A Revolução de 30 e o Problema Regional

Enviado por Simon Schwartzman


Eu gostaria de começar chamando a atenção para a existência de duas maneiras, que considero diferentes, de entender o que se poderia chamar de questão regional. Existe uma maneira que me parece a mais simples, talvez a mais simplista, e que consiste em pensar que as regiões são nada mais que um detalhamento do que ocorre num sistema político nacional como um todo. Então existem os historiadores, digamos das Capitais, que estudam a política nacional, e os historiadores das Províncias, dos Estados, que estudam a política regional. O estudo das regiões seria, simplesmente, uma espécie de aprofundamento no detalhe, sem acrescentar nada de substancial para o entendimento do processo político e social como um todo.

Eu acho que essa perspectiva vem associada com a tendência a Pensar o fenômeno político e o fenômeno social junto com o fenômeno econômico, a partir de categorias muito gerais, muito abrangentes, tais como: determinadas classes sociais, determinadas formas de produção, determinados estágios do processo de desenvolvimento. Isto é aplicado, em geral, ao país como um todo. O Brasil, então, estaria na situação de uma revolução burguesa, ou pré-burguesa, ou teria uma classe latifundiária, ou uma classe burguesa emergente. Enfim, essas categorias seriam os componentes sobre os quais versaria a análise do processo social histórico, que se aplicaria, evidentemente, ao país como um todo. Isto toma, na realidade, um pouco irrelevante e supérfluo o esforço de entender o que acontece nas regiões. O que acontece nas regiões seria, simplesmente, uma reaplicação, uma segunda versão em miniatura, do que ocorre no país como um todo.

Penso, todavia, que essa maneira de entender as coisas, como já disse, é uma maneira simplista e equivocada. Ela deixa de lado coisas muito importantes que a outra abordagem, no meu modo de ver, não deixa.

Esta segunda abordagem, que me parece a melhor, parte da idéia de que o fenômeno político é um fenômeno essencialmente espacial; que a política consiste na organização de um poder central sobre um território. leva ela, necessariamente, a um problema muito complicado, que é o da incorporação de diferentes regiões, diferentes setores, a este centro, que passa a ser o centro politicamente dominante. Esse processo é o da formação dos Estados nacionais, que sabemos ser um processo muito complicado. Às vezes, os Estados nacionais formam-se ocupando grandes territórios; outras vezes, fragmentando-se em uma multiplicação de Estados nacionais de certo tamanho, implicando um número muito complexo de acomodações e relacionamentos entre regiões que, depois, se constituem em característica dominante do processo político que esses países passam a viver. E claro que, nesse espaço, nesse processo de inter-relação política de diversas regiões, entram em jogo, evidentemente, fatores que têm a ver com grupos sociais, classe: e processos produtivos. Mas há uma característica espacial regional, de grupos, de gerações e de diferenciações entre diversas áreas, que permanece e que tem que ser entendida como tal, sob pena de nós não entendermos, realmente, o que está acontecendo no nível do sistema político.

É claro que se pode pensar, antes de avançarmos no estudo, que existe uma série de aspectos mais ou menos óbvios, quando se procura fazer uma análise regional. Existe sempre uma região central, que é uma região dominadora, que concentra o poder e estende a sua influência ao resto do território. Existem as regiões periféricas, que vivem na dependência e na subordinação desses centros. Existem as regiões de fronteira, onde se chocam, onde se estabelecem os limites entre determinadas comunidades nacionais e outros sistemas nacionais, formando sob outros centros, onde se dão atritos e formam todo um tipo de estruturas sociais próprias de regiões de fronteira e de contato.

Essas coisas todas já dão uma espécie de primeiro mapeamento dos tipos de regiões que vamos encontrar em determinada unidade nacional, em determinado Estado. E claro que a importância de uma análise regional, que tem em consideração essas diferenças, varia um pouco em função da característica da sociedade que estamos estudando. Podemos pensar que um pais pequeno e bastante homogêneo pode ser analisado mais facilmente como um todo integrado, enquanto que uma federação, ou um país de extensão territorial e populacional muito grande, de dimensão continental, como é o caso dos Estados Unidos, ou do Brasil, ou da União Soviética, ou da China, ou da Índia, evidentemente, não pode de maneira nenhuma ser entendido sem o componente regional colocado na posição muito central. E muito diferente uma análise política de um país como a Índia, ou o Brasil, e a de um país como o Chile, por exemplo, ou como a Noruega. Acho que essa diferença de escala é muito importante e leva a privilegiar muito mais, no caso como o nosso, a importância dos fatores regionais.

Se entrarmos mais especificamente no caso do Brasil, veremos como a questão regional é particularmente importante quando pensarmos na Revolução de 30. Porque a Revolução de 30 é um marco decisivo de passagem entre o período de maior descentralização política da história do Brasil independente, que é o período da República Velha, e o período de maior concentração política da história brasileira, que começa no Estado Novo em 1937. A Revolução de 30 faz essa passagem. Ela termina com o sistema federativo da República Velha. Então o problema é entender qual foi o jogo regional, isto é, como desse jogo regional resultou esse sistema concentrado de poder, que se esboça com o Governo Provisório e culmina com o Estado Novo: como se deu e por que se deu.

Parece-me que entender isto é entender uma outra característica fundamental da evolução política brasileira, que, como se sabe, tem repercussões muito claras, muito óbvias em nossos dias. E nesse sentido, também, que a discussão ou a análise para se entender a Revolução de 30 não é um exercício meramente acadêmico, mas é um esforço muito atual de entender o país em que vivemos e que perspectivas este país tem.

Se fizermos uma pequena visão, assim como um vôo de pássaro, sobre a história política brasileira, pensando na questão regional, poderemos ver que muito dessa história pode ser vista justamente como uma história dos conflitos entre as tendências de centralização e concentração de poder e a força centrífuga das diferentes regiões, que acabaram se integrando de alguma forma na nacionalidade brasileira.

Essa tensão contínua entre um centro concentrador e regiões que aspiram à autonomia e, às vezes, se rebelam, se insurgem dentro da autonomia, eu diria ser um resultado característico do padrão de colonização a que o Brasil foi submetido. Se nós pensarmos como o Brasil foi colonizado, poderemos ver que a colonização portuguesa foi um empreendimento basicamente comercial, quer dizer, havia um sistema de exploração de produtos que o país poderia fornecer, ou simplesmente serem extraídos, como o ouro e a madeira no começo. Mas logo depois, o que se fez foi uma série de concessões a pessoas que poderiam vir desempenhar aqui atividades econômicas com grande lucro. O caso clássico são as capitanias hereditárias, criando-se um sistema do tipo quase feudal no país.

 


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