Perspectivas políticas para o Brasil: planejamento e responsabilidade

Enviado por Simon Schwartzman


Trabalho apresentado no Simpósio sobre 'Perspectivas Políticas do Brasil Contemporâneo" na XXVII Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Belo Horizonte, Julho de 1975.

1. É possível - e necessário - prever o futuro?

Prever o futuro é tarefa difícil, tanto para as ciências sociais quanto para qualquer outra área do conhecimento humano. As dificuldades que temos para saber como o sistema político brasileiro será dentro de 2 ou 5 anos não são maiores do que as do serviço de meteorologia em prever se choverá na semana que vem, ou dos centros de sismologia em saber quando e se ocorrerá o terremoto que destruirá São Francisco. Normalmente, previsões só são possíveis em sistemas estáveis e de mecanismos mais ou menos conhecidos - o movimento dos astros, os ciclos biológicos - ou quando condições de ceteribus paribus são criadas e mantidas artificialmente. Fora isto, a predição só é possível quando existe um profundo conhecimento de séries históricas ou relações estatísticas dotadas de estabilidade comprovada - como na área da demografia, ou do comportamento político eleitoral nos Estados Unidos - ou então quando o preditor, ou previsor, tem um "faro" ou uma "intuição" que derivam não de um conhecimento sistemático das coisas, mas antes de uma familiaridade e intimidade tal com o fenômeno que o permite conhecê-lo antes mesmo de conceituá-lo.

É claro que entre a previsão segura do eclipse, a previsão probabilística do comportamento eleitoral e a previsão política intuitiva do "insider" existem graus diversos de acerto e mesmo de conhecimento antecipado da probabilidade de erro. Mas todas estas formas de predição são certamente superiores à dos que contam somente com conceitos e teorias sobre relações entre coisas, mas não necessariamente sobre o dia a dia dos acontecimentos. Não é por acaso, por exemplo, que um exercício de tipo "Delphi" sobre o futuro político brasileiro, realizado em 1972, mostrou que os jornalistas e comentaristas políticos foram muito mais capazes de antever os desenvolvimentos da política brasileira nos anos posteriores que os cientistas políticos mais acadêmicos.(1)

Seria sem dúvida muito útil se essa capacidade intuitiva e vivificada do comentarista em antever o futuro fosse traduzida em um conjunto de dados, conceitos, relações, e modelos que permitissem a outra pessoa, percorrendo o mesmo caminho, chegar às mesmas conclusões. É esta, na realidade, a diferença entre a intuição e o conhecimento explícito, entre a atividade ensaística e a atividade dita "científica": a intersubjetividade, e possibilidade de qualquer pessoa repetir, passo a passo, os mesmos caminhos do outro.

Mas incorreria em erro sério quem pensasse que o papel do analista político, seja ele mais ou menos "científico", seja simplesmente o de antever o futuro. Esta é uma parte da história, e nem sempre a mais importante. O mais importante é mostrar como este futuro faz parte de um universo de possibilidades, de um conjunto de alternativas possíveis, cada qual com suas implicações para a vida das pessoas que podem, hoje, influenciar no que acontecerá amanhã. Muitas das "previsões" que hoje abundam na literatura especializada são, na realidade, possíveis cenários cujas chances de ocorrerem são alteradas, muitas vezes, pela própria existência da "previsão". Talvez o exemplo mais notório destes últimos anos seja o trabalho do Clube de Roma, Os Limites do Crescimento, que encontra nos esforços generalizados para negar suas projeções catastróficas a melhor justificação para sua existência.

É claro que é possível, dentro de certos limites, arriscar previsões sobre como será o sistema político brasileiro dentro de 2 ou 5 anos - se o regime federativo será ou não eliminado, se os municípios ganharão mais força e autonomia local, se o papel do estado aumentara ou diminuirá, se o próximo presidente será civil ou militar, se haverá ou não uma nova Constituição. Algumas destas questões são mais fáceis de prever que outras, e em cada uma delas será possível utilizar razões mais ou menos claras e explícitas que justifiquem as previsões. Este tipo de atividade intelectual é também necessário - é importante saber, mesmo imprecisamente, quais coisas têm maior ou menor chance de ocorrerem, para sabermos se precisamos nos preocupar mais ou menos com elas. Mas, antes de mais nada, é necessário saber quais as perguntas a serem feitas, qual o conjunto relevante e significativo de alternativas com as quais devemos elaborar nossas previsões e preocupações. É a isto que o resto deste texto se refere.

2. Os dois modelos de organização política e sua crítica

Existem muitas maneiras de pensar e listar as formas possíveis de organização política que um país pode assumir, e não há dúvida que qualquer dicotomia opera uma simplificação bastante forte do universo de possibilidades. No entanto, pensar em polaridades ajuda a distinguir o importante do secundário, e ver com mais clareza as alternativas principais, a partir das quais as outras características possíveis do sistema de organização política são acrescentadas . Eu diria, pois, que os problemas políticos que o Brasil enfrenta hoje têm a ver com um problema de definição entre dois modelos alternativos básicos de organização político-social, que não são peculiares ao Brasil mas compartidos por todas as sociedades políticas organizadas contemporâneas.

O primeiro destes modelos corresponde ao do sistema político representativo. Ele supõe uma sociedade formada por agentes livres, que se organizam conforme seus interesses, e que escolhem o regime político de sua preferência, que realiza os objetivos de seus eleitores. O segundo modelo, em contraposição, supõe uma sociedade organizada como um grande organismo, cada parte desempenhando sua função, sob o comando de um Estado que corporifica o interesse coletivo, e define o lugar de cada um. O resultado final de cada um destes modelos ideais é uma sociedade harmônica, feliz, em que cada qual está contente com o lugar que lhe cabe, e em que o governo atua no interesse geral. Na prática, cada um tem críticas severas ao outro, no nível conceitual e no nível histórico.

A crítica do segundo modelo ao primeiro consiste, essencialmente, em mostrar como a democracia direta é impossível e como a delegação do poder termina, na prática, ou em transmitir poder e influencia à elite dirigente, que nunca os devolve, ou, na sua falta, em um estado de caos e desorganização social em que nenhuma consideração organizada pelo bem comum é possível - o homem é o lobo do homem. Na realidade os sistemas políticos representativos não passariam de fachadas baseadas em um igualitarismo político formal que ocultaria diferenças reais e irredutíveis de riqueza e poder, aliadas a uma incapacidade congênita do poder central em agir de forma ordenada em defesa dos interesses sociais mais amplos.

A crítica do primeiro modelo ao segundo é a crítica ao totalitarismo. As pessoas devem ter liberdade de escolher sua posição na sociedade, que não é um organismo no qual o destino de cada célula , ou parte, já venha previamente definido. O Estado não tem como se arrogar o direito de falar em nome da sociedade sem um mandato expresso e revogável. Na realidade os sistemas políticos baseados neste modelo encobririam de fato formas drásticas e muitas vezes brutais de dominação de uns grupos sobre outros, e as ideologias de bem comum e do interesse geral não passariam de justificações ou racionalizações de situações de dominação.

 


Página seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.