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A Pesquisa CientÌfica e o Interesse Publico (página 2)

Simon Schwartzman

 

3. Ciência básica e a ciência aplicada

A questão da efetividade da pesquisa científica e tecnológica tem sido muitas vezes colocada em termos de uma oposição que existiria entre a pesquisa como atividade acadêmica, pura e desinteressada de suas possíveis aplicações, e a pesquisa como orientada e voltada para determinados fins.

Os possíveis vínculos e tensões entre a ciência básica e a ciência aplicada têm sido objeto de constante preocupação. Por exemplo, Eduardo Krieger e Fernando Galembeck, na conclusão de um amplo estudo sobre a pesquisa brasileira realizado em meados dos anos 1990, observam que existe um grande distanciamento entre o mundo da pesquisa e o mundo empresarial, que seria o das aplicações, e caracterizam desta forma o ambiente científico brasileiro:

i) a perenidade de um estéril conflito de interesses entre os defensores da "pesquisa básica" e da "pesquisa aplicada", em que se ignora a extrema interdependência entre ambas e a necessidade de atividade vigorosa em ambas, em qualquer sistema de desenvolvimento científico e tecnológico que aspire a alguma perenidade;

ii) a falta de vínculos constantemente renovados entre pesquisadores universitários e profissionais de empresas; por exemplo, sociedades científicas e sociedades profissionais são corpos distintos, que não se interpenetram nem interagem, à exceção de alguns casos notáveis. É um fato recente e positivo a existência de algumas entidades, como as associações brasileiras de cerâmica (ABC) e de polímeros (ABPol) que congregam pesquisadores e profissionais industriais de forma eficaz e produtiva;

iii) a existência de muitos argumentos de rejeição mútua, entre profissionais de empresas e pesquisadores universitários. Estes argumentos são tanto mais chocantes quando se reconhece que, no Brasil, todos esses profissionais têm as mesmas origens. (Krieger e Galembeck, 1996.) Vendo esta descrição, o leitor poderá ficar com a impressão de que os cientistas brasileiros vivem em suas torres de marfim, financiados por agências que só se preocupam com a qualidade científica dos trabalhos, sem atentar para sua eventual relevância ou utilidade. Nada mais incorreto. Desde seus primórdios, a maior parte dos recursos públicos para a pesquisa científica no Brasil sempre se orientou para atividades de interesse prático, nos jardins de aclimatação e museus geológicos do Império; nas instituições de pesquisa agropecuária e institutos de combate às doenças tropicais da virada do século; na criação do CNPq e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas nos anos 1950; ou na atualidade, quando 66% dos recursos dos programas de pesquisa do País são consumidos pelas áreas de tecnologia industrial e programas militares de grande porte (ver Tabela 1).14

TABELA I.
Despesas da Uni„o em CiÍncia e Tecnologia, 2000
Grupos de Programas

Total

R$ 2.804.665.950

Formação de Recursos Humanos

908.137.248

Pesquisa Social *

523.400.341

Tecnologia Industrial

414.524.627

Programas Militares e de grande porte

328.363.482

Tecnologias da Informação

211.918.013

Recursos Naturais e Meio Ambiente

114.887.727

Saúde

112.213.691

Pesquisa Básica

106.664.990

Pesquisa Agropecuária

55.285.104

Outros

29.270.727

* Inclui 455 milhões de reais para o Censo Demográfico do ano 2000.
Fonte: elaborado a partir de dados do Ministério do Planejamento. Despesas por programa, exercício de 2000.

Segundo estes dados, um terço dos recursos brasileiros para ciência e tecnologia teriam sido gastos em programas de formação de pós-graduação e em bolsas de estudo (programas de capacitação). A pesquisa social aparece como segundo item por causa do Censo do ano 2000 – não fosse isto, ela ficaria reduzida a cerca de 74 milhões, concentrados nos gastos do INEP e do IBGE.15 Os programas militares, como o aeroespacial, nuclear e naval, ainda consomem uma proporção grande dos recursos; e a maior parte dos gastos em tecnologia da informação seria para a manutenção do serviço de informática para o setor público. O item de "pesquisa básica", descrito pelo Ministério como "expansão e consolidação do conhecimento científico e tecnológico", é o de que o Ministério da Ciência e Tecnologia efetivamente dispõe para atender aos projetos de pesquisa oriundos da comunidade científica. Destes, cerca de metade, 50 milhões de reais, ou 1,7% do total, é distribuído pelo programa de auxílio à pesquisa pelo CNPq. A distribuição destes recursos por grandes áreas de conhecimento pode ser vista na Tabela 2. Estes dados confirmam, mesmo neste âmbito restrito, o predomínio das áreas aplicadas de engenharia e saúde, e a presença relativamente reduzida das ciências sociais e humanas.

TABELA 2.
Valor dos auxÌlios para pesquisa em 1999, agrupados por grandes ·reas

 

Real

%

Engenharias

12.011.585,60

21,85

Ciências da Saúde

9.855.063,60

17,93

Exatas

8.142.545,50

14,81

Agropecuária

7.635.108,10

13,89

Biológicas

5.337.644,60

9,71

Meio ambiente

3.740.736,70

6,80

Ciências Sociais Aplicadas

3.573.147,00

6,50

Ciências Sociais Básicas

2.638.427,10

4,80

Humanidades

2.041.381,90

3,71

Total

54.975.640,10

100

Fonte: agrupados a partir de dados do CNPq.

Se os recursos financeiros para os programas de pesquisa se concentram nas áreas aplicadas, os recursos humanos se concentram nas instituições acadêmicas. Dos 908 milhões de reais gastos na formação de recursos humanos no ano 2000, 509 milhões foram para os programas de "desenvolvimento do ensino de pós-graduação" concentrados nas universidades públicas, e 400 milhões em "capacitação de recursos humanos para a pesquisa", ou seja, bolsas de estudo. Os dados conhecidos sobre os pesquisadores brasileiros confirmam que, dos cerca de 30 mil doutores listados no diretório dos grupos de pesquisa do Brasil do CNPq, mais de 90% estão em instituições universitárias (Tabela 3). A mesma concentração ocorre quando olhamos para os pesquisadores como um todo, estimados em cerca de 50 mil. Das dez maiores instituições em número de pesquisadores, nove são universidades federais ou do sistema paulista, com a EMBRAPA ocupando o 6o lugar, com 1.500 pesquisadores (a primeira é a USP, com pouco mais de cinco mil).16 A segunda instituição não universitária, em tamanho, é a Fundação Instituto Oswaldo Cruz, em 12° lugar com 855 pesquisadores; vem a seguir a Comissão Nacional de Energia Nuclear, em 22° lugar, com 589.

TABELA 3.
Brasil, Nÿmero de pessoas em P&D, por Setor de ExecuÁ„o e Campo da Atividade de P&D,1999

Total

Pesquisadores

Pessoal Tècnico
ou Equivalente

Outro Pessoal
de Suporte

Total (1)

78.565

55.103

21.914

1.548

Setor Empresarial

13.131

6.364

5.219

1.548

Governo

9.772

5.926

3.846

Ciências Naturais

2.807

1.748

1.059

Engenharia
e Tecnologia

1.642

982

660

Ciências da Saúde

1.655

868

787

Ciências Agrárias

2.840

1.714

1.126

Ciências Sociais

737

549

188

Humanidades

91

65

26

Ensino Superior

55.496

42.706

1 2 . 7 9 0

Ciências Naturais

14.689

10938

3.751

Engenharia e Tecnologia

8.825

6.936

1.889

Ciências da Saúde

12.225

8.730

3.495

Ciências Agrárias

6.184

4.030

2.154

Ciências Sociais

8374

7363

1.011

Humanidades

5.199

4.709

490

Setor Privado sem Fins Lucrativos

1 5 1

1 0 7

4 4

Ciências Naturais

11

4

7

Ciências da Saúde

12

8

4

Ciências Sociais

83

74

9

Humanidades

45

21

24

Fontes: Dados Brutos: Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), para o setor empresarial; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Diretório dos Grupos de Pesquisa, para os demais setores.
Elaboração: Coordenação de Estatísticas e Indicadores Ministério da Ciência e Tecnologia.
Notas: As informações para o setor empresarial referem-se a 1999.
(1) Total inclui Outro Pessoal de Suporte no setor empresarial apenas, pois a estimativa desse contingente não está disponível para os demais setores.
Nota Específica Atualizada em 10/04/2002.
Fonte:
http://www.mct.gov.br

Estes dados mostram como os recursos humanos para a pesquisa se concentram em instituições acadêmicas e em uns poucos institutos públicos, restando pouco ou quase nada para o setor privado. Isto não significa, no entanto, que o conteúdo das pesquisas destas instituições seja também acadêmico. Estudos realizados no Brasil desde os anos 1980 mostram que só uma parte menor da pesquisa universitária tem as características usualmente associadas à pesquisa básica, ou seja, orientada para os temas centrais de disciplinas como a física, a biologia ou a química (Schwartzman, 1985). Grande parte das pesquisas que se fazem nas universidades, assim como nos institutos de pesquisa governamentais, são orientadas para temas práticos, como as engenharias, as ciências da saúde e a educação. Mas elas se desenvolvem nos moldes institucionais e organizacionais da pesquisa acadêmica ou do serviço público, e só raramente conduzem a aplicações efetivas.

São estes moldes institucionais e organizacionais, mais do que o conteúdo ou a natureza das pesquisas, que fazem a diferença entre o que comumente se denomina de "pesquisa básica" ou "aplicada". As tentativas de definir em termos lógicos ou epistemológicos o que é a pesquisa básica ou a pesquisa aplicada normalmente fracassam, e não caberia voltar a esta questão aqui. Os cientistas, desde sempre, justificam suas verbas pela convicção, que procuram difundir, de que seu trabalho é sempre útil e importante, e neste sentido sempre aplicado, ou pelo menos aplicável, ainda que de forma indireta e a longo prazo. O que muitas vezes não se percebe é que, independentemente das intenções, a transformação de conhecimentos "básicos" ou "aplicados" em resultados efetivos depende de arranjos institucionais que geralmente não existem nos ambientes universitários e quase universitários em que as pesquisas se realizam e, em países pouco desenvolvidos tecnologicamente, tampouco fora deles.

4. Os novos conceitos sobre a natureza e a organização da atividade científica

Dois conceitos marcam o entendimento atual a respeito da natureza e a organização da atividade científica e tecnológica, o de não-linearidade e o de inovação.

A noção de que as atividades de pesquisa e desenvolvimento obedecem a uma seqüência linear, que vai da pesquisa básica à pesquisa aplicada, desta ao desenvolvimento tecnológico, e deste, finalmente, ao produto de uso prático, não é a melhor descrição do que ocorre no mundo real. A literatura especializada, a partir sobretudo da experiência do Japão, sugere a existência de uma "seqüência invertida", que tem início com atividades de inovação de produtos, gerando competência para a criação de inovações mais complexas, e culminando no desenvolvimento de pesquisa experimental e básica (Branscomb e Kodama, 1993).

Outros autores argumentam que o que predomina são processos não-lineares, em que as atividades de pesquisa básica, experimental e o desenvolvimento de produtos se dão de forma simultânea e imprevisível, em complexos científico- tecnológicos que incluem todas as etapas relevantes da cadeia de geração-produção de conhecimentos e produtos.17

O tema das novas características da ciência e tecnologia no mundo atual foi objeto de um livro de 1994, The New Production of Knowledge (Gibbons, Trow, Scott et al., 1994), que procura contrastar o que teria sido o modo antigo de produção de conhecimentos, baseado nas estruturas acadêmicas e na separação formal das disciplinas – denominado de "modo 1" – e a realidade de hoje, que rompe as fronteiras entre o público e o privado, a pesquisa básica e a pesquisa aplicada, e outras características que seriam típicas do "modo 2":

TABELA 4.
Modos de produÁ„o de conhecimentos cientÌficos

Modo 1 ( linear)

Modo 2 (não-linear)

O conhecimento básico é produzido antes e aplicações

O conhecimento é produzido no contexto das independentemente de aplicações

Organização da pesquisa de forma disciplinar

Transdisciplinaridade

Organizações de pesquisa homogêneas

Heterogeneidade e diversidade organizacional

Compromisso estrito com o conhecimento: os preocupam e são responsáveis pelas implicações possíveis implicações práticas de seus trabalhos

"accountability" e reflexividade: os pesquisadores se pesquisadores não se sentem responsáveis pelas não-científicas de seu trabalho

Fonte: Gibbons, Trow, Scott et al. 1994.

Muitos autores comentaram que, na realidade, a atividade científica sempre teve muitas das características do "modo 2", que não seria, portanto, uma novidade. Por exemplo, Steve Fuller observa que:

For while it is true that philosophers of science from the positivists to Kuhn have generally portrayed the natural sciences as self-contained epistemic communities on the model of Mode 1, the sciences have traditionally encountered resistance for their tendency to destabilize the arts-based power structures of the universities-mainly by forming makeshift alliances with the state and industry, often in foreign countries. Indeed, such fecund interdisciplinary research programmes as molecular biology and operations research have resulted from these alliances. But these developments all took place long before Mode 2 is said to have emerged.

What, then, is new about Mode 2?" (Fuller, 1995).

A novidade, diz Fuller com muita propriedade, não é a penetração da ciência e tecnologia no mundo da indústria, mas a penetração do modo industrial na produção de conhecimento. Não se trata tanto de uma transformação nas metodologias e procedimentos técnicos da atividade de pesquisa, como, sobretudo, de uma transformação na cultura, valores e instituições dentro das quais a atividade científica e tecnológica se desenvolve.

O "modo 1" corresponde a um sistema de valores e atitudes que é típico do establishment acadêmico, que foi caracterizado pelo "tipo ideal" desenvolvido por Robert K. Merton. Entre outras, estas normas e valores incluiriam a propriedade compartida ("comunista", no dizer de Merton) dos conhecimentos produzidos; o ceticismo, como princípio sistemático de dúvida e exigência de rigor; e o desinteresse do cientista em relação aos eventuais ganhos monetários derivados da aplicação de seus conhecimentos – o prestígio e os lauréis acadêmicos seriam gratificações mais do que suficientes (Merton, 1973). Uma outra versão desta mesma idéia foi elaborada por Joseph Ben-David, que procurou mostrar como na Europa ocidental, a partir do Renascimento, se desenvolveu um papel social para o cientista, que era alimentado pelos valores do racionalismo e daquilo que ele denominou de "ideologia cientística" (Ben-David, 1971). Mais recentemente, Bruno Latour procurou mostrar que este sistema normativo, que pretende colocar os pesquisadores como que entre parênteses, é uma característica central da visão de mundo moderna, que quer acreditar e ampliar cada vez mais o poder do conhecimento e das ciências, de forma dissociada de seus condicionantes e implicações mais gerais (Latour, 1993).

Dizer que o modelo mertoniano de organização da atividade científica está equivocado, ou superado, por não corresponder à evidência empírica sobre as formas em que a atividade científica se dá, é não entender o sentido mais amplo de um "tipo ideal" nas ciências sociais.18 Conhecimentos de tipo científico e tecnológico existem há milhares de anos, como mostram os estudos de Needham sobre a China (Needham, 1947), mas é no Ocidente que a atividade científica adquiriu uma organização própria, com cultura e valores específicos, como parte de um processo mais amplo de racionalização e diferenciação institucional. Este processo mais amplo incluiu o desenvolvimento da indústria, do comércio, das instituições nacionais, da ordem jurídica, das universidades e das corporações profissionais e de ofício, e é a coexistência e inter-relacionamento destes diferentes componentes que caracterizam e explicam o desenvolvimento econômico e institucional das sociedades modernas.

Esta idéia clássica da sociologia weberiana tem sido retomada, recentemente, pelos economistas que se interessam pela questão da "inovação", entendida como conceito mais amplo do que o de "ciência e tecnologia" ou "pesquisa e desenvolvimento".19 Por um lado, é necessário que existam instituições de pesquisa independentes e de cunho acadêmico, onde os pesquisadores tenham liberdade de explorar diversos caminhos e trabalhar na fronteira do conhecimento, sem precisar estar todo o tempo considerando os custos e os benefícios mais ou menos imediatos de seu trabalho. Por outro, é necessário que exista, na sociedade, "compradores" significativos dos resultados da pesquisa. Nos Estados Unidos, que experimentaram um grande desenvolvimento da pesquisa na segunda metade do século XX, o mundo acadêmico da pesquisa se organizou sobretudo nas universidades, enquanto que o grande comprador foi o setor militar, engajado na guerra fria. Entre os dois, a pesquisa mais complexa se localizou em grandes laboratórios nacionais, como Oak Ridge e Lawrence Livermore, associados a grandes universidades. Outro grande comprador foi o setor de saúde, com os National Institutes of Health desempenhando um papel similar ao dos laboratórios nacionais.

Entre estes dois pólos aparentemente tão diferentes foram criadas muitas outras instituições de ciência e tecnologia, como os institutos dedicados ao levantamento e processamento de informações, metrologia, registro de patentes, e tantos outros.

Comparado a estes grandes financiadores, produtores e compradores institucionais, é possível argumentar que, nos Estados Unidos, da mesma forma que na Grã-Bretanha e na França, o setor privado teve um papel menor até recentemente; e parte muito significativa da pesquisa realizada pelo setor privado tinha como cliente cativo, ou principal, o setor público (como foi o caso, entre outros, da indústria aeronáutica), e foi deste complexo industrial-tecnológicomilitar que saíram os principais recursos para a ciência básica.20

O fim da guerra fria e a ascensão da nova economia, fortemente dependente de conhecimentos científicos e tecnológicos, pareciam indicar que o setor empresarial se transformaria no grande comprador e financiador da pesquisa, dentro de uma lógica de custo-benefício mais estrita, deixando menos lugar para a pesquisa desinteressada e de longo prazo (Branscomb, 1995). Na realidade, nos Estados Unidos pelo menos, a estratégia da "guerra nas estrelas", somada às tensões criadas a partir do 11 de setembro de 2001, indicam que os militares continuarão a ser, por muito tempo ainda, um financiador e estimulador importante das pesquisas tecnológicas.21

A "penetração do modo industrial na produção do conhecimento", de que fala Fuller, pode ser entendida pelo menos de três maneiras, que ocorrem de forma mais ou menos simultânea. A primeira é a mudança de escala e dos processos de trabalho. Nas ciências naturais, são conhecidos os exemplos da física de partículas e da astrofísica, em que grande parte do trabalho é feito pela utilização de equipamentos de alta complexidade, coordenando milhares de pessoas. Outras áreas, como a meteorologia, a oceanografia e as geociências, dependem de trabalhos permanentes e de grande escala de obtenção e processamento de dados, e sua interpretação através de modelos formalizados e pré-definidos. Nas ciências biológicas, o seqüenciamento do código genético das espécies é feito de forma mecanizada e sistemática, por equipes de milhares de pessoas.22 Nas ciências sociais, as formas artesanais de coleta e processamento de dados estão sendo substituídas, cada vez mais, por levantamentos estatísticos feitos por instituições multilaterais, como o Banco Mundial, as Nações Unidas e a OCDE, por agências governamentais, ou por firmas especializadas. Em todas estas atividades, as tarefas de coordenação e controle do trabalho de grandes equipes são essenciais, e as doutrinas e concepções organizacionais que eram típicas da atividade industrial passaram também a ser utilizadas no mundo da pesquisa.

A segunda maneira se refere às transformações que ocorrem no nível dos valores. Instituições como os sistemas de peer review; as atribuições de prioridade e prestígio que identificam e recompensam os cientistas mais bem-sucedidos; os prêmios científicos; os comitês editoriais das revistas acadêmicas; todos estes mecanismos de estimular a excelência do trabalho acadêmico ainda persistem e estão baseados nos valores descritos por Merton, por mais contaminados que eles possam estar por outros comportamentos e atitudes. O que é novo é o reconhecimento de que, a estes sistemas tradicionais de reconhecimento do mérito e da qualidade do trabalho científico, começam a ser agregados outros valores, que vão da utilidade industrial e comercial à "correção política" ou ao exercício de poder. Esta transformação e mistura de valores faz parte de um processo muito mais amplo de questionamento dos supostos do iluminismo e da modernidade, e têm como resultado introduzir altos graus de conflito, expectativas e incerteza no mundo da ciência, aonde, pelo menos aparentemente, parecia reinar a ordem e a racionalidade da cultura científica.23

A terceira, finalmente, se refere à questão da "ciência proprietária", ou, dito de forma mais adequada, "apropriada", ou seja, à questão do segredo e dos direitos privados sobre as descobertas científicas. Não há nada novo na noção de que o conhecimento científico pode ter grande valor econômico e militar, e questões de segredo e patenteamento de conhecimentos científicos e tecnológicos são antigas.

Ainda assim, a noção de que a propriedade intelectual se estabelece pela prioridade de publicação das descobertas, e não pela sua guarda, sempre prevaleceu nos meios acadêmicos, tornando problemática a convivência com os valores e as normas vigentes nos meios empresariais, governamentais e, sobretudo, militares. O que parece estar ocorrendo hoje é uma exacerbação da preocupação com o tema da apropriação dos conhecimentos, que se explica pelos custos crescentes da atividade de pesquisa, pelos seus benefícios comerciais cada vez mais evidentes, e pelo debilitamento dos valores mais clássicos da ciência acadêmica.

Por uma ou outra razão, o fato é que a ciência contemporânea tende a ser cada vez mais "proprietária", ou apropriada, tanto por parte dos pesquisadores, financiadores e firmas que apóiam o trabalho de pesquisa e desenvolvimento, como por parte de populações cujas tradições e áreas em que vivem foram exploradas para a pesquisa de elementos de potencial utilidade ou valor de mercado, e que hoje demandam retribuição. Além disto, a ampla liberdade que tinham cientistas, tecnólogos e seus financiadores de fazer seus estudos e decidir o que deve ou não ser utilizado se reduziu enormemente. Hoje, agências reguladoras, governos e movimentos de opinião pública colocam as questões de risco, que antes eram administradas pelos cientistas e tecnólogos, em patamares até recentemente desconhecidos, e segundo uma lógica não redutível às estimativas estatísticas usuais.24 Um exemplo disto é a questão dos alimentos geneticamente modificados, cuja pesquisa e utilização, apoiada por muitos cientistas, encontra resistências e oposições extremamente fortes por parte da opinião pública de muitos países, que também se organiza, contrata pesquisadores e desenvolve sua própria expertise, tornando impossível reduzir as controvérsias a uma oposição simples entre "ciência" de um lado e "opinião", "ideologia", ou que nome se queira dar, do outro.

5. Os diferentes modelos de organização da atividade de pesquisa

Todas estas transformações não significam que a pesquisa esteja deixando as universidades e institutos públicos e se transferindo para o setor industrial.

Mas a pesquisa acadêmica é hoje muito mais aberta e porosa aos valores e formatos organizacionais próprios do mundo empresarial do que no passado, implantando procedimentos gerenciais baseados na divisão do trabalho e em metas de desempenho, estabelecendo escritórios para a comercialização de tecnologias, desenvolvendo joint-ventures com o setor privado, tudo isto marcando o esmaecimento das fronteiras e barreiras que antes pareciam separar o mundo da academia do mundo da vida prática e dos negócios (Godin e Gingras, 2000; McMillan G.S., Narin F. e Deeds D.L., 2000; Teichler e Sadlak, 2000; Sadlak e Altbach, 1997; Vessuri, 1995).

Quando, no Brasil, falamos de ciência e tecnologia, pensamos muitas vezes em um certo modelo que se aplicaria a todo o conjunto de atividades que se exercem sob este título, do ensino de pós-graduação ao desenvolvimento da inovação na indústria, passando pela elaboração e análise de estatísticas públicas.

Este modelo é o da ciência acadêmica, com seus mecanismos de revisão por pares, publicações de artigos em revistas científicas, etc. Outras vezes, é o modelo das aplicações para o desenvolvimento econômico, que vem acompanhado dos conceitos e questões relacionadas com eficácia, custo benefício, prioridades, e assim por diante. Na realidade, além destes dois modelos, existe um terceiro, que não faz parte das interpretações ou preferências que possamos ter sobre a natureza do trabalho científico e tecnológico, mas tem uma presença dominante em quase todos os setores da administração pública – é o modelo da organização pública burocrática, com suas carreiras funcionais e estruturas burocráticas rígidas, imprevisibilidade orçamentária e baixa correlação entre desempenho, recompensas e recursos. Não estaria longe da verdade descrever o sistema de ciência e tecnologia em termos destes três modelos, na forma de organizações burocráticas que são impelidas a assumir um dos dois modelos de organização institucional, o acadêmico ou o aplicado, a partir de estruturas organizacionais e funcionais que não são adequadas nem para um, nem para outro formato. É uma realidade que acompanha nossas instituições científicas desde muito tempo,25 e que se tornou ainda mais acentuada a partir do enrijecimento do serviço público estabelecido pela Constituição de 1988.

6. A necessidade de aprofundar a reorganização da atividade de pesquisa no Brasil

O exame da literatura internacional, o estudo mais aprofundado de alguns setores em que o interesse público tem se manifestado com mais nitidez em relação à pesquisa, e a própria observação mais ampla do desenvolvimento da pesquisa científica tecnológica nos últimos anos Schwartzman, Bertero, Krieger et al., 1995), sugerem que o Brasil precisa aprofundar muito mais a reorganização de seu sistema de ciência e tecnologia, para torná-lo compatível com as transformações que vêm ocorrendo em todo mundo e, na prática, no próprio País. O nó do problema está em que a organização do sistema de ciência e tecnologia, e a própria cultura institucional da comunidade científica, não vêm acompanhando de forma suficiente estas transformações.

O Brasil tem tradições importantes de investimentos em ciência e tecnologia aplicada no setor público, seja através do Ministério da Ciência e Tecnologia e suas agências, seja através de outros Ministérios, como os da Saúde, Educação, Trabalho, Meio Ambiente, Planejamento e Agricultura. Os temas são os mais variados – o meio ambiente em seus diferentes aspectos, clima, transportes, energia, comunicações, segurança, saneamento, saúde pública, planejamento urbano, desigualdade social, dívida pública, inflação, pobreza, educação. Vários destes temas são de natureza econômica e social, e vários outros têm um forte componente de ciências naturais e biológicas. Existem exemplos importantes de sucesso, sobretudo na área da pesquisa agrícola,26 mas também na área de pesquisas de fármacos, associada ao programa de atendimento à população de baixa renda portadora de HIV. Nos últimos anos tem havido um esforço importante para responder de forma adequada aos desafios impostos pelo papel crescente da ciência e tecnologia na nova ordem mundial. Este esforço tem consistido em três linhas de investimentos: na formação de recursos humanos, através de um amplo programa de bolsas de estudo e de pesquisas; do aumento de recursos para a área,27 marcados recentemente pela criação de um conjunto de fundos setoriais, que se espera possam fazer dobrar os investimentos brasileiros em ciência e tecnologia em poucos anos; e na rápida capacitação tecnológica em algumas áreas de ponta, como nos projetos do Laboratório de Luz Síncroton e o Projeto Genoma, com o trabalho pioneiro de seqüenciamento da Xilella Fastidiosa.28 Ao lado destes desenvolvimentos, têm havido movimentos no sentido de criar vínculos mais estreitos entre a ciência acadêmica e o setor empresarial privado, sobretudo nacional.29

7. Os novos formatos institucionais

Neste quadro geral, pesquisadores e governantes têm feito uso de imaginação e criatividade e estabelecido uma série de estruturas e sistemas que escapam às formalidades do serviço público, assim como à rigidez dos modelos acadêmicos e de ciência aplicada, buscando se aproximar das estruturas complexas e mistas que são mais típicas das formas mais atuais de produção do conhecimento. Existe um duplo movimento no sentido de maior abertura e contato da área científica com a área empresarial, e também com as organizações e movimentos sociais. Assim, na área de medicamentos, Far- Manguinhos monta um sistema de gerenciamento de tipo empresarial; nas pesquisas sobre emprego e trabalho, a rede Unitrabalho se estrutura como organização não-governamental de direito privado; e os centros de pesquisa na área ambiental buscam novas formas de controle e apropriação da propriedade intelectual dos produtos de suas pesquisas, e de acordos de cooperação internacional com instituições públicas e privadas. Ao mesmo tempo, organizações não-governamentais na área ambiental, do trabalho e da educação participam ativamente das discussões, da definição e muitas vezes da própria execução de pesquisas que podem influenciar as decisões públicas em suas área de interesse. Seria proveitoso poder dimensionar quanto dos recursos disponíveis para a pesquisa no Brasil podem ser utilizados desta forma, e quantos, ao contrário, estão sujeitos a amarrações e limitações de vários tipos.

Estas inovações ad hoc, ao mesmo tempo em que abrem novos caminhos, não deixam de trazer seus próprios problemas, alguns de natureza mais questionável, outros reais. Em princípio, não haveria porque se preocupar com as diferenças de recursos e oportunidades geradas pela competição entre pesquisadores e suas instituições, na medida em que elas reflitam as diferenças em importância, reconhecimento e prioridade que a sociedade atribui às diferentes áreas e grupos de pesquisa. Também não parece correto interpretar estes mecanismos como uma forma de "privatização" da pesquisa, já que se trata, tão-somente, de encontrar formas mais eficientes de gerenciar os recursos públicos, atendendo também ao interesse público. A ciência e a tecnologia não funcionam de forma adequada em ambientes homogêneos e burocráticos, e a natureza pública deste setor está dada, fundamentalmente, por seus benefícios sociais, que justificam o investimento público, e não pelo seu formato institucional. São mais pertinentes, por outro lado, as preocupações com a eventual perda de qualidade e relevância da pesquisa, que pode ocorrer quando os padrões de referência deixam de existir, e quando recursos são distribuídos por critérios meramente políticos ou ideológicos. Resolver a questão institucional é crucial para permitir que a ciência brasileira aumente de forma mais rápida seu desempenho e sua qualidade, tanto do ponto de vista acadêmico como educacional e aplicado. Infelizmente, as expectativas de que as instituições de pesquisa federais viessem a se beneficiar de uma reforma administrativa mais aprofundada se frustraram nos últimos anos, e será necessário aguardar agora uma nova oportunidade.30

O grande risco que existe nesta passagem do modelo tradicional e rígido da ciência acadêmica para o mundo das aplicações e da efetividade é que o lado acadêmico se perca no caminho, sem que o lado dos resultados e das aplicações chegue a se materializar. O uso de conhecimentos resultantes de estudos e pesquisas para a implementação de políticas públicas é ainda incipiente no Brasil, e varia muito de área para área. Em um extremo, como a área da saúde pública e dos medicamentos, existe um relacionamento já estabelecido, que começa com os trabalhos de prevenção das doenças tropicais no início do século, que deram origem ao que é hoje a Fundação Oswaldo Cruz (Stepan, 1976). O mesmo ocorre na área da agricultura, aonde se destacam, entre tantos exemplos, as pesquisas pioneiras de Johana Döbereiner sobre os processos de fixação do nitrogênio por bactérias em plantas, que permitiram a recuperação da região do cerrado para a agricultura (Chagas Filho, 1998). Na área do meio ambiente, no entanto, este uso quase não existe, apesar de sua importância óbvia, o que se explica, provavelmente, pela institucionalização ainda incipiente do próprio Ministério da área. Na educação, apesar da história antiga do INEP, é só nos últimos anos que ele começa a se desenvolver efetivamente como um centro governamental de produção de informações e geração de estudos, mas ainda não dispõe de quadros próprios de pesquisa e análise, nem tampouco de sistema formal de contratação e uso de pesquisas contratadas com a comunidade de pesquisa.

Apesar disto, como vimos, são as áreas aplicadas que absorvem a maior parte dos recursos de pesquisa, logo após os investimentos em formação de recursos humanos. Assim, do dispêndio de 2.8 bilhões de reais listados nos programas governamentais do ano 2000, 908 milhões foram para recursos humanos (bolsas do CNPq e financiamento da pós-graduação) e um bilhão para tecnologia industrial, programas militares e tecnologias da informação. A área social, que é equivocadamente considerada como recebendo poucos recursos, contou no ano 2000 com cerca de 450 milhões de reais para o Censo do Ano 2000,31 e gasta volumes consideráveis de recursos através de programas e instituições como o FAT, INEP, IBGE, IPEA, SEADE, e vários outros.

Se isto é assim, estamos diante de um paradoxo importante: o Brasil gasta a maior parte de seus recursos de pesquisa em atividades aplicadas, mas os resultados não são utilizados nem aparecem como deveriam aparecer. Existem, naturalmente, importantes e significativas exceções a esta regra, que, no entanto, parece predominar. Em parte, esta situação se vê refletida nas anedotas que correm há anos entre os pesquisadores da área biomédica, que dizem que fazem "pesquisa pura no bicho aplicado", ou que, no Brasil, "existem mais pessoas vivendo do que morrendo de Chagas". O que estas anedotas revelam é a existência de uma estratégia, entre pesquisadores de áreas básicas, de apresentar seus projetos como se fossem aplicados, para assim obterem mais verbas. Como a pesquisa em geral é de boa qualidade e potencialmente relevante, esta estratégia é geralmente considerada como uma contrafação benigna, por uma boa causa.

Existe não obstante outro cenário, em que a pesquisa se realiza com objetivos aplicados, mas seus resultados nunca se aplicam. Esta é também uma situação conhecida, que recebe a denominação de "pesquisa de prateleira": o trabalho avança até a elaboração de um protótipo, por exemplo, ou de um projeto piloto, mas nunca chega a se transformar em um produto comercializável, ou em um procedimento operacional e prático, seja no setor privado, seja no setor público. Existem muitas razões possíveis para esta situação, sendo a mais comum a situação em que, apesar da intenção dos pesquisadores e das agências de financiamento em produzir resultados aplicáveis e rentáveis, não existem compradores ou usuários efetivos para estes resultados. Um exemplo típico desta situação é quando uma agência governamental realiza um programa de tipo "induzido", em que pesquisadores ou centros de pesquisa são chamados a apresentar projetos para tratar ou resolver certos tipos de problema.

Independentemente da pertinência dos editais e da qualidade técnica dos trabalhos, estes programas geralmente não incluem, na outra ponta, as empresas ou instituições que seriam os usuários das pesquisas. A expectativa, que quase nunca se materializa, é que um bom resultado de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico permitiria identificar, em uma segunda etapa, setores ou grupos interessados em seu uso. Na tentativa de superar este problema, a década de 1990 foi marcada por uma variedade de programas e linhas de financiamento da FAPESP, FINEP e Ministério da Ciência e Tecnologia que condicionam o recurso à efetiva existência de parcerias entre pesquisadores e usuários da pesquisa.

Não existe nenhuma avaliação sistemática, no entanto, dos resultados destas políticas, e muitas razões para temer que ele não seja muito positivo. A primeira razão é que nem sempre estes usuários existem, ou estão preparados ou interessados em fazer uso dos resultados. Na área ambiental, por exemplo, estudos sobre o impacto da ocupação desorganizada da terra em regiões de floresta, por melhores que sejam, não levam necessariamente a políticas públicas de contenção ou redirecionamento dos assentamentos. A segunda é que, na ausência de um comprador claramente definido, os produtos da pesquisa muitas vezes não têm as características necessárias para que possam ser de fato utilizados.

Assim, na área de fármacos existe uma grande distância entre a descoberta de um princípio ativo e sua transformação em um medicamento com propriedades e efeitos secundários conhecidos, que permita sua utilização na prática médica.32

8. Os novos procedimentos de avaliação

O conceito de "ciência eficaz" adquire sentidos diferentes quando passamos de uma área de conhecimento para outra. Na visão mais simples, a idéia de eficácia está associada a um produto tecnológico qualquer – um medicamento, uma máquina, um objeto de consumo – que resulta do trabalho de pesquisa. Mas é considerada eficaz a pesquisa que leva a decisões de política governamental, ou decisões empresariais – estudos sobre o emprego, por exemplo, que podem gerar mudanças na legislação trabalhista, e nas políticas de pessoal das empresas? O eventual uso ou impacto de uma pesquisa pode não depender da natureza do trabalho que é feito, e sim das condições do ambiente em que este trabalho se desenvolve. Um governo interessado em melhorar a educação vai dar mais atenção às pesquisas educacionais do que um outro que não tem esta preocupação. Áreas de pesquisa como as ciências sociais, ou estudos sobre meio ambiente e clima, podem ter impactos de médio e longo prazos, ao contribuir para formar opinião, sem que tenham utilização imediata.33 Como se justifica que o País gaste tantos recursos na formação técnica e científica e em projetos aplicados, se o uso efetivo destas competências e conhecimentos, nos seus diversos sentidos, é tão limitado? A resposta geral para esta pergunta é que o País precisa, e cada vez mais, de gente qualificada e, neste sentido, tudo o que se gasta em pesquisa e recursos humanos ainda é pouco, e que os resultados virão com o tempo. A verdade indiscutível desta resposta não deve impedir, no entanto, que olhemos criticamente para a maneira pela qual estes recursos estão sendo gastos, perguntando-nos se a forma pela qual nosso sistema de ciência e tecnologia está constituído é a mais adequada e conveniente. O setor de ciência e tecnologia, como qualquer outro setor na sociedade, é formado por pessoas que têm interesse na obtenção de recursos cada vez maiores para suas atividades e instituições, e buscam os melhores argumentos possíveis para justificar suas demandas crescentes. Por isto mesmo, é importante poder tomar certa distância e examinar se os recursos despendidos estão, de fato, atendendo aos propósitos para os quais eles deveriam se destinar.

Tudo isto leva à necessidade de repensar os procedimentos e mecanismos utilizados pela sociedade para avaliar e justificar os investimentos em ciência e tecnologia. Os procedimentos tradicionais utilizados para a ciência acadêmica, o chamado "modo 1", são conhecidos, e continuam importantes: o peer review, o acompanhamento de desempenho através de publicações científicas, etc. Para os que trabalham em universidades, um elemento adicional de juízo é a quantidade e qualidade dos alunos formados pelas instituições. Para a ciência aplicada, o critério é o uso, e a satisfação do cliente. Como se trata, quase sempre, de atividades complexas e de resultados de longo prazo, a aplicação mecânica destes critérios de avaliação pode produzir resultados equivocados. Por exemplo, grupos emergentes com grande promessa de qualidade não podem ser comparados, em termos de quantidade de produção, com grupos já estabelecidos; tecnologias incipientes, mas promissoras, não podem ser avaliadas em termos de seus resultados práticos de curto prazo.

Mas o eventual uso inadequado e irrefletido destes procedimentos de avaliação não justificam que eles sejam postos de lado.

Mesmo com suas limitações, estes procedimentos são freqüentemente desconhecidos, ignorados ou considerados irrelevantes em instituições dominadas por culturas burocráticas, políticas ou empresariais, fazendo com que seja impossível ter uma idéia mais clara e consistente a respeito da efetividade da pesquisa que se desenvolve no País.34 Não só faltam mecanismos adequados de avaliação (com algumas exceções importantes, como, por exemplo, o sistema de acompanhamento dos cursos de pós-graduação da CAPES), mas as instituições tampouco têm condições de tomar decisões que possam alterar de forma mais decisiva suas orientações, práticas de trabalho e uso de recursos.

A avaliação de setores, projetos e políticas globais de ciência e tecnologia se constitui hoje em uma especialidade técnica, que tem sido utilizada, sobretudo, pela OCDE,35 e precisaria ser mais desenvolvida em nosso meio. A cultura da avaliação, que hoje existe em boa medida em instituições como a FAPESP, o CNPq e o Ministério da Educação, deveria ser estendida para outros setores da administração pública, e especialmente para setores que têm investimentos significativos em áreas que requerem investimentos em ciência e tecnologia, como os de saúde, energia, meio ambiente, trabalho e segurança.

Mas seria ilusório supor que a questão estaria resolvida pela adoção de novos procedimentos técnicos de avaliação, que substituíssem os antigos procedimentos de avaliação por pares que ainda predominam nas melhores agências de fomento à pesquisa e educação. Uma característica central do novo contexto da pesquisa científica e tecnológica é que ela é hoje de interesse de grupos e setores sociais muito amplos e variados, que não aceitam mais o domínio do setor por grupos decisórios operando intramuros, por mais competentes, respeitáveis e tecnicamente bem municiados que sejam. O Brasil conhece bem os mecanismos de mobilização de interesses setoriais e corporativos da própria área científica e tecnológica para o controle dos recursos de pesquisa, que se manifestam através dos processos de indicação de representantes de diversos setores em órgãos colegiais, das pressões e demandas de natureza regional e setorial, dos conflitos intraburocráticos pela distribuição de recursos entre diferentes áreas e projetos. A expectativa é que, na medida em que o setor de ciência e tecnologia cresça em importância, outros setores da sociedade, das organizações não-governamentais às grandes corporações, passando por organizações internacionais e pelos partidos políticos, comecem também a querer exercer influência e fazer valer suas preferências e pontos de vista.

Esta politização da pesquisa pode ter efeitos extremamente negativos, ao impedir o crescimento de novas linhas de trabalho, desviar recursos para regiões, grupos e setores de baixa competência, e sustentar projetos de grande visibilidade, mas baixo potencial e impacto. Mas ela pode também ter um papel extremamente positivo, ao orientar recursos para setores de grande interesse social, e garantir a continuidade dos investimentos e do apoio político para o setor. O que faz a diferença entre estas duas possibilidades é a percepção que a sociedade possa ter a respeito da importância do trabalho que se desenvolve nos meios aonde se produz ciência, tecnologia e educação de qualidade, e não o fechamento dos processos de decisão em grupos tecnocráticos de uma ou outra natureza. A ciência e a tecnologia se desenvolvem, e jogam um papel significativo na sociedade, quando a sociedade entende e confia em sua importância, e está disposta a pagar por isto. A existência deste entendimento e confiança depende, em grande parte, dos próprios pesquisadores e tecnólogos, que têm a responsabilidade de ouvir e dialogar com a sociedade, aprendendo com ela, e mostrando a contribuição que têm a dar. Não é um caminho fácil, mas parece ser o único possível, e também o mais gratificante, se bem-sucedido.

5. Conclusão

A análise das novas formas de organização da atividade científica no mundo atual, com a redução ou o desaparecimento das barreiras entre ciência pura e ciência aplicada, em conjunção com a análise do papel central do setor público não somente no financiamento, mas sobretudo no uso dos resultados da pesquisa científica, levam à necessidade de reorganizar de maneira bastante profunda o sistema de pesquisa científica no País. O sentido geral desta reorganização deveria ser o de abrir as instituições, cada vez mais, para a sociedade mais ampla, tornandoas mais flexíveis, mais capazes de estabelecer parcerias com diferentes setores da sociedade, e sujeitas a novos procedimentos de avaliação, que tomem em conta não somente a excelência acadêmica dos trabalhos, ou suas aplicações, mas possam combinar ambos os critérios. Esta reorganização deveria afetar também as próprias instituições de fomento à pesquisa científica, que deveriam poder trabalhar de forma mais integrada com os diversos setores da sociedade brasileira que têm necessidade e fazem uso dos resultados da pesquisa cientifica e tecnológica. A criação recente dos fundos setoriais não deve ser vista como a simples criação de um novo mecanismo financeiro para dar continuidade às práticas de sempre, mas como o embrião de um novo formato de relacionamento entre o interesse público e a pesquisa científica, que precisaria ser melhor explorado e aprofundado.

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Notas

* Este artigo resume as principais idéias e conclusões de um trabalho mais amplo sobre "Ciéncia, Tecnologia e Interesse Público", realizado ao longo de 2001 com a participação de Marilia Coutinho, Paulo dos Santos Rodrigues e Maria Helena de Magalhães Castro, abrangendo as áreas da pesquisa agrícola e ambiental, pesquisa de fármacos e pesquisa em educação e trabalho. Uma versão preliminar deste trabalho foi objeto de um seminário realizado na Academia Brasileira de Ciências em março de 2002, e se beneficiou dos comentários de António Botelho, Carlos Augusto Grabois Gadelha, Márcio da Costa, Nadya Castro Araújo e Sérgio Paulino de Carvalho. Este trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e os autores agradecem o apoio recebido por parte de Evando de Paula Mirra e Silva e Alice de Paiva Abreu, que não têm nenhuma responsabilidade, pessoal ou institucional, pelos conceitos e interpretações apresentados aqui.

1. Ver, para uma visão abrangente da evolução e transformações da política científica desde a II Guerra, Elzinga e Jamison (1995).

2. No caso da União Soviética, as ciências exatas e as tecnologias floresceram, enquanto que as ciências sociais e biologia, afetadas mais de perto por questões ideológicas, não prosperaram (Graham, 1998, Joravsky, 1970) . Na Alemanha, o desenvolvimento científico sob o Nazismo parece ter sido maior do que normalmente se presume, dada a politização extrema a que as universidades e centros de pesquisa daquele país foram submetidos. Uma reavaliação da ciência alemã no período nazista vem sendo feita por uma Comissão Nacional encarregada de conhecer mais em profundidade a história da Sociedade Kaiser Wilhelm em seu relacionamento com o regime nazista. Ver a respeito http://www.mpiwg-berlin.mpg.de/kwg/engl.htm .

3 A expressão "comunidade científica" se refere, em primeira instância, ao conjunto de cientistas e pesquisadores do País,sem nada presumir a respeito de seu grau de organização e integração como comunidade efetiva. No entanto, não há dúvida que ela tem também uma realidade sociológica, expressa através de instituições próprias, como a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e um grande número de organizações científicas específicas, que se comunicam entre si. Ver a respeito Schwartzman, 2001.

4 .O contraste entre esta visão ingênua (também denominada de "acrítica" ou "tecnocrática") e a visão mais ponderada e crítica (também denominada "reflexiva") sobre o papel da ciência e tecnologia na sociedade é muito bem apresentado e discutido por Edge (1995). Para uma reflexão mais antiga, ver Schwartzman (1981a).

5. Os esforços patéticos das elites profissionais brasileiras em garantir seus monopólios são descritos com erudição e ironia em Coelho (1999).

6. Ver, entre outros, Schwartzman (1994a); Botelho e Schwartzman (1997); Schwartzman e Balbachevsky (1996).

7 .Sob a responsabilidade de Marília Coutinho.

8. Sob a responsabilidade de Paulo dos Santos Rodrigues.

9. Sob a responsabilidade de Maria Helena Magalhães Castro.

10 .O Fundo de Assistência ao Trabalhador foi instituído em 1990, para administrar os recursos dos antigos programas de integração social – PIS – e de Formação do Património do Servidor Público – PASEP, que deveriam, pela constituição de 1988, serem destinados ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e, pelo menos 40%, ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Económico, a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social – BNDES. Uma parte importante dos recursos é utilizada para financiar o Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR, entendida como parte do programa do Seguro-Desemprego. As atividades de pesquisa são financiadas, geralmente, de forma acessória e este programa. Ver a respeito Todeschini (2002).

11. O INEP foi criado nos anos 1930, e passou por vários períodos de ascensão e crise, até o seu apogeu recente, na gestão de Maria Helena Guimarães Castro. Ver, para a história mais remota, Mariani (1982).

12 … uma situação semelhante à do antigo Fundo de Tecnologia do BNDES, que mais tarde deu origem ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à FINEP.

13. Isto ajuda a entender o fato de as reformas dos anos 1970, de fortalecimento das instituições de pesquisa e pós-graduação, terem contado com grande aprovação do meio científico, apesar da polarização política e ideológica que havia naqueles anos entre o governo militar e lideranças científicas e universitárias significativas.

14. A organização dos dispêndios do governo brasileiro em programas é uma característica central do sistema gerencial que o Governo Federal buscou implantar através do Plano Plurianual Avança Brasil – 2000/2003. O objetivo, extremamente louvável, é permitir que se possa acompanhar os gastos públicos em termos de objetivos explícitos, que possam ser então avaliados. No entanto, faltam informações mais precisas sobre o que são dispêndios estimados e dispêndios efetivamente realizados, sobre as agências responsáveis pela execução dos programas, e os gastos de pessoal estão listados em separado.

Por estas razões, estes dados devem ser tratados com cautela. Além do documento que descreve o Plano Plurianual, o Ministério do Planejamento e Orçamento disponibiliza os dados relativos aos dispêndios de cada programa no ano 2000.

As informações de dispêndio se encontram em Brasil, Ministério do Planejamento, 2001 .

15. Programa de Estatísticas e Avaliações Educacionais (INEP): R$ 36.240.384; programa de Informações Estatísticas e Geográficas (IBGE): 17.335.262; programa de Informação e Conhecimento em Políticas Públicas (IPEA): 13.086.614. Estes dados não incluem o pagamento de pessoal regular.

16. Dados do diretório de grupos de pesquisa no Brasil, versão 4.1, http://www.cnpq.br/plataformalattes/dgp/versao4/ plano_tabular/index.html

17. Por exemplo, David (1997).

18 … um equívoco semelhante ao dos que afirmam que os conceitos de Max Weber sobre a burocracia estariam superados, pela inexistência empírica de sistemas de dominação racional-legal em sua forma pura. Não por acaso, Robert K. Merton e Joseph Ben-David são os principais continuadores de Weber na área de estudos sobre a ciência.

19. A literatura internacional sobre sistemas de inovação é muito extensa, sobretudo entre economistas que se dedicam ao tema da tecnologia. Para uma conceitualização abrangente, ver Niosi et al. (1993). Ver também Archibugi e Michie (1997); Dosi, Teece e Chytry (1998); Branscomb e Keller (1998); De la Mothe e Paquet (2000); Mowery e Rosenberg (1998).

20. Para a interdependência entre a ciência acadêmica norte-americana e a guerra fria, ver Menand (2001); Graham e Diamond (1997); Bender (1998).

21. Ainda não está claro, no entanto, quanto que o setor militar é hoje auto-suficiente em termos tecnológicos, e quanto depende de pesquisas feitas nos setor privado. Em um survey recente sobre a indústria militar, que mobiliza cerca de 200 bilhões de dólares anualmente, a revista The Economist diz que "fifty years ago, high spending on defence fuelled by the cold war produced many technical breakthroughs, from semi-conductors to nuclear power, which brought great benefits to the rest of the world. Now, if anything, the flow seems to be reversed, with the defence industry looking to rapidly advancing technology in commercial industries such as electronics and computer software to keep weapons up to date." The Economist , 2002, p. 4.

22. Ver o Projeto do Genoma Humano, Hilgartner (1995). 23 A dita "teoria forte" da sociologia da ciência, ao chamar a atenção para a natureza contingente e socialmente condicionada da atividade científica nas ciências naturais, tem sua parcela de responsabilidade nesta quebra dos valores tradicionais dos meios científicos, provocando fortes reações, que se consubstanciaram nas chamadas "science wars". Ver a respeito Sokal e Bricmont (1997); SegerstrÂle (2000); Ashman e Baringer (2000).

24. Ver a respeito, por exemplo, Douglas e Wildavsky (1982); e Branscomb e Auerswald (2001).

25. Schwartzman (1981b). A estes três modelos, Elzinga e Jamison (1995) acrescentam um quarto, pouco comum em nosso meio, que é o modelo do centro de pesquisa empresarial, típico do setor privado.

26. Para uma visão ampla dos impactos do aumento de produtividade da agricultura brasileira na economia e na sociedade, ver Bonelli (2001).

27 … muito difícil comparar os dispêndios públicos em ciência e tecnologia através do tempo, no Brasil, por causa das mudanças de conceitos e definições, assim como do impacto da inflação. O entendimento geral é que houve um esforço de gastos importante no governo Geisel, e outro momento de crescimento no governo José Sarney, corroído poucos anos depois pela crise inflacionária. Na década dos anos 1990, segundo o Livro Verde, o gasto, "após ter-se elevado entre 1993 e 1996, voltou a reduzir-se em 1997 e 1998, mantendo-se praticamente estabilizado em 1999, com previsão de recuperação em 2001. A entrada em vigor dos fundos setoriais permite projetar uma trajetória ascendente para os próximos anos. Espera-se que, com essa nova fonte de recursos, os gastos públicos federais em C&T atinjam um novo patamar e deixem de apresentar a instabilidade que os caracterizou no passado". Brasil, Ministério da Ciência e Tecnologia, Silva, e Melo, 2001, cap. 1, p.32.

28. O Projeto Genoma não teve o objetivo de tratar de um problema agrícola enquanto tal, mas de criar competência em genómica seq¸encial, para em seguida desenvolver competência em genómica estrutural e assim por diante, capacitando o País para, mais adiante, participar de forma mais efetiva nas áreas mais avançadas de pesquisa e aplicações em biotecnologia. Um aspecto importante desta pesquisa foi sua organização em rede, através da Organization of Nucleotide Sequencing and Analysis (ONSA), criada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP).

29. A FAPESP, que até recentemente operava quase que exclusivamente nos moldes da ciência acadêmica, nos últimos anos têm feito grandes investimentos em projetos temáticos e orientados para resultados económicos e práticos. Ver a respeito Landi, (1998) e Perez (2000).

30. Schwartzman (1994b). Para uma análise mais ampla, Salles Filho ( 2000).

31. O custo do censo, no entanto, é bem maior, se considerarmos os trabalhos preparatórios que começam vários anos antes, e as análises que se desenvolvem nos anos seguintes ao recenseamento propriamente dito. Curiosamente, o Ministério da Ciência e Tecnologia, em suas compilações sobre os gastos brasileiros em ciência e tecnologia, não inclui os gastos do IBGE na área de pesquisa socioeconómica e cartografia, nem os do IPEA, na área de estudos sociais e económicos.

32. Uma inovação importante, neste sentido, tem sido o programa de apoio a pesquisas em políticas públicas da FAPESP, que exige a vinculação entre pesquisadores e usuários de seus trabalhos. Em 2002, "A FAPESP recebeu 226 projetos, dos quais 162 foram pré-selecionados e 61 aprovados. Participam dos trabalhos anunciados 18 instituições de pesquisa, estaduais, federais ou particulares, 28 prefeituras, 26 secretarias de Estado e 7 organizações não-governamentais. Em relação às áreas, predominam os projetos sobre Ambiente (13), seguidos por Educação (10), Saúde e Administração e Gestão (9 cada), Arquivos (4), Trabalho, Emprego e Renda (3), Agricultura e Pecuária, Habitação, Património Histórico, Urbanismo e Segurança e Justiça (2) e Economia, Crédito e Taxas, Geração de Empresas e Transporte (1 cada)". http://www.fapesp.br/politica475.htm

33. Um quadro bastante elaborado das diferentes aplicações e usos das ciências sociais pode ser visto em Brunner e Sunkel (1993).

Ver também os trabalhos de Carol Weiss, entre os quais Weiss (1986) e Brooks, Gagnon, Conway et al. 1990.

34. Os dados produzidos pelo Ministério de Ciência e Tecnologia se referem, quase que exclusivamente, à oferta de recursos em ciência e tecnologia – número de pesquisadores, recursos investidos, linhas de pesquisa, doutores formados, etc. A única informação disponível de produtos é a de publicações científicas, que também fazem parte da oferta, e não da produção de bens e serviços, do ponto de vista da sociedade e da economia.

35. OECD – Organization for Economic Co-operation and Development (1997); Durand e Giorno (1987).

Simon Schwartzman(**)
simon[arroba]schwartzman.org.br
http://www.schwartzman.org.br/simon
(**)Diretor do American Institutes for Research para o Brasil (AIRBrasil)



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