CAPÍTULO II

2 – A execução das Medidas Sócio-Educativas

Introdução

Vimos até agora, de modo superficial, as razões das medidas. Esta seqüência legal-punitiva encontrada na literatura pertinente segue a lógica da epistemologia positivista, onde a objetividade é mistificada, escamoteando os pontos de vista contraditórios, nos quais os interesses político-sociais pelos critérios adotados são postos em planos distintos. A utilizei, embora não lhe sendo simpático, por considerar pouco "saudável" a crítica externa, afinal o DEGASE é um "aparelho da sociedade política" de uma classe hegemônica estruturada nesta filosofia. Uma outra possível abordagem é encontrada em "Vigiar e Punir" de Michel Foucault (Cf.). O descompasso entre o legal, que está escrito no papel, e a realidade, não ocorre por "maquiavelismo". O corpo teórico do Direito obedece a uma estrutura idealizada da sociedade no momento. Assim, é eminentemente conservadora. Isto equivale a dizer que todo o pensamento voltado para as sanções, reeducação e ressocialização, etc., visam ao equilíbrio social e mesmo as ditas "revolucionárias" têm um caráter conservador.

Pretendo mostrar com alguns fatos e dados que a realidade empírica não segue de perto a estrutura teórica da ressocialização e nem da punição. É como um atirador que mira um alvo e acerta outro, ou sendo menos condescendente, como um mágico cuja façanha não ocorre nas mãos, mas nas mangas. Quero mostrar que "na prática, a teoria é outra".

2.1 A Internação.

Vimos que há uma correlação entre internação e regime fechado. Só que na prática não há correlação, e sim identidade. Ser um número, estar uniformizado, com horários para refeições, higiene pessoal, atividades recreativas em hora e dias determinados, iguala-se às Instituições Totais (Goffman, 1974), no nosso caso, prisões.

O Educandário Santo Expedito, localizado em Bangu, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, pertence ao chamado Complexo Penitenciário de Bangu, abriga adolescentes em conflito com a lei em regime de internação, obedece à estrutura arquitetônica de penitenciária, já que lá funcionou a Penitenciária Munis Sodré. Outro exemplo é a Escola João Luiz Alves, que no seu projeto original fora concebido como reformatório, sem muros e grades; hoje tem muros altos, como qualquer prisão e as janelas são "guardadas" por grades, e na portaria estão estacionadas viaturas policiais. O Comissário Dr. Affonso Louzada, em trabalho apresentado no Relatório do Juizado de Menores do Distrito Federal, 1941, cita um trecho de Mello Mattos, primeiro Juiz de Menores da América Latina, sobre a Escola João Luiz Alves: "uma escola de portas abertas, na qual não se acham criminosos em execução de pena e sim alunos recebendo educação física, moral, intelectual e profissional, como qualquer liceu de artes e ofícios" (: 169). Dentro de uma década a Escola já constava em uma Comissão de Inquérito nomeada pelo Ministro da Justiça, como local de "depósito de menores", juntamente com a Escola XV de Novembro (Op. cit. :155).

As outras unidades de internação não diferem da estrutura básica destas unidades ou de qualquer prisão.

Toda a Medida Sócio-Educativa tem como meta as Medidas de Proteção, ou seja, no Art. 98, ECA, nos diz quando da sua aplicação:

As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados:

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado

II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.

III – em razão de sua conduta

Desta forma, as medidas de internação visam a proteção do adolescente e/ou da sociedade.

Não é no intuito de desgarre, porém, me alongar no sistema de internação é de extrema pertinência, porque os vícios, traumas e estigmas adquiridos neste sistema vão refletir na forma pela qual o adolescente chega ao CRIAM, como vai "tirar a sua medida", e no seu comportamento pelo resto da vida, já que a "cadeia" deixa marcas indeléveis em quem por ela passa. Assim, continuemos.

Todos sabemos, sem exceção, que o sistema de internação é falido desde o seu nascedouro. A concordância de uma "pena" ao infrator parece pacífico. Qualquer educador defende limites aos jovens, porém o encarceramento encontra adversários em todos os segmentos onde haja cabeças pensantes com um pouco de dignidade.

Quem conhece a cadeia de perto, e não de livros ou de gabinetes, sabe que ninguém sai imune daquele ambiente. Todas as obras literárias cujos autores estiveram encarcerados atestam isso. Bernard Shaw afirmou uma vez que: "Para punir um homem retributivamente é preciso injuriá-lo. Para reformá-lo, é preciso melhorá-lo. E os homens não são melhoráveis através de injúrias" (Appud. Thompson, 2002).

Henri Charrière em Papillon faz um balanço do seu estado ao final de sua "odisséia como prisioneiro": "O caminho da podridão não deixou marcas degradantes em mim porque, na realidade, acredito que nunca me adaptei a ele" (1980: 488).

Sob uma atmosfera tão inóspita, qualquer ser humano procura estratégias para sobreviver, faz funcionar todos os mecanismos que estiverem a seu alcance. Desta forma, a adaptação ao regime de internação não significa adaptação à vida livre.

Todo e qualquer sistema prisional é voltado para a disciplina dos internos, é o que a sociedade "livre" espera, já que paga para isto. Ser submisso à disciplina rígida, ou seja, ser um bom preso, para quem consegue "controlar os nervos", não é muito difícil; bom era saber qual é a utilidade de ser um bom preso de volta à sociedade "livre"? (Thompson, Op. cit.). Se não tem uma justificativa lógica para a vida social humana, é, porém, bem funcional a qualquer sistema alienante, se não servir na prática, serve ideologicamente. É um excelente aparelho para "lavagem cerebral".

Na sociedade intra-muros, os valores, as necessidades, a moral e a ética diferem radicalmente da sociedade extra-muros, e em muitos aspectos são antagônicos. Não se pode fazer comparações algébricas entre estes dois universos distintos; a sociedade "legal" cria um "monstrengo" e quer que ele se comporte de forma ideal, de uma forma que ela mesma não tem capacidade ou competência de ser.

As relações sociais no interior de qualquer unidade de cerceamento de liberdade sejam para jovens ou adultos, obedecem a uma lógica de poder hierárquico.

A cadeia, como diz Thompson, não é uma miniatura de nossa sociedade; possui valores próprios, portanto, as hierarquias formais, oficiais, convivem com outras informais e necessárias – uma sociedade dentro de outra sociedade. Justamente para dar conta desta lógica, sem conflitos, produz-se uma interação destes dois modos de vida: a ordem oficial e o interno-informal. Grosso modo, seria o que em sociologia chama-se de assimilação – quando um grupo de imigrantes adquire em um processo lento e gradual a cultura do meio inserido. Thompson utiliza-se de um termo, segundo ele, criado por Donald Clemmer, que define em maior ou menor grau, o modo de pensar, os costumes, os hábitos a cultura geral da prisão: a prisonização.

Assim, se usarmos este conceito, e se for válida a dedução – imagino que seja, já vimos que há mais que correlação entre prisão e internação, entre pena e medida sócio-educativa – podemos dizer que há um processo de sócio-educação em todos os que participam do sistema. Destarte, se um interno, ao ingressar na coletividade das Medidas Sócio-Educativas, se submete a uma adaptação, também o membro novato da administração (seja diretor, agente, assistente social, etc.) sujeita-se ao mesmo processo de assimilação. O que significa: todos os participantes da relação sócio-educativa sofrem os efeitos da sócio-educação. Cada um com as características da sua unidade, internação ou de semiliberdade.

É de conhecimento geral que a privação de liberdade por si só causa transtorno indelével ao comportamento de qualquer ser, piorado nos extremos – na solitária e na superlotação. A superlotação no sistema restritivo de liberdade por decisão judicial no Brasil ultrapassa o limite do vergonhoso. Neste caso, a falta de individualidade e identidade com os seus valores, é o que mais desorienta o sancionado.

No artigo "Subcultura Carcerária" (IBCCrim nº 58 de setembro de 1997), Carlos Ferreira, com sua experiência, nos afirma que:

"as perturbações psicológicas sofridas pelo recluso trazem conseqüências drásticas (...), nas formas de comunicação adotadas com os demais presos. A facilidade com que mentem e dissimulam é impressionante. Artifícios variados são usados tanto para a prática de infrações dentro do presídio (das unidades), como para justificar reclamações de violações de direitos humanos, muitas vezes inexistentes". (acréscimo meu).

O processo de "sócio-educação" atinge a todos, da mesma forma que os adolescentes criam situações problemáticas, o staff administrativo também o faz. O relacionamento entre os agentes e os "apenados", seja no sistema sócio-educativo ou penitenciário, não é feito na "folclórica" "violência extrema" entre as partes. Um por saber que a reação do Estado será mais violenta do que eles podem suportar normalmente, além de indiscriminada, e o outro não se arriscaria a "violências gratuitas" em um ambiente numericamente desproporcional a ele, constituído de pessoas "endurecidas". Os "quizumbeiros", de ambos os lados, não se criam por muito tempo; cada grupo procura segurar os seus. Esta "diplomacia da cadeia" faz parte da "sócio-educação" e da "prisonizaçao".

Por outro lado, a rotatividade da população internada e os novos hábitos e costumes trazidos pelos adolescentes recém-chegados, que se misturam aos que estão a algum tempo cumprindo medida, criam problemas cujas conseqüências irão se refletir mesmo fora das unidades. Os internados de alguns meses e os recém-chegados assimilam e fazem assimilar linguagens e costumes, intercambiando inclusive novas técnicas para a prática de Atos Infracionais. E até mesmo, se guardadas as devidas proporções, um "dialeto sócio-educativo" é criado e assimilado fora das unidades do DEGASE por uma parte da população, causado por esta rotatividade. Desta forma, algumas comunidades apreendem tradições, sentimentos e estilos de vida da "sócio-educação", surgindo desta identificação com um tipo cultural comum. Expressões como "tirar Internação", "tirar CRIAM", usadas como sentido de cumprir a medida sócio-educativa; "menor boladão de cadeia", como destemido; ou "vermelhô", "tercerô", "é nós bandido", como senha de estar presente; "quilingue", praticante de pequenos furtos entre os iguais; "bebel", adolescente de pouca idade; "comarca", beliche; "sucata", alimentos não perecíveis trazidos pelas visitas, etc., já estão definitivamente incorporadas ao linguajar dos adolescentes em conflito com a lei, e até mesmo entre adolescentes "tranqüilões". Muitos destes termos já estão em algumas letras "funk".

O confinamento encontra todas as vozes em concerto afirmando seu caráter deletério, produz aquilo que a sociedade "legal" tem dificuldade em digerir, o "diferente", o que é pior, segrega quem não é perigoso, contaminando-o profundamente, alguns sem chance de "cura".

2.1.1 A carrocinha de menores

Em 1960, o jornalista Deodato Rivera foi incumbido pelo Jornal "O Globo" de investigar o porque de, apesar das campanhas do "Serviço de Profilaxia da Raiva", continuava o Rio de Janeiro o recordista mundial de mortes por hidrofobia. "Morriam principalmente crianças, mais vulneráveis às mordidas dos cães transmissores da doença, e particularmente crianças pobres, expostas a um convívio maior com animais não vacinados" (Rivera, 1991:59).

Assim explica:

"Ao descumprir algumas recomendações técnicas da Organização Mundial de Saúde sobre a metodologia da apreensão de cães vadios, o Serviço espalhava a hidrofobia por toda a cidade, misturando animais infectados com outros sadios. Estes, quando resgatados pelos proprietários dentro das 48 horas regulamentares, levavam para a casa o vírus mortal. Era o efeito perverso de um programa equivocado. Corrigido o erro, em muito pouco tempo o número de mortes humanas por hidrofobia voltou a ser apenas um traço residual nas estatísticas" (grifo meu).

Vinte e sete anos depois, Rivera, já como cientista social, constata situação "semelhante à do Rio de Janeiro de 1960". Um "fenômeno" batizado por ele de carrocinha de menores. Comprova, no Distrito Federal, o que se pode encontrar em todos os locais de atendimento a adolescentes em conflito com a lei ainda hoje, "celas infectadas, onde a Lei de Proteção aos Animais considera crime manter aprisionado qualquer bicho"; adolescentes "mortos-vivos", destroçados alguns, enquanto outros, "candidatos certos à penitenciária, ao hospício, ao cemitério" (Op. cit. :60).

Verifica-se factualmente que o atendimento a adolescentes em conflito com a lei, pelo menos no Estado do Rio de Janeiro, ainda está equivocado. Podemos resgatar, chateados, mas com absoluta certeza, o conceito de carrocinha de menores para os estabelecimentos de execução de Medidas Sócio-Educativas. Inclusive o termo "menor" é pertinente neste caso, já que a situação da infância e da adolescência só conseguiu uma mudança substancial pós-ECA no discurso acadêmico, que conseguiu, sem ser sarcástico, implantar uma "norma técnica" para a redação de documentos e trabalhos acadêmicos em relação ao assunto.

Ainda é verdadeiro o que Rivera afirmou em artigo no Jornal O Globo em 3/9/91:

"É o Estado que propaga a violência. Ele a cultiva e contamina, ao misturar nas diversas "carrocinhas", crianças e jovens pobres, sem comportamento destrutivo grave, com meninos já destroçados pela violência sistemática que receberam em seus ambientes familiares ou residenciais. Menores deturpados, particularmente, pelo sistema oficial de segurança-justiça-processamento social, ao caírem no ciclo perverso de desatendimento, apreensão, rotulação, enjaulamento, triagem, deportação e confinamento.

Os que conhecem por dentro esse mal chamado "sistema de bem-estar do menor" (leia-se atendimento, porque cabe), sabem do que se trata: produção científica de desestruturados mentais; indução de um projeto de morte em meninos que não tiveram oportunidade de uma nova vida digna; máquina de preparação para o crime, loucura, prostituição, drogas e extermínio; realimentação permanente da violência" (acréscimo meu).

A sociedade necessita, e tem o direito de se defender e se resguardar contra agressões. Para a "defesa social" é lícito o isolamento do agressor pela forma necessária, mas por que de forma indiscriminada? Todas as agressões e transgressões perpetradas na sociedade são fatais? Estas e outras perguntas já foram feitas ao longo dos séculos, mas a motivação filosófico-moral sempre foi "escamoteada".

A quase totalidade dos adolescentes sentenciados com medidas de semiliberdade passou por este deletério "ritual de iniciação", alguns mais de uma vez.

2.2 A Semiliberdade

No Estatuto da Criança e do Adolescente, o Regime de Semiliberdade é determinada pelo Art. 120, que disserta:

"O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilita a realização de atividades externas, independente de autorização judicial.

§ 1º É obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo sempre que possível, ser utilizado os recursos existentes na comunidade.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação".

A maioria dos adolescentes que dão entrada nos CRIAM’s chega por "progressão de medida", ou seja, são oriundos da internação. Portanto, a carga de institucionalização já está intrínseca a eles. No próprio Artigo diz que é "como forma de transição para o meio aberto", assumindo a necessidade de adaptação de pelo menos seis meses, (§2º). Como se os adolescentes saídos da internação carecessem de um período de "quarentena" (deve ser pela "defesa social", mas para proteger quem de quem?).

A medida de internação e a de semiliberdade, guardam uma conexão bem íntima.

A completa (des)adaptação social ocorrida na internação causa transtorno nas Unidades de Semiliberdade.

O primeiro, embora não seja para o staff administrativo o é para a comunidade, é o alto índice de descumprimento de medida (evasão), imediatamente após o "ritual de recepção" na unidade.

O segundo é o completo desprezo pelas coisas de uso comum. Uso comum é tudo o que se refere ao uso exclusivo dos residentes. A higiene nos banheiros é a pior possível mesmo quando a instituição fornece material de limpeza. O material esportivo, quando é fornecido, dura pouco tempo, não pelo uso excessivo, mas por negligência. A televisão tem que ser vigiada de perto.

2.2.1 O ritual de recepção

Os adolescentes ao darem entrada nos CRIAM’s, são apartados de imediato dos residentes, na "sala das técnicas" e só serão liberados para o pátio após o "ritual de recepção".

A quantidade de adolescentes e a freqüência da chegada nas unidades variam muito. Nos CRIAM’s do interior a chegada é espaçada e em pouca quantidade, podendo dar entrada até mesmo à noite (por causa da distância entre as unidades de internação, quatro estão localizadas na capital e uma em Belford Roxo, região metropolitana). Enquanto na capital, chega quase todos os dias úteis e em quantidades variáveis – no CRIAM-Penha já chegou a dar entrada quinze adolescentes em um único dia (dezembro de 2001).

Na recepção, preenche-se um formulário com as respostas dadas às perguntas usuais, feitas em todas as vezes que os adolescentes dão entrada em qualquer lugar – nome, data nascimento, filiação, composição familiar, residência, número do processo, data da entrada, ato infracional, reincidência, se usuário de droga e qual, escolaridade, experiência laborativa, telefone de contato e outras. Quase sempre acompanha o Ofício de Encaminhamento uma cópia com estes dados colhidos na Unidade de origem e também da sentença. É mais para dizer que teve atenção ao chegar e pode ser preenchido por qualquer um.

Se os adolescentes chegam com algum pertence (relógio, cordão, anel, boné, etc.), o mesmo é recolhido e acautelado na Direção. Dependendo do CRIAM, lhes dão calção (preto ou azul marinho), camiseta, e sandálias de borracha, que é o uniforme institucional – no CRIAM-Ricardo, feminino, o uniforme é obrigatório, que é o mesmo do masculino. E lhes são passados os deveres dos residentes e as normas da unidade.

Embora a semiliberdade seja a "transição para o meio aberto", as regras delimitam bem as duas "vidas" possíveis, externa e interna a unidade. Diferem somente em intensidade, mas o controle ainda é total. Assim, "a barreira que as instituições totais colocam entre o internado e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu" (Goffman, 1974:24).

2.2.2 As regras

As regras, embora aparentemente mais brandas, podem ser mais difíceis de cumprir. As refeições são servidas em número de cinco e em horários rígidos. Se não tiver fome ou não estiver com vontade de comer naquele momento, terá que aguardar a próxima refeição; o que se ganha no dia da visita tem que ser consumido no mesmo dia.

Os horários de saída e chegada para atividades escolares ou profissionais são marcados aos minutos. Os atrasos e adiantamentos fora dos horários previstos, se não justificados, são passíveis de sanções disciplinares, como cortar fim-de-semana e sempre com a ameaça de comunicar ao Juizado deste descumprimento, já que ele não está cumprindo as determinações, e "atrasando o seu lado" no relatório periódico para reavaliação de Medida. Como também os horários de repouso (recolhimento), diurno ou noturno, são bem delineados.

Nos muros externos dos CRIAM’s, à parte de alvenaria tem cerca de um metro e meio de altura, porém são guarnecidas de grades que ao todo chegam a mais de três metros de altura, possibilitando tanto a visão externa quanto à interna à unidade. Não é permitido em qualquer CRIAM a permanência junto às grades, como forma de coibir a entrada de objetos e drogas, embora nada impeça delas serem jogadas e recolhidas pelos residentes, já que as áreas de lazer são contíguas às grades. Isto obriga a sempre ter um agente junto às atividades. Desta forma, criou-se uma frase: "Onde tem adolescente, tem agente".

Os CRIAM’s são localizados próximos a comunidades populares. Desta feita, os residentes vêem e ouvem toda a movimentação da rua.

Em Caxias um adolescente desabafou que o CRIAM dava mais "neurose" que a "cadeia", preferia ficar mais seis meses no sistema fechado e depois ir embora de vez. Os outros jovens soltos, ou melhor, que não cumprem medida, mexiam e iam para o baile ou a praia e eles ali tinham que ficar na "inhaca" – este termo é um dos que os residentes chamam os alojamentos, de todos o mais real. Em um lugar de pouca ventilação, com alta rotatividade de pessoas sem vínculos entre si, banheiros sem portas, pouca higiene, etc., sem dúvida, "inhaca" é a melhor definição.

2.2.3 Os descumprimentos

O descumprimento de medida, evasão, é uma das questões mais sérias de todo o sistema sócio-educativo, pois mostra toda a fraqueza da Medida de Semiliberdade e expõe a ineficácia da Medida de Internação.

Quando estagiário no CRIAM-Bangú, segundo período de 2001, chegou uma ordem da direção do DEGASE para que fosse feito o levantamento e coleta dos dados referentes às entradas, evasões, LA’s, extinções, transferências e regressões de medidas no ano de 2000. Embora reconhecendo a questão do número elevado de evasões como alarmante e problemática, ainda não tinha me ocorrido à mensuração destas ocorrências. Aí começa a surpresa.

No CRIAM-Bangú, no ano de 2000 houve mais de 420 entradas. Na Penha, passou de 500 no mesmo ano; em 2001, ultrapassou a marca de 580 entradas. Dados colhidos nos Livros de Entradas das respectivas Unidades. Estes CRIAM’s são os de maior efetivo de residentes do sistema de semiliberdade.

Entrada refere-se ao processo burocrático de recepção do adolescente via Ofício do Juizado, ou seja, não corresponde à quantidade de adolescentes recebidos. Há quem dê entrada mais de uma vez no ano, alguns mais de duas. Isto pode se dar por quatro motivos:

  1. O adolescente evade, se apresenta ao Juizado e retorna mediante ordem judicial com Ofício.
  2. O adolescente evade, "roda na pista", ou seja, é apreendido em novo Ato Infracional.
  3. Tem regressão de medida, por cometer algum Ato Infracional dentro da unidade, é apresentado ao Juizado, passa um período na internação e retorna a semiliberdade.
  4. Tem progressão ou extinção de medida, "roda na pista" e entra com novo processo.

Mesmo subtraindo estes casos, a quantidade é alarmante e mais, preocupante.

Se usarmos um algebrismo simples, até mesmo simplório, constatamos que há mais entradas nos CRIAM’s do que dias no ano, ou seja, mais de uma entrada de adolescente por dia, considerando sábados, domingos e feriados.

Se considerarmos que as medidas de semiliberdade são revistas a cada seis meses e as Unidades de Semiliberdade projetadas para uma capacidade de no máximo, 32 residentes, teríamos um "caos" nos CRIAM’s caso os adolescentes resolvessem "tirar a medida numa boa", ou seja, cumprir os seis meses regulamentares. A maior "sabotagem" que se poderia fazer no Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas, não são rebeliões com "quebra-quebra", e sim, todos, sem exceção, ficar em no mínimo trinta dias nos CRIAM’s.

Uma conclusão salta aos olhos: tanto as medidas de internação quanto às de semiliberdade, não estão dando certo, ou seja, o proposto difere do manifesto. Neste ponto começa nosso problema. Da sociedade que paga para a "ressocialização" – acreditando fielmente que se faz o melhor com o fruto do seu trabalho, e ainda achando a filosofia "educacional" apregoada como a melhor – e para mim, obrigado a problematizar ou justificar esta constatação; mas isto só será possível quando da análise da relação do cumprimento da justiça aos infratores penais, com a ideologia do sistema político-produtivo adotado pelo Estado brasileiro. Isto equivale a dizer: O DEGASE como Aparelho Ideológico do Estado.

Quando digo que não estão dando certo, não significa que são feitos para dar errado, e sim, do jeito que são feitos nunca chegarão ao fim proposto, ou ideologicamente posto. Porque ninguém sai ileso da "carrocinha de menores" – nem os funcionários.

Esta constatação não é fruto da perspicácia de um observador. Os dados apresentados são colhidos e registrados em livro próprio sempre que há uma ocorrência de entrada ou descumprimento. As evasões são imediatamente oficiadas ao Judiciário e o Poder Executivo tem ciência, junto com a constelação de entidades que se dedicam à Infância e Adolescência – nunca soube de atuação ou visita de algum Conselheiro Tutelar nas unidades do DEGASE. Nas estatísticas da 2ª V.I.J. e do DEGASE não se encontram os dados ou quaisquer comentários sobre evasões e seu número elevado, isto não quer dizer que lá ignorem tais ocorrências, haja vista a quantidade de Ofícios e CI’s (memorandos) acusando e/ou responsabilizando os agentes de fomentarem as evasões e não coibí-las em unidades de semiliberdade, como se os mesmos fossem profissionais de "aconselhamento". Como fosse fácil convencer a um adolescente transgressor de uma norma, a permanecer em um lugar insalubre, lotado e monótono.

A pergunta: o que acontece nas Unidades de Internação que não preparam os adolescentes para a vida social e a semiliberdade que não "segura" ninguém, encontra várias respostas. Desfiam um rosário de explicações materiais e até metafísicas, e aproveitam para pastorar uma manada de "bodes expiatórios", desde os agentes, qualificando-os de "desqualificados", aos traficantes, com a alegação de aliciações mirabolantes por parte deles.

Todos sabem ser impossível qualquer socialização na "carrocinha de menores" da internação; e nos CRIAM’s, não se tem como mostrar concretamente aos jovens um futuro diferente do passado e do presente vivido por eles, e na maioria, como seus antepassados.

As evasões se convertem, não intencionalmente, na válvula de segurança da cadeia do sistema de atendimento dos adolescentes em conflito com a lei. Os problemas de superlotação acabam camuflados na velocidade "do ciclo perverso de desatendimento, apreensão, rotulação, enjaulamento, triagem, deportação e confinamento" (Rivera; 1991:60), a formar uma "espiral macabra", constatados nas inúmeras reincidências. Quando a repressão (policial e judiciária) atua com "eficiência", superlota a internação. Na "massa crítica" dos "estabelecimentos educacionais" de internação, é esvaziado nos CRIAM’s. Que não consegue mantê-los, vazando-os sem tratamento, in natura, para as vias públicas.

2.2.4 A profissionalização

A profissionalização é obrigatória na execução de Medida de Semiliberdade (Art. 120, § 1º, enquanto na internação é um direito, Art. 124, XI).

Este processo de obrigatoriedade de profissionalização implica em duas questões: na colocação no mercado da mão-de-obra e no aprendizado de um mister.

A colocação de mão-de-obra dos adolescentes dos CRIAM’s encontra vários obstáculos: primeiro é a característica desta faixa de vida, dificilmente são qualificados profissionalmente; segundo, o alto índice de desemprego; e terceiro, adiciona-se a isto tudo o estigma dos que cumprem Medida Sócio-Educativa. Desta forma, cria-se uma barreira complicada de ser ultrapassada. Não obstante, só se aceita trabalho legalizado e regular. A ser considerado também, que só os acima de 16 anos poderiam ser empregados.

Nos pouquíssimos casos em que os residentes fazem alguma atividade laboral extra-muros, em sua maioria estas atividades são arrumadas por parentes próximos. A equipe técnica dos CRIAM’s raramente dedica algum tempo à atividade de colocação dos residentes no mercado de trabalho. Quando estagiário na Penha, uma técnica redigiu um projeto de instalação de "lava-jato" no CRIAM. A unidade entraria com a água, o espaço e a energia, os aviamentos iniciais seriam de doação. Um detalhe a ser acrescentado é que a comunidade local já se movimentou mais de uma vez para a transferência do CRIAM, por causa dos problemas que os jovens já causaram na redondeza, não é de se crer facilmente que os moradores da localidade levariam seus carros para serem lavados pelos jovens do CRIAM.

Tem-se ainda o aprendizado de uma profissão, os cursos profissionalizantes. No Art. 120 está que, além de obrigatória tem, na medida do possível, "ser utilizado os recursos existentes na comunidade".

Os cursos, profissionalizantes ou não, necessitam ser interessantes se tiverem o intuito de mantê-los após o desligamento do CRIAM. Porém, se é para preencher o tempo e justificar a lei, não poderá durar mais de cinco meses, pois as MSE’s tem que ser revistas a cada seis meses.

Os cursos interessantes e/ou úteis esbarram em alguns obstáculos:

Primeiro: custos de manutenção. É necessário transporte, roupa, alimentação e material didático. Mais adiante será mostrado que o perfil dos adolescentes atendidos pelo DEGASE é exatamente o perfil dos estamentos sociais que tem dificuldades nestes itens.

Segundo: os modelos pedagógicos. Geralmente são aqueles que não corresponderam à sua condição e perspectiva; é por isso que eles se afastaram do ensino.

Terceiro: no aspecto corporal. Usam quase sempre a mesma roupa, lavada por eles próprios e nunca são "passadas a ferro"; o material didático, quando levam, é de péssima qualidade.

Quarto: são sempre os "menores do CRIAM".

Assim, reagem à reação.

Algumas entidades oferecem cursos gratuitos, que pela própria natureza deles, são rápidos e de baixo custo. Investindo prioritariamente na parte teórica, a mais barata, e a parte prática, a mais cara, reduzida ao mínimo possível. Assim, estes cursos profissionalizantes são completamente defasados da realidade do mercado de trabalho, que exige experiência ou habilidade prática comprovada. As leis da racionalidade econômica eliminam seletivamente estes adolescentes, eles não podem permanecer na condição de aprendizes até serem considerados economicamente viáveis para a produção. Estes adolescentes podem não saber explicar isto, mas entendem a inutilidade destes cursos para a solução dos problemas imediatos de sobrevivência social e biológica. E os rejeitam, reforçando os discursos reacionários contra o investimento em projetos didáticos consistentes.

O DEGASE oferece cursos profissionalizantes no "complexo sócio-educativo da Ilha do Governador" e obedecem as lógicas dos cursos rápidos, que não necessitam de grande escolaridade. Os cursos são de serigrafia, padaria, mecânica, lanternagem e eletricidade de auto e ficam restritos aos CRIAM’s da capital, por questão de funcionalidade de locomoção dos adolescentes. No interior, alguns CRIAM’s tem cursos. Friburgo, de frutas cristalizadas, inclusive com venda dos produtos; Macaé, padaria, também com venda para a comunidade.

Há uma discrepância entre a propaganda dos cursos dados no "complexo sócio-educativo" e a realidade. Pelo menos até o início de 2003, quando lotado CRIAM. Não creio que houve mudança substancial em 2003 e até o presente momento, primeiro quarto de 2004.

No curso de padaria obtive relatos diferenciados nos jovens. Uns afirmam que participaram na feitura de vários doces, outros que só observaram. O DEGASE compra pão de um único fornecedor e é distribuído a todas as unidades, exceto Macaé.

As viaturas dos CRIAM’s funcionam quase sempre graças à iniciativa das Direções, que conseguem apoio em serviços e peças na comunidade. É crônica a falta de material para a manutenção; desde um simples pneu a componentes mecânicos. A oficina de lanternagem carece de solda, acetileno e oxigênio. Há dificuldades até em material de segurança como macaco, triângulo, retrovisor, etc. A parte prática, com exercícios contínuos, é obviamente impossível com material e tempo escassos.

De vez em quando alguém cria uma atividade de trabalhos manuais com intenções de se tornarem alternativas de ganhos financeiros, portanto, sem nenhum objetivo concreto de profissionalização. Um exemplo disto foi à criação de uma oficina de confecção de sofás e poltronas com garrafas descartáveis, tipo pet, recoberto com pano, obviamente barato. Eram terrivelmente horrorosos. Não possuíam cantos vivos, eram de linhas retas, não acompanhavam a curvatura do corpo de quem se sentasse. Parecia trono de entidade de quimbanda, dessas que ficam nas portas das lojas de artigos religiosos.

Destarte, os cursos profissionalizantes que realmente preparam para a competição no mercado de trabalho, são longos e caros. As entidades que oferecem cursos de excelência como SENAI, SENAC, ou congêneres, mantidos pelo capital, preferem investir em adolescentes mais dóceis e disciplinados, ensinando-lhes um mister que produz mais valores e catequizando-os a ceder o excedente do valor de seus trabalhos sem resistências. É de conhecimento geral que a delinqüência não é o meio favorável para produzir tais seres.

Se for pertinente que os delinqüentes, estes humanos difíceis de se adestrar, não são o objeto preferencial dos compradores da mercadoria trabalho, então, o que leva à insistência de profissionalizá-los em situação completamente inóspita e sabidamente difícil de se chegar ao fim proposto? Que ganho estará malocado neste fracasso quase certeiro?

Será, como diz Foucault (2001:132), "uma utilização estratégica daquilo que era um inconveniente", transformado em algo "útil tanto no domínio econômico quanto no político", fazendo os delinqüentes servirem para alguma coisa ao capitalismo?

Será que a idéia é "não lhes ensinar nada para se estar bem seguro de que nada poderão fazer saindo da prisão?" (Op. cit. :134).

Será que é para construir o povo como sujeito moral oposto à delinqüência, os associando a todos os tipos de vícios e perigos? Justificando a existência de toda a máquina de repressão do Estado, em nome do combate a esses irrecuperáveis?

A escolarização segue a mesma linha de raciocínio da profissionalização.

2.2.5 A escolarização

A média da escolaridade dos adolescentes que cumprem medida é muito baixa, mostrando o precoce afastamento do ambiente escolar, chamando a atenção o alto índice de analfabetismo.

Não é objetivo deste trabalho a análise pedagógica, e sim a social, portanto, o que interessa são os efeitos da escolarização da forma que é feita no sistema de semiliberdade.

O abandono precoce das salas de aula pode estar relacionado com a incapacidade de alcançar os objetivos da escola, que tem como referência a criança e o jovem dos estamentos médios da sociedade, que, como sabemos, não corresponde ao universo de sua clientela. A escola está muito distante dos valores e necessidades imediatas da maioria dos adolescentes, principalmente os de baixos níveis financeiros. Assim, este descompasso entre o oferecido e o real interesse dos jovens propicia que o adolescente vá a busca de algo que para ele é bem mais concreto.

Destarte, os adolescentes em conflito com a lei que se desligam do ensino regular logo nas primeiras séries, que é a sua maioria, "não agüentam" uma escola formal, porque sua experiência de vida é bem mais rica do que os conteúdos vivenciados na escola, e por conta dessa mesma vivência, tornam-se por demais fortes para submeter-se a padrões rígidos e convencionais que desrespeitam toda a sua experiência.

A maioria dos residentes dos CRIAM’s que estudam, são matriculados na rede oficial de ensino, de forma compulsória para ambos os lados – escola e adolescentes.

As escolas não aceitam de bom grado por vários motivos óbvios:

Primeiro, pela forma compulsória, recebendo os adolescentes em qualquer período. A escola sem poder de recusar ou coibir, reagem verberando;

Segundo, os adolescentes não apresentam disciplina e dedicação compatíveis com os demais alunos, já que estão obrigados;

Terceiro, por conta desta obrigação, os adolescentes não zelam pela pontualidade na entrada em sala de aula;

Quarto, o material didático quase sempre se resume a um caderno e uma caneta;

Quinto, muitos deles são arrogantes, assumindo postura de enfrentamento, ou seja, são "folgados". Há situações em que o CRIAM é chamado a intervir porque os adolescentes desacatam e até ameaçam os funcionários da escola. Em novembro de 2001 os adolescentes matriculados na Escola Municipal Berlim, em Olaria, criaram um problema com um aluno que os chamou à atenção pela bagunça. Este aluno foi ameaçado de agressão, porém ele era envolvido com o tráfico daquela área, sem que os adolescentes do CRIAM soubessem. Os agentes de plantão no dia tiveram que ir retira-los. A partir de então, não puderam mais voltar às aulas naquela escola;

Sexto, pelo estigma de serem adolescentes cumprindo medida sócio-educativa.

Os adolescentes por sua vez, vêem a escola como uma possibilidade de sair do controle institucional do DEGASE e se relacionar com o mundo livremente. E é neste livremente que residem grandes problemas. Os que foram "ressocializados" na "carrocinha de menores" da internação, encontram oportunidade para pequenos e grandes deslizes, e os usuários de drogas aproveitam para aliviar a "tensão" da vida institucionalizada; e ainda carregam um "salvo conduto", caso sejam parados por denúncia ou para averiguação, pois só em situações onde haja a efetiva materialidade, um policial toma alguma atitude com um custodiado.

Nos CRIAM’s não há um apoio de reforço escolar. Os técnicos de educação não dispõem de tempo, tendo em vista ser quase todo tomado por tarefas burocráticas. A dinâmica do serviço e a rotatividade dos plantões não facilitam que algum agente dedique-se a isto, além de ser difícil conciliar a função de "zelador" da disciplina rígida de uma instituição de execução de normas judiciais, com a de instrutor. Principalmente neste modelo de atendimento, no qual as Medidas Sócio-Educativas guardam um caráter de retributividade. Esta complementariedade da função de agente de disciplina, ou qualquer outro nome que se dê, e educador, só é fácil de fazer nos papéis dos que não conhecem a "cadeia" por dentro. Não é possível fazer estágios acadêmicos nas Unidades em que se trabalhava como agente, todos os profissionais afirmam ser impossível a conciliação, inclusive na própria academia. Se for plausível ser agente e educador, então qual incompatibilidade entre o fazer do estagiário de Serviço Social, Pedagogia ou de Psicologia e dos agentes? Corporativismo?

Há um flagrante desconcerto entre o objetivo pedagógico norteado pelo ECA, de reeducação e qualificação intelectual, e as condições materiais e sociais efetivamente postas a estes adolescentes e aos profissionais responsáveis pela execução das Medidas Sócio-Educativas.

2.3 A Liberdade Assistida

A Liberdade Assistida deriva da antiga Liberdade Vigiada. Surgiu em Boston, 1878, com o nome de probation. É aplicada após a suspensão da pena, ficando o apenado sob provação. Com o decorrer do tempo houve avanços e recuos, oscilou entre punição e terapia.

No Brasil foi Introduzida na Legislação da Infância e Adolescência no Art. 47 do Decreto nº 5083 de 01/12/1926, que instituiu o Código de Menores. No Código de Mello Mattos o capítulo VIII é dedicado a ela, e no Art. 92 diz que "a liberdade vigiada consiste em ficar o menor em companhia e sob a responsabilidade dos pais, tutor ou guarda, ou aos cuidados de um patronato, e sob a vigilância do juiz, (...)", podendo ser aplicada aos abandonados (Art.100). Portanto, consistia em submeter o adolescente, após a entrega aos pais ou liberação de internato, à vigilância, com o fim de impedir a reincidência e garantir a "reeducação".

Cavallieri (1976), ex-juiz de menores, diz que a prática lhe ensinou, antes dos livros, que não basta vigiar o adolescente para garantir a sua ressocialização. Não se pode esperar muito de um jovem que tenha cometido furto sem lhe dar "ocupação, escola, documentos". "Somente através de ajuda, no meio aberto em que se encontra, seria possível reeduca-lo", "com idéia de proteção" e "com preocupação de defesa social" (Ibid., Op. cit. :166).

Então, a Liberdade Assistida, para Cavallieri:

"é a medida mais adequada a países em desenvolvimento. A Liberdade Vigiada pressupõe a existência (...), de um núcleo familiar que lhe proporcionará elementos que, por eles aceitar, através da vigilância irão leva-los à ressocialização. O delinqüente brasileiro em regra não dispõe de um contorno sócio-familiar para que se possa apelar. Ele necessita, inicialmente de ajuda, assistência, para se desenvolver. Em países desenvolvidos, onde inicialmente foi implantada, a liberdade vigiada, a medida dá resultado. Nosso contexto é outro. Sem ajuda, que não deve ser prestada, principalmente, pelo órgão judicial, mas por entidades as quais o menor será enviado pelo juiz – o menor não pode, na prática ser vigiado". (Op.cit.:169).

Cavallieri fora convidado para assessorar um seminário sobre Liberdade Vigiada, promovido pelo Instituto Interamericano da Criança, órgão da OEA, pelo Ministério da Justiça e pela Faculdade de Direito da Universidade do Chile, em Santiago, 16 a 30 de abril de 1976. E lá apresentou:

"um trabalho sob o título "Da Liberdade Vigiada à Liberdade Assistida", narrando a experiência do Serviço de Liberdade Assistida do Juizado do Rio. Ao final do seminário, por proposta do representante de Costa Rica, firmada por mais oito países, foi aprovada por unanimidade a recomendação de se mudar a medida de Liberdade Vigiada para Liberdade Assistida. Ficou esclarecido que não se tratava de cambiar somente a denominação, mas seu fundamento, tal como estamos expondo. Solução adequada para os países que se debatem com os problemas de seu desenvolvimento". (nota: 170).

A Liberdade Assistida já vinha sendo usada pelo Juizado da Guanabara desde 1971, quando o próprio Cavallieri instituiu o Serviço de Liberdade Assistida pela Portaria nº 808/71.

"PORTARIA—Nº 808/7l".

Juiz de Menores, no uso de suas atribuições legais,

Considerando o disposto no art. 74, XXIX e XXX, do Código de Organização e Divisão Judiciárias, que atribuem ao Juiz de Menores a competência para "aplicar o regime de LIBERDADE ASSISTIDA, nos termos do Código de Menores" e "aplicar o regime de assistência educativa, quando se tratar de menor abandonado ou infrator e, ainda que nenhuma medida tenha que ser aplicada ao menor, se mostre necessário auxiliar e fiscalizar, no exercício do seu munus, os pais, tutores, ou pessoa a quem seja confiada a guarda do menor";

Considerando o disposto no art. 74, XXVI do referido Código, que permite ao Juiz de Menores "fazer-se assistir por técnicos especialmente qualificados";

Considerando o trabalho experimental já desenvolvido sob a direção do Juiz Auxiliar Dr PEDRO FERNANDO LIGIERO, na aplicação de princípios previstos no Direito do Menor, no campo da liberdade assistida e assistência educativa neste Juizado,

RESOLVE:

1— Fica criado o SERVIÇO DE LIBERDADE ASSISTIDA (SLA), diretamente subordinado ao Juiz a quem for distribuída a competência para processar as infrações praticadas pelos menores (Art. 74, 1 e 77 do Código de Organização e Divisão Judiciárias).

2 — A direção do SLA será exercida por indicação do Juiz Titular, em portaria.

3 — O SLA será integrado por funcionários do Juizado, técnicos e estagiários, designados em ordem de serviço pelo Juiz Titular.

4 — O SLA atenderá, basicamente, aos menores enviados pelos Juizes encarregados de processar menores infratores, por despacho nos autos.

5 — Menores com problemas de conduta, embora não sujeitos a investigações (Lei n9 5258, alterada pela Lei nº 5439) poderão ser encaminhados ao SLA, por despacho nos autos ou na forma prevista no art. 160, do Código de Menores.

6 — A autuação do SLA tem valor judicial, na forma dos arts. 39, § 49, e 99 da Lei 5258, (alterada pela Lei 5439).

7 — Ao SLA, com base na metodologia interdisciplinar e com a participação ativa do menor, da família e da comunidade, promoverá sua ascensão nos aspectos físico, social, cultural e econômico, cabendo-lhe:

a) — manter entrosamento com empresas no sentido de obter oferta de mão-de-obra para menores a seu cuidado, assim como com entidades tais como SENAC, SENAI, COMUNIDADE DE EMAÚS etc.;

b) — estabelecer programa de ação para atender, precipuamente, ao menor atingido por problemas de tóxico e demais fatores anti-sociais;

c) — fazer funcionar grupos operativos, com o concurso de menores sob seu cuidado;

d) — observar o segredo de justiça, na forma do art. 89, do Código de Menores;

8 — Elaborar relatórios e laudos, firmados pelo chefe do Serviço os quais serão juntados aos autos, não podendo ser os mesmos retidos, de nenhum modo, por mais de 30 (trinta) dias, na forma do art. 13, da Portaria nº 555.

9 — Coletar dados estatísticos e pesquisar fatores e causas.

10 — Nenhum menor será submetido a atendimento de caráter médico sem prévia indicação expressa do Médico do Juizado de Menores, que será ouvido nos autos, por despacho do juiz encarregado do processo.

11 — O trabalho de voluntários no SLA somente será admitido por designação expressa do Juiz Titular.

CIENTE:

(a) Dr. Raul de Araújo Jorge — 1º Curador de Menores.

(a) Dr. Antonio Ricardo dos Santos Neto 2º Curador de Menores.

REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE e CUMPRA-SE.

Rio de Janeiro. 10 de setembro de 1971 —

      1. ALYRIO CAVALLIERI — Juiz de Menores.

(nota pé de página: 166-168) (grifos meus)

Acima está o objetivo da criação e implantação desta figura nova no Direito da Infância e Adolescência (7b), que é "estabelecer programa de ação para atender, precipuamente, ao menor atingido por problemas de tóxico e demais fatores anti-sociais". Porém, seguindo na mesma nota o objetivo fica mais claro:

"O serviço criado pela portaria mencionada nasceu, basicamente, da necessidade de prestar ajuda a menores que, na onda dos anos 70, envolveram-se com tóxicos. A percentagem de incidência dos processos relativos partia da base de cerca de 5% sobre o total, quando, em 1970, passou para 12,5% até o clímax de 16,3% no ano de 1971. O problema atingia a classe média-alta e alta. A Pesquisa Sociológica de Delinqüência Juvenil na Guanabara (op. cit.) evidencia que o menor que se envolve com tóxicos é, em geral, um aluno de 2º ciclo, que mora na zona sul em apartamento e não trabalha, produto típico da estratificação social das classes média-alta e alta. Informações em contrário são oriundas de centros de tratamento público, onde é assistida somente a classe social baixa. O Juizado, entretanto, ao receber os menores detidos pela polícia, tem a visão de um universo ainda não pulverizado pelas medidas decretadas pelo juiz".

"O Juizado é um repositório de angústias, detector de pulsações dos tumores prestes a supurarem. A onda dos entorpecentes estava chegando e atingindo aos filhos dos comerciantes, professores, magistrados, militares. Ante a gravidade da situação, fizemos uma ameaça e uma promessa, difundida pelos meios de comunicação com destaque. Ameaça: todos os menores que fossem detidos por porte ou uso de entorpecente seriam, sempre, internados para exame de dependência ao tóxico. Promessa: todos os que tivessem problemas com tóxicos e solicitassem, espontaneamente, ao Juizado, uma ajuda, receberiam assistência, sem nenhuma implicação com a polícia ou a justiça. E o juiz deu sua palavra de honra". (grifos meus)

É nítida a preocupação e a intenção do juizado para com a proteção dos adolescentes da "classe média-alta" e "alta".

Quando os entorpecentes começam a atingir "aos filhos dos comerciantes, professores, magistrados e militares" é hora do Estado tomar providências de proteção e medidas para os jovens destes estamentos escapar da "carrocinha de menores". Enquanto o consumo de drogas pode ser contornado ou solucionado dentro da própria classe, a Justiça não se posiciona, nem muito menos intervem.

O que se percebe de imediato, grosso modo, e sem nenhum cunho panfletário, é que as medidas judiciais sempre acompanham os interesses da classe hegemônica.

Assim, a Liberdade Assistida não foi uma natural evolução social do Direito, e sim, uma saída para "descriminalizar" os filhos mimados da burguesia envolvidos com entorpecentes, uma "porta de emergência" aos adolescentes de famílias "estruturadas", e com algum recurso financeiro para tratamento, sem precisar do "auxílio" da "reeducação e tratamento das instituições" do Estado, longe das "carrocinhas de menores". Esta "porta de emergência", a LA, pode ser utilizada não só pelos "maconheiros" da burguesia, mas também pelos seus arruaceiros pitt-boys.

2.4 Perfil

Pela própria definição de perfil, tem-se algo impreciso. O perfil constituirá sempre da escolha de uma face pelo observador e do lado demonstrado pelo sujeito. Portanto, é mais subjetivo do que gostariam os "adoradores" da precisão que usam a matemática como retórica, em tabelas, gráficos, porcentagens, etc. Desta forma, o perfil que não é em si, porque ele é traçado, dependerá substancialmente dos critérios do pesquisador e do objetivo da pesquisa. Isto implica em interesses e valores, e, portanto, todo perfil está atrelado a alguma questão política.

Os dados que normalmente se tem acesso e os perfis traçados por eles, enfocavam, em sua maioria, na violação a lei e na pessoa do infrator, passando, via de regra, – e quando o fazem é de forma superficial – a largo da delinqüência como fenômeno social com fortes implicações históricas. Quando muito, é feita uma associação do aumento da delinqüência às enfermidades do capitalismo, mas em nenhum momento se supõe sequer alguma funcionalidade a este sistema produtivo. As transgressões são sempre ligadas a uma dissociação a uma estrutura idealmente construída, como: família estruturada, ensino regular, profissionalização, violação de direitos e negligências das mais diversas possíveis, etc.

Outro ponto a se notar é a completa discrepância entre os dados obtidos quando comparados a instituições distintas, o que vem mostrar a dependência da coleta de dados com os critérios adotados e lógicas discursivas diferenciadas.

2.4.1 Os dados empíricos

Os dados são coletados por entidades diferentes, com finalidades e critérios distintos. Porém, todos os dados coletados são, grosso modo, agrupados em três áreas simples e gerais, como observa e analisa Shcneider (1982):

  1. Área jurídica: tipo de infração e reincidência.
  2. Área biológica: raça e etnia, segundo idade, gênero e uso de droga.
  3. Área sócio-econômica: grupo familiar, ocupação do adolescente e escolarização.

Área jurídica:

Tipo de infração.

Os estudos que se encontra sobre as infrações dividem-se basicamente em: contra a pessoa, contra o patrimônio, entorpecentes, costumes e contravenções. Há outras menos comuns, de poucas incidências.

Os entorpecentes representam uma parte expressiva dos atos infracionais. Levando em consideração que os entorpecentes estão indexados no rol dos crimes pela Lei 6368/76 os principais artigos de interesse são: Art. 12 refere-se ao tráfico, fazer circular desde a propaganda ao próprio material; Art. 13, manipular substância e/ou ter sob posse instrumentos para fabrico ou manipulação de entorpecentes, sem autorização legal; Art. 14, associação de 2 (duas) ou mais pessoas para praticar os crimes dos Artigos 12 e 13 e o Art. 16, estar de posse, sem autorização legal, de substância entorpecente.

Em todas as tabulações disponíveis nota-se de imediato, que as entidades Estatais não cruzam os dados dos Atos Infracionais, como por exemplo: o adolescente trafica para "bancar" o próprio vício, ou para fins financeiros? Estes fins financeiros seriam complementação da renda familiar ou consumo de bens não duráveis?

Atenta-se contra o patrimônio para garantir dinheiro ou para a compra de drogas?

Atenta-se contra a pessoa, homicídios e lesões corporais para garantir o domínio dos pontos de venda de drogas? Descontrole sob os efeitos das drogas? Perda do controle da situação durante um ataque ao patrimônio?

Tabulações pouco específicas impossibilitam os cruzamentos, dificultam a análise da evolução social e histórica dos delitos juvenis. Assim, centradas na pessoa do infrator, os desvincula dos problemas sociais, pondo-os dissociados de uma hipotética "harmonia social natural". Trazer a delinqüência para a esfera pessoal do infrator cai no chão do reformismo, "que fica se preocupando com a reabilitação individual superficial e identificando irremediavelmente o desvio com a patologia" (Schneider, 1982:85). Por outro lado, desonerá-los da responsabilidade para com o Ato praticado, achando que são vítimas impotentes de um sistema excludente e malvado, acaba por cair em um paroxismo piedoso, onde a vítima do delinqüente fica em plano inferior.

Reincidência.

O que chama a atenção de imediato é o alto índice de reincidência. Em torno de ⅓, na estatística do DEGASE e da 2ª VIJ, com variações não substanciais entre eles, guardando as devidas proporções, tanto do período quanto dos critérios.

E ainda está de fora destes dados a possibilidade de outras transgressões serem descobertas após o período da adolescência. A faixa etária de maior incidência dos Atos Infracionais está entre 16 e 17 anos. Um estudo minucioso e sério da eficácia da "reeducação" e "ressocialização" levada a cabo nos moldes do DEGASE também passa necessariamente pelos "primários" do DESIPE e pelos dados dos homicídios praticados em adolescentes e adultos jovens. Provavelmente as taxas de retorno à vida do crime seriam mais alarmantes, no campo do absurdo.

Nenhuma das instituições oficiais abordam ou se detém nas causas do retorno. Uma se dedica a determinar, após constatações substanciais de seus desvios, que os adolescentes têm que ser "reeducados e/ou ressocializados" e a outra em executar estas determinações. As causas do envolvimento dos adolescentes com a criminalidade e seu eventual retorno à vida do crime não são seu objeto primeiro, o que é lógico, já que isto é o objetivo de uma instituição para desenvolvimento social. Os conhecimentos das causas sociais ou psicológicas só lhes são pertinentes como suportes à efetivação de suas competências, embora tenham e reconheçam suas responsabilidades sociais. Mesmo que estas instituições queiram, não podem atuar nas causas, somente nos efeitos, nos casos onde os programas sociais não conseguem atingir.

Portanto, não se observa o interesse em saber se o novo Ato Infracional foi o mesmo praticado antes, ou se recrudesceu na gravidade da transgressão. Por exemplo: se após um furto (Art. 155; C.P.), praticou um roubo mediante ameaça, assalto (Art. 157; C.P.). Ou se após um furto ou posse ilegal de substância entorpecente, foi pego no tráfico, assalto ou homicídio (Art. 121; C.P.).

Assim, as conclusões substanciadas na realidade empírica da reincidência, nos leva a pelo menos duas observações distintas:

Primeiro, podemos supor que a instituição de execução de Medida Sócio-Educativa é uma verdadeira "carrocinha de menores", "escola técnica do crime", onde a probabilidade de se sair pior, ou na melhor das hipóteses, igual a que se entrou, é em até em ⅓.

E a segunda, é que o DEGASE, apesar das condições adversas, conhecidas por todos e assumidas pelas "autoridades", consegue ter um aproveitamento em torno de 30% onde todas as instituições da "sociedade civil" tombaram retumbantemente. E se tivesse as condições mínimas garantidas por lei? Para onde seriam (re)direcionadas as "pedradas" dirigidas ao DEGASE?

Área biológica:

Raça e etnia.

Não se nota nenhum interesse na tabulação de dados a respeito de raça e etnia nas entidades do Estado, mas nem sempre foi assim. No relatório do Dr. Saul de Gusmão, Proteção à Infância (1941) estas variáveis são consideradas, não tenho nenhuma informação de quando deixou ser, mas é evidente que se trata de um posicionamento do tipo "politicamente correto".

É uma verdade insofismável que uma "premissa no indicativo não leva a nenhuma conclusão no imperativo". Ser branco, roxo, verde ou negro, não acrescenta nada ao Ato Infracional, mas o valor que se dá ao juízo de ser negro o infrator é diferente do de ser branco. Se aí descobrirmos que as quantidades raciais não se equivalem proporcionalmente como na sociedade, corre-se o risco de se associar que há uma preferencial em punir uma determinada raça.

Assim, o "politicamente correto" poderá ser interpretado de formas distintas: ou para não estigmatizar uma determinada raça, ou para esconder as facilidades de uma outra, o que no extremo, se equivalem.

A realidade conhecida de todos, sem a necessidade de aparatos técnicos, é que os negros e pardos são a maioria quase absoluta nos sistemas correcionais, tanto para jovens quanto para adultos.

Idade.

Na questão da idade, vê-se que a faixa de maior incidência de medidas é entre 16 e 17 anos, não significa ser a faixa de início ou de maior atividade infracionais, pois a prisão, sentença e execução de medida são necessariamente após os delitos. Este período coincide com dois fatos importantes:

Primeiro: É quando os adolescentes começam a experimentar a autodeterminação.

Segunda: É a necessidade de entrada no mercado de trabalho dos jovens das estamentos menos favorecidos. Haja vista, a determinação legal da idade mínima para a vida laborativa.

Desta forma, há uma indagação que os dados por si só não podem esclarecer: seria a inserção no mundo infracional uma estratégia de vida e/ou de sobrevivência?

Os jovens das classes baixas, com instrução formal deficiente, e desqualificados profissionalmente, ao depararem com um mercado de trabalho minguado, excludente e mal remunerado, seriam como que "induzidos" (seduzidos) a "inclusão marginal" à sociedade de consumo?

Escolheriam uma atividade de altíssimo risco, como a criminalidade, se fosse possível uma alternativa menos arriscada?

Desta feita, estaria o DEGASE se prestando a ser um "pálio macabro" aos que não se sujeitaram às regras do mercado legal e de sinaleiro aos "hereges" em potencial?

Ao nos reportarmos à questão de gênero, esta "estratégia de sobrevivência" se é válido este termo, apresenta-se de forma diferenciada.

Gênero.

Há uma diferença quantitativa grande entre os gêneros no universo das transgressões, girando em torno de uma jovem para cada grupo de dez rapazes. Não é de fácil aceitação isto se dever a uma questão de força física, se o fosse estariam excluídos os adolescentes de 12 aos 15 anos e os de 15 aos 18 franzinos, seriam então infratores do tipo "heróis de filmes Norte-Americanos de guerra".

A questão da divisão social de gênero se faz presente e com muito mais força, já que no mundo do crime (infracional) a estratificação é um dos pilares de sustentação. A estrutura fascista é inerente a qualquer regime de força, o crime é egoísta e individualista, afinal "Robin Wood" só existe na literatura.

Antônio Costa (1982), em "Meninas da Vida", pergunta: "por que apenas um número reduzido de meninas chega a situação extrema?" E acrescenta:

"É na condição de adolescente e de mulher degradada pessoal e socialmente, (...), que se radica o ponto a partir do qual se pode iluminar um pouco melhor os mecanismos que fazem com que um número menor de meninas do que de meninos se encontrem inteiramente imerso na vida da rua".

As adolescentes que enveredam pelo caminho dissocial são, em geral, uma ameaça menor à sociedade, porque as suas estratégias de sobrevivência são brandas. Normalmente apelam para a mendicância e prostituição, pequenos furtos, etc. Desta forma, "faz com que o alerta e a repressão sejam mais freqüentes e automáticos para os meninos do que para as meninas" (Op. cit. :7). É claro que isso não afasta os casos de assaltos e agressões armadas praticados por jovens do sexo feminino.

Os espaços na sociedade "marginal" são ainda mais estreitos para elas, em um mundo onde o gênero masculino é exaltado, onde a sagacidade, a força, a individualidade são básicas para a sobrevivência e os "atributos femininos" historicamente construídos de docilidade, fragilidade, paciência, não adiantam de nada; muito pelo contrário, servem ainda mais para a humilhação e exploração. Assim, a estratégia de sobrevivência no mundo violento e cruel das ruas passa necessariamente pela "mimetização" dos atributos masculinos de gênero. E aquelas mais fracas, que não conseguem se impor amargam uma submissão estranhamente cruel: não barram o autoritarismo masculino e o comportamento de "Amélia" não convencem as colegas, "mulheres" iguais a elas.

Por causa dessa "mimetização" dos atributos masculinos, é que se tem como senso corrente entre os agentes do DEGASE que nas unidades femininas as residentes são violentas, depravadas, e que uma das principais ocupações dos agentes na disciplina interna é convencê-las a colocar blusa, principalmente para as refeições. Que o palavreado é chulo e que as adolescentes partem das desavenças às vias de fato com rapidez. À primeira vista pode ser assim observado, evidentemente com o olhar armado de preconceito e acolchoado da ideologia de "Amélia". Porém, se usarmos a abordagem de Antônio Costa (1978), que é "na condição de adolescente e de mulher degradada pessoal e socialmente", é que podemos observar que são estratégias nas afirmações de suas personalidades. Quando olhamos os seus quartos é que descobrimos as adolescentes femininas: bichinhos de pelúcia, flores artificiais, paninhos, retratos de artistas e tetéias.

As formas masculinizadas são deslocamentos necessários à vida neste contexto e aí começa a (des)identidade de gênero, que não implica necessariamente em (des)identidade sexual, pois muitas tem namorado e/ou filho(s), embora algumas, mesmo heterossexual, não descarte intercâmbio sexual entre elas.

O processo que leva as adolescentes infratoras à (des)construção da identidade de gênero é o mesmo que exacerba a construção do gênero masculino nos adolescentes, produzindo o "machismo" expressado nas suas músicas, nos relacionamentos afetivos, sociais e sexuais.

Destarte, uma sociedade onde as diferenças de poderes são enormes, prenha de violências de todas as sortes ou azares, e com poucas opções de expressões culturais, não incentiva a vida cooperativa. Em tal sociedade, aqueles que possuem o ego minguado e o superego roto, não se identificam com facilidade nos elevados princípios da solidariedade e respeito aos semelhantes. A violência reproduz luta de classes e a lógica da dominação.

As relações de gênero, que refletem as formas de distribuição de direitos e poderes numa determinada estrutura social, encontram nas Medidas Sócio-Educativas ambiente propício para a manutenção das desigualdades. No sistema de execução de Medidas Sócio-Educativas, seja ela qual for, e de qualquer forma aplicada, haverá sempre um caráter retributivo. E esta retributividade se sustentará na autoridade da força.

Assim, as Medidas Sócio-Educativas além de não servirem para modificar as desigualdades nas relações de gênero, também não servem para o que se propõe, Sócio-Educar.

Drogas.

O uso de drogas, fortes ou fracas, com maior ou menor incidência, de modo abusivo ou não, sempre esteve presente na sociedade humana.

A realidade em que vivemos no momento, sem ser redundante, é de recrudescimento do uso abusivo de vários tipos de drogas, com uma evidente ligação intrínseca a modalidade social "vigente". O tráfico internacional está a solapar sociedades e economias nacionais.

Ao trazer pontualmente como objeto deste trabalho os adolescentes que cumprem Medida Sócio-Educativa no DEGASE, observa-se o crescimento dos Atos Infracionais ligados às drogas. Na experiência do dia-a-dia com os adolescentes em conflito com a Lei, considero os dados apresentados por estatísticas, oficiais ou não, sobre o uso de drogas como sub-calculados. A maconha é uma praga, uma "verdadeira erva daninha". .

Ao voltar um pouco atrás, na afirmativa de que o perfil não se reduz ao ângulo do observador, mas também na face mostrada, fica claro que não é de se espantar que um adolescente não assumisse uma segunda transgressão, a de usuário de drogas. Os dados corroboram que não se podem fazer qualquer análise sobre Atos Infracionais na atualidade sem a variável drogas.

Destarte, as Medidas Sócio-Educativas, além da escolarização e profissionalização levadas de forma conseqüente, teriam que incluir a questão drogas a todos para não cair em mais uma das mazelas da "carrocinha de menores". Além do mais, em uma sociedade violenta, com poucas opções sócio-culturais e futuro econômico incerto, as drogas são um excelente paliativo.

Imagino ter alguma pertinência o raciocínio que tecerei agora. Reconheço ser equivalente a andar na corda bamba, além de não possuir base empírica substancial para comprovação, vou atravessar o campo do "politicamente correto".

Como se mantém trabalhadores em corvéia, laborando com objetos contundentes como pás, enxadas, foices, facões, etc., em lavoura extensiva sem que se rebelem e fujam em massa? Mas se fossem induzidos à dependência de substâncias estupefacientes? Quanto tempo ficariam longe do fornecedor? Pode-se compreender porque a maconha passa a ser consumida nas grandes cidades do Brasil na entrada do séc. XX. Nas décadas de 60 e 70 do século passado: durante a Guerra Fria, movimentos estudantis, guerra do Vietnã, movimentos étnicos, raciais, nacionalistas e de gênero, a maconha prestou um grande serviço à reação. Hoje, na reestruturação capitalista neoliberal, onde o excesso do exército de reserva toma proporções alarmantes e perigosas, atingindo profissionais qualificados e "caros" à burguesia – entenda-se no duplo sentido – a maconha com seu "poder" neuro-depressor e alienante é chamada outra vez ao seu papel histórico – e agora mais potente, graças a seleção genética. Desta forma, a "erva maldita", em uma sociedade de mercado financeiro virtual e indústrias com robôs e operários apertadores de teclas, tem seu leque de ação bem aberto.

Curioso é notar que o chocolate, o café e o açúcar, todos estimulantes energéticos, começaram a fazer parte da ração humana no mundo ocidental no mesmo período histórico do surgimento do capitalismo e da revolução industrial. Se visitarmos os sítios da Nestlé e da Garoto, na parte da história do chocolate, teremos a confirmação destes fatos.

Área sócio-econômica:

Grupo familiar.

A afirmativa, sem as devidas ressalvas, de que adolescentes problemáticos é sinal de família "desestruturada", ou seja, são oriundos de formação familiar diferente da estrutura da "sagrada família nuclear burguesa", não encontra eco de imediato no observado entre os adolescentes infratores, a maioria provém de ambiente familiar convencional.

Uma abordagem mais profunda deste tema fugiria do objeto do presente trabalho.

Em relação às condições sócio-econômicas das famílias dos adolescentes em conflito com a lei, todas as publicações e estudos fazem menção a elas, reconhecem o seu caráter fundamental, porém até o momento não encontrei quem as articulasse ao sistema produtivo. Dados empíricos a este respeito só foi possível encontrar na publicação: "Projeto Perfil da Criança e do Adolescente Infrator Atendido nas Unidades do DEGASE" (1997), elaborado por quatro profissionais da área médica. Estudo realizado através de amostragem, em unidades específicas. Assim, chegam aos seguintes percentuais em relação à renda familiar:

Educandário Santos Dumont: 3 ou + salários mínimos – 56%

    1. Instituto Padre Severino: 1 a 2 salários mínimos – 42%; 3 ou + salários mínimos 38%.
    2. Escola João Luiz Alves: 3 ou + salários mínimos – 52%.

Não se pode concluir nada de substancial, só que a parte operária é mais aquinhoada com adolescentes infratores. A experiência no atendimento aos adolescentes mostra, pelo menos nos dias de hoje, a questão salarial está dentro desta faixa. Alguns adolescentes deixam de ter visitas por dificuldades dos responsáveis com o dinheiro para a passagem. Casos há em que algumas famílias recebem cesta básica, independente das Medidas Sócio-Educativas, iniciativa especial do Juizado e das Direções das Unidades, baseados nas análises e orientações da equipe técnica. Embora pareça uma abordagem puramente caridosa, na prática é uma forma previdenciária de manutenção desta família, sem um de seus suportes financeiros. Soa estranho, mas é a realidade e o principal critério de elegibilidade.

As dificuldades econômicas sofridas pelos estamentos mais pobres, acrescidas de jornadas de trabalho estafantes, dificultam o controle e atenção aos filhos, mesmo em famílias nucleares nos moldes burgueses. Muitas das vezes o olhar com pré-conceitos leva a identificar estas famílias como "desestruturada", fora dos moldes da "sagrada família". Assim, nota-se valores diferenciados entre os responsáveis e os adolescentes como conseqüência do distanciamento imposto entre os membros destas famílias pelas dificuldades do trabalho. Os valores ruins adquiridos extra-família são associados a influência de más companhias, e nunca culpando as relações capital/trabalho com a causa do afrouxamento disciplinar e moral.

Ocupação do adolescente.

Embora nos formulários de recepção conste o item "atividade laborativa", porém, oficialmente não consta em nenhuma estatística das entidades de atendimento a adolescentes em conflito com a lei.

Recorro mais uma vez ao "Projeto Perfil da Criança e do Adolescente...". Convém lembrar que este "Projeto" foi elaborado por uma equipe de funcionários que visava "subsidiar o melhor conhecimento do universo da criança e do adolescente atendido...", e não um estudo do DEGASE, por isso é restrito a três unidades. Desta forma, colhem os dados referentes aos adolescentes que já trabalharam:

Educandário Santos Dumont – 60%

    1. Instituto Padre Severino – 87%
    2. Escola João Luiz Alves – 90%

Valho-me mais uma vez da experiência profissional: são poucos os adolescentes que nunca tiveram algum tipo de atividade laborativa socialmente permitida.

Quase todos laboraram em algo, como: cobrador de transporte alternativo, camelô, lavador de carro, carreteiro em supermercado, ajudante de pedreiro ou de mecânico, etc. Isto mostra que o labor faz parte da vida da destes jovens desde bem cedo.

A inserção dos adolescentes no tráfico se faz em sua grande maioria como vendedores, segurança e alguns como "gerente de boca"; as funções de "vapor", "olheiro" e "fogueteiro" são voltadas para os de pouca idade, iniciantes no ramo, porque não carece de grande responsabilidade e não necessita de habilidade em cálculos.

Não vejo nenhuma impossibilidade de considerar o tráfico de drogas, local ou internacional, como a forma mais "pura" e "radical" do "neo-liberalismo", onde a implantação do "laissez-faire, laissez-passer," seria o desenvolvimento máximo desta "coisa filosófica". Se assim for, não é nenhum absurdo que toda a sua lógica econômica seja pautada nesta "pureza radical".

As relações patrão/empregado existem como em qualquer atividade e com agravantes: a disciplina e responsabilidade desta atividade são impostas de forma leonina e as pendengas trabalhistas são resolvidas à "bala". Não é o caso aqui de aprofundar nas dificuldades deste ramo "laborativo", mas cabe pelo menos uma indagação: por que este ramo cresce em oferecimento de mão-de-obra se não há previdência, férias, fundo de garantia, "aviso prévio" e as demissões são geralmente acompanhadas de extermínio?

Um outro ponto a mais a se notar, é que em um sistema em que se opõe a Lei, com alta concorrência e violência extrema, a extração da "mais-valia relativa e absoluta" só pode estar no campo do imoral. De onde os "conhecedores" da dinâmica infracional tiram que há uma distribuição socialista do "sobre-valor" neste ramo de negócio?

Não cabe aqui a análise da lógica deste ramo de comércio, mas se usarmos um pouco de "taylorismo" ou de "times and motions" (ainda não sepultados), de uma simplória engenharia comercial e uma pitada de espírito capitalista, veremos que é impossível salários para subalternos no nível de executivos de multinacional.

Assim, Medidas Sócio-Educativas baseadas na disciplina laborativa soam sem sentido, já que estes jovens vivem sob o tacão do trabalho desde cedo.

Escolarização.

Este é mais um item que não pode faltar em nenhuma análise social no ocidente, que atribui ao conhecimento adquirido na escola, a redenção messiânica de todos os males da humanidade. Isto se deve a uma herança do Iluminismo guardada carinhosamente pela burguesia. Não se questiona aqui a importância dos saberes, afinal qualquer trabalho acadêmico por pior que seja, prova o contrário. O questionamento está na edenização dos saberes da classe hegemônica. Assim, atribui-se à educação dada nas escolas desta classe a qualidade de redenção e de corrigir todas as desigualdades. Desta forma, fica implícito que a aceitação deste corolário é sinônimo de evolução, e quem não aceita a cultura da classe dirigente é desviado, marginal, não desenvolvido, não civilizado. Ao personalizar a inadaptação, atribui-se a culpa de todos os males ao inadaptado.

Porém, o observado é o estranhamento deste processo educacional não por indivíduos isolados, e sim por amplo segmento de determinada classe social.

Luiz Antônio Cunha (apud. Schneider, 1982), aponta cinco razões para não se considerar a educação formal burguesa como redentora dos estamentos inferiores da sociedade:

As oportunidades de escolarização não são franqueadas a todos; há desigualdade no oferecimento de vagas no sistema, tanto geograficamente, quanto entre as classes;

    1. A qualidade do ensino é diferenciada mesmo onde há maior oferecimento de vagas;
    2. As aptidões não são inatas, dependem das condições materiais de vida, da alimentação, do desenvolvimento de certas destrezas resultantes da forma de vida, entre outras;
    3. O sistema de ensino regular está voltado a premiar as aptidões características dos estamentos não operários;
    4. Que não são de ordens intelectivas as dificuldades que estancam o programa escolar, pois estas razões são expressões de distinções sociais prévias;

O que se observa de comum é a baixa escolaridade, contrastando com a determinação legal da obrigatoriedade do ensino fundamental (Art. 54; ECA). Uma quantidade muito grande deixa os bancos escolares precocemente.

A assimilação da importância da educação formal burguesa na nossa civilização está arraigada em todos os segmentos da sociedade, porém o fracasso na educação formal é uma constante entre os filhos da classe trabalhadora. Mas por que apesar da importância dada a mesma, tantos adolescentes dos estamentos pobres se desinteressam por ela?

Quando lembramos que estes adolescentes experimentam a atividade laborativa bem cedo, ao contrário dos adolescentes dos estamentos médios e médio-alto, que só entram no mercado de trabalho com no mínimo o 2º grau, e que o conteúdo pedagógico e disciplinar da escola está voltado para os valores da classe dominante, podemos compreender parte da problemática identificada como desinteresse, é na realidade incompatibilidade.

A escolaridade pode ser vista como produto das condições sócio-históricas, onde "quando mais alto o nível sócio-econômico, maiores são as oportunidades de escolarização. A escolarização se apresenta, pois, muito mais como resultado das diferenças de classe, do que como um meio de ascensão social" (Schneider, 1982 :139).

Assim, o desinteresse pela escolarização não deve ser interpretado como uma vida dissocial em potência e sim como conseqüência do filtro social a reter os não interessantes ao modelo sócio-econômico adotado.

Conclusão.

Consciente de que as considerações feitas ao perfil dos adolescentes não trouxeram nada de substancial a respeito deles, afinal baseio-me em dados coletados com critérios externos a este trabalho, e não é epistemologicamente sadia a análise externa. Em realidade, o interesse é chamar a atenção para as abordagens oficiais, que não consideram a criminalidade como um dos produtos da luta de classe inerente ao sistema sócio-produtivo em vigor, quando muito, considera a criminalidade como o ataque de "fracassados" contra os "adaptados".

O uso dos dados estatísticos, oficiais ou não, sem as devidas ressalvas, considerações sócio-econômicas e cruzamentos com outros dados, podem se prestar à criação de um criminoso virtual. Então, o "cidadão em condição peculiar de desenvolvimento (adolescente, menor) em conflito com a lei (infrator, bandido), que vive na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa", seria: um jovem entre 16 e 17 anos; pardo ou negro; residente em comunidade pobre; que trabalha ou já trabalhou em atividade manual-desqualificada; com pouca instrução; usuário de entorpecentes baratos e filho de pais não presentes. Esta é a aparência do nosso "menor", e todos os assemelhados seriam passíveis de maiores controles. E o que é pior, este "perfil" poderia (se já não está em uso) subsidiar cientificamente mecanismos de controle social e critérios de elegibilidade de "quem pode" ser punido e não de "quem deve" ser punido.

Convém deixar Lombroso no seu descanso eterno e a frenologia para os charlatões.

CAPÍTULO III (1)

3 Ideologia

3.1 Histórico

3.2 O DEGASE como Aparelho Ideológico de Estado

CAPÍTULO IV (1)

  1. O Serviço Social

4.1 A Sócio-Educação e os Sócio-Educadores: Contradições e dificuldades.

4.2 A Equipe Técnica

4.3 – O Serviço Social nas medidas Sócio-Educativas.

4.4 A Instrumentalidade do Serviço Social:

4.5 De trapaceado a trapaceiro.

    1. O Serviço Social, a Burocracia, a Burocratização e a Desburocratização:

(1) Para ver el texto completo seleccione la opción ¨Descargar trabajo¨ del menú superior

CONCLUSÃO

Tentei mostrar que as Medidas Sócio-Educativas refletem a estrutura sócio-produtiva adotadas na nossa sociedade, o que não significa ser aceita de bom grado por todos – daí a necessidade de ideologia. Porém, se são questionáveis, podemos e devemos ter o direito de supera-las, se não, tentar supera-las.

Devemos faze-las dentro dos critérios e premissas dadas? Com ideologias?

Ou tentar de uma nova forma, não existente? Com utopias?

Até o momento as experiências optaram por alternativas, ou seja, por hipóteses que quando escolhidas, excluem as anteriores. Portanto, é um puro desenvolvimento ou desdobramento do que está posto, será sempre uma superestrutura sustentada por uma infraestrutura carcomida.

Devemos propor um novo edifício, cuja "planta baixa" já está proposto pelo ECA, em substituição ao existente?

Até o momento todos os argumentos foram em propostas "alternativas", sempre utilizando ideologias, mesmo que recheadas de utopias, e nunca em propostas "alterativas", utópicas – utópicas no caso, não se refere aqui a castelos encima de nuvens, mas no sentido daquilo ainda não existente, não materializado.

É evidente a clareza das dificuldades da implantação e consolidação de qualquer utopia. E neste assunto é fundamental que o pessimismo da razão esteja de mãos dadas com o otimismo da vontade.

A idéia é clara, ou reforma ou mudança. A visão aqui, é que não há meio termo, um terceiro caminho ou via.

Se por um lado temos uma estrutura consolidada, com todo o seu aparato ideológico para a sua justificação e realização, em nada invalida as propostas "alterativas", utópicas, de construção de um novo sistema.

Neste ponto o Serviço Social é chamado a um posicionamento capital, de apoderar-se de instrumentais consistentes e esquadrinhar, escrupulosamente de modo quase cartesiano, as contradições das Medidas Sócio-Educativas, sem chafurdar em nenhum "ismo" e assessorar as mudanças.

E aí sim, com vontade otimista e estética humanista, podemos propor a construção, de medidas realmente sócio-educativas. Ousar em ter o otimismo de materializar, trazer para o tempo presente, uma utopia. Sem jamais ser temerários.

Pois:

"QUEM TEME PERDER, JÁ ESTÁ VENCIDO"

Gigoro Kano

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL; CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. DE 1988.

BRASIL; ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; Lei 8069 de 13 de julho de 1990.

BRASIL; CÓDIGO PENAL; Lei Editora Saraiva; 1983.

BRASIL; A MACONHA: COLETÂNEA DE TRABALHOS BRASILEIROS; Ministério da Educação e Saúde; Serviço de Documentação; 1951.

BRASIL; PROTEÇÃO À INFÂNCIA; Relatório do ano de 1940 do Juiz de Menores do Distrito Federal Saul de Gusmão ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores; 1941.

DEGASE; Estatísticas disponíveis na Assessoria de Estatística DEGASE – Não publicado externamente à instituição.

DEGASE; www.degase.rj.gov.br.

DEGASE; Projeto Perfil da Criança e do Adolescente Infrator Atendido nas Unidades de Triagem e Internação do DEGASE; 1997.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO; DICIONÁRIO DA LINGUA PORTUGUESA; Fundação de Assistência ao Estudante, FAE; 1995.

SEGUNDA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Estatísticas da 2ª V. I. J. – Disponível no sítio www.2vij.tj.rj.gov.br.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA GUANABARA, JUIZADO DE MENORES; Delinqüência Juvenil na Guanabara: uma introdução sociológica; Rio de Janeiro; 1973.

ALMEIDA; Dário de P.; O DEGASE como Aparelho Ideológico de Estado e o Serviço Social nas Unidades de Semiliberdade; Trabalho de Conclusão de Curso; Escola de Serviço Social da UFRJ; 2002.

ALTHUSSER, L.; Aparelhos Ideológicos de Estado (Notas para uma Investigação); Lisboa; Editorial Presença; 1980.

BARSTED, L.L.; Permanência ou Mudança? O Discurso Legal sobre a Família; in Pensando a Família no Brasil: da Colônia à Modernidade; Rio de Janeiro; Editora Espaço e Tempo Ltda.; 1987.

BERGER, Peter L.; Perspectivas Sociológicas: Uma visão Humanística; Petrópolis; Editora Vozes; 1986.

BOBBIO, Norberto; As Ideologias e o Poder em Crise; Brasília; Editora Universidade de Brasília; 1999.

CAVALLIERI, Alyrio; Direito do Menor; Rio de Janeiro; Livraria Freitas Bastos; 1976.

CHARRIÈRE, Henri; Papillon; São Paulo; Círculo do Livro; 1980.

CHAUÍ, Marilena; O que é Ideologia; São Paulo; Editora Brasiliense; 1994.

CHENIAUX, Sonia; Trapaceados e Trapaceiros – O Menor de Rua e o Serviço Social; São Paulo, Cortez Editora; 1982.

COSTA, Antônio C. Gomes da; Meninas da Vida; FUNABEM, 1989.

DICKENS, Charles; David Copperfield; Rio de Janeiro, Pongetti Editores; 1962.

EXTRA ; CRIAM acuado pelo tráfico; Geral; 04/03/2002; p. 8.

FARIAS JÚNIOR, João; A Ineficácia da Pena de Prisão e o Sistema Ideal de Recuperação do Delinqüente, Tese de Doutorado, Faculdade de Direito da UFRJ; 1979.

FERREIRA, Carlos L. Lauria; Subcultura Carcerária Promotor de Justiça e Presidente do Conselho Penitenciário do Amazonas. Disponível na Internet no sítio www.internext.com.br/valois/execule.htm, acessado em www.internext.com.br/valois/execule.htm Artigo Publicado no Boletim IBCCrim nº 58 de setembro de 1997.

FOUCAULT, Michel; Microfísica do Poder; Rio de Janeiro, Edições Graal; 2001.

--------------; Vigiar e Punir; Rio de Janeiro; Editora Vozes; 2001.

FROMM, Erich; O Coração do Homem; Rio de Janeiro; Zahar Editores; 1967.

GAROTO – História do Chocolate; Disponível no sítio - www.garoto.com.br/garoto.com receitas; história do chocolate.

GISELE Leite; Crime: definição e dúvida. Um breve artigo sobre o conceito de crime, sua origem e alguns de seus sucedâneos – Disponível na Internet no sítio www.faroljuridico.adv.br/artjur.htmt, acessado em www.faroljuridico.adv.br/novo_site/mod.phd?mod=userpage&menu=17&pag_id=33; artigos publicados em 06/04/2002.

--------------- Vigiar para Punir; Disponível na Internet no sítio www.faroljuridico.adv.br/artjur.htmt, acessado em www.faroljuridico.adv.br/novo_site/topics.php?op=viewtopic&topic=8. artigo publicado em 06/05/2002.

GUERRA, Yolanda; Instrumentalidade no trabalho do assistente social, in Capacitação em Serviço Social e política Social – módulo 04. CFESS/ABEPSS/CEAD. Brasília, UnB, 1999.

GOFFMAN, Erving; Manicômios Prisões e Conventos; São Paulo, Ed. Perspectiva S.A., 1974.

EISENSTADT, S. N.; Burocracia, Burocratização e Desburocratização; Condições de Desenvolvimento das Organizações Burocráticas; In Sociologia da Burocracia,; CAMPOS, Edmundo; Rio de janeiro; Zahar Editores; 1971.

HALL, Stuart; A Identidade Cultural na Pós Modernidade; Rio de Janeiro; DP&A Editora;1999.

LÖWY, Michael; Ideologias e Ciência Social; São Paulo; Cortez Editora; 1995.

MANNHEIM, Karl; Ideologia e Utopia; Rio de Janeiro; Zahar Editores; 1982.

MERTON, Robert K.; Teoría y Estructura Sociales; México; Fondo de Cultura Económica; 1964.

MARCÃO, Renato; Rediscutindo os Fins das Penas; – Disponível na Internet no sítio www.faroljuridico.adv.br/artjur.htmt, acessado em www.faroljuridico.adv.br/novo_site/topics.php?op=viewtopic&topic=8. artigo publicado em 06/05/2002.

MORRIS, Desmond; O Macaco Nu; São Paulo; Círculo do Livro; 1975.

NESTLÉ – História do Chocolate; Disponível no sítio - www.nestlé.com.br/estudante.asp?pg=126.

O GLOBO; Caderno Rio; Água, sabão e cidadania; p.13.

O DIA; Após a Tortura a Revolta – Menores se rebelam no Instituto Padre Severino ...; Policial, 01/06/2002 – p. 11.

PAIXÃO, Antônio Luiz; Crime, Controle Social e Consolidação da Cidadania, In Democracia no Brasil, Dilemas e Perspectivas; REIS, Flávio Vanderley & O’DONNELL, Guilermo (Org.), Rio de Janeiro, Ed. Vértice, 1988.

PROENÇA, Ivan C.; A ideologia do Cordel; Rio de Janeiro; Editora Plurarte, 1982.

RIVERA, Deodato; Pelo Amor destas Bandeiras; Ministério da Ação Social, CBIA; 1991.

SCHNEIDER, Leda; Marginalidade e Delinqüência Juvenil; São Paulo; Cortez Editora; 1982.

THOMPSON, Augusto F. G.; A Questão Penitenciária; Petrópolis, Ed. Vozes, 1976.

 

 

 

Dário de Paiva Almeida

dariodebora[arroba]msn.com

dariodebora[arroba]click21.com.br

Assistente Social

Trabalha no Educandário Santo Expedito: uma unidade de internação para jovens em conflito com a Lei do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas – DEGASE ; Rio de Janeiro ; Brasil

Monografia referente ao curso de: "Segurança Pública – Teoria e Gestão"

ISP – Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro abril 2004


 
As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.