Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química



 

RESUMO

OBJETIVO: Traçar o perfil clínico e demográfico de uma amostra de médicos em tratamento por dependência química, avaliar comorbidades psiquiátricas e conseqüências associadas ao consumo.

MÉTODOS: Foram coletados dados de 198 médicos em tratamento ambulatorial por uso nocivo e dependência química, através de questionário elaborado pelos autores.

RESULTADOS: A maioria de indivíduos foi do sexo masculino (87,8%), casados (60,1%), com idade média de 39,4 anos (desvio padrão=10,7 anos). Sessenta e seis por cento já tinham sido internados por causa do uso de álcool e/ou drogas. Setenta e nove por cento possuía residência médica e as especialidades mais envolvidas foram: clínica médica, anestesiologia e cirurgia. Comorbidade psiquiátrica foi diagnosticada em 27,7% (Eixo I do DSM-IV)1 e em 6% (Eixo II do DSM-IV)1. Quanto às substâncias consumidas, o mais freqüente foi uso associado de álcool e drogas (36,8%), seguido por uso isolado de álcool (34,3%) e uso isolado de drogas (28,3%). Observou-se o intervalo de 3,7 anos em média entre a identificação do uso problemático de substâncias e a procura de tratamento. Quanto à busca por tratamento, 30,3% o fizeram voluntariamente. Quanto aos problemas sociais e legais observou-se: desemprego no ano anterior em quase 1/3 da amostra; problemas no casamento ou separação (52%), envolvimento em acidentes automobilísticos (42%), problemas jurídicos (19%), problemas profissionais (84,8%) e 8,5% tiveram problemas junto aos Conselhos Regionais de Medicina.

CONCLUSÃO: Os autores recomendam medidas assistenciais e preventivas para o problema.

Unitermos: Médicos. Saúde Mental. Dependência de álcool. Dependência de drogas.

 

SUMMARY

The misuse of alcohol and drugs among physicians is a common cause of malpractice, absenteeism and complaints to the Medical Councils. This problem demands more attention, because it entails risks to the population and to the physicians themselves.

AIMS: To describe the clinical and demographic profile of a sample of physicians in treatment for alcohol and drug dependence also to evaluate psychiatric comorbidity and consumption-related consequences.

METHODS: Data was collected from a sample of 198 physicians attending outpatient treatment by a questionnaire specifically designed for this study.

RESULTS: Most of the subjects were men (87.8%), married (60.1%), with a mean age of 39.4 years (S.D. =10.7). Sixty-six per cent had already been in inpatient treatment for alcohol and drug misuse. Sixty-nine per cent were specialists practicing mainly: internal medicine, anaesthesiology and surgery. Psychiatric comorbidity was diagnosed in 27.7% for DSM-IV Axis I and in 6% for DSM-V Axis II. With regard to drugs the most frequent pattern was use of alcohol and drugs (36.8%), followed by exclusive use of alcohol (34.3%) and exclusive use of drugs (28.3%). It was observed that the mean interval between the identification of misuse of substances and the seeking of treatment was of 3.7 years. Thirty per cent tried to achieve treatment by themselves. The social and legal problems observed were: unemployment in the previous year (1/3 of the sample), marital problems and divorce (52%), car accidents (42%), legal problems (19%). 84.8% presented professional problems and 8.5% had problems within the Medical Councils.

CONCLUSION: The researchers suggest supportive and preventive attitudes for this matter.

Key words: Physician. Mental Health. Alcohol abuse. Drug dependence.

 

INTRODUÇÃO

Médicos apresentam taxas similares de uso nocivo e dependência de substâncias em relação à população geral, variando entre 8% e 14%2,3. Em relação ao álcool, alguns estudos relataram taxas até mesmo superiores4,5,6. Esta prevalência é um pouco menor comparada com outras profissões7,8. A freqüência de uso nocivo e dependência de opióides e benzodiazepínicos é aproximadamente cinco vezes maior que na população geral9,10.

Há dados sugestivos de que o problema é subestimado11, e de que o número de médicos em tratamento tende a aumentar se a notificação dos casos for compulsória e se houver flexibilidade entre as medidas terapêuticas e administrativas11.

Os médicos passam por situações facilitadoras para dependência de drogas12,13,14. Alguns fatores de risco para uso de substâncias psicotrópicas entre médicos são freqüentemente citados na literatura: 1) acesso fácil aos medicamentos15,16; 2) perda do tabu em relação a injeções15; 3)história familiar de dependência16,17; 4) problemas emocionais16,17; 5) estresse no trabalho e em casa16; 6) busca de emoções fortes16; 7) auto-administração no tratamento para dor e para o humor16; 8) fadiga crônica16,18; 9) onipotência e padrão de prescrição exagerada18; e 10) os de especialidade de alto risco (Anestesiologia, Emergência e Psiquiatria)18.

Os médicos trabalham de forma independente, com postura geralmente controladora, falsa sensação de que "podem cuidar de si mesmos, que sabem o que estão fazendo". A negação retarda a busca de ajuda e tratamento19. Em paralelo, a cultura médica enaltece qualidades como independência, auto-eficácia e competitividade20.

Providenciar tratamento para os médicos também não é tarefa fácil, dada a dificuldade em aceitar o papel de paciente12,14,17. Quando em tratamento, no entanto, o prognóstico é melhor que o da população geral21,22.

Um estudo mostrou que 96% dos médicos tiveram sucesso quando monitorados com exames de urina para detecção de substância, comparados com 64% daqueles que não foram submetidos aos exames22. A maioria dos médicos recupera-se e retorna ao trabalho sob supervisão17,21,22.

Segundo o Conselho Médico Britânico, dois terços dos processos relativos à má prática e erro médico relacionam-se ao uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas23. McGovern24 observou 70,4% de prevalência de uso de substâncias entre médicos autuados por má prática médica.

No Brasil, existem alguns trabalhos analisando o uso de álcool e drogas entre estudantes de medicina25,26,27, mas não há trabalhos realizados na população de médicos.

 


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