Partes: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12

 

 

Além disso, ao nível micro-urbano, as cidades têm que definir uma estratégia de qualificação dos seus recursos e das infra-estruturas, para adquirirem singularidade e notoriedade nos diferentes sistemas urbanos a que venham a pertencer, e alcançarem competitividade e capacidade de projecção suficientes para atraírem novos fluxos e/ou aumentarem a sua capacidade de organização dos mesmos, apostando numa política de desenvolvimento sustentável.

O processo de desenvolvimento passa pela densidade e qualidade das redes entre os actores. Depende mais dos quadros colectivos de acção, do vigor dos projectos e das antecipações do futuro do que dos aspectos estritamente materiais. A capacidade de organização e o conhecimento, bem como a qualidade das instituições, públicas e privadas, são mais importantes do que as infra-estruturas e equipamentos. A relação entre as iniciativas públicas e privadas, a cooperação entre as pequenas e as grandes empresas, dinamizam um território. Mas, sobretudo, mais do que os custos da distância ou o acréscimo das externalidades positivas, o factor mais decisivo será a densificação das relações sociais, intelectuais e culturais [SOUTO GONZÁLEZ et al., 2001].

1.3.2.2 - A aposta no desenvolvimento sustentável, qualitativo e participativo

De uma forma geral por toda a Europa, a expansão urbana está dando lugar à reestruturação urbana, e, como consequência, uma vez que as cidades já não crescem tanto em termos físicos, há que apostar no ‘desenvolvimento qualitativo’. Por este tipo de desenvolvimento entende-se aquele que permite uma evolução harmónica das cidades ao reabilitar o tecido urbano e social. Trata-se, assim, de reestruturar, sanear e reabilitar, de tal forma que se promova a sua função social e económica com respeito às suas características arquitectónicas e culturais próprias.

1.3.2.2.1 – Conceptualização do desenvolvimento sustentável

Durante as últimas três décadas surgiu uma crescente consciencialização ecológica como reacção à generalizada degradação do ambiente. Ecodesenvolvimento, planeamento do ecossistema, planeamento bio-regional, desenvolvimento sustentável, são, todos eles, conceitos novos que se dirigem à resolução de problemas ecológicos causados pela actividade humana, visando o equilíbrio ou a integração entre ambiente e desenvolvimento. Neste sentido, o conceito de desenvolvimento não se dirige a um ou vários sectores mas a uma dimensão horizontal que inclui aspectos culturais, sociais e económicos.

O conceito de desenvolvimento sustentável ou de sustentabilidade (ou ainda, desenvolvi-mento durável), atingiu o seu estatuto de slogan em 1987 na ocasião da publicação do relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento (relatório coordenado por Gro Harlem Brundtland) ‘O nosso futuro comum’ [NAREDO, 2002]. Nesse relatório declara-se que a política do crescimento económico é indispensável mas, desde que inserida num contexto mais vasto, de desenvolvimento sustentável, objectivo último de todos os países (ou sustentabilidade global). O conceito de desenvolvimento sustentável amplia e enriquece a concepção de desenvolvimento:

"O desenvolvimento sustentável é um processo de mudança em que a exploração dos recursos, a direcção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais são conciliáveis com as necessidades tanto presentes como futuras … é um desenvolvimento que tem em conta as necessidades actuais sem comprometer as necessidades das gerações futuras" [WCED, 1987: 9, cit. em JULIÃO, 2001].

É assim, um tipo de desenvolvimento que permite satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazerem as suas. Nele se contêm duas ideias – o conceito de "necessidades", em particular as necessidades básicas, a cuja resolução deve ser dada maior prioridade, e a ideia de que o actual estado da tecnologia e da organização social impõem uma limitação às possibilidades do ambiente poder satisfazer as necessidades presentes e futuras. Além disso, o conceito de desenvolvimento sustentável está relacionado com os conceitos de "cooperação" e "racionalidade colectiva", como contraponto aos conceitos de "racionalidade individual" e "antagonismo" (ou "não-cooperação").

Aquele que maximiza o interesse próprio é auto-destrutivo: a busca do lucro imediato conduzirá a maiores perdas no futuro. Existem situações em que é racional agir contra o próprio sucesso imediato e conformar-se com as obrigações sociais. Donde o conceito de moralidade. A moralidade é baseada em contratos racionais entre pessoas que garantem benefícios mútuos a todas as partes [MÄNTYSALO, 2000], ou seja, representa os deveres e as obrigações numa sociedade justa. A moralidade conduz à cooperação social, uma vez que pune aqueles que agem considerando apenas a sua racionalidade individual. Para isso, é necessária a sua consciencialização individual para aquilo que os espera no futuro, devendo estar cientes que as estratégias auto-centradas vão-lhes trazer dissabores. Contudo, esta consciencialização individual não é suficiente para incentivar a mudança, porque, o problema da aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável é que não são as gerações actuais que enfrentam as catástrofes ecológicas, mas as abstractas "gerações futuras".

Esta ambiguidade tem comprometido de certa forma o seu êxito político, de modo que a insatisfação crescente vai multiplicando as críticas à ambiguidade conceptual e solicitando cada vez mais uma maior operacionalidade de conceitos.

Para Dominique BOURG enquanto que o crescimento corresponde à transgressão de qualquer limite técnico e económico, o desenvolvimento sustentável é, ao contrário, sobre o plano moral, de relembrar os deveres perante as gerações futuras e os seres naturais; sobre um plano político, de recordar os limites de qualquer poder e de realizar as derivações da soberania popular, ou seja, de a disseminar e dar um complemento participativo à democracia representativa; no plano técnico, de saber que tudo não é possível, que numerosos recursos ecológicos não são renováveis, que a biosfera não é substituível e que existem possibilidades técnicas que podem ser extremamente destrutivas para a humanidade, não só num plano natural, mas sobre um plano humano e social. Tudo isto exige, assim, uma ‘mudança de civilização’, cujos instrumentos dessa mudança são as políticas públicas que se devem inscrever no médio e longo prazos. Deste modo, o desenvolvimento sustentável assenta no princípio da equidade inter-geracional e intra-geracional, no princípio da responsabilidade transfronteiriça e no princípio da justiça social.

1.3.2.2.2 - A sustentabilidade à escala urbana

É neste marco conceptual de desenvolvimento sustentável, que se deve tentar avançar na concepção e desenvolvimento do conceito de sustentabilidade urbana, incorporando as especificidades que impõe o fenómeno urbano.

Muitos autores consideram as cidades como parasitárias e cancerígenas para os seus hinterlands, e mesmo insustentáveis, uma vez que não produzem alimentos, não renovam o ar, não purificam a água, além da concentração dos problemas decorrentes das transformações económicas, sociais e demográficas, do consumo excessivo de energia e recursos naturais, da produção de resíduos e da poluição, bem como dos riscos de catástrofes naturais e tecnológicas.

Por isso, as dificuldades que tem encontrado a inter-relação entre o urbano e a sustentabilidade, são consequência tanto das limitações metodológicas ou de definição do próprio paradigma, como de determinadas especificidades do objecto urbano que não se tiveram em conta e nem se ponderaram suficientemente. Deste modo, o fenómeno urbano apresenta algumas especificidades que dificultam a aplicação da perspectiva tradicional de sustentabilidade, pois, restringir a sustentabilidade ao desenvolvimento da consciência e da aplicação de políticas ambientais é muito limitado quando aplicado ao âmbito urbano.

Assim, se o foco de reflexão sobre a integração do desenvolvimento e do ambiente se centrar em combater o uso excessivo dos recursos naturais não renováveis e em propiciar a união com o meio natural, não será possível transferir automaticamente para o âmbito urbano tal perspectiva, porque, de facto, a cidade é um ambiente artificial criado pelo homem.

Por isso, a aplicação simplista dos princípios gerais da sustentabilidade ambiental à realidade urbana, apresenta-se, sem dúvida, como um grave erro metodológico. Não reconhecer a especificidade do facto urbano supõe a negação do facto urbano em si mesmo e a ‘insustentabilidade’, por definição, das cidades [CAMAGNI, 1999].

É necessário, portanto, uma definição na qual a preservação do ambiente seja um elemento importante mas não o único, e onde se introduzam de forma integrada os diferentes elementos constituintes do fenómeno urbano a partir de perspectivas realistas. Deste modo, segundo CAMAGNI [1999], com a adopção do conceito de sustentabilidade urbana, quis-se impulsionar um projecto político, económico e cultural de amplo alcance, que seja capaz de tornar coerentes as exigências ambientais e as exigências do crescimento económico, segundo uma perspectiva de longo prazo. Puseram-se, então, em primeiro plano, os interesses das gerações futuras e não só os interesses das gerações presentes e vincularam-se os processos de crescimento económico com os limites da capacidade de reprodução da biosfera [SORRIBES et al., 2001].

No caso da sustentabilidade urbana, tal como ocorre com o conceito de desenvolvimento sustentável, também existem diferentes abordagens teóricas. Contudo, convém aclarar de antemão que, em geral, todas as definições de sustentabilidade urbana coincidem na defesa de uma perspectiva integrada na qual a sustentabilidade é definida em termos de eficiência económica, equidade social e preservação ambiental num contexto de pluralidade cultural. A equidade social deve ser o princípio e o fim último de qualquer política. Assim, a melhoria na sustentabilidade urbana só se consegue se houver uma acção coordenada em várias frentes.

Segundo CAMAGNI [1999], a sustentabilidade do desenvolvimento urbano deve entender-se como um processo evolutivo que se nutre da aprendizagem colectiva, da capacidade de resolução de conflitos e da capacidade de concepção estratégica, onde os diversos sistemas que compõem a cidade são considerados em conjunto. Este processo tem como finalidade a integração entre os diferentes subsistemas que compõem a cidade e a minimização das externalidades negativas entre os mesmos. Aspira-se conseguir, portanto, uma eficiência de retribuição a longo prazo, mediante a internalização dos custos sociais e a construção de um ‘bom mercado’ que valorize adequadamente os benefícios futuros e não só os imediatos e, também, ‘uma eficiência distributiva’, que permita ao maior número de cidadãos desfrutar das vantagens da aglomeração e da variedade de opções disponíveis. Não se trata, assinala CAMAGNI [1999], de construir a cidade da igualdade, que não é condição necessária nem suficiente para a sustentabilidade; nem a cidade sem conflitos: a cidade deve sim albergar a diversidade, deve defendê-la, integrá-la e reproduzi-la, garantindo a ausência de discriminações, a permeabilidade e a mobilidade vertical da população, a renovação das elites, uma acessibilidade mais ampla às oportunidades.

Uma cidade sustentável não é uma cidade sem conflitos, mas sim uma cidade que sabe geri-los. Além disso, aspira-se a conseguir ‘uma igualdade ambiental’ tanto no sentido inter-geracional como intra-geracional: não se trata só de incorporar valores ambientais, mas de garantir a acessibilidade e o desfruto destes por todos os cidadãos, presentes e futuros.

Neste sentido, o autor citado, entende a sustentabilidade urbana como um processo de integração sinérgica dos subsistemas que compõem a cidade e que garante à população local um nível não decrescente de qualidade de vida a longo prazo, sem comprometer as possibilidades de desenvolvimento das áreas próximas e que contribua para a redução dos efeitos nocivos do crescimento económico sobre a biosfera.

Partindo da posição do autor anterior pensamos que o desenvolvimento de cidades sustentáveis deverá ser realizado através de um ‘empreendedorismo ético’, onde as empresas actuem de forma a promover a sustentabilidade ambiental e a justiça social. De facto, se as empresas e os demais agentes tiverem uma visão estratégica de longo prazo reduzem as práticas ecologicamente insustentáveis, pois estas poderão levar à sua destruição e do meio no qual actuam. Embora a teoria económica clássica procure simplificar o comportamento humano, considerando os indivíduos somente como maximizadores do lucro [SAMPFORD, 2002], todavia, as pessoas na realidade não são tão unidimensionais.

Segundo REMESAR [2000], o desenvolvimento sustentável deve ser entendido como um vasto processo de viabilidade social. Por isso impõe um processo longo e difícil que deve conciliar interesses muito diversos (locais, nacionais, etc.), e que, ao mesmo tempo, implica uma óptica de solidariedade (‘intra-solidariedade’ – no território – e ‘inter-solidariedade’ – inter-gerações e inter-territorial). No entanto, o mercado por si só não é capaz de regular esta situação, e a sociedade civil, ao estar fragmentada numa multiplicidade de ‘localismos’ também é ineficaz.

Perante esta situação, aquele autor propõe a reconcepção de determinadas instituições, despojando-as do "aparato burocrático clássico das instituições fordistas e das novas ‘elites de especialistas’ do final do sistema industrial". Além disso, propõe, ainda, a realização da ‘coesão social’, ao considerar, também, conceitos não económicos e o princípio da subsidiaridade, através da implementação de processos de descentralização e desconcentração, aliados à reconcepção dos "processos de participação dos cidadãos alheios aos processos puramente formais da democracia representativa".

Por outro lado, EVERS e NIJKAMP [1990] entendem o conceito de sustentabilidade urbana como o potencial de uma cidade para alcançar novos níveis quantitativos e qualitativos, dentro da ordem sócio-económica, demográfica e tecnológica, de forma que, a longo prazo, se reforce o sistema e seja mais competitivo. Estes autores consideram que a principal força motriz da dinâmica urbana é a inovação. Inovação entendida não sob a perspectiva tradicional e restritiva de mudança tecnológica, mas como motor impulsionador de todo um novo leque de actividades, de estilos de vida e instituições, orientadas para superarem os problemas que cria a vida na cidade.

A União Europeia através do documento Desenvolvimento urbano sustentável na UE: um quadro de acção [CCE, 1999c], identifica os objectivos políticos do desenvolvimento urbano sustentável que devem ser alcançados de forma complementar e que se reforcem mutuamente:

  • Reforço da prosperidade económica e do emprego nas cidades: aumentando a vitalidade económica das cidades, especialmente nas regiões menos favorecidas, incentivando a inovação, aumentando a produtividade e explorando novas fontes de emprego, e a promover um sistema urbano europeu equilibrado e policêntrico;
  • Promoção da igualdade, inclusão social e regeneração nas áreas urbanas: organizando o acesso aos benefícios da maior produtividade e competitividade de uma forma justa, reduzir a exclusão social e melhorar a segurança; a exclusão é um flagelo para as suas vítimas e põe em perigo a integração social, a competitividade e a sustentabilidade das cidades;
  • Protecção e melhoria do ambiente urbano tendo em vista a sustentabilidade local e global: tornando as cidades mais sustentáveis em termos ambientais e evitar impor os custos do desenvolvimento ao seu ambiente próximo, às áreas rurais circundantes, às regiões, ao próprio planeta ou às gerações futuras;
  • Contribuição para a boa administração urbana e responsabilização local: incentivando processos de decisão e instituições urbanas inovadoras e flexíveis, que promovam uma maior participação e responsabilização dos cidadãos e uma maior integração das políticas e das acções dos parceiros públicos, privados e associativos, desde o nível europeu ao nível local, e aumentem a sinergia e cooperação entre os processos e recursos institucionais existentes.

Neste sentido, a cidade sustentável deve, em simultâneo: desempenhar um papel de promotor económico reforçando a atractividade do seu território, acolhendo empresas e melhorando a eficácia e a coerência do seu sistema de actores; ser o garante do contrato social, sendo então actor na luta contra a exclusão social (neste sentido, paralelamente às políticas de alojamento, de renovação urbana, o município deverá prosseguir, políticas de inserção profissional, auxílio aos empregos de proximidade e ao sector associativo). Por isso, as intervenções sociais, a protecção do ambiente e a promoção económica devem ser tratadas globalmente, integrando-as numa abordagem verdadeiramente sistémica. R.D. MARGERUM [1996, cit. em SAMPFORD, 2002], propõe como quadro geral para a gestão integrada de qualquer território o seguinte modelo:

Estrutura:

  1. As leis e políticas prescrevem ou permitem uma abordagem integrada;
  2. É conduzida pelos stakeholders seleccionados através de um processo considerado legítimo;
  3. Os stakeholders estão dispostos a partilhar poder e a colaborarem;
  4. Existe uma entidade que pode iniciar e organizar o processo;
  5. Existem pessoas com tempo, competências e recursos para conduzirem o processo;

Processo:

  • Os stakeholders desenvolvem processos claros e eficazes de comunicação;
  • Os stakeholders tomam as principais decisões por consenso;
  • Os stakeholders identificam e gerem os conflitos de forma eficaz;
  • Os stakeholders consultam o público em geral;
  • Os stakeholders identificam claramente os papéis e as responsabilidades;
  • Resultados:

  • Os stakeholders baseiam as decisões de gestão na investigação ou em resultados anteriores;
  • O domínio de conhecimentos sobre gestão é expandido para considerar o leque completo de factores;
  • Os stakeholders desenvolvem familiaridade, metas comuns e compreensão mútua;
  • Os stakeholders afirmam o seu papel nas actividades de gestão e são um defensor;
  • Os stakeholders desenvolvem uma estratégia atenta e flexível para conduzir a implementação;
  • Existem recursos para suportar ou induzir a implementação;
  • Os stakeholders identificam claramente os resultados e comprometem-se em atingi-los;
  • Os stakeholders desenvolvem processos de monitorização e avaliam o grau de eficácia;
  • Os stakeholders criam estruturas e mecanismos para decisões coordenadas;
  • A implementação é apoiada com os esforços de mudar o comportamento humano.
  • O objectivo de desenvolvimento sustentável implica a necessidade de um melhor controlo colectivo do desenvolvimento das cidades e a implementação de estratégias globais de acção concertadas. Esta abordagem integrada pode ser realizada através do planeamento estratégico.

    1.3.2.2.3 - Os instrumentos: a aposta num modelo de planeamento estratégico

    O planeamento estratégico urbano é um modelo interactivo, buscando estratégias revertíveis para as áreas urbanas (ou unidades territoriais mais alargadas), procurando perpetuar ou reinventar a cada momento novas vantagens comparativas/competitivas para esses territórios [NETO, 1999: 214]. Para tal, assenta, sobretudo, em análises prospectivas e de reavaliação constante e interactiva, e na reintegração dos resultados decorrentes da experiência adquirida e da aprendizagem, envolvendo a participação e a colaboração de todos os agentes localizados em cada um dos territórios de forma a criar e a potenciar as oportunidades mobilizadoras com soluções pragmáticas. No entanto, este envolvimento deve estar a montante do próprio plano estratégico.

    A partilha de uma mesma visão da cidade actual, de uma mesma escolha para o território do futuro, parece ser, por um lado, mais respeitadora dos actores envolvidos; e, de certa maneira mais democrática; por outro lado, parece ser, também, o melhor garante de uma implementação concreta e responsabilizada pelo conjunto das instituições do território considerado.

    O planeamento das cidades tende, assim, a centrar-se, cada vez mais, num ponto médio entre a realidade, em cada momento, e a conceptualização futura de cada uma das cidades ou rede de cidades. O planeamento estratégico territorial, enquanto modelo de planeamento do tipo ‘just in time’ tende o mais possível a promover o encontro destas duas realidades.

    Neste sentido, é um projecto ou programa de cidade, a longo e médio prazos, uma vez que delineia um marco geral ao qual devem circunscrever-se as políticas urbanas e estabelece um projecto de cidade pactuado pelos principais agentes urbanos públicos e privados. Além disso, e se a sua metodologia é correcta, a concepção e posterior execução do plano de cidade permitirá a implicação de todos os agentes sociais e abrir-se-á à participação pública criando uma sinergia e ilusão comuns.

    Perante as oportunidades e ameaças e mesmo que qualquer intervenção deva ter em conta a especificidade de cada centro urbano, um plano estratégico para uma cidade de dimensão média deve atender à valorização das especificidades de cada cidade, perpetuando as características históricas e promovendo a qualificação da identidade interna e a valorização da imagem e da visibilidade externa. Por outro lado, deve valorizar as potencialidades de uma escala particularmente favorável a uma gestão equilibrada entre as condições de competitividade, sociabilidade, qualidade ambiental e do património e da democracia participativa (em suma, da urbanidade e da sustentabilidade), estabelecer laços de solidariedade com os territórios envolventes, numa óptica de concertação estratégica sobre as decisões relativas à afectação de recursos e localização de equipamentos; valorizar a cooperação interurbana com vista à consolidação de sistemas regionais multipolares onde os diferentes aglomerados urbanos desenvolvam equipamentos e funções complementares; estabelecer acordos com cidades maiores a fim de lucrar com o seu dinamismo, nomeadamente nos domínios da ciência e tecnologia; participar na criação de redes europeias a fim de consolidar o entendimento e melhor se integrar no espaço europeu [CCE, 1994].

    Apesar de ser possível delinear prioridades comuns às diferentes cidades, não é possível generalizar modelos para a elaboração de um plano estratégico. Não só são diferentes e específicas as questões que se colocam, na prática, como também o contexto em que se elaboram os planos determina a sua realização, nomeadamente no que se refere ao contexto político e administrativo que é determinante na elaboração de qualquer plano de desenvolvimento. Este plano deve definir as vocações e a imagem da cidade (ou a imagem que a cidade quer projectar de si mesma), por isso, considera-se, assim, que não há uma única solução a adoptar na elaboração destes planos, mas sim princípios e modelos mais ou menos flexíveis a respeitar, os quais deverão adaptar-se o mais possível à realidade de cada cidade (este assunto será objecto de tratamento mais detalhado no segundo capítulo).

    Por último, convém fazer uma breve reflexão sobre o enquadramento das cidades de média dimensão nas políticas europeias de desenvolvimento regional.

    1.4 – As cidades de média dimensão no quadro das políticas de ordenamento da União Europeia

    O futuro do território português não pode ser concebido sem considerar a sua inserção no continente europeu, sendo necessária uma antecipação estratégica do ordenamento do território. No entanto, por agora, a União não tem competências nesta matéria. Mesmo que o art. 130(2) do Tratado da União Europeia faça referência ao planeamento regional e urbano, não existe competência da União para a coordenação global do seu território. Este planeamento tem estado implícito, fragmentado, descoordenado e disperso em muitas políticas sectoriais. Vários documentos, uns de cariz mais descritiva (geográfica), outros com um carácter de maior intervenção (planeamento), foram publicados nos últimos dez anos. Contudo, o documento de referência é o Esquema de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC) [CCE, 1999a], que define o quadro estratégico para o território da União.

    Este documento surgiu da constatação das pressões que se verificam em algumas partes da Europa no sentido de uma maior concentração das actividades económicas e o risco de não se explorar o potencial de cidades de dimensões e características diferentes. Este esquema propõe três níveis de acção: um sistema urbano mais equilibrado e policêntrico e uma nova relação entre as áreas rurais e as áreas urbanas; uma igualdade de acesso às infra-estruturas e ao conhecimento; uma gestão prudente do património natural e cultural.

    A fonte de financiamento comunitária mais importante para implementar a abordagem do EDEC é o programa INTERREG.

    Embora informalmente, o EDEC se relacione com as maiores preocupações da União, nomeadamente com a coesão económica e social, com o desenvolvimento sustentável e com a competitividade equilibrada do território europeu, tem havido dificuldades em encontrar uma concepção do território europeu que seja consensual entre os vários estados-membros.

    Por isso se escolheu a palavra ‘esquema’ ou ‘perspectiva’ que sugere mais um estudo do que um plano [ALBRECHTS, 2001]. O EDEC foi descrito como uma ‘estratégia indicativa’ que reflecte o cuidado a ter em conta na produção de qualquer iniciativa, lembrando o conceito de subsidiaridade, mantendo as identidades nacionais [SHAW et al., 1995].

    Um dos motivos da realização do EDEC, foi a constatação de que a geografia da Europa permanece bastante polarizada segundo uma configuração que opõe um centro mais desenvolvido e melhor servido a uma periferia que apresenta características inversas (além da forte polarização interna em alguns estados-membros). Metade do produto da ‘Europa dos 15’ é, assim, produzido em somente um quinto da sua superfície. O objectivo de uma Europa geograficamente reequilibrada enunciada pelo EDEC parece querer alterar a tendência pesada para a metropolização à qual muito parece estar resignada.

    O reforço das grandes metrópoles é actualmente descrito como um processo quase inevitável marcado pela persistência das forças centrípetas devido à concentração das funções globais mais vantajosas no centro europeu: a megalópole do Rhur-Randstat e as metrópoles de Londres e Paris desenham uma clássica economia de arquipélago que deixa de fora o essencial do espaço europeu intersticial. Este movimento de integração em proveito exclusivo do centro tornou-se ainda mais insuportável pela perspectiva de alargamento que verá agravar-se a oposição entre um centro dinâmico com cidades poderosas e periferias subsidiadas.

    Um tal cenário parece, portanto, mais real do que o cenário apresentado pelos mais recentes relatórios periódicos sobre a coesão, uma vez que as políticas europeias só moderadamente contribuem para a redução das desigualdades regionais, a tal ponto que a convergência não parece assegurada num futuro próximo [CCE, 2001a]. Embora a diferença de desempenho económico entre as regiões ‘ricas’ e as regiões ‘pobres’ se tenha reduzido ligeiramente, as disparidades regionais no interior da maioria dos estados-membros aumentaram consideravelmente. Neste cenário a duas velocidades, o poder económico continua concentrado na região central.

    O EDEC indica claramente o objectivo a atingir: um território europeu policêntrico. Se o cenário tendencial, por efeito da inércia, é o da concentração, outras visões mais optimistas, para as áreas denominadas periféricas, afirmam (ou constatam) que cerca de um terço da população da União vive em pequenas e médias cidades, fora das grandes aglomerações. Além disso, a história descentralizada da Europa favoreceu a formação de um poderoso sistema urbano policêntrico. Mesmo que as metrópoles de dimensão mundial como Londres e Paris e as regiões metropolitanas como o Rhur ou o Randstad conservem a sua posição de primeiro plano, novas funções e novas redes podem, contudo, ter efeitos importantes sobre a evolução de algumas cidades e regiões. Pois, cada vez mais, as cidades cooperam e unem as suas forças, desenvolvendo, por exemplo, as suas funções de complementaridade ou utilizando em conjunto equipamentos e serviços.

    Tal cooperação pode ser benéfica para o desenvolvimento regional, uma vez que melhora a oferta de serviços e as características económicas de uma dada região, aumentando desta forma a sua capacidade concorrencial.

    Existem, também, cada vez mais, experiências de cooperação entre as cidades e as regiões ao nível transfronteiriço. Todavia, a cooperação supõe parceiros iguais em direito e que disponham de competências comparáveis. Por isso, a diversidade dos sistemas políticos e administrativos pode constituir um obstáculo à cooperação, bem como o papel da distância em áreas de população dispersa, que dificulta o efeito de sinergia (ao que os autores australianos designam por ‘tirania da distância’). Além disso, as cidades deverão desenvolver novas potencialidades económicas, pois a concorrência pelos investimentos intensifica-se entre as várias entidades territoriais. As cidades e as regiões que são muito dependentes de um único sector económico, como por exemplo a administração pública, o turismo, a mono-indústria ou as funções portuárias, devem tentar alargar a sua base económica. Algumas cidades situadas em regiões rurais ou periféricas irão também enfrentar dificuldades em desenvolver a sua base económica. Contudo, existem nas regiões periféricas cidades cuja força e atractividade serão suficientes para atrair investimentos. Em particular, as cidades que desempenhem funções específicas de ‘portas’ podem explorar uma posição favorável.

    É importante que a competição entre cidades, regiões e estados-membros seja concretizada de forma compatível com os pontos de vista social e ambiental. Uma concorrência desenfreada ‘por todos os meios’ é negativa, a médio prazo, para as próprias cidades e regiões e não contribui para um desenvolvimento sustentável. Avaliar a viabilidade de uma organização policêntrica conduz ao estudo da possibilidade "de um desenvolvimento territorial equilibrado e sustentável do território da União Europeia". O conceito de policentrismo é aplicado pelos autores do EDEC a três escalas [BAUDELLE et al., 2001]:

    • A escala continental: convém "evitar o reforço de uma concentração excessiva do poder económico e da população no centro da União Europeia" buscando, por consequência, desenvolver várias áreas de integração na economia mundial fora da denominada ‘Banana Azul’ e das cidades mundiais de Londres e Paris;
    • A escala nacional e regional: supõe consolidar redes de cidades e delimitar os espaços mais dinâmicos, assim como as zonas fronteiriças, que funcionam como interfaces entre sistemas regionais, assegurando a promoção de modos de transporte e de comunicação integrados;
    • A escala local, trata-se de estruturar relações funcionais entre cidades e áreas rurais.

    O conceito de policentrismo está com efeito na moda mas não despido de ambiguidades conceptuais. Deve a sua popularidade ao facto que é sinónimo de harmonia territorial. É também reputado de melhor garantir a qualidade de vida e a preservação do património natural e cultural – que é o segundo objectivo maior do EDEC – assegurando – e é o terceiro objectivo principal – uma paridade no acesso aos recursos materiais e imateriais (nomeadamente ao conhecimento), sem lesar, portanto, a competitividade e a eficácia, pois permite escapar aos males da hiper-concentração. Se o policentrismo faz figura de modelo de equilíbrio, é também resultado de um equilíbrio entre partes, neste sentido, terá de ser fruto de um compromisso.

    A priori, a ambição de uma Europa ‘policéfala’ não é de todo aberrante, pois este continente possui uma rede urbana densa, com um sistema de cidades muito bem repartido, consequência das densidades muito elevadas e frequentemente uniformes e de uma longa história urbana. Segundo a Comissão Europeia [CCE, 1999c: 3], cerca de 60% da população da União Europeia vive em cidades com uma dimensão demográfica compreendida entre 10 mil e 250 mil habitantes, enquanto que, somente 20% da população vive em grandes cidades.

    A imagem mediatizada da ‘Banana Azul’ teria contribuído para fazer esquecer a realidade de uma Europa policêntrica. Uma tal densidade e uma tal homogeneidade da malha de cidades explica-se também pelas densidades de população rural, bem como uma urbanização histórica e uma forma de urbanidade associada [LÉVY, 1997], uma particularidade que distingue a Europa dos outros continentes. A estrutura urbana europeia apresenta, também, uma hierarquia susceptível de, satisfatoriamente, servir de apoio a uma política de redes de cidades tal como é recomendado pelo EDEC, estratégia particularmente adaptada a um espaço de abolição das fronteiras.

    A perspectiva de um reequilíbrio do território europeu é tanto mais concebível que se antevê um abrandamento da metropolização e uma nova difusão hierárquica do crescimento em proveito das cidades de menor dimensão e das áreas menos saturadas. Giuseppe DEMATTEIS [1997] identifica, assim, uma descentralização hierárquica da área central para as metrópoles periféricas, como um dos cenários possíveis da urbanização europeia. Estas mudanças nos ritmos de crescimento relativo dos níveis da hierarquia urbana podem-se explicar de várias maneiras:

    • A teoria da difusão da inovação sugere que a metropolização poderá abrandar, ou mesmo parar, se se interpretar como a primeira etapa de um ciclo de inovação vindo alargar o campo das relações interurbanas por acréscimo da velocidade das comunicações. Tudo se passa como se as maiores metrópoles, depois de terem lucrado com um ciclo de inovação materializado pela externalização de certas tarefas produtivas e a expansão correlativa dos serviços comerciais, vêem o fenómeno se difundir às outras aglomerações. Esta difusão aos outros estratos urbanos explica a recuperação de interesse da teoria do ciclo de urbanização considerada até há pouco tempo como obsoleta [DEMATTEIS, 1997].
    • Os melhores desempenhos económicos das cidades de dimensão média explicam-se também pelo forte ganho de produtividade dos estabelecimentos regionais com sede na metrópole que lucram com a difusão das economias de aglomeração por transmissão de informações, sem sofrerem, como estas cidades, com as deseconomias de aglomeração [CATIN e GHIO, 1999], que aumenta as hipóteses de desenvolvimento das cidades de média dimensão que ofereçam um bom funcionamento do mercado de trabalho e qualidade de vida.
    • Numerosos estudos teóricos realizados na Holanda, Suécia e Alemanha mostram, também, o papel crescente das amenidades residenciais na localização de algumas actividades económicas, nomeadamente as mais exigentes em pessoal qualificado [OLLIVRO e BAUDELLE, 2000]. Esta tendência deverá acentuar-se, pois, cada vez mais "o desenvolvimento pessoal prima sobre o objectivo de carreira (…), produzindo numerosos territórios" [Le BOURDONNEC, 2001, cit. em BAUDELLE et al., 2001]. A internacionalização das actividades de algumas cidades de menor dimensão permite aos quadros conciliar estas aspirações pessoais com as suas exigências de carreira.

    A metropolização não apresentaria, então, uma tendência pesada quase irreversível, mas teria sido só um momento, uma fase de crescimento urbano, talvez com tendência a abrandar nos países que encetaram a mutação do seu sistema produtivo. Alguns autores evidenciam a importância dos sistemas de transmissão da informação à distância nos processos de metropolização que acentuam actualmente o potencial de desenvolvimento das cidades de média dimensão. A desconcentração torna possível o ajustamento da localização das actividades estratégicas às preferências residenciais dos activos qualificados, o que contradiz as teorias neoclássicas puramente económicas estabelecendo uma relação mecânica entre fluxos migratórios e busca de emprego ou rendimento superior.

    Enfim, a análise empírica dos factores do crescimento metropolitano mostra que se os factores geográficos e económicos dão vantagem às grandes cidades, os factores sociais, patrimoniais, culturais, ambientais e políticos são mais favoráveis às aglomerações de menor dimensão. Ou seja, as cidades de dimensão média pelas potencialidades que detêm e pelas oportunidades que encerram, podem ser atraentes do ponto de vista económico, social e ambiental, constituindo-se como excelentes palcos para a aplicação de políticas de sustentabilidade urbana.

    Assim, as políticas futuras devem reconhecer a importância destas cidades como um vector importante no processo de ordenamento do território e uma necessidade na definição das políticas regionais, com vista a atingir a sustentabilidade à escala urbana. Os trabalhos preparatórios que inspiram a nova política de ordenamento do território europeu assentam no conceito de desenvolvimento policêntrico, ou seja, a criação de várias regiões urbanas dinâmicas com capacidade de integração à escala global, equitativamente distribuídas ao longo do território da União Europeia e que desempenharão um papel fundamental no equilíbrio espacial.

    As cidades de média dimensão que integram essas regiões beneficiarão dessa posição geográfica e integrar-se-ão em sistemas de complementaridade territorial e beneficiarão das redes de infra-estruturas de transporte, comunicações, energia e de conhecimento de carácter transnacional. Estarão nesta situação cidades na envolvente das grandes metrópoles, mas também outras cidades periféricas da Europa, que no quadro futuro poderão ser novos nós da rede policêntrica.

    As cidades intermédias localizadas em regiões urbanizadas, ou seja, as cidades que se localizam na proximidade das regiões metropolitanas ou de grandes corredores, são cidades cujos destinos dependerão da sua capacidade de mobilizar agentes e recursos.

    Quanto às cidades de média dimensão localizadas em áreas rurais, o EDEC reconhece-lhe o papel de "centros de recepção, ligação e distribuição" ao nível regional. Num sistema urbano policêntrico, as pequenas e médias cidades constituem centros de recepção e distribuição e estabelecem as ligações no território. Em áreas rurais mais marginais, só estas cidades serão capazes de oferecer infra-estruturas e serviços e se constituírem como mercados de trabalho [CCE, 1999a]. Deste modo, as opções políticas propostas visam as cidades de média dimensão como focos de desenvolvimento regional das áreas rurais e da sua integração em rede.

    As opções políticas desenhadas no EDEC para estas cidades apontam para um reforço das infra-estruturas e para uma diversificação da base económica, acções particularmente importantes para as regiões menos favorecidas. Nomeadamente empreender acções no domínio da melhoria do acesso às principais redes de transportes e comunicações europeias, através do estabelecimento de redes secundárias que liguem as pequenas e médias cidades às ‘portas’ de acesso e às cidades de maior dimensão do território da União.

    Assim, na continuidade das políticas dos anos noventa, o EDEC prevê a construção de redes transeuropeias de transportes, comunicações e de energia, que liguem as grandes regiões metropolitanas a configurar. No nível inferior propõe o desenvolvimento de redes secundárias de transportes que estabelecerão a ligação às redes transeuropeias, de forma que estas poderão beneficiar particularmente as cidades localizadas em áreas mais urbanizadas.

    Um aspecto que parece particularmente importante para a sustentabilidade urbana das cidades de dimensão média é a intenção de melhorar os sistemas de transporte público. Por outro lado, o desenvolvimento de estratégias integradas de protecção do património cultural e natural preconizadas no EDEC permitirá uma melhor preservação-valorização do património destas cidades. Além disso, para contribuir para um desenvolvimento regional equilibrado e melhorar as suas perspectivas económicas, as cidades pequenas e médias precisam de integrar as áreas rurais envolventes nas suas estratégias de desenvolvimento.

    Neste contexto, parece importante reajustar os programas de financiamento a essa necessidade de reforçar as redes de cidades e de regiões à escala europeia. O INTERREG III indicia já uma melhor adaptação das políticas às necessidades de desenvolvimento das regiões periféricas, reforçando o papel das pequenas e médias cidades como nós das redes a estabelecer.

    Outro objectivo chave proposto no EDEC é o estabelecimento de um novo quadro de relações cidade-campo. Neste domínio, entre as várias opções políticas propostas contam-se algumas que envolvem directamente as cidades de média dimensão e para elas perspectivam um futuro diferente: "a manutenção da oferta de serviços básicos e de transportes públicos nas pequenas e médias cidades localizadas em áreas rurais, particularmente nas áreas em declínio", "a promoção da cooperação entre cidades e o território rural envolvente", "a promoção do partenariado entre as pequenas e médias cidades e os níveis nacional e transnacional, através de projectos que permitam a troca de experiências" e a "promoção de redes de pequenas e médias empresas localizadas nas cidades e no campo" [CCE, 1999a: 25-26].

    As políticas preconizadas visam igualmente o aumento da competitividade económica. Esta poderá ser incrementada através da adopção de políticas de difusão da inovação e conhecimento, bem como pela introdução de novas formas de gestão do património natural e cultural, que poderão potenciar o papel de intermediação das cidades de média dimensão, nomeadamente daquelas localizadas em regiões periféricas e menos favorecidas. Neste contexto, estas cidades farão necessariamente parte de uma política de ordenamento do território europeu, contribuindo para que se atinjam os objectivos inicialmente propostos: competitividade económica, coesão económica e social e desenvolvimento sustentável.

    1.5 – Síntese dos desafios que enfrentam as cidades de média dimensão

    A cidade de média dimensão não se pode definir somente pelo tamanho da sua população, tanto ou mais importante é a sua posição: o papel e a função que a cidade desempenha no seu território mais ou menos imediato, a influência e relações que exerce e mantém dentro deste e os fluxos e relações que gera para o exterior. Num contexto de mudança e por isso de incerteza, o modelo de organização urbana hierarquizado não se revela como modelo adequado às actuais dinâmicas territoriais e produtivas. Donde o surgimento da perspectiva que aponta para o aproveitamento dos factores endógenos e potencialidades evidenciadas pelas diversas regiões, bem como a evidência de que as cidades de média dimensão constituem formas de organização que melhor respondem aos desafios decorrentes da globalização e da crescente competitividade. A globalização da economia tem redefinido as relações e posições dentro da hierarquia urbana, alterando o papel das cidades de dimensão média, não existindo, então, nenhum fatalismo que conduza a uma marginalização crescente destas cidades [FERRÃO et al., 1994]. De facto, não existem fatalidades quanto ao desenvolvimento, mas sim vontades que podem, a prazo, alterar o rumo de um dado território.

    Neste processo, a capacidade de resposta das cidades é tanto maior quanto mais favoráveis forem as condições para a produção e difusão de inovações. Desta forma, é necessário combater todo o tipo de inércias que possam impedir o desenvolvimento das cidades de média dimensão, formulando políticas inovadoras de planeamento urbano e desenvolvimento regional que se oponham às tendências recentes de polarização favoráveis às grandes cidades.

    De facto, cabe às cidades de média dimensão uma função dupla, que assenta no desenvolvimento e consolidação como locais inovadores e competitivos e, por outro lado, a de coesão territorial e social, privilegiando as relações de interdependência com o território envolvente. Assim, estas cidades têm um importante papel na estruturação do território, permitindo descongestionar as áreas densamente ocupadas.

    Além disso, enfrentam ainda o desafio de alargar a democracia e a responsabilização local e de levarem todos os interessados a participar na formulação e aplicação de estratégias urbanas integradas com vista ao desenvolvimento sustentável, uma vez que a segregação funcional e as especializações tradicionais dos vários departamentos conduzem, muitas vezes, a respostas ineficazes e ineficientes.

    Todavia, necessitam de se tornar mais imaginativas e inovadoras na forma como procedem ao financiamento do investimento económico, ambiental e social, sendo necessárias novas abordagens para resolver esses problemas multidimensionais, interligados e interdependentes.

    O planeamento estratégico surgiu como um instrumento de desenvolvimento urbano integrado capaz de dar resposta rápida àqueles desafios. Num contexto de mudanças e incertezas, reconhece-se que é preferível, de forma pró-activa, atacar as condições e factores susceptíveis de constituírem estrangulamentos ao desenvolvimento urbano, em vez de adoptar soluções de defesa contra as suas consequências.

    A cidade é interpretada segundo as perspectivas da organização empresarial, onde é obrigada a competir, para se modernizar e desenvolver, com outras cidades (ou sistemas urbanos). De acordo com esta perspectiva, as cidades são, à semelhança das empresas, encaradas como estruturas que se organizam de forma mais ou menos complexa, no sentido de, através da realização dos objectivos a que se propõem os agentes e forças dinâmicas, assegurar o desenvolvimento sócio-económico.

    "Em suma, responder a desafios económicos, sociais e ambientais complexos e interligados exige uma resposta política estratégica e institucionalmente integrada, em que todos os interessados partilhem as responsabilidades pela formulação e aplicação de soluções trans-sectoriais. A flexibilidade e o trabalho em parceria são indispensáveis. É este o desafio da administração urbana" [CCE, 1999c: 40].

    2 – O planeamento estratégico como instrumento de desenvolvimento de cidades de média dimensão

    Como foi salientado no primeiro capítulo, vive-se um contexto de mudança, conhecendo as cidades mutações aceleradas. Estas mutações afectam o clima económico, a vida social e a organização das instituições. Perante tais mudanças, os sistemas de planeamento territorial, até aqui centrados na organização do território, na gestão da ocupação do solo, na regulamentação das relações complexas entre os diferentes objectivos das políticas públicas locais e no cumprimento do direito do uso do solo [HEALEY, 1995b], são obrigados a encarar o território de uma forma mais dinâmica, concebendo políticas estratégicas de desenvolvimento. Assim, actualmente, a ‘cidade’ não é só uma realidade, é também um projecto, significando, ao mesmo tempo, sustentabilidade ambiental, coesão social, governância democrática e expressão cultural. Neste contexto, entende-se o planeamento como a representação e construção do futuro desejado.

    Neste segundo capítulo, apresentam-se os conceitos, princípios, modelos, teorias e métodos relativos ao planeamento estratégico de cidades de média dimensão.

    2.1 – O processo de planeamento estratégico: princípios teóricos

    Nos últimos anos, o processo de planeamento tem sido criticado por excluir as populações locais da sua formulação e execução. Tendo-se argumentado que seria mais democrático e mais eficiente em incluir o maior número de participantes [BEARD, 2002]. O recente deslize para a crescente inclusão resultou em mudanças epistemológicas e metodológicas dentro do campo do planeamento. As mudanças epistemológicas significam uma aceitação crescente de outras formas de conhecimento, enquanto que as mudanças metodológicas significam que o planeamento actualmente tem em consideração processos informais que caiem fora do planeamento regulado pelo Estado.

    O planeamento deslocou-se, então, de um campo que só valorizava o conhecimento de profissionais qualificados para outro que também valoriza o conhecimento incorporado nos movimentos sociais. Argumenta-se que se o processo de planeamento não tiver uma ligação com a sociedade real e os seus projectos, corre o risco de se transformar num jogo de equívocos que vão danificando a capacidade de imaginar e realizar oportunamente o futuro.

    2.1.1 - Dinâmicas urbanas e evolução do planeamento urbano e do urbanismo

    A epistemologia da teoria do planeamento foi recentemente desafiada pela diversidade cultural, pelo fortalecimento da sociedade civil e pelas críticas de natureza filosófica emergentes das tendências pós-modernas desconstrutivas e pluralistas [McGUIRK, 2001]. Do mesmo modo, a cidade é confrontada com um complexo conjunto de incertezas e mutações aceleradas, como anteriormente foi explicitado, por isso, o futuro é cada vez mais imprevisível.

    Para enfrentar tais incertezas é necessário definir mecanismos de controlo por forma a tornar o futuro mais previsível e conduzir as acções isoladas dos vários agentes que fazem a cidade. Além disso, se a natureza fundamental da mudança é a descontinuidade, então o planeamento não pode mais estar acomodado ao estudo das tendências e ao exercício das extrapolações [PADIOLEAU e DEMESTEERE, 1991].

    Os sistemas de planeamento das cidades e o urbanismo, tal como a concepção de urbano, têm assumido características diferentes, quer em termos de conteúdo, quer em termos de instrumentos, quer mesmo em termos de escala, ao longo das últimas décadas.

    2.1.1.1 - Do modernismo ao pós-modernismo

    A cultura modernista que vigorou durante a primeira metade do século XX, teve reflexos em todos os sectores da sociedade. O modernismo pode ser compreendido como um processo no qual os subsistemas operam crescentemente de forma independente através da diferenciação, racionalização e integração [WIGMANS, 2001]. Segundo este autor, a diferenciação é um processo de especialização de sistemas através da qual podem adaptar-se melhor às circunstâncias, permanecendo internamente coerentes. Um exemplo foi a expansão do estado-providência que, através da burocracia governamental se pôde especializar em termos funcionais. A racionalização implica, entre outras coisas, uma extensão do controlo e da supervisão. Aliado ao conceito de racionalização está o conceito de eficiência, que significa, simplesmente, a escolha do caminho mais curto ou dos meios menos onerosos para atingir um dado fim. Diferenciação, especialização e racionalização foram combinadas no processo de burocratização. Este constitui uma das dimensões mais importantes do processo de modernização [FRISSEN, 1996, cit. em WIGMANS, 2001]. Segundo Habermas a especialização crescente conduziu a uma situação onde não existe um diálogo crítico e informado entre as ciências. Desta forma, o pensamento toma a forma de uma concepção irreflectida (positivista) e inexperiente do método científico por um lado, e por outro, deu origem a várias formas de subjectivismo, relativismo ou persuasão extremamente irracionalista (dando origem aos regimes políticos totalitários).

    A partir de meados do século XX, caminhou-se cada vez mais para uma cultura pós-moderna. O conceito de ‘pós-modernismo’ é complementar ao conceito de ‘modernismo’. O pós-modernismo é a extensão radical de duas tendências do modernismo [WIGMANS, 2001]: por um lado, a contínua diferenciação e especialização cria um tal nível de complexidade que aparecem problemas de integração (tal como a extensão do estado-providência e o aumento da diversidade dos serviços prestados). Por outro lado, a racionalização que ao induzir um tal nível de organização, aparecem contradições internas no processo de diferenciação [CROOK et al., 1996, cit. em WIGMANS, 2001]. Consequentemente, o pós-modernismo é um processo que mostra a continuidade com o processo de modernismo: é a radicalização de algumas tendências existentes dentro dele, tais como a crescente imprevisibilidade, descentralização, desconcentração e fragmentação (hiper-diferenciação como a extensão radical da diferenciação), como resultado, o modernismo começa a contradizer-se a ele próprio. Neste processo, a diferenciação conduz à fragmentação e a possibilidade de um único centro de regulação desaparece.

    Quadro II.1 Modernismo vs. Pós-modernismo

    Modernismo

    Pós-modernismo

    Hierárquico; Regulação

    Rigidez; Homogeneidade

    Uniforme; Previsibilidade

    Diferenciação

    Concentração

    Metateoria

    Representação

    A cidade ‘assistida’

    Abordagem territorialmente integrada

    Centralização

    Cidade: unidade de consumo colectivo

    Controlo de contingências

    Governância clássica (governo)

    Horizontal; Desregulação

    Flexibilidade; Heterogeneidade (diversidade)

    Pluriforme; Imprevisibilidade

    Hiper-diferenciação/fragmentação

    Dispersão

    Jogos de linguagem

    Auto-referência

    A cidade ‘empreendedora’

    Abordagem liderada pelos projectos

    Descentralização (e competição inter-urbana)

    Cidade: permite a escolha de localização

    Aceitação da contingência

    Governância contingente

     

    Fonte: WIGMANS [2001: 205].

    A mudança do modernismo para o pós-modernismo alterou o papel que o planeamento pode desempenhar na sociedade, ecoando novos conceitos e novas práticas (Quadro II.1): a disciplina de planeamento sofreu uma perda de direcção [GOODCHILD, 1990]; as ferramentas foram reconcebidas e ajustadas aos desafios da sociedade actual, por isso, a educação dos planeadores urbanos na idade da informação tem de ser repensada [CASTELLS, 1998].

    2.1.1.2 - Do planeamento racional ao planeamento estratégico

    Na Europa, de uma forma geral, durante a primeira metade do século XX, num contexto de industrialização, de expansão económica, no qual o crescimento da população se registava ainda de forma moderada e onde predominava a ‘cultura modernista’, o desenho da cidade era feito a uma escala consideravelmente vasta e as preocupações incidiam predominantemente sobre o ordenamento do espaço físico e a localização das grandes infra-estruturas viárias e equipamentos colectivos. Da década de 1950 à década de 1970, este modelo continuou a vigorar embora com pequenas alterações.

    Nesta fase foram tidos em conta aspectos da dinâmica urbana que continham as previsões do crescimento populacional, habitação, emprego e deslocações; este planeamento caracterizava-se sobretudo pelos ‘plans directeurs’ ou ‘masters plans’, cujo elemento fundamental era o mapa de zonamento que delineava a ocupação do solo, e que funcionava como referência para acções futuras. Desta forma, a política urbanística orientou-se, sobretudo para a regulação física da expansão urbana. Em pleno período fordista, as cidades dilatavam-se, traduzindo-se no seu crescimento centrífugo.

    Em termos de política urbana correspondeu a um aprofundamento da intervenção pública nas cidades, especialmente naquelas onde mais se evidenciou o crescimento económico e do emprego. Pois, com o estado-providência, esperava-se que o estado conduzisse o desenvolvimento segundo uma concepção global e unitária de interesse público, como tal agia enquanto fornecedor de um quadro de coordenação estável para a tomada de decisões de investimento [BATLEY e STOKER, 1991].

    É a época de ouro dos planos, nas suas várias vertentes, enquanto instrumentos de regulação do uso do solo e de infra-estruturação básica, de enquadradores urbanos das políticas sociais e de previsão das infra-estruturas e sistemas de transporte que dariam resposta à coesão funcional da cidade ‘explodida’.

    Este planeamento era um processo bem ordenado e escalonado, onde cada passo representava uma tarefa específica [KHAKEE, 1998]. Baseava-se na racionalidade instrumental, embora os decisores decidissem os objectivos e colocassem questões acerca das medidas políticas aos planeadores profissionais e outros peritos que então formulavam propostas de plano alternativas. Deste modo esta epistemologia produzia uma prática de planeamento onde o conhecimento era construído, predominantemente, através de análises técnico-científicas e lógica dedutiva [McGUIRK, 2001] e através do privilégio daqueles que possuíssem essas formas de conhecimento ou raciocínio. Todas as outras formas de conhecimento e sistemas de valores eram excluídos desta prática (experiência, local, intuitivo, tácito e conhecimento expressivo que se baseasse no domínio estético ou moral em vez de unicamente o domínio da lógica científica e empirismo) [HEALEY, 1997; INNES, 1998].

    Assim, o plano segue, neste modelo, princípios racionalistas e apoia-se, sobretudo na capacidade de investimento público, pois, visava-se encorajar o crescimento económico e promover uma melhor distribuição dos benefícios do crescimento, especialmente, organizando o modelo de crescimento urbano. Tinha a obsessão de organizar os procedimentos de planeamento de um ponto de vista racional [MOTTE, 1997b], havendo para tal uma separação nítida entre a esfera pública e a esfera privada [HEALEY, 1997b]. Pretendia-se um plano sinóptico, geral, de prazo de execução alargado, capaz de prever as dinâmicas territoriais e usando uma filosofia de intervenção de tipo normativa, tecnocrática, rígida e com um quadro regulamentador claro.

    O urbanismo produziria, assim, o quadro territorial do desenvolvimento, focalizando-se, no entanto, em acções de política distributiva, orientadas por critérios de equidade e de intervenção sobre as desigualdades e tensões sociais e territoriais originadas pelo crescimento económico (o estado-providência). A definição das necessidades era tomada analiticamente em vez de se recorrer à discussão formal com os cidadãos e empresários, além disso, havia uma grande evidência da influência informal de certos interesses particulares [CASTELLS, 1977, cit. em HEALEY, 1997b].

    O zonamento, resultante da Carta de Atenas, como critério de uso do solo e como instrumento produtor da forma urbana constituiu o instrumento central desta prática de planeamento urbano. A dimensão física do plano sobrepôs-se completamente a outras formas de intervenção sobre a cidade. Em matéria mais directamente relacionada com a esfera produtiva, o plano racionalista concentrou-se sobretudo na produção e na localização de solo industrial e na construção de infra-estruturas logísticas e energéticas. A criação destas externalidades territoriais constituiriam um capital fixo muito importante para permitir a atractividade e a expansão do investimento. A indústria era considerada o grande motor do desenvolvimento, da criação de emprego e, por isso, também, do desenvolvimento urbano.

    Durante as décadas de 1970 e 1980, no advento do período pós-moderno, as cidades dos países desenvolvidos foram marcadas por um crescimento mais lento (em termos populacionais e económicos), dando azo a novas preocupações, como a introdução de novas tecnologias, o acréscimo de concorrência entre as cidades e as questões relacionadas com o ambiente.

    Estas características distintas estão relacionadas directamente com mutações no ambiente sócio-económico. À crise estrutural internacional do início da década de 1970, estão associadas profundas transformações sócio-económicas e políticas, que advêm da ruptura do regime de acumulação fordista e da crise do estado-providência.

    Além disso, durante os anos 1980 deslizou-se para uma agenda política neoliberal, as finanças públicas foram seriamente afectadas encorajando um partenariado acrescido entre o sector privado e o sector público.

    Face à imprevisibilidade daquelas mudanças, os instrumentos e as políticas normativas típicas do plano racionalista entram em crise.

    Ora, o planeamento urbano vê-se, assim, confrontado com a emergência de novos desafios, para os quais os instrumentos e políticas tradicionais se revelam incapazes de dar resposta, de forma que se levantou uma série de críticas ao planeamento físico urbano, pois chegou ao ponto de ser inoperante em muitos casos, não considerando as dinâmicas económicas e sociais que permitiria a sua implementação sob a forma de projectos [BORJA e CASTELLS, 1997]. Além disso, têm dificuldade em controlar as forças externas ao processo, assimilando lentamente as novas tecnologias, desconhecendo a evolução dos processos sociais e tendo dificuldade em integrar de forma eficiente equipas interdisciplinares.

    Por outro lado, os planos racionais foram criticados dado que incorporavam modelos de "comando e controlo" [HEALEY, 1997a], onde se esperava que o sector público tivesse o poder e os recursos para regular e empreender o desenvolvimento de tal forma que pudesse comandar as acções e controlar os resultados, em vez de facilitarem o mercado livre, e que tinham tido um efeito negativo ao conterem o desenvolvimento quando a necessidade era de terem uma atitude pró-activa perante o mesmo. Como as novas políticas económicas visavam, a todo o custo, resolver a situação do desemprego galopante através do fomento à criação e fixação de empresas, os sistemas de planeamento que surgiram na década de 1980 foram construídos de uma forma mais aberta, integrando novos actores, caminhando-se para a racionalização dos processos de tomada de decisões [MOTTE, 1997b], mas onde o sector público tinha mais interesse em permitir o desenvolvimento do que em regulá-lo [MOTTE, 1995a].

    Desta forma, foi introduzida flexibilidade no sistema através de um processo geral de desregulação tendo os planos enfraquecido quer em conteúdo quer em estatuto, tendo o planeamento urbano, em muitos países, deslizado da formulação de planos para a promoção e realização de projectos [NEWMAN e THORNLEY, 1996], promovendo, assim, a realização de operações fragmentadas nomeadamente de projectos de investimento em infra-estruturas, parques industriais e novos alojamentos [HEALEY, 1997a], onde se dava ênfase à negociação individual desses projectos. Dando, então maior relevância aos projectos do que às estratégias de conjunto sob a forma de planos. Pois, as políticas, normas e modelos contidos nos planos eram frequentemente ignorados ou superados.

    Muitos argumentavam que era uma tendência desejável, oferecendo flexibilidade e sensibilidade para as necessidades individuais dos actores. Assim, esta abordagem negociativa levantava questões de justiça e de legitimidade quanto à forma de selecção dos actores. O critério utilizado era a busca rápida do consenso, para tal era envolvida uma elite restrita, onde só alguns dos agentes interessados eram envolvidos. Pois só os que tinham mais voz e recursos podiam exercer poder na mesa de negociações [HEALEY, 1997b], todos os outros eram esquecidos ou afastados. Caminhou-se, neste sentido, para o corporativismo, dado que o acesso ao processo de tomada de decisões não estava equitativamente distribuído entre as partes interessadas, sendo favorecidos aqueles que estivessem melhor organizados e fossem mais influentes.

    Frequentemente, este novo tipo de política urbana traduz-se em intervenções fragmentadas e emblemáticas, que correspondem a ‘projectos de arquitectura urbana’ (um urbanismo ‘por projectos’), muitas vezes descontextualizados de uma intervenção articulada ao nível da aglomeração urbana no seu conjunto.

    Assim, as abordagens baseadas nos projectos sobrepuseram-se ao planeamento formal, ajustando-se ao complexo jogo de pressões políticas e do mercado, gerando incerteza e reduzindo a confiança nos políticos ao proporcionarem e permitirem práticas corruptas. Desta forma, essas pressões encorajaram o abandono dos planos e das políticas públicas como quadros directores, pois tinham-se tornado inflexíveis ou ultrapassados. Assim, no início da década de 1990, por todo o lado surge a exigência crescente dos cidadãos serem envolvidos nos processos de planeamento e uma maior aderência aos planos, bem como o difícil desafio de combinar os objectivos do desenvolvimento económico com os da sustentabilidade ambiental e equidade social. Só assim, através do plano se limita a tomada de decisões arbitrárias por parte das autoridades de planeamento, bem como se evitam situações de corrupção e de favorecimento pessoal.

    Durante a década de 1990, o desenvolvimento urbano esteve marcado por uma dialéctica de contrários. Com efeito, ao mesmo tempo que se aceleravam as mudanças impulsionadas pela crescente hegemonia do modelo neoliberal, baseado na concorrência, tenta-se legitimar o discurso de um planeamento territorial baseado na participação, no consenso e na cooperação, tendo ganhado força a ideia de que a requalificação dos centros urbanos, as suas obras de infra-estruturas e, em geral, as actividades que aí se desenvolvem, requerem acções conjuntas entre actores públicos e privados, onde as autoridades municipais desempenham um papel de relevo, pois a combinação das pressões fiscais no sector público e a força de alavanca da filosofia política neoliberal conduziram a novas relações entre o sector público e o sector privado [HEALEY, 1997a].

    De forma que as cidades têm de encontrar formas de desenvolverem a sua base económica de forma pró-activa. Além disso, a crescente influência política do movimento ambiental e um vasto conjunto de outros grupos de pressão focaram de forma crescente a importância do impacte dos projectos, bem como do seu enquadramento com a envolvente.

    2.1.1.3 - Rumo a uma nova governância urbana

    Através da descentralização das competências, os governos locais têm novas atribuições, nomeadamente a ênfase na promoção do desenvolvimento em vez de "comandarem e controlarem" [HARVEY, 1989], tornando-se mais pró-activos e "empreendedores" [HEALEY et al., 1997]. O peso crescente dos movimentos sociais e dos agentes de desenvolvimento económico na tomada de decisões, o agravamento da componente de rivalidade entre cidades [FERNÁNDEZ GÜELL, 2000], o aumento das pressões para melhorarem as qualidades ambientais e sociais das cidades e as dificuldades financeiras dos governos locais e centrais, bem como a generalização da filosofia política neoliberal, conduziram as políticas de desenvolvimento e ordenamento urbano a envolverem empresas e instituições diversas no financiamento, concepção e execução de políticas. Este processo conduziu a um novo estilo de governância urbana, onde têm lugar parcerias diversas e processos de colaboração entre vários parceiros.

    A exigência por uma maior transparência obriga a que os processos de planeamento urbano sejam elaborados e executados por um grupo alargado de técnicos e agentes económicos e sociais. Evitando, pois, um ambiente de obscurantismo e discrecionalidade dificilmente admissível numa sociedade verdadeiramente democrática. Segundo Y. STOURDZÉ [cit. em LYOTARD, 1989], o facto de a tendência actual para desregular, desestabilizar e enfraquecer a administração pública é fomentado pela perda de confiança da sociedade no desempenho do estado.

    Assim, a generalização da filosofia política neoliberal conduziu a um novo papel do governo bem como a novas relações com o sector privado e os cidadãos: passou-se de um governo prestador de bens e serviços para a adopção de um papel pró-activo e mediador fornecendo um quadro dentro do qual as empresas e outras instituições prestam serviços e promovem o desenvolvimento; passou-se de um governo formal integrado para uma fragmentação das tarefas entre diversas instituições – públicas, privadas, mistas, intermédias, donde o aparecimento do termo ‘governância’; de uma clara separação entre sectores público e privado para novas formas de partenariado entre os sectores público e privado, entre o estado e o mercado e entre o sector público e os cidadãos [HEALEY, 1997a]; do domínio dos ministério centrais para os governos regionais e locais (regionalização/descentralização); de formas de organização hierárquicas e burocráticas para formas de governância pró-activas e interactivas, negociadas e contratualizadas.

    A mudança de relacionamento entre o sector público local e o sector privado e a adopção de práticas do sector privado através de formas mais empreendedoras pela intervenção do sector público ilustram a mudança do ‘governo’ para a ‘governância’, observando-se uma mudança nas formas de governação territorial. O sector público passa a ter características normalmente atribuídas ao sector privado. Risco, inovação, promoção e motivação para o lucro são alguns dos sentidos da governância territorial e urbana.

     

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