Partes: 1, 2, 3, 4

3.1.2 Origens da formação da cidade

Os primeiros sinais da futura povoação de Areia Branca iniciam-se quando os portos fluviais – Porto de Jurema e Porto da Ilha -, mostraram-se incapazes de dar vasão à movimentação de carga exportada e importada ao longo do rio Mossoró. Estes portos fortificaram-se quando, em 1852, a então Freguesia de Santa Luzia de Mossoró7 reivindicou através de abaixo-assinado a criação da vila e município, por ter a referida freguesia um grande movimento comercial através do mencionado rio, especificamente no Porto da Ilha, visto que, este porto podia receber grandes embarcações. Todavia, por se tratarem de portos fluviais não teriam a mesma vitalidade econômica que a de um porto marítimo – os referidos portos eram apenas fluviais, além de ficarem distantes da foz do rio Mossoró, o que faria/fez com que pouco a pouco eles fossem perdendo sua importância.

Tal fato, fez com que em 1867, transferisse o armazém de Jurema para a Ilha das Areias Brancas, por ser ela mais próxima da foz do rio Mossoró. Destarte, na ilha já existiam alguns ranchos; porém não constituíam ranchos de habitação como nos esclarece o presente fragmento:

A esta época, na ilha a beira da maré, existiam 4 a 5 ranchos de palha (sic) de coqueiros pertencentes a Francisco Gomes da Silva e seus filhos e irmãos, moradores que eram no próximo povoado da Barra. Estes ranchos, porém, não constituíam (sic) habitações. Os moradores da Barra e Grossos, proprietários de canoas e armadilhas de pesca mantinham esses ranchos na ilha das areias brancas com o fim exclusivo de abrigarem os pescadores da canícula na "espera maré" e (sic) aguardarem a hora propícia para lançarem as redes de tresmalhos (MEDEIROS, 1978, p. 19/20).

Os ranchos eram apenas feitos por pescadores à espera da maré, a rigor, não eram habitações,embora que estas não custariam a seguir, visto que, a construção do armazém do Governo Provincial em 1868 iria atrair os primeiros moradores a esta localidade. Foi em 1869 que João Francisco de Borja, mais conhecido por Joca Soares, construiu as primeiras edificações: sua futura residência e um armazém para atividades comerciais. Segundo Borja (1995, p. 262); Lima (1990, p. 95) e Medeiros (1978, p. 20/21), João Francisco de Borja, Joca Soares, fora um homem eivado de um grande espírito investidor, inovador e de liderança, visto que, foi capaz de vir habitar neste lugar quando não existia sequer uma habitação8, apenas uns poucos ranchos de pesca. Destarte, cogita-se que ele para cá tenha vindo, atraído pelo armazém do Governo Provincial9 que acabara de ser aqui instalado. A rigor, depois de sua investida outros comerciantes também aqui vieram se estabelecer:

Logo depois, os commerciantes de Mossoró, Francisco Tertuliano de Albuquerque, J. Ulrich Graf, Mossoró & Cia., Joaquim Nogueira da Costa e alguns habitantes da povoação fronteira, Barra de Mossoró, vieram edificar armazéns e casas.

A Companhia Pernambucana estabeleceu agencia (sic) ahi a cargo de Tertuliano, que fazia seu escriptorio na casa de Joca Soares, que era considerado o cônsul (sic) do commercio (sic) de Mossoró, fazendo a hospedagem proverbial de todo passageiro ou viajante (LIMA, 1990, p. 95)

A povoação começa a tomar corpo: do armazém do Governo Provincial – sob tutela de Gorgonio Ferreira de Carvalho – em 1868, vem o de João Francisco de Borja, Joca Soares, entre 1869/1870 e a seguir outros comerciantes seguiram o mencionado líder, fazendo com que pouco o então povoado fosse crescendo, de modo a contribuir maciçamente para o crescimento do nascente município de Mossoró10, a quem encontrava-se subordinado. Fora a este importante detalhe, a povoação ia crescendo cada vez mais.

Como já foi mencionado, o primeiro morador da Ilha da Maritacaca ou Ilha das Areia Brancas11, foi o mossoroense João Francisco de Borja; este por sua vez convenceu João Menino, que morava na Barra, a vir para o novo povoado. Quando moradores de Upanema, Grossos e Barra, especialmente pescadores e pequenos agricultores, passaram a ver o incipiente, mas constante crescimento do parado, saíram de seus antigos povoados e foram habitar em Areia Branca. Assim, o lugar foi aos poucos crescendo e tendo que dar respostas às pretenções de seus habitantes, fato que nos corrobora o fragmento seguinte:

Joca Soares trazia os recursos indispensáveis para realizar e financiar a obra a que se devotara. Impulsionando as atividades do nascentes povoado, adquiriu embarcações para a pesca organizada, tresmalhos e outras armadilhas e explorou o comércio de peixe salgado e seco que exportava enfardado "20 léguas em derredor" para o interior do nosso estado e para os sertões da Paraíba e Ceará. Estabeleceu a primeira casa comercial de secos e molhados. E o núcleo de povoamento se desenvolvia e reclamava outras fontes de abastecimento. (MEDEIROS, 1978, p. 20/21)

De fato, Joca Soares teve um espírito empreendedor e de liderança, visto que, enfrentou e veio morar nesta localidade quando ainda ninguém a habitava no stricto sensu da palavra, cogitando que o local pudesse se desenvolver, devido a instalação neste local, do armazém do Governo Provincial. Sua cogitação passo a concretizar-se, graças a sua coragem para dar o primeiro passo. Acompanhando-o vieram alguns comerciantes mossoroenses instalar suas casas comerciais; João Menino, bem como, pescadores de Barra, Grossos e Upanema. Mulatis mutandis, o desabitado povoado começara a se organizar e, de modo incipiente, as suas primeiras marcas de crescimento iam surgindo.

De passagem, é bom lembrar que este crescimento, que a partir de então passou a ser progressivo, começou, também, a causar impactos ambientais, que foram se avolumando tornando-se difíceis a sua diminuição. Embora no final do século XIX, não se discutisse a questão ambiental começava a aparecer, pois inaugurando o processo de crescimento, ao seu lado, também, inicia-se a degradação ambiental.

... no processo de povoamento e ocupação do território, o português procedeu à derrubada impiedosa dessas florestas, [...], e muita árvore foi destruída para produzir o combustível necessário a alimentar as fornalhas dos engenhos bangüês. A ação devastadora era feita com o jogo, com a chamada "caivara" – atribuída ao indígena -, para diminuir o trabalho do homem, do agricultor. E da floresta, além da lenha, tirava-se a madeira para as construções, para a confecção de móveis, [...]; não se preocupava o colonizador em poupar reservas de matas ou deixar áreas em reflorestamento, despindo os solos de vegetação de grande parte (ANDRADE, 1994, p. 37)

O texto em epígrafe retrata um costume antigo dos colonizadores, desde os portugueses até os locais, ao chegar em um território ainda desabitado ou pouco habitado. Foi o que aconteceu com os primeiros habitantes da povoação da ilha das Areias Brancas, que, via de regra, para construir suas habitações, casas comerciais, capela, salinas, dentre outras, destruíram áreas de matas, e, conseqüentemente, de manguezais, sem se preocupar em deixar qualquer reserva. É o incalculável preço que se paga para se instalar uma vila, uma cidade. Vejamos o que diz a citação a seguir sobre o papel da cidade:

A cidade tanto cria a expansão como é criada por ela. Mas o certo é que, mesmo quando não é a cidade a fabricá-la com todas as suas peças, é ela a ditar as leis do jogo. E na cidade esse jogo revela-se melhor do que em qualquer outro posto de observação.

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Enfim, não há cidades sem poder simultaneamente protetor e coercivo, seja qual for a forma deste poder, seja qual for o grupo social que o encarna. E se o poder existe fora da cidade, adquire nela uma dimensão suplementar, um campo de ação de outra natureza. Enfim, não há abertura ao mundo, não há trocas a distância sem cidades (BRAUDEL, 1997, p. 439/441).

De fato, no dizer de Fernand Braudel, a cidade cria e é criada pelo processo de expansão. Essa reciprocidade dessa expansão ou crescimento, a rigor, gera também poder, que será condição sine que non, para a diferenciação dos grupos sociais que começam a florescer. Esta é uma necessidade antropológica: seja como for, os homens sempre precisam distinguir-se uns dos outros. Não há forma melhor de distinção que as relações de poder.

Diferentemente do que diz o citado autor – "Todos os grandes momentos do crescimento se exprimem por uma explosão urbana (BRAUDE 1997, p. 439). – não acreditamos ser a explosão urbana a solução para boa parte dos problemas humanos; com isto não estamos fazendo apologia à barbárie e contra a civilização, até porque isto daria um grande debate filosófico; queremos dizer que a complexidade da vida nas cidades (especialmente nos grandes) gera muitos conflitos: luta por mercado de trabalho, fome, violência e insegurança, dentre outros. Numa época em que se fala em pós-modernidade, não se consegue encontrar respostas plausíveis pelos problemas criados pela modernidade. Eis porque não compactuamos com as idéias de ser o crescimento ("explosão urbana") um momento magnífico do crescimento humano.

As cidades são muito importantes, sem dúvida: é lá onde as pessoas se encontram, onde as manifestações culturais são mais evidentes, é lá o local de desenvolvimento do comércio, dentre outras atividades. É mister dizer que ela será um lugar melhor ainda, quando se combinarem um bom gerenciamento administrativo, com um ambiental.

Retornando ao nascimento da povoação da Ilha das Areias Brancas – também conhecida como Ilha da Maritacaca – é importante mencionar que além da transferência do armazém provincial do porto de Jurema para a já citada ilha, que fez com que pouco a pouco, ela fosse sendo habitada, ainda houve outro motivo impulsionador da habitação de Areia Branca: em decorrência da Guerra do Paraguai12 (1864-1870), os rapazes temendo serem obrigados pelo recrutamento militar a irem guerrear contra o Paraguai, adentravam na mata existente na ilha, sendo protegidos por Francisco Gomes da Silva e Feliciano Gomes da Silva, fato que nos comprova o fragmento em destaque:

Em 1865, quando foi do recrutamento forçado para a guerra do Paraguay, era ali o refúgio dos rapazes que se furtavam ao dever de sangue aos quais [sic] dava acolhida Francisco Gomes da Silva, conhecido por Chiquinho Gomes da Barra e Feliciano Gomes da Silva, descendentes do commandante Felix Antonio de Souza, e appelados13 [!] – os Lopes [sic] do Paraguay.

Aquelle cidadão fundara, no anno de 1864, uma casa de palha para uso de suas pescarias e ahi [sic] ficará [sic] residindo, do que se deduz que foi o fundador da localidade, a que deu, pouco a pouco, o nome de Areia Branca em vez de Maritacaca (LIMA, 1990, p. 94).

Estas informações de Nestor Lima são de suma importância, a medida que relata ter sido em 1864 construída uma casa de palha para uso de pescarias, como também para servir de residência aos irmãos Francisco Gomes da Silva e Feliciano Gomes da Silva, passando assim, a ser um ou outro, ou ambos, o(s) primeiro(s) habitante(s) da ilha das Areias Brancas, contrariando relatos anteriores que dizem ter sido este lugar habitado a partir de 1870, e que nele existiam apenas 4 (quatro) ou 5 (cinco) ranchos de pesca, onde os pescadores se abrigavam na espera maré.

Apesar da riqueza dos detalhes elencados é imperioso dizer que o importante é a relação processual existente: a fuga dos rapazes para este lugar vai indicar, implicitamente, que ele poderia ser perfeitamente transformado em povoação. O fato é que o povoado só irá vingar e entrar em pleno desenvolvimento a partir de 1870, com Joca Soares e os comerciantes que aqui se instalaram.

Novamente, no que tange a Guerra do Paraguai, é imperioso dizer que Francisco Gomes e Feliciano Gomes, além de refugiar rapazes que seriam lutadores na citada guerra, ainda lutavam com os responsáveis pelo recrutamento, chegando a tomar de suas mãos aqueles que iriam lutar contra o Paraguai, como nos afirma a citação a seguir:

Afirma uma tradição do logar, [sic] que por ocasião da guerra do Paraguai, sendo aberto recrutamento em todas as províncias do Império, a ilha de Areia Branca que então era constituída de uma mata e deserta serviu de refúgio [sic] para muitos moços moradores na Barra do Mossoró, Paneminha e outros logares aproximados, para se livrarem dessa caçada humana. Francisco Gomes da Silva, conhecido pelo14 Velho Xico Gomes da Barra, Feliciano Gomes e outros seus parentes, moradores na referida Barra, muito se celebrisaram [sic] na tomada de recrutas das mãos de autoridades legais. Logo desvencilhados, eram enviados para a mata da ilha de Areia Branca, onde se consideravam salvos do recrutamento (SOUZA, 1995, p. 161-2).

A atuação destes dois cidadãos foi deveras importante a medida que protegiam jovens rapazes, sem qualquer experiência, de morrerem gratuitamente em defesa de interesses que não eram os seus. Contrariamente ao que citou Lima, os referidos cidadãos moravam na Barra e não em Areia Branca.

Após esse período, como já mencionamos, Areia Branca passou a viver momentos áureos de desenvolvimento: passou a ser habitada por pessoas que vinham da Barra, de Grossos, de Paneminha (Praia de Upanema); comerciantes mossoroenses passaram a investir os seus negócios para esta região, que ia crescendo e dando provas de seu incipiente, porém constante, desenvolvimento.

Eis aqui alguns relatos que mostram que o povoado estava caminhando em busca de maior ascensão: em 18 de junho de 1872 foi instalada a Agência dos Correios; em 5 de dezembro do mesmo ano pela lei nº 656, Areia Branca passou a ser Distrito de Paz, tendo Joca Soares como o seu primeiro presidente; pela lei nº 692 de 5 de março de 1873, é instituída em Areia Branca, município de Mossoró, uma cadeira de instrução primária, do sexo masculino; o Decreto Imperial nº 5223, de 16 de fevereiro do mesmo ano houvera criado uma Mesa de Rendas Gerais para o povoado, todavia, ela só foi instalada em 1º de junho de 1873.

Estes informes confirmam que o povoado estava crescendo, "caminhando de vento em popa", porém a onda positiva teve uma pequena interrupção: pela lei nº 797, de 19 de dezembro de 1876, o Distrito de Paz de Areia Branca foi extinto. Esta ato foi considerado negativo, um retrocesso no desenvolvimento da povoação. Outra grande hecatombe foi a seca ocorrida entre 1877 e 1879 – que detalharemos em particular, em outro momento -, no entanto, em meio a isto tudo, em 1878, João Francisco de Borja (Joca Soares) em parceria com o seu cunhado Joaquim Nogueira da Costa, construiu em Serra Vermelha a primeira salina15, por sinal com o mesmo nome, com o fito principal de impulsionar a economia, visto que, em períodos de seca a produção de sal é abundante. Em 1882, foi instalada uma cadeira de instrução primária do sexo feminino, depois de 9 (nove) anos que os meninos já estavam sendo alfabetizados. Daí pode-se concluir quão grande era a diferença, o preconceito açambarcado por uma sociedade senhorial que defenda ser o papel da mulher, apenas cuidar das tarefas do lar.

Apesar de alguns ranços o povoado caminhava bem, pouco a pouco, o progresso ia aparecendo e se instalando na terra do sal, como nos corrobora a seguinte citação:

E o núcleo de povoamento se desenvolvia e reclamava outras fontes de abastecimento. Mas Joca Soares sempre atento e animado, estabeleceu a primeira padaria e ainda de sociedade com seu velho amigo Joaquim Bernardo da Costa, montou um açougue para a venda de carne verde e sêca. Ao seu entusiasmo, à sua operosidade e ao seu admirável tino comercial, não escapou a exploração da indústria salineira. De sociedade com o seu cunhado Joaquim Nogueira da Costa,..., construiu a primeira salina em 1878 no atual território do município de Areia Branca, no lugar Serra Vermelha (MEDEIROS, 1978, p. 21)

O povoado ia se transformando, ganhando características que lhe trariam o título de vida, quiçá, de cidade já que os empreendimentos que existiam justificavam essa aspiração, e, acreditamos, que ela já existia. O porto de Areia Branca, tinha grande movimento: exportava sal e importava mercadorias, inclusive gêneros alimentícios, além de servir também para embarque e desembarque de passageiros. É bom lembrar que, embora existisse esse desenvolvimento econômico, Areia Branca ainda era município de Mossoró, logo, era para lá que partia o montante maior dos lucros. Daí a necessidade de uma emancipação política para este núcleo de povoamento.

De passagem, é essencial lembrar que, esse desejo de emancipar-se passava por esferas burocráticas do poder. Ou seja, era necessário justificar ao Governo Provincial a vontade de transformar Areia Branca numa entidade independente e de poder, já que:

O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. [...]. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca o alvo inerte ou consentido do poder são sempre centros de transmissão. [...], o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. Não se trata de conceber o indivíduo como uma espécie de núcleo elementar, [...] e inerte que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou estraçalhando-os (FOUCAULT, 1996, p. 183).

Segundo Michel Foucault o poder é algo que se aplica na esfera coletiva, todavia, não é aplicável a indivíduos em particular. Dito de outro modo o poder ergue-se como uma instancia que só se torna perceptível quando aplicado a muitos, em rede. Grosso modo, é imperioso afirmar que Areia Branca precisava libertar-se da situação de dependência em que vivia para ter acesso total ao seu sucesso econômico. Para tal, o desejo de emancipação tinha que ecoar em uníssono para ganhar corpo e tornar-se concreto. E foi assim que o povoado passou a vila e depois a cidade. Sendo assim o conceito de poder em seu sentido estrito foi aplicado.

Porém, acreditamos que o poder não se aplique apenas na esfera política e tão pouco que só tenha sentido quando aplicado a grupos em rede; cremos numa outra esfera de poder, a saber, a esfera simbólica que, contrariamente, ao outro poder, pode ser aplicado também a pequenos grupos. O poder simbólico diz respeito a condição dos indivíduos no grupo, bem como a sua posição de classe. A título de esclarecimento vejamos o presente texto:

As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição de mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais. Elas podem conduzir essa luta quer diretamente, nos conflitos simbólicos da vida quotidiana, quer por procuração por meio da luta travada pelos especialistas da produção simbólica (BOURDIEU, 1998, p. 11)

De fato, as classes sociais e/ou grupos, travam uma luta para se distinguirem, sendo esta a condição primeira para expressarem as relações de poder, que ligam-se, intrinsecamente, a sua posição econômica, embora o fator econômico não seja o único e o mais importante, mas ele influi bastante nas relações sócio-culturais, sendo o poder simbólico, parte constitutiva destas relações.

3.1.2 A seca de 1877-1879 e seus reflexos para os habitantes de Areia Branca

Desde seus primeiros passos, os moradores de Areia Branca passaram por certas dificuldades, porém, talvez nenhuma delas tenha tido resultado negativo, até então, quanto a seca do período de 1877 a 1879. O referido fenômeno encampou toda a Região Nordeste, como usualmente ocorre em períodos prolongados de seca, o que fez com que a população sertaneja próxima a Areia Branca, viesse para cá tentar a sobrevivência, fato que nos corrobora a presente citação:

Areia Branca, povoação florescente, abrigou elevado número de flagelados vindos do sertão do oeste potiguar que procuravam alimentos encontrados nas piscosas águas da maré e do mar. E mais ainda emprego nos trabalhos portuários como excelente meio de subsistência. Muitas famílias procedentes do alto sertão fixaram-se no povoado e completaram o desmatamento da ilha construindo casas de palha e de taipa. Ocorreu assim, inesperada explosão demográfica que teve a grande vantagem de ampliar os quadrantes do nascente povoado (MEDEIROS, 1978, p. 28).

A seca vai trazer a população sertaneja a Areia Branca, como condição sine qua non de sobrevivência, onde estes sertanejos irão procurar se adaptar a uma nova vida em um outro lugar. Essa readaptação provocou um impacto ambiental, visto que, com o fito de aqui se fixarem, estes flagelados desmataram por completo a região para construírem abrigos para si.

Esse processo migratório, além de desmatar, provocou as primeiras convulsões sociais existentes no povoado: em 1879 o Veterano da Guerra do Paraguai, alferes Francisco Moreira de Carvalho, residente em São Miguel de Pau dos Ferros, estava em Areia Branca como migrante, travou luta contra o poder público local devido a lentidão da entrega dos alimentos, por estarem os responsáveis por tal atividade desviando o que lhes fora confiado. Liderando um grupo de retirantes, o citado alferes provocou uma verdadeira celeuma na povoação, sendo necessário vir agrupamento policial de Mossoró. Diga-se de passagem que o delegado de Mossoró Manuel Rodrigues Pessoa foi morto, além dele alguns soldados, como também morreram muitos do lado dos migrantes. Isso aconteceu em 27 de Janeiro de 1876.16

A rigor, o processo de migração é completo e sócio-antropologicamente interativo, qual seja, há uma troca mútua entre aqueles que chegam com os que são oriundos à localidade. Grosso modo, tais trocas vão pouco a pouco modificando a vida de ambos: novos costumes alimentares passam a vigorar tanto na mesa daquele que chega, quanto na da daquele que o "acolhe"; a adaptação ao trabalho; costumes folclóricos são trocados, enfim, um cabedal de trocas são efetuadas. A inferência a seguir corrobora o nosso pensamento, além de trazer mais detalhes sobre migração:

Migrar, portanto,t em sempre um sentido ambíguo – como uma imposição das condições econômicas e sociais u ambientais – e, neste caso, ela aparece no mais das vezes como um dos mais fortes elementos que explicariam uma destinação do ser nordestino, mas também como uma escolha contra a miséria e a pobreza da vida no sertão. Migrar, é em última instância, dizer não à situação em que se vive, é pegar o destino com as próprias mãos resgatar ou mesmo diferente. O problema está no fato de que uma vasta produção discursiva, retirou-se do migrante a sua condição de sujeito, como se migrar não fosse uma escolha, como se ele não tivesse vontade própria. Migrar pode ser entendido como estratégia não para minimizar as penúrias do cotidiano, mas também para buscar um lugar social onde se possa driblar a exclusão pretendida pelas elites brasileiras através de seus projetos modernizantes. (GUILLEN, 2002, p. 2-8)

Migrar, antes de tudo, é envolver-se numa rede complexa de significados, visto que, migra-se por diversos motivos. Todavia, torna-se pertinente que nos detamos, neste momento nas condições ambientais, que por seu turno, ligam-se, intrinsecamente, às condições econômicas. O migrante – também chamado de retirante e flagelado – perde a sua identidade de sujeito, quando obrigado pelas condições climáticas desfavoráveis (seca) se compelido a migrar, especialmente para as capitais de seus Estados, em busca de alimentos, empregos (biscates), enfim, sobrevivência.

A seca de 1877-1879, causou impactos também aos habitantes de Areia Branca, no que concerne a invasão dos sertanejos àquela localidade em busca de melhores condições de vida. Em busca da vida que a seca17 lhes tinha roubado. Porém, sua presença chegou a causar mudanças na vida, digamos, pacata e sem tanta novidade, vivida por aquele povo.

Foi a partir da seca de 1877-1879 que as autoridades começaram a efetivar uma política de águas para a Região Nordeste. Esta preocupação em implantar um programa mitigador se deu devido aos efeitos deletérios da referida seca na região, visto que, por causa dela, boa parte das cidades nordestinas viviam exclusivamente da agricultura e da pecuária sofreram os seus maléficos efeitos. Para fins de confirmação, vejamos o que diz o presente texto:

O total arrazamento da região por esta seca terrível chegou ao conhecimento do Imperador através dos representantes do Nordeste na corte. Após ouvir o relato da tragédia a que fora submetida a região, D. Pedro II, emocionado, inaugurou a retórica governamental em relação ao Nordeste: <<Não restará uma única jóia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome>>. (SOUZA e MEDEIROS FILHO, 1983, p. 66)

Esse discurso inflamado do imperador inaugura uma prática (melhor dizendo, desculpa) que se tornará bastante conhecida das política da Região Nordeste, especialmente do semi-árido, em épocas de campanhas eleitorais. Destarte, nem D. Pedro II, tão pouco os políticos atuais fizeram/fazem alguma ação concreta que possa amenizar de fato os resultados negativos dos períodos de estiagem. A seca do Nordeste transformou-se, antes de tudo, numa indústria que tem o fito principal de elevar o nome dos políticos que nela habitam.

Como mencionamos anteriormente,a partir da seca de 1877-1879, começou-se a pensar nos mecanismos de contenção da seca, que, a rigor, seriam o represamento dos rios nas províncias18 afetadas, bem como, a construção de açudes visando ao abastecimento de água; no que tange a ocupação e trabalho para à população que estava nos grandes centros, seriam tomadas as seguintes medidas: construção de vias férreas, obras de melhoramento dos portos marítimos e fluviais, construção de linhas telegráficas gerais, dentre outras atividades que pudessem ocupar e trazer fonte de renda para os flagelados.

Todavia, estes benefícios atingiam muito mais os grandes centros, as capitais de Províncias, especialmente, das mais afetadas pela seca. As cidades cearenses foram assistidas em grande medida, por aquela Província ter apresentado um elevado número de mortalidade. Na cidade de Mossoró, pertencente à Província do Rio Grande do Norte, também evidenciou-se uma grande hecatombe populacional, como nos corrobora o fragmento seguinte:

Segundo relação de óbitos organizada pelo vigário de Mossoró, de 1877 a 79 foram sepultados 31 mil mortos, só no cemitério, estimando-se em mais de 40 mil o total. Em Outubro de 1878, o obituário diário era superior a 100, [sic] e quem se aproximava do perímetro urbano "tinha o olfato vivamente impressionado pelo mau cheiro que da população pesteada e imunda se exalava". (GUERRA, 1981, p. 29)

De fato, o número de mortos naquela cidade era exorbitante, chegando até a ser questionável, visto que, numa terra constantemente assoladas por períodos de estiagem, que compromete o desenvolvimento de plantas e animais, com reduzida assistência médica, altos índices de mortalidade infantil é difícil ter um índice populacional tão grande, que comporte tão elevado índice de mortalidade.

Foi só a partir das grandes desgraças deflagradas pela mencionada seca, que se atentou em procurar minimizar os seus efeitos. Uma das formas de tornar esta "preocupação" com a Região Nordeste em uma realidade concreta era criar um órgão que tivesse como responsabilidade primeira manter a região livre de tanta morte e de tanta migração causadas pela seca. A rigor, um órgão foi criado para agir contra as secas, e diminuir o avanço da problemática regional. Esta organização recebeu o nome de IOCS – Inspetoria de Obras Contra as Secas – e foi criada pelo Decreto nº 7.619, de 21 de Outubro de 1909. Porém, este órgão só funciona de fato em época de seca, tendo, grosso modo, um caráter emergencial. Foi por isso que em 28 de Dezembro de 1911, sob o Decreto nº 9.256 a IOCS passou a ser permanente para poder contribuir em grande medida com o desenvolvimento de ações de combate à seca.

Foi só depois de mais dois períodos de seca (1888-1889 e 1898) que algo de concreto foi feito para atingir os hediondos efeitos causados pelas estiagens, o que prova que verdadeiramente não havia intenção por parte do Imperador ou dos políticos (deputados e senadores) de procurar melhorar a situação dos habitantes da Região Nordeste, que já de muitos séculos convivia com aquela situação de hostilidade, sem que ninguém se compadecesse da sua situação. Inúmeras mortes tanto de animais como de pessoas, a terra seca sem produzir nada: este era o cenário do nordestino, especialmente daquele que habitava o semi-árido. A única saída que lhes restava era a migração como forma de fuga da morte e busca da sobrevivência.

A IOCS, embora atrasada, chegava como promessa de melhorias para a Região Nordeste. Sob a liderança do engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa, a Inspetoria de Obras Contra as Secas realizou um amplo estudo sobre o Nordeste: engenheiros agrônomos, pedologistas, botânicos, geólogos, hidrólogos reuniram-se em equipe com o fito principal de estudar as características físicas e biológicas da região, de forma que, do resultado deste estudo, fossem tomadas medidas governamentais de apoio à Região Nordeste. Todavia, o Governo Federal não foi tão solidário com o Nordeste como tinha obrigação de ser, tão pouco respeito Miguel Arrojado e sua equipe. Sobre o descaso governamental veja-se a seguinte citação:

Entretanto, por melhores que fossem as intenções dos técnicos da IOCS, os recursos liberados para executar os planos ficavam muito aquém das necessidades. Isto era o reflexo da estrutura de poder nacional cuja hegemonia estava nas mãos dos políticos do Centro-Sul. A "república do café com leite", como foi designada a República Velha,..., não via com prioridade a problemática do Nordeste. (SOUZA e MEDEIROS FILHO, 1983, p. 70).

Na verdade, os políticos do Centro-Sul ignoravam a real situação do Nordeste. Para eles o importante era o sucesso da "política do café com leite"; pouco importava o esforço feito pela equipe de Migual Arrojado Lisboa em estudar as características físicas, biológicas e climatológicas, visto que, os recursos levantados para execução dos projetos daqueles cientistas eram insuficientes, chegando assim a frustrar a equipe que via o seu trabalho desvalorizado em nome dos interesses dos políticos do Centro-Sul. A rigor, como já foi mencionado, o Brasil vivia a política do café com leite19 e o mais interessante para os políticos envolvidos neste jogo era preocupar-se apenas com os problemas da sua região – o Centro-Sul – sem envolver-se com os problemas de outras regiões, especialmente com o Nordeste.

Para que se possa ter noção da importância de um órgão como a IOCS é imperioso que se conheça o seu raio de ação: estudar as condições metereológicas, geológicas, topográficas e hidrológicas das zonas semi-áridas; estudar os regimes pluviométricos; construir ferrovias e estradas de rodagens; conservar as florestas; perfurar poços tubulares e artesanais; incentivar a proliferação da pequena açudagem bem como desenvolver a piscicultura na região, dentre outras ações20.

Em 9 de Julho de 1919, a IOCS transforma-se em IFOCS – Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – pelo Decreto nº 13.687. Neste período a Inspetoria vivia uma fase áurea, visto que, o Presidente da República, Epitácio Pessoa, era nordestino. Conhecedor dos dramas de sua região, Epitácio Pessoa deu apoio à Inspetoria, ou seja, passou a fomentar de forma mais expansiva que os outros presidentes, as ações relativas ao desenvolvimento do Nordeste.

Criada para combater os efeitos nocivos deixados pela seca, órgãos como a IFOCS e depois o DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – serviram muito ais aos interesses oligárquicos que as populações mais necessitadas de sua atuação. Sobre este aspecto é essencial que se veja o fragmento seguinte:

Uma descrição, ainda que sumária -...- pode servir aos propósitos de concretizar essa captura, essa imbriação Estado + "Nordeste" algodoeiro – pecuário. Criados para combater os efeitos das secas, a IFOCS, primeiro, e o DNOCS, depois circunscreveram-se ao chamado Polígono das Secas, uma demarcação no interior do próprio Nordeste geográfico mais amplo, que apresentava as condições climático-ecológicas propícias ao fenômeno da falta e irregularidades das chuvas. Essa própria demarcação era em si mesma econômica e política, pois foi concebida precisamente na época em que se expandia o "Nordeste" algodoeiro-pecuário, em detrimento do "Nordeste"açucareiro. É também por esta razão que se tornou o DNOCS um paradigma da ação do Estado. (OLIVEIRA, 1993, p. 53)

A rigor, tanto a IFOCS como o DNOCS foram órgãos do Estado que foram capturados pelo poder, pela força das oligarquias nordestinas. Logo, instituições que foram criadas em caráter nacional ficavam a disposição dos "coronéis" do Nordeste, fazendo benefícios em suas propriedades21, enquanto quem realmente precisava da ação destes órgãos ficava à mercê, sem usufruir, ou usufruindo menos do que devia. Logo quando a IOCS foi transformada em IFOCS, deu a entender que a camada desfavorecida da Região Nordeste seria melhor assistida, pelo fato de ter sido responsável por esta transformação, um Presidente nordestino. Todavia, os representantes da oligarquia algodoeiro-pecuária foram mais "espertos"22 e capturaram o Estado, isto é, conseguiram colocar as instituições estatais a seu serviço através de justificativas esdrúxulas, que na verdade, não conseguiriam convencer ninguém. Mais uma vez é a força conjunta da política e do capital que agem em detrimento dos mais fracos.

A IOFCS e mais tarde o DNOCS23 transformaram-se em órgãos capitaneados pela oligarquia algodoeiro-pecuária. Estas organizações foram criadas para atender as necessidades do país como um todo, porém, só beneficiavam os fazendeiros do Nordeste. Isto prova que, de fato, o planejamento estava longe de existir como uma realidade concreta24, visto que, embora tais instituições fossem formadas por uma equipe técnica competente, na época ainda não se falava em planejamento no sentido lato. Corroborando com este pensamento, é imperioso que se veja o fragmento seguinte:

A Constituição Federal de 1946 restaurou o dispositivo constitucional da Carta Magna de 1934, isto é, assegurar a dotação de 3% da renda tributária da União para as obras de combate as secas. Mesmo assim, o atraso no planejamento das obras do DNOCS continuou como anteriormente. José Américo de Almeida afirmou que <<as secas sempre foram responsáveis por tradição de impontualidade nos pagamentos>>. Conta-se mesmo que, encontrando-se Arrojado Lisboa em inspeção ao Oras, perguntou-lhe um caipira: <<Dr., e esse açudão também vai ser no fiado?>>. Só no 1º Distrito, no ano passado, houve um atraso de 11 meses. (SOUZA e MEDEIROS FILHO, 1983, p. 76)

Este descomunal atraso no pagamento dos trabalhadores, esta desorganização, só confirmam a ausência de planejamento tanto na IFOCS, como no DNOCS. A noção de planejamento só irá surgir anos mais tarde, com o movimento que deu origem a criação da SUDENE.

A associação à região Nordeste apenas como uma terra árida tornou-se um estigma, de modo que todo problema da região parecia se resolver quando se procurava aplicar os efeitos da seca. Todavia isto não era procedente. Foi reagindo contra isso que parte da sociedade civil nordestina passou a reivindicar uma política de desenvolvimento, que fosse ampla, para o Nordeste. Dessa luta em 14 de dezembro de 1956, o Presidente Juscelino Kubitschek baixa o Decreto nº 40.554, pelo qual cria o GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste -. Este grupo foi liderado pelo economista Celso Furtado; setores da CNBB – Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil -, bem como outros cientistas sociais também participaram desta investida.

As discussões do referido grupo, e também as suas ações, convenceram as autoridades a criarem um órgão de desenvolvimento para o Nordeste. Eis que pela lei nº 3.692, de 15 de dezembro de 1959 foi instituída a criação da SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste -. Tal instituição foi bem planejada e assessorada, grosso modo, pode-se dizer que ela foi uma filha notória de Celso Furtado e também de Francisco Oliveira, dentre outros que contribuíram para o seu nascimento.

Porém, embora tenha sido muito bem organizada, a SUDENE foi capturada pelos fazendeiros e industriais da região25, vindo a transformar-se em um Estado dentro de outro Estado, como afirma Francisco de Oliveira (1993, p. 115). De um órgão que nasceu com o ideal de melhorar, de transformar a situação de miséria absoluta e descrédito por que passara o Nordeste de longa data, a SUDENE passou a ser um órgão desmoralizada, envolvido em fraudes de toda a espécie, o que fez com que recentemente as superintendências de desenvolvimento fossem extintas e dentre elas a SUDENE.

Como se evidencia, a preocupação com as condições climáticas só começaram a partir da mencionada seca. Naquele período (1877-1879), a seca assolou quase todo o Nordeste, sendo que, como já foi mencionado, os moradores dos sertões mais próximos a Areia Branca-RN, migraram de lá para cá com o fito principal de escaparem da morte. Sendo Areia Branca-RN uma região litorânea e portuária, os sertanejos vinham para estes lados por encontrarem trabalho e alimento á vontade.

De acordo com Medeiros (1978, p. 56) e Lima (1990, p. 99-100), o porto de Areia Branca-RN era bastante promissor, freqüentado desde muito tempo por embarcações nacionais e estrangeiras para exportação de sal e importação de gêneros alimentícios e de outras utilidades. O movimento interno do porto de Areia Branca-RN era bastante intenso, sendo assim, o período de seca não ofertava negativamente a economia areiabranquense, pelo contrario, era positiva, visto que a referida região é extremamente rica na produção de sal, e para o sal, quanto maior a incidência de raios solares maior é a sua produção.

Os retirantes encontraram em Areia Branca-RN um bom abrigo com alimento garantido e trabalho. O porto de Areia Branca-RN era bastante movimentado: havia exportação de sal, importação de gêneros alimentícios e outros produtos de igual importância (couros, algodão, tecidos etc.). Para aqueles flagelados fugidos da seca, Areia Branca-RN fora a salvação, visto que, aqui eles encontraram as mencionadas condições de sobrevivência (alimento, abrigo e trabalho). Atrelada as atividades portuárias, a pesca constituía também outra importante ocupação, que, grosso modo, além de servir para consumo próprio do pescadora era também uma forma de conseguir divisas para aqueles envolvidos com a pesca.

Os fugidos do flagelo da seca que passaram a viver em Areia Branca-RN, trouxeram para cá muitos dos seus costumes alimentares, que com o tempo e a convivência começaram a mesclar-se com os da mencionada localidade. O homem do semi-árido, apesar da hostilidade do seu meio ambiente, apresenta uma relativa quantidade de costumes alimentares: gado bovino – em menor quantidade para a população em geral -, ovinos (carneiros), caprino (bodes), além de um bom número de caças, tais como: mocó (Kerondon rupestris Wied), avoante (Zenaide auriculata Noronha Chublo), cutia (Dasyprocta aganti) e ema (Phea amaricana americana) dentre outros.

Essa gama de hábitos alimentares misturam-se com a dieta alimentar dos habitantes do litoral, a base de peixes, crustáceos e moluscos, combinados com farinha de mandioca e feijão, aliás, estes dos últimos são sagrados, tanto na mesa do homem do litoral, quanto na do sertão. O que se quer dizer é que existe uma troca, um intercâmbio cultural que se expressa através da alimentação. A cultura, grosso modo, é parte integrante e essencial da vida em sociedade; é ela que permite que haja essa diversidade de hábitos alimentares, visto que, a noção de necessidades só é expressa e sentida porque o ser humano é um produtor, consumidor e transmissor de cultura. Corroborando com este pensamento, vejamos o que diz o fragmento seguinte: "Cultura não é apenas raiz é galho, também é fruto. Antiguidade – como ainda pretendem alguns – não pode ser o seu fraco mais forte. Cultura é trânsito: seu passado, na realidade, é um passando. Seu tempo verbal é o gerúndio." (MARQUES apud BASTOS FILHO, et. al.)

De fato, a cultura ergue-se como o fulcro do gênero humano. Foi por possuí-la que os mais primitivos homens deixaram de migrar em busca de regiões que fossem ricas em caça e que tivessem água em abundância, para fixarem-se em um só lugar e passar a produzir o seu próprio alimento, dando origem a pecuária e a agricultura, como também a vida em sociedade.

3.2. Aspectos sócio-econômicos do município de Areia Branca-RN

É imprescindível se dizer que os fatos sociais ligam-se direta e/ou indiretamente aos econômicos. O povoamento de Areia Branca-RN não foi diferente: João Francisco de Borja (Joca Soares) procurou ativar a economia local quando, além de construir sua residência, construiu um armazém para estabelecimento comercial, convencendo moradores da Barra, Grossos e Upanema a se transferirem para o novo povoado que acenava novas perspectivas de vida (cf. MEDEIROS, 1978, p. 20). Porém, as principais atividades econômicas do povoado era a extração de sal marinho, a pesca, a agricultura, e a caça.

É imperioso que se veja a importância de cada uma delas para o desenvolvimento sócio-econômico da mencionada localidade, isto é, mostrar de que forma tais ofícios foram influindo (e/ou influem) na vida social, econômica e cultural de Areia Branca-RN.

3.2.1. Agricultura

De acordo com os dados do IBGE (1999), os produtos que fazem parte da lavoura temporária são o algodão herbáceo, o feijão, a mandioca e o milho; os produtos da lavoura permanente são o caju (dando-se ênfase à castanha) e o coco-da-baía.

É necessário mencionar que o feijão plantado em Areia Branca-RN, é o feijão macássar (ou macassar) e que a produção de milho é bastante irrisória se considerarmos a quantidade de hectares destinada ao seu plantio (368 hectares) com a área plantada. Para efeito comprobatório, vejamos o quadro 1.

QUADRO 01 – DEMONSTRATIVO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE AREIA BRANCA-RN, SEGUNDO O IBGE – 1970 A 2000 (T)

Produtos

70

80

90

2000

Algodão Hertáceo – em caroço

64

7

14

1

Castanha de caju

4.400

5.400

561

561

Coco–da-baía

270

90

315

342

Feijão (em grão)

30

5

117

3

Mandioca

400

8

35

30

Milho (em grão)

28

-

20

-

FONTE: IBGE

O quadro em evidência mostra os produtos agrícolas encontrados em Areia Branca e sua situação de oscilação ou estabilidade ao longo das décadas em destaque. A castanha de caju e o coco-da-baía, nas décadas de 1970 e 1980, são contabilizados em mil frutos. No caso do caju a contagem é feita pelo fruto sem dar ênfase à castanha; já em 1990 e 2000 a contagem das castanhas é feita em toneladas, verificando-se uma estabilidade na produção, enquanto que nos demais produtos há uma oscilação, ora para mais ora para menos.

3.2.2 Pesca

Atrelada ao sal marinho, a pesca está intrinsecamente ligada às origens desta cidade. É uma atividade cuja expansão é freqüente, no que tange tanto à pesca de pequena escala, quanto a de grande escala em que cujos profissionais são analfabetos ou semi-analfabetos que vêem na pesca uma forma de sobrevivência.

Além da forte influência do fator econômico e da baixa escolaridade, nota-se também que tal ofício é passado de pai para filho, tio para sobrinho..., donde se evidencia uma relação antropológica na passagem da profissão entre familiares, dito de outro modo, pode-se dizer que há uma continuidade do costume "ser pescador" como forma de manter a tradição que ergue-se, grosso modo, como uma característica familiar, caso não queira estudar para mudar de vida, de "seguir o exemplo do pai".

3.2.3 Caça

Segundo informação obtida de um ex-caçador, as caças que ele sempre costumava abater eram aves como avoante (ou avoete), marreca, nambu; além delas se pegava também peba, preá, tatu e veado.

De acordo com ele, as caças tanto serviam para "matar a forme" imediata, quanto para serem vendidas para "comprar o que estava faltando."

3.2.4 Sal

Produto ligado às origens do município, o sal sumariamente importante para a economia do município. O sal de Areia Branca-RN é vendido tanto internamente quanto externamente. Internamente em várias cidades do Estado do Rio Grande do Norte e da Região Nordeste e externamente o sal é vendido a países tais como: Argentina, Chile, Estados Unidos, Bélgica, Venezuela e Nigéria.

Vejamos agora um pouco da produção salineira: em 1999 – 2.224.741,5 toneladas; 2000 – 2.417.789,0 toneladas; 2001 – 2.410.495,1 toneladas. Isto mostra que há sempre uma evolução na produção salineira que é escoada tanto dentro do país como fora dele.

3.3. Cultura alimentária areiabranquense x sustentabilidade

A cultura alimentária areiabranquense é baseada em produtos que existem na sua culinária local (peixes, crustáceos diversos, moluscos) em menor escala, se comparado aos peixes e crustáceos, temos também a presença de aves, caprinos, ovinos e bovinos.

Fora os produtos cárneos, há grande consumo de farinha de trigo, farinha de mandioca, arroz, farinha de milho, macarrão e especialmente o feijão mulatinho.

Os mencionados produtos não são produzidos no município, o que significa dizer que não há sustentabilidade nas práticas alimentares locais, visto que, a maioria do que é consumido não é produzido no município26, ou quando é produzido, não é em quantidade suficiente para toda população, fato que nos confirma a citação em destaque:

Considerando que o conceito de desenvolvimento sustentável sugere um legado permanente de uma geração a outra, para que todas possam prover suas necessidades, a sustentabilidade, ou seja, a qualidade daquilo que é sustentável, passa a incorporar o significado de manutenção e conservação ab aeterno dos recursos naturais27. Isso exige avanços científicos e tecnológicos que ampliem permanentemente a capacidade de utilizar, recuperar e conservar esses recursos, bem como novos conceitos de necessidades humanas para aliviar as pressões da sociedade sobre eles. (BARBIERI, 1998, p. 31)

A rigor, de acordo com o que diz a presente citação para um costume alimentar ter sustentabilidade, é mister que os alimentos consumidos sejam produzidos no local onde são consumidos e em quantidade suficiente para o consumo de uma dada região.

Para que um costume alimentar seja sustentável, é preciso que o alimento consumido seja produzido localmente, de modo a configurar, isto é, confirmar a existência de um consumo freqüente da população ao alimento produzido, de modo a corroborar a continuidade dos hábitos alimentares endógenos (evidenciando-se, assim, a presença do aspecto cultural), bem como o fortalecimento das relações produção-mercado-consumo (que, a rigor, refletem diretamente a importância da dimensão econômica nas relações sociais). Baseadas nestas considerações vemos que a:

Sustentabilidade é um relacionamento entre sistemas econômicos dinâmicos e sistemas ecológicos maiores e também dinâmicos, embora de mudança mais lenta, em que: a) a vida humana pode continuar indefinidadmente; b) os indivíduos podem prosperar; c) as culturas humanas, podem desenvolver-se; mas em que d) os resultados das atividades obedecem a limites para não destruir a diversidade, a complexidade e a função do sistema ecológico de apoio à vida (CONSTANZA, 1991, p. 85 apud SACHS, 1993, p. 24)

Sendo assim, a sustentabilidade supõe uma relação de equilíbrio entre homem e meio ambiente, onde o homem se caracteriza, de modo sui generis, por ser parte e parcela do meio ambiente. Este equilíbrio entre as dimensões econômica e cultural, faz com que haja parcimônia e a vida continue a existir "indefinidamente".

De acordo com Sachs (1993, p. 25-27), a sustentabilidade se subdivide em cinco aspectos ou dimensões, quais sejam: a) Sustentabilidade social – maior eqüidade entre entre o "ser" e o "ter". Valorização do indivíduo e maior controle na distribuição da renda ("ter"); b) Sustentabilidade econômica – alocação e gestão eficiente dos recursos público e privado; c) Sustentabilidade ecológica – deve ser incrementada pelo aumento da capacidade de carga da Espaçonave Terra; limitação do consumo de combustíveis fósseis e autolimitação do consumo material pelos países ricos, dentre outros; d) Sustentabilidade espacial – voltada a uma configuração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial de assentamento humanos; e, finalmente, e) Sustentabilidade cultural – em busca das raízes endógenas dos modelos de modernização, privilegiando mudanças no seio da continuidade cultural.

O termo sustentabilidade teve seu uso mais freqüente após a publicação do relatório Nosso Futuro Comum pela CMMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) em 1987 e após a Rio-92 (ou Eco-92) promovida pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD em junho de 1992. O uso desse conceito popularizou-se atrelado ao de desenvolvimento sustentável, onde passou-se a analisar as práticas que eram dignas de sustentabilidade e as que feriam este princípio.

3.4 Produção alimentícia de Areia Branca x consumo

Atualmente, uma das grandes questões mundiais é como se produzir cada vez mais alimentos para conter as crises de fome dos países que tem fortes carências alimentares. Com relação à Areia Branca, essa situação não se evidencia, porém, verifica-se que a maioria do que é consumido não é produzido na citada cidade. Referente a agricultura só existem cinco tipos de culturas, sendo três temporárias (feijão, mandioca e milho) e duas permanentes (caju – destacando-se a castanha – e coco-da-baía). Quanto ao pescado, nota-se uma grande variedade produzida localmente. Já no que tange à caça, pode-se dizer que há uma irrisória produção consubstanciada por um consumo pouco evidenciado. A produção de sal, produto de muitas utilidades – importante nas indústrias química e farmacêutica e em especial na conservação e como condimento para os alimentos – é bastante satisfatória, no que condiz com o seu consumo.

Para se ter uma dimensão da relação produção/consumo torna-se essencial observarmos o quadro 02.

Partes: 1, 2, 3, 4

 
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