A nova lei de tóxicos – aspectos processuais




Partes: 1, 2, 3

 

"Talvez o caminho seja mais árduo.
A
fantasia é sempre mais fácil e mais cômoda.
Com certeza é mais simples para os pais de um menino drogado culpar o fantasma do traficante,
que supostamente induziu seu filho ao vício,
do que perceber e tratar dos conflitos familiares latentes que,
mais provavelmente, motivaram o vício.
Como, certamente, é mais simples para a sociedade permitir
a desapropriação do conflito
e transferi-lo para o Estado,
esperando a enganosamente salvadora intervenção do sistema penal
."2

1) Introdução

No dia 27 de fevereiro do ano de 20023 entrou em vigor em nosso país a Lei nº. 10.409/02 que dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícitos de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, assim elencados pelo Ministério da Saúde. Ao todo, foram onze anos de discussão no Congresso Nacional.

Esta lei, concebida para disciplinar toda a questão referente às drogas em nosso país, nos seus aspectos jurídicos e administrativos, acabou sofrendo um veto do Presidente da República que sancionou o Projeto de Lei no. 1.873, de 1991 (no 105/96 no Senado Federal), apenas parcialmente, alegando a sua inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público. O veto alcançou cerca de 30% do texto integral. Em linhas gerais, vejam as razões dos vetos:

"A inconstitucionalidade de artigos isolados do projeto, bem como o veto sugerido a todo o Capítulo III, que trata dos Crimes e das Penas, resulta na incapacidade de o sistema legal proposto substituir plenamente a Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976, que "Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Além disso, o espírito do projeto é compatível com a Lei no 6.368/76, que, embora carente de atualização, vem permitindo a sedimentação da jurisprudência ao longo de mais de duas décadas. O legislador, ciente dos avanços tecnológicos, da complexidade crescente da criminalidade, e da necessidade de tratamento jurídico diferenciado entre traficantes e usuários de droga, aprovou o projeto. Todavia, repita-se, a incompatibilidade de alguns dispositivos com a Constituição barrou alguns avanços. Por causa disso, estuda-se a elaboração de projeto de lei em regime de urgência para, sanados os vícios, alcançar à sociedade os aspectos positivos que o legislador sensivelmente expressou. Assim, o projeto soma-se à ordem legal já vigente. Apenas são derrogadas as normas que tratam de matéria especificadamente veiculada nos artigos, parágrafos e incisos sancionados." A lei é extremamente confusa e dá azo a enormes confusões interpretativas. Das boas novidades, algumas foram vetadas, como pode ser conferido adiante. É de uma atecnia absoluta, sem falar que desatendeu manifestamente a Lei Complementar nº. 95/98 (alterada pela Lei Complementar nº. 107/2001) que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Como bem acentuou João José Leal, "ao contrário de trazer consigo a solução para as questões jurídico-penais e processuais relativas à matéria, acabou se constituindo num grande problema de hermenêutica jurídica."4 Aliás, possivelmente ciente do equívoco, o próprio Governo já encaminhou ao Congresso Nacional um novo projeto de lei (o de nº. 6.108/02), tendo sido aprovado no Senado um substitutivo (nº. 115/02).

Os dois primeiros capítulos dispõem sobre questões administrativas, sanitárias, preventivas e de tratamento relacionadas com o uso de entorpecentes e o seu combate, revogando, nesta parte, a lei anterior. Neste tocante, e para que se dê uma idéia geral da lei e das justificativas aos vetos, iremos basicamente transcrever os artigos, os vetos e as suas respectivas razões.

Quanto aos capítulos IV e V, que abrangem toda a persecutio criminis, procuraremos fazer uma análise mais detida e crítica.

2) O Capítulo I – Disposições Gerais

O veto presidencial5 começou já no art. 1º. deste Capítulo que dispunha, in verbis: "Esta Lei, que tem aplicação no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, regula as operações e ações relacionadas aos produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica." O art. 2º. estabelece ser "dever de todas as pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras com domicílio ou sede no País, colaborar na prevenção da produção, do tráfico ou uso indevidos de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica", determinando que a "pessoa jurídica que, injustificadamente, negar-se a colaborar com os preceitos desta Lei terá imediatamente suspensos ou indeferidos auxílios ou subvenções, ou autorização de funcionamento, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, e suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações, sob pena de responsabilidade da autoridade concedente." Por outro lado, a "União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão estímulos fiscais e outros, destinados às pessoas físicas e jurídicas que colaborarem na prevenção da produção, do tráfico e do uso de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica." O art 3º. também foi vetado. Ele estabelecia que para "os fins desta Lei, são considerados ilícitos os produtos, as substâncias ou as drogas que causem dependência física ou psíquica, especificados em lei e tratados internacionais firmados pelo Brasil, relacionados periodicamente pelo órgão competente do Ministério da Saúde, ouvido o Ministério da Justiça", competindo ao "Ministério da Saúde disciplinar o comércio de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência física ou psíquica e que dependam de prescrição médica", e estabelecendo que "sempre que as circunstâncias o exigirem, será revista a especificação a que se refere o caput, com inclusão ou exclusão de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência física ou psíquica." Este dispositivo também foi vetado sob a seguinte justificativa:

"Em face da permanência em vigor da Lei no 6.368/76, assim como de avanços legislativos ocorridos durante o período em que tramitava o projeto, o art. 3o. corresponderia a um retrocesso em relação aos esforços empregados no aperfeiçoamento da regulamentação da matéria. É contrário, portanto, ao interesse público que a definição de substâncias entorpecentes, psicotrópicas, que determinem dependência física ou psíquica, e afins, sofra restrições pela interpretação da lei. A expressão "para os fins desta Lei" é, portanto, potencialmente lesiva à modernização e à complexidade da legislação penal brasileira." Dispõe o art. 4º. ser "facultado à União celebrar convênios com os Estados, com o Distrito Federal e com os Municípios, e com entidades públicas e privadas, além de organismos estrangeiros, visando à prevenção, ao tratamento, à fiscalização, ao controle, à repressão ao tráfico e ao uso indevido de produtos, substâncias ou drogas ilícitas, observado, quanto aos recursos financeiros e orçamentários, o disposto no art. 47", estabelecendo que "entre as medidas de prevenção inclui-se a orientação escolar nos três níveis de ensino." No seu art. 5º. afirma-se que as "autoridades sanitárias, judiciárias, policiais e alfandegárias organizarão e manterão estatísticas, registros e demais informes das respectivas atividades relacionadas com a prevenção, a fiscalização, o controle e a repressão de que trata esta Lei, e remeterão, mensalmente, à Secretaria Nacional Antidrogas - Senad e aos Conselhos Estaduais e Municipais de Entorpecentes, os dados, observações e sugestões pertinentes", cabendo ao "Conselho Nacional Antidrogas - Conad elaborar relatórios global e anuais e, anualmente, remetê-los ao órgão internacional de controle de entorpecentes" e sendo "facultado à Secretaria Nacional Antidrogas – Senad, ao Ministério Público, aos órgãos de defesa do consumidor e às autoridades policiais requisitar às autoridades sanitárias a realização de inspeção em empresas industriais e comerciais, estabelecimentos hospitalares, de pesquisa, de ensino, ou congêneres, assim como nos serviços médicos e farmacêuticos que produzirem, venderem, comprarem, consumirem, prescreverem ou fornecerem produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica" (art. 6º.). Neste caso, a "autoridade requisitante pode designar técnico especializado para assistir à inspeção ou comparecer pessoalmente à sua realização." O § 2o deste art. 6º. ainda estabelece que "no caso de falência ou liquidação extrajudicial das empresas ou estabelecimentos referidos neste artigo, ou de qualquer outro em que existam produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, ou especialidades farmacêuticas que as contenham, incumbe ao juízo perante o qual tramite o feito:

I – determinar, imediatamente à ciência da falência ou liquidação, sejam lacradas suas instalações;

II – ordenar à autoridade sanitária designada em lei a urgente adoção das medidas necessárias ao recebimento e guarda, em depósito, das substâncias ilícitas, drogas ou especialidades farmacêuticas arrecadadas;

III – dar ciência ao órgão do Ministério Público, para acompanhar o feito", sendo que a "alienação, em hasta pública, de drogas, especialidades farmacêuticas ou substâncias ilícitas será realizada na presença de representantes da Secretaria Nacional Antidrogas – Senad, dos Conselhos Estaduais de Entorpecentes e do Ministério Público." O "restante do produto não arrematado será, ato contínuo à hasta pública, destruído pela autoridade sanitária", na presença daqueles representantes da Secretaria Nacional Antidrogas – Senad, dos Conselhos Estaduais de Entorpecentes e do Ministério Público.

O art. 7º. exige que da "licitação para alienação de drogas, especialidades farmacêuticas ou substâncias ilícitas, só podem participar pessoas jurídicas regularmente habilitadas na área de saúde ou de pesquisa científica que comprovem a destinação lícita a ser dada ao produto a ser arrematado", sendo que os "que arrematem drogas, especialidades farmacêuticas ou substâncias ilícitas, para comprovar a destinação declarada, estão sujeitos à inspeção da Secretaria Nacional Antidrogas – Senad e do Ministério Público." Observa-se que o Ministério Público terá atuação importante nestas medidas administrativas, devendo, evidentemente, adequar-se a estas novas atribuições, criando interna corporis uma estrutura suficiente para esta demanda que se inicia.

 


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