg ha-1), produtividade de matéria seca da parte aérea (kg ha-1) e quantidade de N total acumulado pelo milho (grãos e parte aérea, kg ha-1). Para a determinação da eficiência de utilização do N, baseou-se no princípio da diluição isotópica, considerando-se o enriquecimento em porcentagem de átomos de 15N da fonte de N aplicada (uréia) e a quantidade de 15N na planta, descontando-se a variação natural do isótopo estável 15N, que é de 0,366% (Barrie & Prosser, 1996). Os cálculos para a determinação da recuperação do fertilizante nitrogenado foram feitos de acordo com Lara Cabezas et al. (2000).

Os dados foram submetidos à análise de variância, aplicando-se o teste F, e a comparação de médias foi feita pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade e análise de regressão. As análises estatísticas foram realizadas, utilizando-se o SAS (SAS Institute, 1996).

Resultados e Discussão

A produtividade de matéria seca da parte aérea (Tabela 2) da crotalária foi superior à do milheto que, por sua vez, foi superior à da vegetação espontânea (pousio), em ambos os anos agrícolas. A crotalária apresentou também maior teor de N na matéria seca, o que é esperado, em razão de ser uma leguminosa, que pode adquirir N atmosférico pela fixação simbiótica (Ambrosano et al., 1997; Aita et al., 2001), além de reciclar N das camadas profundas do solo (Gonçalves et al., 2000). No entanto, alguns estudos com adubos verdes, marcados com 15N, indicam que a maior proporção do N da biomassa dessas plantas tem, como destino, o solo (Harris & Hesterman, 1990). Assim, o cultivo de adubos verdes pode favorecer outras culturas em rotação ou sucessão, graças ao efeito residual (Scivittaro et al., 2000) e, também, com o tempo, incrementar o teor de matéria orgânica do solo, o qual está diretamente relacionado com a adição de N ao solo, seja pela fixação biológica, seja por meio da adição de fertilizantes minerais ou orgânicos (Amado et al., 2002).

Tabela 2.
Produtividade de matéria seca da parte aérea das plantas de cobertura, teor de N total,
quantidade de N acumulado e relação C/N, na época do manejo mecânico, nos anos de 2001 e de 2002(1).

(1)Médias seguidas pela mesma letra, na coluna, não diferem entre si a 5% de probabilidade pelo teste de Tukey. (2)VE: vegetação espontânea.

Apesar da menor produtividade de matéria seca do milheto, sua palhada promoveu uma cobertura mais persistente do solo, comparada à da crotalária e à da vegetação espontânea. Tal fato está relacionado à sua relação C/N (Salton & Kichel, 1998), que foi maior que o dobro da relação C/N da crotalária e superior à da vegetação espontânea. Na Região do Cerrado, especialmente, isto se constitui num importante fator no cultivo em plantio direto, em virtude de as altas temperaturas e umidade, no verão, promoverem uma rápida decomposição dos resíduos de baixa relação C/N (Gonçalves et al., 2000; Lara Cabezas et al., 2004).

A menor produção de matéria seca pela vegetação espontânea, quando comparada à dos adubos verdes, corrobora dados de Perin et al. (2004), que verificaram que a crotalária júncea produziu 31% a mais que o milheto e 108% a mais que a área de pousio. Entretanto, ressalta-se que a produtividade de matéria seca de plantas de coberturas do solo depende das condições intrínsecas de solo e clima local e, também, da época de cultivo, em virtude do fotoperíodo.

Durante os ciclos da cultura do milho, dezembro a abril dos anos agrícolas de 2001/2002 e 2002/2003, não houve incidência de períodos de estiagem (veranicos), comuns nessa região, que limitassem o desenvolvimento da cultura e influenciassem na produtividade de grãos.

O estande médio na colheita foi de aproximadamente 62 mil plantas por hectare, e não foi observada discrepância entre os tratamentos, o que indica que não houve interferência destes sobre a emergência e desenvolvimento das plantas. Isto ocorreu, provavelmente, em razão de a dose de N, na semeadura, ter sido de 30 kg ha-1 e de o N dos resíduos vegetais ter apresentado padrão de mineralização gradual, como da crotalária, que acumulou grande quantidade de N (Aita et al., 2001). A interferência do N, sobre a germinação de plântulas de milho, pode ocorrer, quando se aplica uma dose elevada de fertilizante mineral na semeadura, em virtude de sua salinidade reduzir o potencial hídrico do solo (Sá, 1996).

Verifica-se, na Tabela 3, que em ambos os anos agrícolas houve efeito significativo das doses de N e das plantas de cobertura do solo sobre o número de grãos por espiga, massa de mil grãos e produtividade de grãos. As épocas de aplicação do N influenciaram, significativamente, apenas na produtividade de grãos e somente no ano agrícola 2001/2002. Houve, também, para a produtividade de grãos, interação significativa de doses de N com os sistemas de cobertura do solo, no primeiro ano agrícola, e de época de aplicação do N com os sistemas de cobertura do solo, no segundo ano (2002/2003). A interação entre diferentes variáveis, em anos distintos, apesar de terem sido utilizados os mesmos tratamentos, provavelmente ocorreu pelo fato de a dinâmica do N no solo e a cinética de decomposição dos resíduos vegetais serem dependentes das condições climáticas (Lara Cabezas et al., 2000; Amado et al., 2002).

Tabela 3.
Valores de F da análise de variância, referentes às avaliações de número de grãos por espiga,
massa de mil grãos e produtividade de grãos, nos anos agrícolas 2001/2002 e 2002-2003.

O número de grãos por espiga e a massa de mil grãos foram superiores no milho cultivado em sucessão à crotalária, comparado ao cultivado em sucessão ao milheto e ao solo em pousio, que apresentaram comportamento semelhante entre si (Tabela 4). Esses componentes têm relação direta com a produtividade de grãos e alta dependência da absorção de N pelo milho (Schreiber et al., 1988; Ulger et al., 1995). Assim, certamente, condicionaram o milho a uma maior produtividade, cultivado em sucessão à crotalária, que apresentava maior potencial de fornecimento de N, comparada ao dos demais sistemas de cobertura do solo (Tabela 2). As épocas de aplicação do N não influenciaram no número de grãos por espiga e na massa de mil grãos. Porém, em relação às doses de N aplicadas, esses componentes aumentaram de forma quadrática.

Tabela 4.
Número de grãos por espiga, massa de mil grãos (g) e produtividade de grãos (kg ha-1),
em função das variáveis época de aplicação do N e sistema de cobertura do solo,
nos anos agrícolas 2001/2002 e 2002/2003(1).

(1)Médias seguidas pela mesma letra, na coluna, não diferem entre si a 5% de probabilidade pelo teste de Tukey. (2)Médias sem letra, na coluna, referem-se à interação significativa de sistema de cobertura do solo x doses de N e de sistemas de cobertura x épocas de aplicação do N.

A menor produtividade de grãos de milho, em sucessão ao milheto (Tabela 4), comparada à do milho cultivado em sucessão à crotalária, provavelmente ocorreu em virtude da imobilização do N aplicado, pela microbiota do solo, para a decomposição dos resíduos e, também, pela maior imobilização do N do solo, que geralmente se constitui na principal fonte de N para as culturas (Coelho et al., 1991; Amado et al., 2002). Da mesma forma, pode ter ocorrido reimobilização do próprio N mineralizado do milheto. Assim, todos esses fatores, possivelmente, condicionaram um assincronismo entre a época de demanda de N pela planta e a disponibilidade de N na solução do solo. Grande parte do N mineralizado dos resíduos vegetais pode ter sido incorporado ao N orgânico do solo, corroborando o verificado por Harris & Hesterman (1990).

A aplicação do N no estádio quatro folhas (Tabela 4) proporcionou maior produtividade de grãos no primeiro ano agrícola, certamente pela compensação do N mineral da solução do solo imobilizado, na fase inicial de desenvolvimento do milho, em relação aos tratamentos que receberam o N no estádio oito folhas. No SPD, pesquisas têm demonstrado que a maior presença de resíduos orgânicos, na superfície do solo, favorece uma maior atividade e imobilização do N pelos microrganismos quimiorganotróficos (Sá, 1996; Aita et al., 2001), o que pode comprometer a disponibilidade de N para o milho (Amado et al., 2002; Bortolini et al., 2002). Além disso, a produção potencial da cultura do milho, ou seja, os componentes de produção como número de fileiras de grãos por espiga e tamanho da espiga são definidos nos estádios de quatro a seis folhas e necessitam, nessa época, de um suprimento adequado de N, conforme relatado por Mengel & Barber (1974). Nessa fase, a deficiência de N reduz o número de óvulos nos primórdios da espiga (Schreiber et al., 1988).

No desdobramento da interação significativa de épocas de aplicação do N com os sistemas de cobertura do solo, para a produtividade de grãos, ano agrícola 2002/2003, a maior resposta foi para a sucessão crotalária-milho (7.756 kg ha-1), em relação à sucessão pousio-milho (6.341 kg ha-1), e a aplicação do N, no estádio quatro ou oito folhas, não influenciou significativamente nessas sucessões. A produtividade de grãos, na sucessão milheto-milho, 6.338 kg ha-1 e 5.798 kg ha-1, para a aplicação do N nos estádios quatro e oito folhas, respectivamente, foi inferior à da sucessão pousio-milho somente quando o N foi aplicado no estádio oito folhas.

A maior resposta em produtividade de grãos para o milho cultivado, em sucessão à crotalária, e a não-diferença quanto às épocas de aplicação do N seguramente ocorreram em razão do maior e mais regular fornecimento de N por esta leguminosa, em virtude de sua menor C/N favorecer a maior mineralização e menor imobilização de N mineral, comparado aos resíduos do milheto e da vegetação espontânea. Ademais, o maior aporte de N pela crotalária pode ter favorecido um desenvolvimento maior do sistema radicular, tendo resultado em um maior aproveitamento de água e nutrientes do solo (Jenkinson et al., 1985) e em maior mineralização do N orgânico do solo (Rao et al., 1992).

A produtividade de grãos, no ano agrícola 2001/2002, aumentou de forma quadrática em função das doses de N aplicadas, e a máxima eficiência técnica foi alcançada com as doses 144, 149 e 161 kg ha-1 de N, para o milho cultivado em sucessão à crotalária, pousio e milheto, respectivamente (Figura 1). Embora o milho em sucessão ao milheto tenha sido o sistema que demandou a maior dose de N para atingir a máxima eficiência técnica, foi o sistema que proporcionou a menor produtividade de grãos, ao contrário da crotalária, que proporcionou maior produtividade com uma menor dose de N. No segundo ano agrícola, não houve interação entre os tratamentos, e a máxima produtividade de grãos foi alcançada com 174 kg ha-1 de N.

As porcentagens de N na planta proveniente do fertilizante (%NPPF) foram semelhantes nos grãos e no restante da parte aérea da planta – em média, 23% –, o que decorre da alta mobilidade do N e da dinâmica dos compostos nitrogenados (Coelho et al., 1991; Ta & Weiland, 1992). Entretanto, verifica-se que a maior parte do N na planta, 77%, foi proveniente do solo e outras fontes (resíduos vegetais das plantas de cobertura, precipitação pluvial, fixação biológica), corroborando o observado por Lara Cabezas et al. (2000), também em Latossolo Vermelho de Cerrado, sob plantio direto. Esses dados demonstram a importância do N orgânico do solo e do N proveniente de outras fontes como adubos verdes, no fornecimento de N para o milho. De-Polli & Chada (1989) verificaram que a adubação verde, incorporada ou em cobertura, em solo de baixo potencial produtivo, proporcionou rendimento de grãos de milho maior do que com a aplicação de N mineral, e até quatro vezes superior ao tratamento sem a aplicação de N.

A quantidade total de N na planta de milho (parte aérea + grãos) proveniente do fertilizante (QNPPF), em ambos os anos agrícolas, aumentou com o incremento da dose de N aplicada nos três sistemas de cobertura do solo (Figura 2), e os dados ajustaram-se a um modelo quadrático. A maior QNPPF (parte aérea+grãos), no primeiro ano agrícola, foi observada no milho cultivado em sucessão à crotalária e ao solo em pousio, e menor no milho em sucessão ao milheto (Tabela 5). No segundo ano agrícola, a maior QNPPF ocorreu no milho cultivado em sucessão à crotalária, não tendo havido diferença no cultivo em sucessão ao pousio e ao milheto. A mesma tendência, quanto às sucessões de culturas e as épocas de aplicação do N, foi também observada para o aproveitamento do N proveniente do fertilizante pelo milho.

Tabela 5.
Quantidade de nitrogênio na planta proveniente do fertilizante (QNPPF) e aproveitamento de nitrogênio,
aplicado nos estádios quatro e oito folhas no milho, em sucessão à crotalária, milheto e pousio,
nos anos agrícolas 2001/2002 2002/2003(1).

(1)Médias seguidas pela mesma letra, na coluna, não diferem entre si a 5% de probabilidade pelo teste de Tukey.

 A menor relação C/N da crotalária promoveu, provavelmente, uma menor imobilização do N do fertilizante pelos microrganismos quimiorganotróficos do solo. Além disso, deve-se considerar a maior produtividade de biomassa do milho, cultivado em sucessão a essa leguminosa, conseqüentemente acumulando mais N. A maior produtividade de grãos de milho e aproveitamento do N, em sucessão à crotalária, indicam que as condições intrínsecas do solo foram mais favoráveis à absorção de N pela planta, provavelmente em razão de maior desenvolvimento radicular (Scivittaro et al., 2000), e também da maior oferta de outros nutrientes que, certamente, foram mineralizados junto com o N.

Embora as épocas de aplicação do N tenham influenciado na produtividade de grãos (Tabela 4), principalmente no milho cultivado em sucessão ao milheto, estas não influenciaram na QNPPF e no aproveitamento do N do fertilizante, pelo milho (Tabela 5). Deste modo, possivelmente, a maior resposta em produtividade de grãos de milho, com a aplicação do N no estádio quatro folhas (primeiro ano agrícola e sucessão milheto-milho, no segundo), deve-se ao fato de o N do fertilizante ter promovido, indiretamente, maior aproveitamento do N do solo pelo milho, por meio da mineralização dos resíduos das plantas de cobertura ou do N orgânico do solo. Além disso, pode ter favorecido o maior desenvolvimento do sistema radicular (Jenkinson et al., 1985), condicionando também maior aproveitamento do N do solo, que, na maioria das vezes, é a principal fonte de N para as culturas (Rao et al., 1992).

O aproveitamento relativo do N do fertilizante, em ambos os anos agrícolas, decresceu com o incremento das doses de N aplicadas, nos três sistemas de cobertura do solo estudados, exceto para a sucessão milheto-milho, no primeiro ano agrícola, em que o aproveitamento foi um pouco menor nas doses de 30 e 50 kg ha-1 de N, em relação à dose de 100 kg ha-1 de N (Figura 3). Isto ocorreu, provavelmente, em conseqüência do processo de imobilização microbiana do N e da alta relação C/N dessa gramínea, porém foi também menor na dose de 150 kg ha-1 de N. Comportamentos semelhantes foram observados por Timmons & Baker (1992), com 15N, em plantio direto e, também, em plantio convencional (Coelho et al., 1991). No entanto, ressalta-se que a recuperação é relativa à dose de N aplicada e, assim como observado neste estudo, a quantidade de N absorvido pelo milho normalmente aumenta com o incremento da dose de N aplicada.

Figura 3. Aproveitamento do N do fertilizante pelo milho, em função de doses de N, aplicadas nos estádios quatro e oito folhas, e de sistemas de cobertura do solo, nos anos agrícolas 2001/2002 (A) 2003/2003 (B).

Verifica-se que, em ambas as épocas de aplicação do N, em média, o aproveitamento do N foi inferior a 50% do aplicado como fertilizante (Tabela 5). Existe uma grande variação no aproveitamento do N do fertilizante pelo milho, que raramente ultrapassa 50% do N aplicado (Scivittaro et al., 2000). Essas diferenças ocorrem em virtude de diversos fatores, principalmente das condições edafoclimáticas, o tipo de fertilizante e o sistema de cultivo (Lara Cabezas et al., 2000; Figueiredo et al., 2005).

A distribuição do N acumulado na parte aérea do milho foi semehante em todos os tratamentos. Em média, 64% do N alocou-se nos grãos e 36% no restante da parte aérea do milho, evidenciando que o maior dreno de N na planta são os grãos, e que grande quantidade de N das partes vegetativas foi translocado para eles, passando a fazer parte de aminoácidos e proteínas (Ta & Weiland, 1992). Distribuição semelhante a essa, entre o grão e o restante da parte aérea da planta, também foi observada em outros trabalhos, tanto em plantio direto como convencional, demonstrando a mesma partição de N (Timmons & Cruse, 1990; Timmons & Baker, 1992; Lara Cabezas et al., 2000).

Verifica-se que grande parte do N do fertilizante (36%) absorvido pela planta retornou ao solo, pelos resíduos culturais, e que parte foi remineralizada e parte interagiu com a matéria orgânica mais estável do solo, o que é governado pela qualidade do resíduo, principalmente pela relação C/N, lignina/N e polifenóis/N (Amado et al., 2002). Ressalta-se, ainda, que a porção de N que retorna ao solo deve ser superior à observada, por não estar sendo considerado o N do sistema radicular.

Conclusões

1. O incremento na dose de N proporciona aumento quadrático na quantidade, na planta, de N proveniente do fertilizante e na produtividade de grãos.

2. O cultivo do milho, em sucessão à crotalária, proporciona maior produtividade de grãos, quantidade de N na planta proveniente do fertilizante, absorção e recuperação do N em relação ao pousio e ao milheto.

3. As épocas de aplicação do N não influenciam na quantidade de N proveniente do fertilizante, na planta, nem na recuperação do N do fertilizante.

4. A aplicação do N no estádio quatro folhas proporciona maior produtividade de grãos de milho, em sucessão ao milheto, comparada à aplicação com oito folhas.

Agradecimentos

À Fapesp, pela concessão de bolsa; à International Atomic Energy Agency – IAEA, pelo fornecimento do 15N; à Unesp/Feis, pela autorização de uso do espaço físico, máquinas e implementos.

Referências

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SciELO ]

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Edson Cabral da SilvaI; Takashi MuraokaI; Salatiér BuzettiII; Paulo César Ocheuze TrivelinI
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IUniversidade de São Paulo, Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Av. Centenário, nº 303, CEP 13416-000 Piracicaba, SP. E-mail: ecsilva[arroba]cena.usp.br, muraoka[arroba]cena.usp.br, pcotrive[arroba]cena.usp.br
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