A consolidação da antropologia na Austrália

Segundo Hamilton (1982:91), o desenvolvimento da antropologia como um sistema de conhecimento dentro das Universidades australianas, ocorreu através de um encontro incômodo entre as tradições intelectuais britânica e norte-americana e somente a partir da década de 1970 surgiu a possibilidade de um estilo de antropologia autenticamente australiano e um esforço para adotar um ponto de vista local e não colonial (Hamilton, 1982:103). Hamilton, ao caracterizar a história da Austrália como a apropriação da terra em nome da coroa britânica, o extermínio de populações aborígines no litoral, o agrupamento dos sobreviventes em instituições e a aplicação de políticas de assimilação, ressalta a questão do colonialismo, em que os aborígines foram considerados como se fossem cidadãos britânicos desde o início. Assim, os esforços dos aborígines para se opor à conquista dos seus territórios e para sobreviver foram definidos como atos criminosos e não como conseqüências de uma guerra. Foram confrontados pela polícia e não por exércitos, como ainda acontece com freqüência (Ibid.:91-92).

Em 1955 o primeiro programa de doutorado foi estabelecido na Faculdade de Letras da Universidade de Sydney (Hamilton, 1982:99). Entre os primeiros candidatos eram J.H.Bell, M.Calley e M.J.Meggitt. Nos fins da década de 1950, o Departamento de Antropologia da Universidade de Sydney já tinha alguns professores doutores da Australian National University, entre os quais, Jeremy Beckett, Les Hiatt e Michael Allen.

Hamilton (1982:100) lembra que no início da década de 1960, período em que ela cursava a graduação, houve um influxo de modas na antropologia, desde a ecologia e o neoevolucionismo dos Estados Unidos ao estruturalismo levi-straussiano da França. A influência da moda de "caçadores e coletores" repercutiu-se na Austrália, com a construção de uma imagem antropológica dos aborígines como o protótipo sociológico, ecológico e evolucionário de caçadores e coletores. Uma imagem que ainda persiste nos trabalhos de alguns antropólogos.

Jeremy Beckett (1988a:192), um dos primeiros etnólogos a romper com as abordagens tradicionais de organização social e parentesco, qualifica o caráter colonial da situação dos aborígines na sociedade australiana como "a de uma minoria controlada por estruturas institucionais especializadas". A própria trajetória acadêmica de Beckett, nascido na Inglaterra, revela sua insatisfação com a etnologia indígena que ele encontrou na Austrália no início da década de 50. Suas intenções de realizar pesquisa para o doutorado na Nova Guiné foram impedidas pelo governo, que alegou, como pretexto, o seu envolvimento anterior com partidos políticos da esquerda. Face a esse impasse, Beckett escolheu como objeto de estudo populações aborígines na região pastoril do oeste do estado de Nova Gales do Sul. Comenta que nessa época sua pesquisa não foi considerada como pesquisa séria por ser em "settled Australia", onde se achava que não havia aborígines "tradicionais" que merecessem ser estudados. Beckett, insatisfeito com as linhas teóricas da época, abordou questões como o consumo de bebida alcoólica por aborígines como forma de resistência à colonização européia. Passou logo a realizar pesquisas com os ilhéus do Estreito de Torres, inspirado por noções como a de colonialismo interno, e, após uma longa trajetória teórica em que não encontrou na maior parte da antropologia britânica subsídios para sua pesquisa, passou pelos Estados Unidos, desenvolvendo uma abordagem que focaliza o contato interétnico e a questão da política indigenista.

Nas palavras de Beckett: "Eu lia tudo (da antropologia britânica da época), tentei aplicar seu método, usei histórias de vida... mas, no final das contas, a sociedade que pesquisava estava em mudança constante. O paradigma dos antropólogos influenciados por Gluckman era estático...fiquei profundamente insatisfeito". Beckett relatou que, após procurar idéias nas obras de Julian Steward, Oscar Lewis, Robert Redfield e outros, ele encontrou inspiração nos trabalhos de Eric Wolf, indo à City University em 1968, onde o seu interesse antigo no marxismo foi ressuscitado, embora um marxismo soft. Foi inspirado também pelos trabalhos de Rodolfo Stavenhagen e Pablo Casanova.

Também na década de 50, no Brasil, Roberto Cardoso de Oliveira, por outros caminhos, estava formulando sua teoria de "fricção interétnica". Cardoso de Oliveira, envolvido na formulação da política indigenista, convidado por Darcy Ribeiro para trabalhar no Serviço de Proteção aos Índios, procurava dar conta da ideologia nacional e a realidade dos índios. Através do conceito de "fricção interétnica", Cardoso de Oliveira foi obrigado a confrontar as idéias, arraigadas à definição das ciências sociais, de que a sociologia é o estudo da sociedade nacional enquanto a antropologia é o estudo dos "outros", o que levou a sua oscilação entre a sociologia e a antropologia (Peirano, 1981:160-161). Peirano argumenta que o fato de que o índio é visto como "diferente" e "oprimido" explica porque a abordagem de "fricção interétnica" nunca resolveu a questão de se este era assunto da antropologia ou da sociologia (Ibid.).

Mais tarde, com os trabalhos de Otávio Velho, abriu-se uma nova perspectiva na antropologia no Brasil com seu enfoque no estudo do estado-nação (Peirano, 1981:164) e, "apesar de esforços para incorporar o tema do índio à disciplina, o índio permaneceu sempre o `outro' que é `diferente'" (Ibid.:167). A premissa de homogeneidade, um dos princípios básicos da construção da nação brasileira, não encaixou no caso dos índios e, não podendo ser incorporados como parte de um "nós" nacional, foram excluídos como os "outros diferentes" (Ibid.:168). Peirano acrescenta que, na antropologia que se faz no Brasil, a preocupação com o destino dos índios nunca desapareceu, e que os antropólogos se preocupam com os índios no seu papel, no dizer de Peirano, de "intelectuais".

Na década de 50, a antropologia nos dois países foi definida em grande parte como o estudo de populações indígenas, embora, na Austrália, diferente do Brasil, essa definição incluísse as populações indígenas de outros países da Oceania e do sudeste da Ásia, sobretudo da colônia australiana de Nova Guiné. Comparando as trajetórias acadêmicas de Roberto Cardoso de Oliveira e Jeremy Beckett, ambos tiveram importante papel na definição dos rumos que tomou a etnologia indígena, em seus respectivos países.

Uma observação de Mariza Peirano ajuda a esclarecer o imenso impacto do trabalho de Roberto Cardoso de Oliveira, não somente na etnologia indígena, mas no estilo de antropologia que se faz no Brasil, diferente do caso de Beckett, cuja influência se limitou mais à área de etnologia indígena sobre populações aborígines no continente australiano.

Além do fato histórico que a antropologia que se fazia no Brasil das décadas de 50 e 60 era definida como o estudo de índios no território brasileiro, enquanto a antropologia que se fazia na Austrália já abrangia outras regiões do mundo, o estudo de aborígines (os "nossos" outros) no continente australiano sendo considerado inclusive como uma área de menos prestígio, há ainda outra explicação.

O antropólogo no Brasil era parte de uma elite que se definia como o grupo "intelectual" do país que adota uma abordagem crítica à sociedade brasileira (Peirano, 1981:174-175). Citando Antônio Candido, Peirano argumenta que, no Brasil, há uma consciência de que, ao escrever, o antropólogo como intelectual e cidadão engajado, está contribuindo para a construção da nação. Como mostra Peirano, essa idéia, que "em contraste com o intelectual europeu ... para quem o compromisso com questões nacionais não é tão acentuado" (Ibid.), fazia parte da vida intelectual no Brasil, apesar de não ser sempre consciente no pensamento dos antropólogos brasileiros. Como mencionei acima, na Austrália, nessa época, de tradição antropológica em grande parte britânica, não havia uma identificação consciente do antropólogo com um papel de nation-building, a questão nacional tomando um lugar destacado na vida intelectual do país a partir do início dos anos 70 (Peterson, 1990:16), e de uma forma muito diferente da ideologia da construção da nação que Peirano indica no caso do Brasil.

Beckett, em trabalhos recentes, observa que os aborígines, apesar de legislação diferente em cada estado australiano e no Território do Norte, foram sujeitos a pressões unificadoras a partir da década de 1930, muito antes que o governo federal tenha adotado assuntos aborígines como uma questão nacional, em 1973. Quando os aborígines começaram a participar do processo da construção da aboriginalidade pública, o Estado os incorporou nas suas estruturas, quando não os cooptou. Beckett frisa que "a construção da aboriginalidade pública deve ser examinada no contexto da formação de uma colônia britânica na era do imperialismo europeu, e a construção de um estado-nação semi-periférico num período da política de superpotências, comércio transnacional e cultura de massa" (1988a:193). Chama atenção a maneira de gerenciar a administração indigenista a nível nacional para colocar o assunto num contexto político mais amplo de movimentos como o pluriculturalismo e o ambientalismo, populares entre o eleitorado e entre a nova geração de funcionários do governo em assuntos indigenistas.

Beckett (1988b) examina a relação entre aboriginalidade, cidadania e o Estado, usando a noção de "welfare colonialism" (Colonialismo do Estado promotor de Bem-Estar Social) apresentada por Robert Paine para descrever a situação dos povos indígenas do Canadá (1977). Justapondo termos que implicam o reconhecimento de cidadania (acesso ao sistema de previdência social do Estado) e sua negação (colonialismo), Paine a considera uma política que é contraditória e instável, em que os colonizadores tomam as decisões que controlam o futuro dos colonizados. Porém, as decisões são tomadas (com ambigüidade) em nome dos colonizados mas no interesse da cultura dos colonizadores (e das suas prioridades políticas, administrativas e econômicas). Faz parte da prática política de um estadonação liberal e democrático, que visa manter uma certa harmonia social e eqüidade interna, e uma aparência de integridade moral. Conforme Beckett, o welfare colonialism surge quando o Estado se encontra constrangido em assuntos internos e externos pela presença de uma população indígena que se tornou minoritária no processo de colonização e que o Estado não pode dissolver simplesmente pela declaração de sua cidadania. A expropriação e a marginalização, conseqüências do colonialismo, produziram um nível de pobreza que a capacidade do mercado e o sistema de previdência social não conseguem eliminar. As medidas necessárias exigem recursos do Estado que são reivindicados por outros fins.

Os colonizadores tomam as decisões sobre assuntos aborígines, porém não podem mais impô-las arbitrariamente. Outra característica contraditória do welfare colonialism é a necessidade de conseguir o consentimento dos colonizados como prova da sua cidadania. A freqüente fragmentação política dos colonizados leva o Estado a criar canais de expressão política e a articular as aspirações indígenas. Um burocrata governamental aborígine nota uma tendência recente para uma aceitação passiva dos atos dos governos estaduais e federal e um espaço cada vez mais reduzido para a expressão política dos aborígines dentro da estrutura burocrática governamental.

A questão da imagem nacional da Austrália no exterior com relação às populações aborígines tem se tornado um foco de atenção nas últimas duas décadas e atualmente está freqüentemente ressaltada pela imprensa. Para citar apenas alguns exemplos, em 11/3/92, uma matéria no jornal The West Australian divulga que um relatório do governo dos Estados Unidos da América criticou o que chama a falta de esforços por parte do governo australiano para diminuir o índice de encarceramento de aborígines, novamente colocando esse assunto sob o enfoque internacional. Em 4/4/92, o jornal The West Australian publicou uma matéria sobre declarações do ex-chefe do Departamento de Relações Exteriores, afirmando que a Austrália não deve condenar as violações de direitos humanos em outros países quando há problemas parecidos com o tratamento de aborígines na própria Austrália. Essas declarações foram feitas num apelo para criar um consenso a nível nacional que os interesses estratégicos, econômicos e políticos da Austrália estão, atualmente, menos nos países das origens históricas e sociais do povo australiano e mais nos países da Ásia e do Pacífico, alguns dos quais, como a Indonésia e as Ilhas Filipinas, notórios por suas violações de direitos humanos. Segundo o jornal The West Australian, de 11/4/92, o primeiro ministro Paul Keating, antes de realizar uma visita oficial à Indonésia com o objetivo de fortalecer as relações comerciais com aquele país, apelou para uma mudança na ambivalência da identidade nacional australiana que, conforme ele, finge uma identificação com os países asiático vizinhos no âmbito de decisões políticas, porém ainda se orienta culturalmente para a Inglaterra.

A partir do final da década de 1960, com a ampliação da disciplina nas Universidades, a antropologia que se faz na Austrália diversificou-se rapidamente, com uma multiplicidade de linhas teóricas e abordagens novas. Essa diversificação, com a importação de correntes teóricas dos Estados Unidos e da Europa e o desenvolvimento de abordagens dirigidas a questões especificamente australianas, torna difícil, conforme os entrevistados, a tarefa de caracterizar um estilo de antropologia na Austrália nos últimos anos. Conforme muito dos entrevistados, surgiram várias linhas diferentes associadas a instituições acadêmicas diferentes, e com bastante diversidade dentro dessas instituições. A etnologia indígena, entretanto, conforme quase todos os entrevistados, tem sido marcada sobretudo pela questão de direitos territoriais e sítios sagrados aborígines. Vários etnólogos opinaram que o envolvimento de etnólogos nessas questões os tem levado a mudar o enfoque teórico dos temas tradicionais de organização social e parentesco, prevalentes até a década de 60, para mudança social e política indigenista, uma mudança de enfoque paralela à que aconteceu na etnologia indígena no Brasil, embora por caminhos teóricos diferentes.

Na Austrália essas mudanças na disciplina acadêmica vieram, sobretudo, de fora: por influência de outras disciplinas, por modificações em legislação sobre terras indígenas, e por exigência dos aborígines que obrigaram os antropólogos a repensar o seu relacionamento com o seu objeto de estudo. No Brasil, ao contrário, a teoria sobre o contato interétnico surgiu dentro da própria disciplina, numa tradição de focalizar as populações indígenas dentro do contexto da sociedade nacional, sobretudo a partir dos trabalhos de Roberto Cardoso de Oliveira e de seus colaboradores e alunos, que transformaram profundamente a etnologia indígena neste país.

Ramos (1990:466) observa que as transformações profundas no papel político dos índios a níveis local e nacional nos movimentos indígenas no Brasil (onde as populações indígenas constituem uma minoria de aproximadamente 0,2% da população total) levaram a uma situação cada vez mais complexa, de que não dão conta as abordagens teóricas estabelecidas, como estudos de aculturação, fricção interétnica e etnicidade. As falhas de uma antropologia baseada na abordagem de sujeito-objeto estão conduzindo a experimentos com abordagens dialógicas, como também se observa na etnologia indígena que se faz na Austrália nos últimos anos. Dois exemplos de trabalhos recentes, na Austrália, que tentam abordar teoricamente a questão do contato interétnico são o de Barry Morris (1991) que privilegia a noção de resistência ao escrever sobre uma população indígena do estado de Nova Gales do Sul, no sul do continente, e o de David Trigger (1992) que usa as noções de acomodação e resistência ao descrever a vida de aborígines numa missão no norte de Queensland.

Apesar de não encontrar um consenso de opinião quanto à definição de um estilo de etnologia indígena na Austrália (como também no Brasil), e muitas afirmações de que não existe nada parecida com uma escola coerente de antropologia, vários antropólogos caracterizaram a maior parte da etnologia indígena por uma ênfase forte, seguindo a tradição britânica, na empiria dos fatos sociológicos, econômicos, políticos e religiosos. E de realizar pesquisas de campo de longa duração que resultam em monografias de estilo descritivo. Isto contrasta com a etnologia indígena que se faz no Brasil, com ênfase nas representações e nos valores, refletindo a influência francesa e uma definição diversa da própria disciplina que decorre de uma tradição enraizada mais na filosofia e na literatura (Ramos, 1990:456). Enquanto no Brasil a separação da antropologia cultural da "sociologia" dos anos 30 a 50, equivalente às "ciências sociais" atuais, ocorreu nas últimas décadas (Peirano, 1992:52), na Austrália a antropologia social foi implantada como disciplina acadêmica por Radcliffe-Brown a partir de 1926. Os antropólogos, herdeiros da tradição britânica, dirigiram sua atenção para os temas de organização social e parentesco.

A sociologia, em contraste, foi introduzida muito mais recentemente na Austrália, como uma disciplina distinta. A diversificação da etnologia indígena na Austrália na última década, entretanto, está modificando esse estilo.

Um antropólogo norte-americano apontou que o sistema britânico ainda prevalece na academia australiana, em que não há cursos a nível de pós-graduação, a pesquisa sendo elaborada através de uma relação mais intensa de orientação personalizada entre aluno e orientador, o que conduz a etnografias mais profundas que aquelas produzidas nos Estados Unidos:

"Nos Estados Unidos somos treinados para ser `performers' em teoria... Na Austrália há menos exibicionismo teórico e mais ênfase em trabalhos desenvolvidos através de uma longa pesquisa de campo, com algumas exceções...

Enquanto na Austrália os examinadores da tese de doutorado são escolhidos sobretudo no critério de serem conhecedores da área de que se trata a tese, nos Estados Unidos isso não é necessariamente o caso, sendo valorizados muito mais a inovação, o domínio teórico e a crítica. Na Austrália, produz-se tipos diferentes de teses de doutoramento, conseqüência da estrutura do programa de pósgraduação.

Os sistemas de pós-graduação nestes dois países contrastam com o do Brasil, onde há cursos teóricos e também se dá muita importância à pesquisa de campo, admitindo, entretanto, teses teóricas baseadas exclusivamente em fontes bibliográficas. Essas diferenças refletem definições teóricas diferentes da antropologia que surgiram nos contextos históricos específicos em que a disciplina se desdobrou ao enfrentar problemas particulares a esses contextos, e que constituem os estilos de antropologia.

O mesmo antropólogo norte-americano ressaltou que, na Austrália, há uma tendência recente de focalizar questões como o multiculturalismo como fator de integração nacional e um enfoque cada vez maior no continente australiano, apesar de ter muitos antropólogos especialistas em Papua-Nova Guiné, Melanésia e o sudeste da Ásia.

Comentou que na etnologia indígena dedicada aos aborígines australianos há trabalhos recentes sobre missões, favelas urbanas, e a situação de contato interétnico, e que, atualmente, abordagens que tratam comunidades isoladas como unidades culturais circunscritas são encontradas mais entre antropólogos que realizam pesquisas entre populações indígenas do leste da Indonésia do que entre aboriginalistas. Contudo, o mesmo antropólogo observou, na etnologia indígena, menos preocupação com questões teóricas do que nos Estados Unidos, atribuindo isso a um envolvimento prático entre etnólogos com a questão de reivindicações territoriais. Afirmou que, na Austrália, o pós-modernismo tem muito menos impacto do que nos Estados Unidos, atribuindo essa diferença ao fato de que uma etnologia indígena muito envolvida com a política indigenista e dirigida para a resolução de problemas práticos das populações aborígines encontra poucos subsídios na teoria pós-moderna. No Brasil, também, a teoria pós-moderna teve um impacto superficial numa etnologia indígena de ação altamente politizada.

Um antropólogo que se definiu como sendo de formação britânica, ressaltou que nos últimos anos a influência do sistema acadêmico norte-americano está cada vez mais forte nas Universidades australianas, levando à reestruturação de alguns departamentos.

Outros antropólogos mencionaram uma tendência recente de passar as licenças sabáticas nos Estados Unidos, enquanto, há poucas décadas, a Inglaterra foi considerada a escolha natural.

No clima político que resultou de lutas anti-imperialistas da década de 1960, observa Hamilton (1982:100), qualquer colaboração de antropólogos com agências do governo tornou-se suspeita. Com o escândalo em torno do Projeto Camelot, em que alguns antropólogos norte-americanos, financiados pelo Departamento da Defesa, foram envolvidos em atividades de pesquisa cujos resultados foram usados pelo serviço de espionagem dos Estados Unidos, e outro escândalo que envolveu alguns antropólogos do Departamento de Antropologia da Universidade de Sydney com relação à sua pesquisa na Tailândia, os antropólogos foram obrigados a tomar em consideração sua posição ética.

Outro escândalo político ocorreu no final da década de 1960, quando o governo australiano negou autorização ao Prof. Fred Rose, da Universidade Humbolt de Berlim do leste, para continuar sua pesquisa sobre parentesco em Groote Eylandt, no norte da Austrália. Fred Rose fora investigado pela Comissão Real sobre Espionagem em 1954-55, e o então Ministro de Assuntos Aborígines, W.C.Wentworth, uma das figuras principais na criação do "Australian Institute of Aboriginal Studies", anunciou que a autorização para sua pesquisa foi negada porque Rose tinha "uma péssima história de traição, além de prostituir sua posição de antropólogo ao ser comprometido com o Partido Comunista" (Barnes, 1969:27 apud. Hamilton, 1982:100). Tais incidentes foram abafados, sendo considerados incômodos para uma posição de afastamento intelectual em que a antropologia foi obrigada a se definir nas Universidades nessa época. A posição conservadora que fundamenta a grande massa de produção antropológica omitia os fatores políticos da prática da antropologia. Isso se reflete na omissão por parte dos periódicos mais prestigiosos de publicar questões politicamente sensíveis.

Recentemente, uma linha de comparação com o Canadá enriqueceu as reflexões na etnologia indígena, sobretudo na área de política indigenista e as relações entre as populações indígenas e o estado-nação nestes dois países. Trabalhos nesse sentido têm sido publicados por Sally Weaver (1983, 1984, 1985), Bruce Hodgins, John Milloy e Kenneth Maddock (1989), Noel Dyck (1985), B. Morse (1988) e outros.

 

Antropólogos e política indigenista governamental

O que marcou profundamente a relação entre antropólogos e aborígines na Austrália, foi a referenda de 1967, que atribuiu ao governo federal o poder de legislar em questões da política indigenista em todos os estados, e a promulgação de legislação governamental para reivindicações territoriais de aborígines, sobretudo a partir da Aboriginal Land Rights (Northern Territory) Act, 1976. O governo trabalhista, após ganhar as eleições no final de 1972, criou o Department of Aboriginal Affairs (DAA) e estabeleceu uma rede a nível nacional de serviços jurídicos, médicos e educacionais para aborígines e ilhéus do Estreito de Torres. A exigência de direitos territoriais por lideranças aborígines citadinas que adotaram a retórica do movimento de "Black Power" dos Estados Unidos, pressionou o governo, estabelecendo, em 1972, uma embaixada - montada numa barraca - em frente à Casa de Parlamento em Canberra. A legislação sobre reivindicação de direitos territoriais, formulada pelo governo trabalhista e promulgada pelo governo seguinte, obrigou muitos etnólogos que realizam pesquisas com populações indígenas a participar do processo de reivindicações territoriais no Território do Norte e da demarcação de sítios sagrados nos estados australianos, criando espaço também para consultores profissionais que não participam da academia. Isso marca uma diferença fundamental entre a etnologia indígena na Austrália e a no Brasil. Enquanto no Brasil a antropologia restringe- se principalmente à academia, com poucas exceções como algumas ONGs e a FUNAI, na Austrália existe uma indústria de consultoria.

Uma conseqüência da participação de etnólogos em reivindicações territoriais foi que eles foram obrigados a repensar seu relacionamento com as populações aborígines, seu objeto de estudo. Ressalto que as pressões que levaram a essas mudanças vieram de fora da disciplina.

O trabalho de consultoria foi apresentado como altamente sensível politicamente, envolvendo, freqüentemente, os interesses de grandes empresas mineradoras. O papel do antropólogo é visto como o de defensor dos direitos indígenas, e os que aceitam trabalhar como consultores para empresas mineradoras, como o exemplo recente de Ron Brunton no caso da reivindicação territorial de Coronation Hill, no Território do Norte que posteriormente passou a trabalhar para o Institute of Public Affairs [9] em Canberra, são excomungados da comunidade antropológica.

Quanto à questão de consultas, já mencionei que poucas pessoas na Austrália manifestaram-se à vontade para entrar em detalhes sobre sua participação pessoal. Algumas pesquisas governamentais são realizadas através de empresas empreiteiras de consultoria, que oferecem uma remuneração maior que os empregos governamentais, porém sem benefícios trabalhistas. Um antropólogo que realiza consultas mencionou que, devido à sensibilidade política, o pesquisador sente-se obrigado a fazer seguro para se prevenir contra a possibilidade de ser processado (ou por outros aborígines, ou por não-aborígines ligados a interesses contrários) ao aceitar o convite de aborígines para participar dum processo de reivindicação territorial ou sítio aborígine de significação. Ouvi relato que um etnólogo, após conversar comigo sobre sua pesquisa com extrema cautela, comentou para um colega que ele achava que tinha "falado demais".

Na Austrália, a legislação sobre territórios e sítios aborígines varia de um estado para outro. Entre 1853 e 1856, as quatro colônias, Nova Gales do Sul, Vitória, Austrália Meridional e Tasmânia adotaram constituições próprias com base na Australian Colonies Government Act, aprovada na Inglaterra em 1850, seguidas por Queensland em 1859 e Austrália Ocidental em 1890. A região norte do continente permaneceu sob a jurisdição da Austrália Meridional até 1911, quando passou para a jurisdição da Commonwealth Australiana (como o Território do Norte). A constituição da Commonwealth Australiana foi elaborada em Sydney em 1891, submetida a dois referendos populares em 1898 e 1899, e aprovada em 1900, tornando-se a Austrália uma nação independente quase 80 anos após a independência do Brasil. As seis colônias passaram a denominar-se estados com notável autonomia interna. A nova capital federal, Canberra, ACT, foi inaugurada em 1927. Apesar de tentativas que partiram de aborígines e de não-aborígines para criar uma única legislação a nível nacional, Maddock (1983:130) argumenta que, considerando que as populações aborígines em cada estado compartilham uma história comum, e levando em conta as diferenças sociais e econômicas entre os estados e as diferenças na situação das suas populações aborígines, os estados fornecem arenas mais viáveis para a discussão e resolução de assuntos aborígines do que a nação.

Quando estive na Austrália, os jornais veiculavam notícias sobre mudanças na legislação sobre o patrimônio aborígine no estado de Austrália Ocidental, além do impacto de consultas antropológicas em disputas sobre sítios aborígines nos projetos de mineração de níquel em Yakabindie (W.A.), de ferro em Marandoo (o Parque Nacional de Karijini, W.A.), e de urânio em Coronation Hill (N.T.). Conforme o jornal The West Australian, de 19/2/92, os motivos principais para modificar a legislação sobre o patrimônio aborígine na Austrália Ocidental visam facilitar os tramites para a aprovação de projetos de desenvolvimento e melhorar a proteção do patrimônio. Uma matéria do mesmo jornal, datada de 20/2/92, afirma que o porta-voz de Assuntos Aborígines do Partido Liberal, Richard Court, declarou que as modificações da legislação deveriam abrir espaço para [consultas diretas entre os aborígines, donos tradicionais dos seus territórios, e agentes de desenvolvimento.

Para ilustrar a complexidade da questão do reconhecimento de territórios e sítios de significação para aborígines, menciono como exemplo, que nas semanas que estive na Austrália eclodiu um conflito acirrado no estado de Austrália Ocidental entre dois grupos sobre a questão do direito de identificar sítios sagrados de aborígines. O Aboriginal Cultural Material Committee (ACMC) do Museu da Austrália Ocidental anunciou que, a partir de 1/3/92, não aceitaria mais levantamentos de sítios aborígines ou relatórios que não fossem feitos por membros de uma associação profissional. Os antropólogos acadêmicos da Australian Association of Consulting Archaeologists (AACA), sentiram-se confrontados por um grupo de antropólogos e indigenistas, consultores particulares, que não queriam ser ligados aos acadêmicos e tentaram se cadastrar como a Australasian Association of Professional and Consulting Anthropologists and Archaeologists (AAPCAA). Os acadêmicos de dois departamentos da Universidade de Western Australia e de um departamento da Universidade Curtin (localizada, também, em Perth) opuseram-se ao cadastramento da AAPCAA, alegando que não seria do interesse público. Antes desse conflito, alguns consultores particulares contratados por aborígines, representavam os interesses de empresas de mineração e de desenvolvimento imobiliário em locais onde havia sítios aborígines. O conflito levou o senador Peter Walsh do Partido Trabalhista a defender, publicamente, os consultores particulares e questionar o que chamou a "intolerância de acadêmicos com relação a pontos de vista que divergiam dos seus".

Alguns antropólogos na Austrália trabalham exclusivamente em pesquisa, como é o caso daqueles do Centre for Aboriginal Economic Policy Research (CAEPR), uma pequena unidade de pesquisa multidisciplinar estabelecida na Faculty of Arts, Australian National University, Canberra, em 1990, que resultou de um contrato entre a ANU e o Department of Aboriginal Affairs (DAA), (atualmente The Aboriginal and Torres Strait Islander Commission - ATSIC). O Centro, chefiado pelo antropólogo Dr. Jon Altman, e incluindo a antropóloga Diane Smith, foi criado por recomendação do Relatório da "Committee of Review of Aboriginal Employment and Training Programs", de 1985, e visa realizar pesquisas para investigar assuntos relacionados à participação de aborígines na força de trabalho e aos programas de desenvolvimento econômico administrados pelos governos federal e estaduais.

 

A etnologia indígena na academia

As Universidades na Austrália possuem caraterísticas semelhantes a outras instituições burocráticas no sentido de que existem estruturas de patronagem. Tive a impressão de que, como no Brasil, a definição do que é o conhecimento antropológico é feita por poucos antropólogos de grande prestígio. As pessoas que ocupam os cargos de Professor (equivalente a "full professor" nos EUA), que até a década de 1970 eram poucas, definiam e controlavam o que é conhecimento. Isso influenciava o processo de nomeação e promoção de professores, na base de não ameaçar a estrutura acadêmica existente. Quem não seguia as linhas definidas era ignorado pela academia, inclusive muitos antropólogos estrangeiros que realizavam pesquisas na Austrália, com algumas exceções como, por exemplo, Fred Myers. Conforme vários antropólogos, até a década de 1980, e mesmo hoje em dia, há alguns antropólogos influentes orientados por uma busca do "tradicional" e "continuidade cultural". Mesmo aceitando uma abordagem que reconhece a situação de mudança em que se encontram os aborígines, eles ainda usam o conceito de "tradição" como medida que orienta sua perspectiva teórica.

O desenvolvimento da disciplina ocorreu dentro das estruturas de patronagem, que só começaram a se ampliar nos últimos anos com a ampliação do sistema de ensino, a criação de novos departamentos e o surgimento de uma comunidade antropológica muito maior (atualmente, segundo alguns antropólogos entrevistados, em torno de 130 antropólogos profissionais). Se no Brasil poucos antropólogos admitem a existência de estruturas de patronagem que se manifestam nas hierarquias acadêmicas, na Austrália há uma tendência de negar a sua existência. Ficam encobertas a nível de discurso por uma ideologia igualitária de "give everyone a fair go", e a idéia enraizada de que a sociedade australiana é uma "sociedade sem classes". O que Kapferer denomina o "nacionalismo igualitário australiano" (1989:178), relacionado ao conceito de "mateship" (traduzível aproximadamente como "companheirismo"), "uma forma de amizade, fortemente igualitária que almeja a sociabilidade... ativada entre indivíduos parecidos que compartilham uma mesma identidade" (Kapferer, 1989:175). Esse conceito de "mateship" ressalta uma "reciprocidade equilibrada" e um "individualismo igualitário" (Ibid:176). Conforme Kapferer, a nação australiana é vista como um grupo de "mates", a nação e o indivíduo sendo intercambiável (Ibid:177).

A interpretação antropológica na Austrália depende muito de teorias emprestadas e a aplicação de modelos importados para a análise de situações locais, além da influência de modas acadêmicas. Para mencionar alguns: o modelo de casta para abordar relações raciais veio dos Estados Unidos no início da década de 1950 e, posteriormente, trabalhos de linha feminista e depois sobre o gênero. Houve uma profusão de trabalhos que versam sobre "hierarquia" em sociedades indígenas "igualitárias", trabalhos etnohistóricos, biografias de aborígines, trabalhos sobre tradição oral, e experimentos em trabalhos de coautoria de antropólogos e aborígines. Uma direção nova iniciada por Fred Myers, ao abordar emoção, estimulou uma série de trabalhos recentes sobre aborígines e emoções, e a visão de contenção étnica de emoções. Houve, também, uma série de trabalhos de estilo confissional sobre pesquisa de campo, e do tipo, "como fiz (como consultor antropológico) o meu caso de reivindicação territorial" em que o antropólogo justifica suas representações do caso.

Vários antropólogos afirmaram que, apesar da maioria dos antropólogos que trabalha na Austrália acompanhar atentamente os debates antropológicos nos "países de centro" da disciplina, há muito menos interesse entre os seus colegas nesses países em acompanhar os trabalhos publicados na Austrália. E isso, apesar dos laços estreitos com a Grã-Bretanha, e da facilidade de acesso aos trabalhos na língua inglesa. Uma situação algo semelhante àquela observada por Mariza Peirano no caso do Brasil: "Dialogamos com autores renomados como se fôssemos efetivamente lidos fora do Brasil, reanalisamos clássicos como se nossos trabalhos tivessem prestígio mundial, desconhecendo o fato de que, no momento em que se cruzam as fronteiras nacionais, o que era aqui uma discussão teórica se transforma imediatamente em simples etnografia regional" (1992:229-230).

A ampliação da disciplina na Austrália veio como conseqüência de uma política mais geral de expansão das instituições de ensino terciário, sobretudo a partir da década de 1960. Hinton & McCall (1982:109-110) observam que em 1980 havia 19 universidades e 68 Colleges of Advanced Education na Austrália, além de 85 instituições de ensino terciário. A maioria dessas 172 instituições foram estabelecidas nas décadas de 1960 e 1970. O grande aumento no número de instituições de ensino levou à contratação de muitos professores nesse período. Hinton & McCall (1982:113) observam que este período é marcado pela proliferação de periódicos. Antes de 1960, havia somente 2 periódicos de antropologia publicados na Austrália - Oceania, fundado em 1930, e Mankind, fundado em 1931. No período entre 1961 e 1981, 24 periódicos novos relacionados à antropologia foram fundados.

Considerando que o primeiro programa de doutorado em antropologia na Austrália foi implantado somente em 1955, na Universidade de Sydney, as universidades foram obrigadas a contratar muitos professores doutores estrangeiros para preencher as vagas. Em 1982 havia 11 instituições na área de antropologia: 5 departamentos de antropologia, 1 departamento de pré-história e antropologia (ANU), e 2 departamentos de sociologia e antropologia (as Universidades de Queensland e Monash), além de 2 museus de antropologia em universidades e 1 departamento de antropologia no Australian Museum (Hinton & McCall, 1982:110). A importação de professores doutores, sobretudo da Grã- Bretanha e dos Estados Unidos, criou uma situação, ainda existente, dos departamentos de antropologia terem muitos professores de origem e de formação estrangeira. Além disso, muitos dos professores mais idosos, nascidos na Austrália, fizeram seus doutorados no exterior, sobretudo na Inglaterra. Ainda há o recrutamento de antropólogos da Grã- Bretanha, dos Estados Unidos e do Canadá, embora o número de antropólogos nascidos na Austrália esteja aumentando ao ponto da disciplina se reproduzir com os doutores formados no próprio país.

Nos últimos anos, vários Institutos de Tecnologia, que tinham status abaixo do das Universidades foram transformados em Universidades, porém, resguardando uma intenção prática de formarem alunos para empregos governamentais mais do que para a academia.

Além disso, põem mais ênfase em atividades de ensino do que em pesquisa, o professor sendo julgado pelo número de alunos que atrai para seus cursos, além de inicialmente não terem programas de pós-graduação. Apesar de atualmente terem status acadêmico igual às Universidades mais antigas, vários antropólogos das últimas ressaltaram que ainda não são comparáveis, sendo parecidas com as Universidades populares ("red-brick Universities") estabelecidas na Grã-Bretanha após a 2ª Guerra Mundial. Aquelas Universidades estabelecidas nas décadas de 60 e 70, como Flinders, Griffith, Murdoch, Monash, e Macquarie, absorveram o estilo "radical" da época, as ciências sociais ocupando uma posição central com a implantação de departamentos inter-disciplinares.

Nos últimos anos, além da antropologia, outras disciplinas como a sociologia, a história, a ciência política, e a literatura focalizam as populações aborígines como objeto de estudo. A sociologia foi implantada como disciplina nas Universidades australianas muito mais recentemente que a antropologia. Entretanto, a definição da sociologia como o estudo da sociedade nacional ainda está arraigada, enquanto a antropologia é vista como o estudo dos "outros". Uma antropóloga, que trabalha sobre a temática do racismo na sociedade australiana e as relações interétnicas, comentou que é freqüentemente avisada por antropólogos que ela não está fazendo antropologia, e sim, sociologia. Outra professora de antropologia, numa Universidade antiga, relatou a seguinte anedota: ao propor abordar a situação atual dos aborígines num curso de etnologia indígena em que se esperava ter alguns alunos aborígines, foi avisada por alguns colegas que "We don't want any of that trendy race relations here". Acrescentou que, com poucas exceções, "antropólogos não estudaram o racismo na Austrália. Paul Rabinow perguntou `Por que os antropólogos australianos não estudaram o racismo?' ... Não se vê isso como um problema", afirmando que um dos maiores problemas é o das implicações racistas da própria disciplina, e uma falta de disposição para abordar a questão de relações de poder. Ressaltou que, até recentemente, a etnologia indígena foi dominada por uma busca do exótico e uma ênfase em cultura que censuravam a questão das relações interétnicas. Segundo a mesma pessoa, até há poucos anos, tinha mais trabalhos na área da história que abordam a experiência aborígine da colonização do que na antropologia.

Vários antropólogos mencionaram que houve uma recente incorporação de pesquisadores nas principais Universidades quando os temas que pesquisam foram legitimados pelo governo, como, por exemplo, o recente enfoque sobre aborígines e a polícia, o encarceramento de aborígines, e a questão do racismo. Cabe notar que, no Brasil, a questão do racismo tem sido examinada, na antropologia e na sociologia, entretanto, somente nos estudos sobre negros. Como lembra Melatti (comunicação pessoal), no Brasil o estudo de índios remetia-se à noção de cultura em "estudos de aculturação", enquanto o estudo de negros, à noção de raça em "relações raciais".

Um antropólogo entrevistado interpretou a implantação tardia da sociologia nas Universidades australianas como uma política conservadora adotada pelo governo para tentar eliminar a sociologia numa época em que as ciências sociais, sobretudo a sociologia, foram equiparadas ao socialismo e vistas pelo governo como uma área potencialmente perigosa. Conforme o mesmo antropólogo, professor numa das Universidades mais antigas, o uso da antropologia que teve mais impacto foi esse uso negativo para justificar a ausência da sociologia. Para ilustrar o seu argumento, afirmou que quando a Universidade de Flinders foi estabelecida no início da década de 70 (planejada no final dos anos 60) no estado de Austrália Meridional, a Universidade de Adelaide implantou antropologia como uma disciplina que se pensava "controlável", ao contrário do que se pensava da sociologia "radical" de Flinders. No Brasil, durante o período do governo militar, a antropologia foi vista pelos militares como disciplina que apresentava menos perigo que as outras ciências sociais por ser considerada talvez como o estudo de raças, paleontologia humana e arqueologia.

 

Estilos de antropologia e o contexto nacional

Alguns etnólogos entrevistados, australianos naturalizados, mencionaram que ocasionalmente são lembrados das suas origens nacionais por australianos natos nãoantropólogos, sobretudo quando seus comentários a respeito da situação de aborígines na Austrália são considerados ofensivos aos sentimentos nacionalistas australianos. Um antropólogo relacionou o que ele considera uma posição predominantemente apolítica, na etnologia indígena que se faz na Austrália, ao fato de que muitos antropólogos foram importados e não treinados na Austrália. Colocando-se entre os "importados", afirmou que antropólogos de origem estrangeira que falam sobre questões como relações raciais são freqüentemente acusados de ativismo por setores conservadores da sociedade australiana.

No Brasil, também, o etnólogo de origem estrangeira que realiza pesquisas com populações indígenas enfrenta sentimentos nacionalistas ao lidar com alguns funcionários da burocracia da FUNAI. Na minha própria experiência de pesquisa, desde solicitar autorização da FUNAI, em 1981, fui ameaçado por um coronel do órgão que me lembrou que a FUNAI ia me deixar realizar pesquisa (como estrangeiro) com "nossos índios", mas que quaisquer "críticas" minhas resultariam na suspensão imediata da minha autorização.

Alguns indigenistas de alto nível na burocracia manifestaram-se contrários à presença de um "gringo" numa área indígena (no norte amazônico) vista como de altos interesses nacio nais. A nível local, muitos funcionários da FUNAI me apresentaram aos índios como "gringo", "estrangeiro", "não é brasileiro", utilizando estereótipos altamente negativos quanto ao estrangeiro, como o do "gringo que veio para roubar ouro da terra dos índios", nos seus esforços de tentar controlar o meu acesso a informações e de impor uma identidade de "índios brasileiros" entre a população indígena Waimiri-Atroari (Baines, S.G.,1991). Minhas intenções foram freqüentemente questionadas por funcionários da coordenação e, num Grupo de Trabalho da FUNAI de que participei, em 1985, alguns membros me avisaram que pensavam que eu tivesse vindo do exterior "só para fazer pesquisa" (insinuando que, por ser "estrangeiro", em si era suficiente para saber, a priori, que eu não tinha nenhum compromisso com o destino dos índios).

Minha pesquisa foi suspensa em 1989, quando alguns funcionários da direção do "Programa Waimiri-Atroari" (convênio FUNAI/ ELETRONORTE de 1987, com financiamento do Banco Mundial), usavam matérias jornalísticas caluniosas e forjadas, publicadas para atender aos interesses de empresas mineradoras junto aos índios e incitálos a proibir a continuação da minha pesquisa. Representaram-me, num discurso nacionalista, como suposto agente internacional de interesses internacionais de mineração numa conspiração contra a soberania nacional. Na mesma época, o "Programa" convidou um etnobotânico inglês, junto com estagiários brasileiros e estrangeiros, a realizar uma pesquisa etnobotânica no mesmo território indígena, como parte de uma estratégia de criar um respaldo acadêmico para a administração indigenista governamental do "Programa".

Entrevistei, na Austrália, um etnólogo canadense que tinha sido objeto de uma campanha difamatória semelhante - divulgada na imprensa por interesses de empresas de mineração - que recorre a sentimentos nacionalistas, questionando suas intenções de pesquisa. Como demonstra Alcida Ramos (1990) ao refletir sobre o caso do Brasil, os estilos de etnologia decorrem das particularidades do desenvolvimento histórico da disciplina no contexto nacional dos respectivos países. Entretanto, além disso, as diferentes construções de alteridade levam o etnólogo de origem estrangeira a enfrentar, em algumas situações de pesquisa de campo, uma hegemonia de sentimentos nacionalistas entre certos agentes do contato que dificultam e/ou impedem seu envolvimento na defesa de direitos indígenas e dificultam a possibilidade da sua participação política, por ser classificado como "estrangeiro" visto através de estereótipos que o representam como agente do imperialismo, ou, pelo menos, como indivíduo que tem menos legitimidade para se pronunciar numa arena pensada como de prerrogativa nacional. E isso, mesmo antes de começar pesquisa de campo, determina os rumos que sua pesquisa podem tomar e o estilo de etnologia que resulta. No caso de persistir em focalizar questões como o contato interétnico, ele corre o risco desses estereótipos serem acionados para impedir a continuação da sua pesquisa e o afastar da possibilidade de continuar como ator numa etnologia-ativista.

Quando a questão da nação e os conceitos de alteridade são focalizados como objeto de reflexão teórica, eles se tornam fatos epistemológicos da disciplina.

O etnólogo nacional nato ou aquele considerado "menos estrangeiro" (de origem britânica no caso da Austrália em oposição a norte-americano e outras nacionalidades; no caso do Brasil, de outros países da América Latina ou de Portugal) é mais facilmente aceito que aquele visto como mais estrangeiro pelos outros agentes sociais numa situação de contato interétnico, refletindo as diferentes construções culturais de alteridade nos respectivos países. Vários antropólogos comentaram que, dentro da academia, a importação de antropólogos britânicos na Austrália foi bem aceita, porém a importação de antropólogos norte-americanos foi vista, inicialmente, por alguns antropólogos, como uma invasão do espaço acadêmico.

Segundo os mesmos antropólogos, desde a década de 70, como conseqüência do crescimento do movimento indígena na Austrália e da introdução da nova legislação sobre territórios indígenas, os aborígines cobram uma atuação política ativista dos etnólogos australianos que realizam pesquisas junto às suas comunidades. Enquanto que, dos antropólogos considerados "estrangeiros", que vêm realizar pesquisas de campo na Austrália, isso não é exigido. O resultado é que muitos destes realizam pesquisas sobre temas mais tradicionais da etnologia (uma antropóloga australiana nata citou, como exemplo, trabalhos recentes de Barbara Glowczewski, uma etnóloga francesa, baseados em pesquisas com aborígines na Austrália), o que não está sendo mais possível para os etnólogos australianos.

As conseqüências refletem-se num estilo de etnologia indígena, que emergiu na Austrália nas últimas duas décadas, com compromissos políticos, o que se vê menos nos trabalhos de antropólogos estrangeiros que realizam pesquisas entre aborígines na Austrália.

Uma situação análoga, em alguns aspectos, àquela observada no Brasil por Alcida Ramos (1990). Os estilos de antropologia surgem e permanecem numa dialética constante entre fatos epistemológicos e fatos sociológicos que molda o produto do pensamento e o próprio pensar no produto do pensamento.

Uma diferença fundamental entre a etnologia indígena nos dois países é que, na Austrália, um grande contingente dos etnólogos são de origem britânica e norte-americana, enquanto no Brasil a maioria dos etnólogos é de brasileiros natos. Não é de se estranhar que na Austrália, como me apontou um antropólogo, nos últimos cinco anos, período em que a antropologia chegou a ter uma voz e em que as Universidades já produziram acadêmicos doutores de antropologia em número suficiente para perpetuar a disciplina sem importar acadêmicos, o governo federal aumentou o seu controle no âmbito da política indigenista e deixou de se preocupar com a legitimação antropológica das suas decisões. Assim, no momento em que as Universidades poderiam exercer uma força política maior em questões relacionadas às populações aborígines, estão sendo transformadas em instituições de ensino em que o antropólogo tem um espaço cada vez mais reduzido para expressão política.

Meus agradecimentos aos Professores Roberto Cardoso de Oliveira, Luíz Fernando D.

Duarte, Julio Cezar Melatti e Mariza G.S. Peirano, por terem lido uma versão preliminar deste trabalho e oferecido seus valiosos comentários que tentei incorporar nesta versão.

 

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Notas

[1] No Seminário "Estilos de Antropologia", realizado na UNICAMP em 1990, apresentei uma proposta de pesquisa. O trabalho atual é resultado de um levantamento de pesquisa preliminar, de cinco semanas na Austrália, que faz parte de uma proposta de pesquisa de pós-doutorado. Agradeço ao CNPq pelo financiamento das minhas passagens aéreas internacionais e parte das minhas despesas de pesquisa na Austrália.

[2] Os dois grupos étnicos nativos do continente australiano.

[3] As entrevistas variaram de 30 minutos a duas horas e mais de duração. Entrevistei os seguintes professores - University of Sydney: Prof. Jeremy Beckett, Profa. Diane Austen-Broos, Profa. Francesca Merlan, Profa. Gillian Cowlishaw, e Profa. Marie De Lepervanche (Dept. of Anthropology); Prof. Tony Swain (School of Studies in Religion); Profa. Jan Larbalestier (Dept. of Sociology). Macquarie University, Sydney: Profa. Annette Hamilton, Prof. Kenneth Maddock, Prof. Andrew Lattas (School of Behavioural Sciences). O advogado Dr. Marc Gumbert. Australian National University, Canberra: Prof. Nicolas Peterson, Profa. Deborah Bird Rose, e o doutorando Robert Levitus (Dept. of Pre-History & Anthropology); Prof. D.J. Mulvaney (Hon. fellow, Dept. of History, Australian Academy of the Humanities); Prof. Rolf Gerritsen (Dept. of Public Policies); Dr. Jon Altman e Diane Smith (Centre for Aboriginal Economic Policy Research). Australian Institute of Aboriginal and Torres Strait Islander Studies (AIATSIS), Canberra: Dr. Stephen Wild, Dr. Graham Henderson, Dra. Alice Moyle e Maggie Brady. University of Western Australia, Perth: Prof. Basil Sansom, Prof. Greg Acciaioli, Prof. Robert Tonkinson, Profa. Myrna Tonkinson, Profa. Sandy Toussaint, Prof. David Trigger e o doutorando Kim Barber (Dept. Of Anthropology); Prof. John Stanton, Anthropology Museum, University of Western Australia. Curtin University of Technology, Perth: Prof. Philip Moore (School of Social Sciences). Dra. Patricia Baines, consultora (Perth). Os líderes aborigines Kevin Gilbert, Robert Bropho, Brian Wyatt, e Ralph Winmar. Tive a oportunidade de conhecer, também, Prof. Alan Rumsey, Prof. Michael Allen e alguns alunos de graduação e de pós-graduação (Dept. of Anthropology, University of Sydney), Profa. Marcia Langton (Dept. of Behavioural Sciences, Macquarie University, Sydney), Dr. Luke Taylor (Australian Museum, Canberra), Dr. Kingsley Palmer, Dra. Tamsin Donaldson, Penny Taylor (AIATSIS), os consultores Gil Hardwick, Dr. Edward M. MacDonald, e Dr. Barrie Machin (Perth), e Robert Reynolds, Dept. of Aboriginal Sites, e Prof. Wil Christenson e Profa. Chris Birdsell (School of Social Sciences, Curtin University of Technology, Perth). O presidente da AIATSIS e líder aborígine Ken Colbung, e alunos aborígines da University of Western Australia, Perth. Agradeço a todos que participaram do meu levantamento de pesquisa, muitos dos quais me dedicaram longas horas. Ressalto que há muitos outros antropólogos que desempenharam um papel fundamental na história recente da disciplina que, por motivo de limitações de tempo neste levantamento, não pude entrevistar.

[4] Apesar de ser pensada como um estado-nação de colonização sobretudo britânico, Annette Hamilton da Maquarie University, Sydney (comunicação pessoal) ressaltou que a partir da sua independência em 1901, havia na Austrália um significante componente irlandês na população, que desde o início da colonização distinguia-se dos britânicos. Contudo, no início da década de 1980, cerca de 80% da população era de descendência britânica, conseqüência da política governamental até a década de 1970 de restringir imigração a brancos.

[5] Uma dos poucos antropólogos aborígines. Antropólogos que trabalham na Austrália informaram que há poucos aborígines que trabalham na disciplina, apesar de observar, nos anos recentes, um aumento de interesse entre alunos aborígines pela antropologia. Alguns explicaram a escassez de etnólogos aborígines pelo fato de que há oportunidades criadas pelo governo para absorver aborígines com ensino superior em cargos com remuneração muito mais alta.

[6] Jeremy Beckett (1992) ressalta que a África do Sul, até recentemente, excluiu a sua população africana (majoritária) da sua história e do seu destino, institucionalizando essa exclusão através da ficção do Bantustão. Na Austrália, em contraste, as populações indígenas que sobreviveram a colonização foram tão reduzidas que não havia necessidade de tais malabarismos colonialistas. Elas foram ou ignoradas, ou pensadas como estando em vias de desaparecimento, o que foi uma maneira da nação européia de colonização negar a sua existência.

[7] Após a Guerra, foi realizada uma avaliação do seu impacto nas populações afetadas, pela CIMA - "Co-ordinated Investigation of Micronesian Anthropology". Neste empreendimento, 44 cientistas foram transportados para muitos dos 1400 atóis e ilhas da Micronésia, "iniciando a era da presença maciça de antropólogos americanos na região do oceano Pacífico e na Micronésia, onde antes os britânicos dominavam" (Hamilton, 1982:99).

[8] Renomeado, em 1989, "Australian Institute of Aboriginal and Torres Strait Islander Studies" (AIATSIS), para incluir o outro grupo étnico nativo do continente.

[9] "...descrito pela mídia como um instituto estratégico da extrema direta" (Merlan, 1991:347).

 

Stephen G. Baines
stephen[arroba]unb.br


 
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