Vinte anos de democracia?

 

 

O tema proposto para debate, neste encontro em que a revista Lua Nova comemora vinte anos de existência, parece ser bastante instigante: que reflexões nos vêm à mente quando nos perguntamos o que aconteceu com a democracia no Brasil ao longo dessas últimas duas décadas? Concluiu-se a famosa transição do autoritarismo à democracia? O novo regime implantou-se? E, daí em diante, que aconteceu? A democracia fortaleceu-se, expandiu-se, radicalizou-se?

Não cabe, nesta ocasião festiva, entediar os presentes com uma digressão acadêmica. Mais apropriado — e mais estimulante, talvez — será apresentar um simples depoimento em que me atrevo a relatar reflexões que me têm sido suscitadas pelo período pós-ditatorial que estamos a viver.

Quem se põe a refletir não está a salvo de surpresas desagradáveis e, especialmente, do risco a que aludiu, em certa oportunidade, o ilustre membro desta Casa, professor Tullo Vigevani, ao lembrar que, por vezes, "à medida que avança a nossa reflexão, avança também a nossa perplexidade". E, de fato, é isso que no meu caso acontece. Quanto mais penso na realidade política brasileira à luz do ideal da cidadania democrática, tanto mais rasa é a imagem que se forma da cidadania realmente existente e mais avança minha perplexidade, não só face ao que constato, mas acima de tudo face ao que se diz e ao que se prega a respeito de democracia, cidadania e temas conexos.

Descontado o exagero, posso dizer que assisti ao fim da ditadura militar e ao início do regime atual como o povo brasileiro assistiu à proclamação da República, segundo a famosa descrição de Aristides Lobo: bestificado, atônito, surpreso, sem saber do que efetivamente se tratava. Para explicar o receio que me assaltava — e que manifestei por escrito naquela época —, parafraseio a pergunta de Sartre sobre o processo de desestalinização na União Soviética: iria a liberalização liberalizar os liberalizadores?

É mais do que sabido que o regime que se instalou em 1964 e se reposicionou em 1968, com a edição do AI-5, era um regime autoritário de corte militar. Também é para lá de sabido que sua derrocada se deu mediante um processo gradual de liberalização que contou com a participação dos mais variados setores da sociedade brasileira, aos quais não faltou o concurso de atores significativos, como é o caso da família Mesquita, que, exatamente por força de suas convicções liberais, tanto apoiaram a entronização da ditadura anticomunista, quanto se empenharam em sua revogação, supostamente democratizadora.

Até aí é tudo muito claro, lógico e evidente. O difícil de assimilar foi o day after, as avaliações e opiniões acríticas que se instalaram na esfera pública política e passaram a fazer parte dos lugares comuns característicos desses anos posteriores à queda da ditadura.

Por exemplo: as mudanças antes descritas como simples liberalização passaram a ser apresentadas como a marcha vitoriosa de um assim chamado "processo de redemocratização". O passo seguinte foi a tese da transição. Em vez da restauração da "democracia" que conhecêramos no período 1946/64, estaria em curso um processo de transição entre dois regimes políticos: o regime autoritário — nosso velho conhecido contra o qual estávamos lutando — e o regime democrático, o qual haveria de ser um regime autenticamente democrático, também dito de "plenitude democrática". Este era o discurso, muito embora não soubéssemos ainda que cara teria esse novo quadro institucional, que estrutura e que substância o caracterizariam especificamente, distinguindo-o dos demais integrantes do universo dos regimes políticos. Mais cedo ou mais tarde, supunha-se, essa questão acabaria sendo resolvida pelo processo histórico, a práxis política, o povo brasileiro ou algum outro deus ex machina. Fosse como fosse, o resultado da transição seria a implantação do regime democrático; conseqüentemente, estaríamos (estamos) vivendo numa democracia.

Anos depois, essa tese foi oficialmente confirmada mediante a promulgação de uma nova Carta Constitucional — chamada justamente de Constituição-Cidad㠗 que proclamou a vigência do "Estado Democrático de Direito". Tal expressão, aliás, é bem representativa da perplexidade que a reflexão é capaz de produzir. Embora seja repetida por todo mundo, não só por políticos, mas também por juristas, cientistas políticos e jornalistas especializados, verifica-se, pensando bem, que encerra um significado impenetrável. O normal, nas definições inteligíveis, é o gênero vir antes da espécie: dizer que o homem é um animal racional permite distinguir o ser humano das demais espécies de seres animais. O que será que os constituintes queriam dizer? Será que existem várias espécies de Estado Democrático, em meio às quais o nosso Estado se distingue por ser "de Direito"? Mas, se, ao contrário, quem diz "Democrático" já diz "de Direito", quem nesse vasto mundo seria capaz de imaginar um tipo de Estado que é "democrático" e ao mesmo tempo não é "de Direito"? Tudo é possível, é claro — inclusive decisões de constituintes desprovidos de condições de saber o que estão fazendo.

Em suma, depois que os militares regressaram à caserna e a seus deveres de ofício, passamos a nos defrontar, de um lado, com uma situação de fato, a realidade que aí está, e, de outro, com o termo "democracia" utilizado para designar o estado de coisas superveniente. Existe adequação entre esses dois lados? Se sim, chegamos ao que foi previsto pela tese de transição. Se não, urge continuar a refletir sobre o assunto.

 

DEMOCRACIA OU LIBERALISMO?

Para prosseguir, tomo a liberdade de citar algumas passagens de um texto não publicado que escrevi há algum tempo. Por paradoxal que seja, essas passagens me parecem importantes justamente porque não apresentam nenhuma novidade: apenas relembram o que todo mundo já sabe à saciedade; só que, ao fazê-lo, enfatizam certos consensos indisputados a respeito de traços fundamentais que marcaram profundamente a fisionomia do período histórico que estamos considerando.

Dez anos atrás, em um seminário que versava sobre liberalismo e socialismo, dizia o professor Tullo Vigevani:

À medida que avançou a nossa reflexão, avançou também a nossa perplexidade [...]; se é relativamente fácil fazer a crítica dos sistemas sociais existentes, é extremamente difícil sugerir alternativas, reformistas ou revolucionárias, que desfaçam a lógica do pensamento liberal prevalecente no mundo de hoje [...] Examinada a elaboração teórica nesse campo, verificamos [...] um vazio generalizado. No senso comum de largos estratos populares e também na perspectiva de muitos intelectuais, o pensamento liberal parece política e ideologicamente vitorioso [...] A questão central reside em compreender o porquê dessa vitória.1

Sem dúvida, é disto que se trata. Ou deciframos esse enigma, ou permaneceremos impossibilitados de avançar. No ano seguinte, escrevendo no Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet confirmava as palavras de Vigevani, ao constatar que

mais e mais cidadãos se sentem atolados e enlambuzados nessa espécie de doutrina viscosa que, insensivelmente, envolve todo raciocínio rebelde, o inibe, o paralisa e acaba por sufocá-lo. Essa doutrina é o Pensamento Único, o único que é autorizado por uma invisível e onipresente política de opinião. Depois da queda do Muro de Berlim [...] a arrogância desse Novo Evangelho atingiu uma tal proporção que podemos, sem exagero, chamar esse furor ideológico de dogmatismo moderno [...] Esse discurso anônimo é retomado e reproduzido pelos principais órgãos de informação e, especialmente, pelas bíblias dos investidores — The Wall Street Journal, Financial Times, The Economist, Les Echos, Agência Reuters etc. Por toda parte, faculdades, ensaístas, jornalistas e políticos retomam os principais mandamentos dessas novas Tábuas da Lei e, através dos grandes meios de comunicação de massa, os repisam até à saciedade, sabendo muito bem que, nas nossas sociedades midiáticas, repetição equivale a demonstração.2

Na mesma época, referindo-se ao famoso Consenso de Washington, Fernando de Barros e Silva declarava:

Adotada por mais de 60 países, a bula de Washington transformou-se no verdadeiro esperanto da economia contemporânea. Fugir dela, tentar escapar a esse destino [...] talvez signifique cair na rota da africanização, da exclusão definitiva do quadro do capitalismo.3

John Williamson, tido como pai do Consenso, ao se ver diante de tanta hegemonia junta, chegou à conclusão de que, talvez por bairrismo americanófilo, tinha errado, subestimando de muito o alcance de seu feito: o acordo existente era muito mais amplo do que lhe parecera inicialmente, amplo a tal ponto que mereceria ser designado por uma expressão grandiosa: em vez de Consenso de Washington, deveria se chamar, segundo ele, "Convergência Universal".4

De fato, a notável centralidade e a quase exclusividade do discurso neoliberal esvaziaram a esfera pública dos modos alternativos de pensar. A carreira ascensional do neoliberalismo ao longo das últimas décadas tem sido descrita como um prolongado processo de lutas político-ideológicas no decurso do qual o neoliberalismo, aos poucos, conseguiu se impor sobre todas as correntes que a ele se opunham: comunistas, estatistas, socialistas, nacionalistas, intervencionistas, trabalhistas, protecionistas, coletivistas, desenvolvimentistas, welfaristas, populistas e assim por diante. Todos os adversários foram sendo submetidos ao predomínio liberal. Essa trajetória vitoriosa foi tão arrasadora e assumiu um vulto tão generalizado que, do ponto de vista da autopercepção liberal, expressa por Francis Fukuyama, foi como se a História tivesse realizado sua própria razão de ser. Convencido de que chegáramos ao fim dos tempos históricos, ao ponto culminante em que finalmente se materializava a "ontologia do Estado verdadeiro"5, Roberto Campos chegou a dizer que, daí em diante, passaríamos a usufruir, para sempre, o paradisíaco "estágio de tranqüilidade sistêmica, no qual não estão mais em jogo as opções institucionais básicas".6 A narrativa de Campos — apoiada em Milton Friedman, Friedrich Hayek, Paul Johnson, Francis Fukuyama, José Guilherme Merquior e outros — descreve nos seguintes termos o que ele mesmo chama de "a ressurreição do liberalismo":

O mundo está assistindo agora à vitória do liberalismo não apenas como doutrina intelectual, mas como práxis política. No Annus Mirabilis de 1989, ao ruir o Muro de Berlim, terminou a Guerra Fria entre o capitalismo e o comunismo. Este deixou de ser um paradigma [...] entramos [...] na idade liberal. Ou, como Merquior faz notar pitorescamente, "nos últimos anos da década de 1940, os socialismos fizeram o papel de juízes; nos últimos anos da década de 1980, eles próprios estão sendo julgados" [...] É surpreendente, neste fim de século, o ressurgimento do liberalismo como idéia-força. Ele desbancou o keynesianismo, o estatismo assistencial, o planejamento dirigista e, finalmente, a social-democracia [...] que não é [mais] percebida como o último reduto do dirigismo e sim como o primeiro capítulo do liberalismo [...] Através da vitória do liberalismo [...] estará terminada a história do pensamento sobre os princípios fundamentais que governam a organização política e social [...] Não há ideologias alternativas que possam competir com o liberalismo [...] na ambição de se universalizar como forma definitiva de governo. Esse é o fato novo na história da humanidade [...] Falharam as ideologias alternativas.7

Campos disse muito, mas não disse tudo. Na verdade, o que aconteceu foi muito mais do que êxito, simplesmente. Uma coisa é a vitória, episódio circunscrito, parcial e provisório que não priva os adversários da capacidade de se refazer e retomar a luta temporariamente interrompida; outra coisa é a hegemonia, fenômeno de amplo espectro, que enlaça os adversários num enredo a um só tempo abrangente e capilar e, depois de magnetizá-los, consegue conduzi-los às portas de um novo destino, onde a vida de cada qual continua — própria, distinta, contraposta —, mas redefinida e neutralizada. O que aconteceu não foi apenas vitória. Foi vitória com hegemonia. Foi triunfo. Nas palavras de Luciano Gruppi, não custa lembrar, a hegemonia, ao se estabelecer, "tende a realizar a unidade de diferentes forças sociais e políticas; e tende a conservá-las juntas, através da concepção do mundo que traçou e difundiu".8

O que temos, em conclusão, é um absurdo: dois corpos antagônicos que ocupam, inexplicavelmente, o mesmo lugar no espaço social. São duas narrativas, mutuamente excludentes, que, em vez de se situarem em seqüência histórica, apresentam-se numa simultaneidade sem sentido. Uma narrativa nos diz: "Uma gigantesca onda liberal invadiu e dominou o mundo ocidental de uma ponta à outra, do centro à periferia. Estamos atolados no liberalismo, e não há alternativas viáveis à vista". A outra narrativa proclama: "Vivemos numa democracia! Instalou-se um processo de democratização que veio avançando a passos largos, impulsionado por novos sujeitos, frutos do florescimento da assim chamada Sociedade Civil; um movimento que, tendo redefinido as relações entre o Estado e a sociedade, não só desembocou na democracia em vigor, como atingiu um momento de apogeu, a exemplo da Polônia, ao colocar um ex-operário na Presidência da República."

Com o que ficamos? Com o liberalismo triunfante ou com o simultâneo advento da democracia? Dada a incompatibilidade entre essas duas versões de uma mesma realidade, não há como concordar com uma sem excluir a outra.9 E se é praticamente unânime a noção de que a hegemonia liberal não pode ser descrita como uma ocorrência "porcina" (aquela que foi sem nunca ter sido), a tese de transição fica forçosamente prejudicada. De fato, não faz qualquer sentido o desenrolar de um processo em que o liberalismo renasça das cinzas, elimine seus adversários, torne-se incontestavelmente hegemônico, assuma o comando e, para surpresa de todos e perplexidade geral da nação, instale, em seu lugar, o regime democrático.

Se dúvidas pudesse haver, bastaria olhar para o sistema político vigente e elas se dissolveriam. O que está aí não é nada de mais; é apenas um regime liberal a funcionar normalmente — com a ressalva de que a pureza do liberalismo encontra-se aqui tisnada por algumas manchas de corporativismo e nódoas de tecnocratismo. Tirante essas máculas — que, por sinal, nada têm de democráticas —, estamos simplesmente diante de um caso corriqueiro de pluralismo liberal.

 

TEMPOS DE DESPOLITIZAÇÃO

Marco Aurélio Nogueira, em texto de sete anos atrás, observava que nossa vida política tinha sido engolida pelas formas inferiores de articulação de interesses. Tais formas, perfeitamente condizentes com o ambiente liberal, exclusivamente

dedicadas a viabilizar reivindicações estritamente particulares, impedem a política de funcionar como espaço de universalização e construção do bem comum [...] O cotidiano legislativo vai se despovoando de partidos e grandes correntes de idéias. Torna-se o reino dos lobbies e das corporações de ruralistas, nordestinos, paulistas, bancários, evangélicos, médicos, metalúrgicos e de quem mais se viabilizar. [O que se vê é a] incapacitação política geral.10

De fato, é grande a despolitização. Os sindicatos estão por aí, levando uma vida vegetativa, passando por crise de militância, fazendo campanha de filiação na base de rifa e de "showmícios". Os movimentos sociais, ao mesmo tempo em que conseguiram, em parte, se institucionalizar, entraram numa espécie de refluxo. Refluxo de vitalidade e de representatividade, alimentado pela opção preferencial pelas ONGs, cujo número e cuja variedade se multiplicam sem cessar.

O sistema partidário, por sua vez, é o campeão dos campeões. Nossos partidos são a perfeita encarnação de um dos sonhos dourados do pensamento liberal. Não cumprem nenhuma das funções maiores que lhes têm sido consignadas pelos estudiosos da vida política comprometidos com o ideal da soberania popular. São apenas aparelhos de usurpação de um poder público do qual se apropriam para instrumentalizá-lo em proveito do seu mesquinho interesse privado que consiste em garantir, exclusiva e indefinidamente, sua autoperpetuação político-eleitoral.11 Voluntariamente submetidos ao funcionamento da famosa "lei de ferro das oligarquias", encontram-se literalmente despovoados. A maioria nunca teve um corpo de militantes, e os que algum dia possuíram um mínimo de militância organizada foram perdendo de vista os seus quadros à medida que, curiosamente, foi se realizando a tese da transição. Aquele militante que comparecia regularmente às reuniões do PT e que queria que a semana tivesse um dia a mais para poder participar mais, como disse Lula certa vez, "esse militante não existe mais".

Assim, as únicas criaturas que os partidos abrigam em seu seio são as cúpulas dirigentes e as bancadas parlamentares, ou seja, os integrantes dessa subclasse que se convencionou chamar de "classe política", no interior da qual circulam nulidades como o indivíduo que, há pouco, ao se vangloriar de já ter trocado seis vezes de partido, acrescentou: "Se alguém bater o meu recorde, troco de novo."

Pequenos fatos, grandes diferenças. Num período de menos de dois anos, a demissão de Carlos Lessa da Presidência do BNDES foi prevista e anunciada mais de 70 vezes pelos órgãos de imprensa. Quantas vezes, pergunta-se, foram vistas manifestações políticas, organizadas em sentido contrário, por parte de sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos, entidades estudantis, lideranças representativas da intelectualidade ou de correntes ideológicas? Pergunto isso porque, durante o governo JK, nos meus tempos de UNE, participei de um movimento político encetado para demitir daquele mesmo posto ninguém menos que Roberto Campos, personalidade política diametralmente oposta à de Carlos Lessa. Mesmo sem contar com a cobertura de uma Constituição-Cidadã, enfrentamos cassetetes, bombas de gás, prisão e perseguições, mas, ao fim e ao cabo, o recém-apelidado Bob Fields foi exonerado. E note-se que naquela época ainda não havia o S (de social). A defesa do N, do D e do E já representava, por si mesma, causa mais do que suficiente para motivar nosso empenho. O fato é pequeno, mas dele nos orgulhamos pelo que demonstra, ou seja, que a grande diferença está em que nossas mentes não se regiam pela batuta do credo liberal.

Ao contrário do que poderíamos esperar — na qualidade de cidadãos que supostamente vivem numa república democrática —, o regime em vigor promove no seio da população elevadas taxas de absenteísmo político e ideológico. O que fazer para camuflar a ausência do povo — esse vazio inexplicável e imperdoável? Como quem não tem cão, caça com gato, o regime abriu espaço para o ersatz representado pela participação política terceirizada.

Por exemplo: as campanhas eleitorais, assim como a propaganda partidária entre as eleições, foram entregues a "pessoas estranhas ao serviço" — na base, milhares de biscateiros que sacodem bandeiras a dez reais por dia; na cúpula, "marqueteiros" que, entre uma briga de galo e outra, comandam a fala dos candidatos e repetem na esfera pública o que aprenderam a fazer nas empresas de publicidade comercial: pirotecnia e publicidade enganosa.

O processo decisório governamental, por sua vez, acha-se invadido pelos profissionais da influência, especializados em lidar com a coisa pública. Aí estão atuando, com toda a legitimidade deste mundo, os lobbies, os anéis burocráticos, os nichos cartoriais e todos os demais especialistas em advocacia administrativa, negociações de bastidor e tráfego de influência.

A terceirização e a profissionalização da participação política assumiram também a forma de um sem número de organizações não-governamentais especializadas nos mais diversos setores de atividades. Vistas em conjunto, compõem um quadro colorido, aquela variada multiplicidade que é perfeitamente concorde com o espírito e a letra do pluralismo liberal.

Fora as exceções de praxe, o grosso do processo de formação da opinião pública corre por conta de organizações empresariais da iniciativa privada, detentoras do controle dos meios de comunicação de massa. O povo não precisa se sentir bestializado, perdido e desnorteado: não faltam "âncoras" para ancorá-lo.

Nessa linha do "deixa que eu faço por você", chegou-se ao cúmulo da criação de entidades, como o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), especializadas na terceirização da nossa própria consciência política. Essas organizações acompanham, avaliam e, para nos facilitar ainda mais, dão nota ao comportamento dos integrantes da classe política. Como fazem por nós o que, em um regime democrático, deveríamos fazer por nós mesmos, nem mais mentalmente, na intimidade da nossa consciência, precisamos participar da vida política. Estamos livres, por conseguinte, para pôr em prática a pregação de Benjamin Constant: a liberdade dos modernos, em contraste com a dos antigos, consiste em poder usufruir os gozos da vida privada.

Pode haver quem mencione, a título de contra-argumento, os dois fatos políticos mais relevantes da atualidade: o surgimento do Movimento dos Sem Terra (MST) e a eleição de Lula como presidente da República. É possível, no entanto, demonstrar que não existe nexo causal perceptível entre esses fatos e a decantada "plenitude democrática". Antes pelo contrário. Mas, para não ir tão longe, talvez seja suficiente perguntar: por que razão esses eventos não poderiam se dar sob um regime exclusivamente liberal? Em nome de que, sob o ponto de vista liberal, poderiam fenômenos dessa natureza ser considerados anômalos e se converter, coerentemente, em objeto de interdição?

 

AS ESQUERDAS E A DIREITA LIBERAL

Retornemos à preocupação externada por Tullo Vigevani: "Como sugerir alternativas que desfaçam a lógica do pensamento liberal prevalecente no mundo de hoje?" Como superar o "vazio generalizado" que se verifica no campo da elaboração teórica?

Como diz Vigevani, "é relativamente fácil fazer a crítica dos sistemas sociais existentes". Para superar o liberalismo, é sem dúvida fundamental fazer a crítica do que aí está. Mas, é claro, isso não basta. É preciso também ir adiante, avançar. É preciso pensar em termos de desenvolvimento político e ideológico. Não basta recusar, retoricamente, a tese de Fukuyama: temos de ser capazes de dizer e provar que o liberalismo não representa o ponto culminante e o estágio final da civilização humana. Temos de contestar, por meio de argumentos convincentes, a tese de Roberto Campos de que atingimos um estágio de tranqüilidade sistêmica que não comporta nem requer alternativas estruturais. Temos de propor uma outra transição: a transição do liberalismo para a democracia.

Como se trata de uma mudança histórica de caráter evolutivo e emancipatório, não se pode esperar que essa tarefa venha a ser realizada pelas forças de direita ou de centro. É uma tarefa que, por definição, só pode ser assumida pelo pensamento de esquerda. E, para que a esquerda possa se mover e se encaminhar nessa direção, só há um meio disponível: o caminho da crítica e da autocrítica, da esquerda, pela esquerda e em nome de uma futura esquerda, menos subdesenvolvida, que não deixe tanto a desejar.

Nunca poderemos vir a contar com um vigoroso e morfogeneticamente desenvolvido pensamento de esquerda, se cada linha de esquerda não tiver o direito de cumprir o seu dever, qual seja, o de explicitar sua identidade, definir seus antagonistas, cultivar sua tradição e criticar e atualizar sua trajetória no campo da teoria, assim como no da prática política.

Digamos, para efeito de debate, que, do pós-guerra até os dias de hoje, a nau da esquerda brasileira foi pilotada, sucessivamente, por três timoneiros diferentes.

De 1945 a 1964, foi a vez da Esquerda Positiva.12 Para defini-la sucintamente, pode-se dizer, em primeiro lugar, que sua filiação teórica é basicamente referida às obras de Marx, Lênin e Gramsci. A partir das posturas equivocadas e das experiências desastradas a que se entregou no passado (como a Intentona de 35), esse ramo da esquerda evoluiu através de um tortuoso processo de reflexão autocrítica e foi conseguindo, gradualmente, se desvencilhar de sua subserviência à tutela alienígena, assim como dos traços românticos e negativos que marcaram vários momentos de sua trajetória. Foi assim que, como mostra Gildo Marçal Brandão, acabou atingindo, no período de 1958 a 1964, um estágio de certa maturidade, passando a caracterizar-se como uma esquerda realista, anti-salvacionista, anti-romântica, desmitificada — uma esquerda que, finalmente, descobriu a via democrática como trajetória revolucionária de longo curso e passou a repudiar a idéia de que a Revolução possa ser resumida ao "emprego da força e da violência para a derrubada do governo e a tomada do poder por algum grupo ou categoria social". Essa tardia descoberta, rejeitada na época pelo restante da esquerda, foi codificada na "Declaração de Março de 1958", que se posicionou segundo uma concepção processual, não explosiva, de Revolução: "Revolução, em seu sentido real e profundo, significa um processo histórico marcado por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas que, concentradas num período histórico relativamente curto, vão dar em transformações estruturais da sociedade e, em especial, das relações econômicas e do equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais".13

Nos dez anos seguintes ao golpe de 1964, o proscênio foi ocupado pela Esquerda Negativa, que, impulsionada pelo dinamismo recém-adquirido na radicalização dos confrontos pré-64, não só liderou as grandes manifestações de contestação ao regime militar, como passou às confrontações da luta armada, nas frentes guerrilheiras rurais e urbanas. Esta Esquerda, como salienta Brandão, inspira-se na prática revolucionária dos movimentos insurrecionais (bem ou malsucedidos). Alimenta noções radicais extremistas, decorrentes de uma percepção pessimista quanto às potencialidades do status quo, visto como uma realidade monolítica e petrificada, que só pode ser rompida e desbloqueada por meio de recursos violentos e extremados, os únicos à altura da revolta suscitada pelos trágicos efeitos da exploração e da dominação. Conseqüentemente, nunca se interessou pelas concepções básicas que caracterizavam a Esquerda Positiva: a guerra de posições, o esforço continuado, de longo prazo, que precisa ser realizado pelas forças de oposição empenhadas em explorar as possibilidades específicas oferecidas por cada etapa do desenvolvimento capitalista. Nem acredita que seja possível avançar, aproveitando oportunidades criadas pela dinâmica e pelas crises inerentes à vida de uma sociedade complexa, em processo de modernização. Com base em uma fé desmedida na sua própria capacidade de acelerar o processo histórico, tende a apelar para o recurso drástico da militarização da política, quando entende que se chegou ao ponto a partir do qual só a guerra resolve. Mas, mesmo quando não passa ao extremo radicalismo, a Esquerda Negativa dificilmente se desprende de sua opção pela guerra de movimentos e pela teoria do duplo poder: um outro Estado dentro do Estado existente.

Da metade dos anos 1970 em diante, a esquerda, cada vez mais, passou a ser representada pela Nova Esquerda, herdeira e continuadora do pensamento romântico, em suas manifestações libertárias, socialista-utópicas, anarquistas, anarcossindicalistas, espontaneístas, luxemburguistas e assim por diante, que enfatiza valores humanistas como a autenticidade, a pureza, a autonomia do social (ou do humano), contra a frieza, a insensibilidade, a "desumanidade" do sistema econômico, a sordidez da política e a opressão do Estado. A historiografia correspondente, como observa Brandão,

exuma nos anos 1910 uma Idade de Ouro que um dia deveria voltar. Privilegia um suposto "autodiscurso" operário que vinha se constituindo desde o início do século para ser abortado no pós-30 ou no pós-45 diante da emergência da problemática e das alianças nacionalistas.14

Como é típico dessa linha de esquerda, o Congresso Operário de 1906, convocado para fundar um partido político, optou, em vez disso, pela criação de uma central sindical:

Tema 1: A sociedade operária [sic] deve aderir a uma política de partido ou conservar sua neutralidade? Deverá ter uma ação política? Resolução: [...] Considerando que [...] a única base sólida de acordo e de ação são os interesses econômicos comuns a toda a classe operária [...]; que todos os trabalhadores, ensinados pela experiência, desiludidos da salvação vinda de fora de sua vontade e ação, reconhecem a necessidade ineludível de ação econômica direta de pressão e resistência [...] O Congresso Operário aconselha o proletariado a organizar-se em sociedade de resistência econômica, agrupamento essencial e, sem abandonar a defesa, pela ação direta, dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as agremiações econômicas, a pôr fora do Sindicato a luta política de partido e as rivalidades que resultariam da adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina política ou religiosa, ou de um programa eleitoral.15

Uma das muitas divergências que opõem a corrente Positiva à Romântica consiste no fato de que, para a Esquerda Positiva, nas palavras de Brandão, "não há que confundir combatividade, resistência e grandeza moral com significação histórico-universal; nem as lutas cotidianas e a natural resistência da classe operária à exploração, que o sistema de salariado e a existência do Estado implicam, com a constituição de um Sujeito Político", muito menos ainda, acrescento eu, com a concepção e a construção de um Estado de direito distintamente democrático.

Esta Esquerda Romântica — também denominada Nova Esquerda —, talvez não por acaso, ascendeu ao primeiro plano do campo da esquerda na mesma época em que, no campo da direita, deu-se a ascensão dos novos liberais ou neoliberais, herdeiros e continuadores da tradição liberal clássica. Foi a época em que se fez a montagem e o lançamento da megaoperação liberal de demolição dos regimes autocráticos, tanto do lado de lá da Cortina de Ferro, como do lado de cá, no mundo ocidental. Ao mesmo tempo em que ia conquistando as simpatias dos setores anticomunistas e das correntes antiautoritárias da opinião pública, como no caso da Igreja Católica, para a qual apoiar a Nova Esquerda representava a via ideal para combater o comunismo ateu, além de uma oportunidade para se refundar e se revigorar por meio da opção pelos pobres e pela Teologia da Libertação, esta Nova Esquerda colocou-se em franca contraposição à Esquerda Positiva — que foi descrita como "a velha esquerda", antiga porque leninista, velha porque referida ao pré-64 e obsoleta porque foi "a esquerda que não deu certo".

A expressão "Nova Esquerda" parece apropriada para designar essa vertente romântica porque, distinguindo-se da "velha esquerda", passou a chamar de novo tudo o que lhe dizia respeito, tudo aquilo que era de sua lavra: os "novos sujeitos políticos", os "novos movimentos sociais", o "novo sindicalismo", a "nova esfera pública", a "luta por novos direitos", a "nova maneira de fazer política". Até o corporativismo virou neocorporativismo quando passou a ser abençoado pela Nova Esquerda nas câmaras setoriais, criadas há alguns anos.

E por que tudo isso era novo? O livro de Cohen e Arato sobre a sociedade civil16 dá a resposta: eram manifestações da luta da sociedade contra o Estado e contra os partidos políticos. Eram aparições do Partido Único da Sociedade Civil, um ente que dispensava a institucionalidade político-partidária vigente pelo próprio fato de ser um antipartido, um movimento antivocacionado para o exercício do poder estatal.

Com efeito, todas essas iniciativas eram tidas como novas acima de tudo porque se propunham a ser autônomas. A Nova Esquerda, ao se apresentar como autônoma, ressaltava sua pureza e seu ineditismo. A prova de sua novidade coincidia com a afirmação de sua independência, de sua falta de ligação, vínculo ou compromisso com o passado que a precedera ou com o presente com que coexistia. Assim a Nova Esquerda declarou-se autônoma com relação à modernidade, ao mercado, ao Estado, aos partidos políticos e à democracia representativa. Como diz Tilman Evers no primeiro número da revista Novos Estudos, as novas lutas eram novas porque eram lutas travadas "de costas para o Estado e longe do Parlamento".17

Nessas condições, direita e esquerda passaram a compor um curioso quadro político-ideológico que inclui, por um lado, as contradições que separam e opõem uma à outra — a direita à esquerda, e vice-versa — e, por outro, um variado conjunto de relações homólogas, relações que se dão não entre direita e esquerda, em geral, mas, especificamente, entre neoliberalismo e nova esquerda.

Para evitar mal-entendido, cabe esclarecer que relações homólogas não são o mesmo que relações de igualdade ou de identidade. Não querem dizer que o novo liberalismo e a nova esquerda são a mesma coisa, como farinha do mesmo saco. São relações de co-incidência nas ações independentemente empreendidas por atores sociais que, no fundo e no essencial, permanecem não só distintos, tal qual farinhas de sacos diferentes, como também opostos enquanto forças entre si adversárias. Por exemplo: se uma corrente de direita grita "Viva o segundo setor!" e uma corrente de esquerda brada "Viva o terceiro setor!", estabelece-se entre ambas uma relação de homologia exatamente porque, a despeito do fato de uma e outra dizerem coisas diferentes, exclamam em uníssono, ou co-incidentemente, "Abaixo o primeiro setor!".

Há alguns anos, para testar essa hipótese, fiz um levantamento de informações colhidas na imprensa e consegui identificar cerca de 15 homologias (umas mais sólidas, outras mais tênues) entre posições constantes dos discursos do neoliberalismo e da nova esquerda.

Admitindo que essas relações representam um aspecto significativo do estado de coisas prevalecente, diversas implicações daí decorrem. Uma delas é que, graças ao cenário resultante, constituiu-se uma correlação de forças políticas extremamente eficaz para combater e derrotar as autocracias em geral — do lado de lá ou do lado de cá da Cortina de Ferro. Outra é que, com a eliminação do regime autoritário aqui reinante, inverteu-se a situação do povo brasileiro em relação ao poder estatal. Tratava-se, daí em diante, não mais de abolir a ditadura e, sim, de implantar um regime de autogoverno democrático que concretizasse a promessa implícita no conceito de soberania popular, levando para tanto a cabo a anunciada transição do autoritarismo à democracia.

Aconteceu, porém, o que não era esperado, embora fosse imaginável e previsível. O fuzil, que serve para guerrear, é incapaz de fazer o mesmo que a enxada, quando se trata de plantar. Para ser contra e desconstruir, basta ser autônomo; para ser a favor e construir, ser autônomo vira um despropósito.

Acresce que a conjugação de forças ideológicas, de direita e de esquerda, que assumiu a direção do processo de transição mostrou-se, como é de sua natureza, um interlocutor inóspito e adverso para o debate adulto e a sério da questão democrática. Muito pode ser dito para ilustrar este ponto. Um bom começo talvez seja abordar o assunto de fora para dentro: em vez de focalizar a democracia em si mesma, o que nos levaria longe demais, começar pelo exame do que aconteceu com certas condições que, fazendo parte do seu entorno, ou de seu esqueleto institucional, tornam possível a existência e o funcionamento da democracia.

Perguntemos: o que aconteceu às palavras ou expressões que designam fatores integrantes de cadeias causais que ou são imprescindíveis à existência da democracia (entendida como regime pós-liberal), ou, inversamente, são decorrências do próprio funcionamento do regime, decorrências das quais o regime depende crucialmente, posto que lhes toca realimentar seu processo de reprodução? Dado o caráter extrínseco de alguns desses fatores, note-se bem, nada impede que — uns mais, outros menos — também se relacionem positivamente com outros tipos de regime político. Em outras palavras, o fato de a democracia requerer determinados complementos não significa que a recíproca seja verdadeira, ou seja, que os complementos só possam existir conectados com o regime democrático.

Dito isto, eis o fato a ser ressaltado: no período que estamos examinando, essas condições de possibilidade da democracia foram atacadas, combatidas, vetadas, estigmatizadas e repudiadas — tanto pelo neoliberalismo, quanto pela nova esquerda. Conclusão: não se pode esperar que se estabeleça e que se desenvolva o processo de democratização numa sociedade em que a opinião pública — submetida à influência conjunta da direita e da esquerda e persuadida pela força típica e irresistível dos discursos únicos que essa convergência produz — é levada a hostilizar, a menosprezar e a rejeitar toda uma série de elementos ideais, quadros institucionais, condições materiais, mecanismos operacionais e motivações pessoais exigidas pelo regime em direção ao qual deveríamos supostamente estar transitando.

 

PALAVRAS MALDITAS

A lista negra das palavras ou expressões que, por designar tais fatores, tornaram-se malditas inclui no mínimo as seguintes "abjeções":

• Estado forte (em contraposição a Estado fraco e regimes de governança), resolutamente decidido a explorar e pôr em prática toda a potencialidade do atributo da soberania que é inerente à entidade estatal, capaz de se impor internamente contra a força e contra a fraude, dotado dos graus de engajamento que se fazem necessários para garantir a prevalência dos interesses e aspirações nacionais, assim como a capacidade efetiva de implementação das políticas governamentais, sem esquecer que, não faz tanto tempo assim, todas estas noções estavam sintetizadas numa outra expressão maldita, o princípio da autodeterminação dos povos;

• Estado expandido (em contraposição a Estado mínimo), caracterizado pelo empenho em conquistar e manter elevado grau de autonomia em relação aos contextos doméstico e internacional da ação estatal, detentor do controle direto de empresas estratégicas (industriais e financeiras), de institutos de pesquisa científica e tecnológica e de agências reguladoras de ramos essenciais de atividade, bem como responsável por funções públicas permanentes nas áreas de educação, saúde, seguridade social e meio ambiente, em contraste com a atuação suplementar da iniciativa privada e das organizações não-governamentais;

• Estado dirigista (em contraposição a Estado não-intervencionista), autorizado a zelar pelas normas, pelos objetivos e pelos rumos que regem o processo de desenvolvimento nacional, bem como a corrigir, conseqüentemente, os desequilíbrios e disfunções resultantes das relações geopolíticas e do funcionamento da economia de mercado;

• burocracia como vocação (em contraposição a "revolução gerencial" e Estado adúltero ou adulterado), entendida como categoria socialmente valorizada e distinguida em função do exercício do múnus público, regida por subcultura específica e constituída por pessoal tecnicamente qualificado, com formação científica e cultural adequada (as burocracias, convém lembrar, não são fruto de geração espontânea: são criações dos soberanos para efeito de validação eficaz do poder, razão pela qual dizem respeito a um fenômeno que não pode ser desconsiderado por um regime de soberania popular);

• desenvolvimento como projeto político-ideológico (em contraposição a laissez faire, laissez passer e a simples crescimento), enquanto processo morfogênico (cf. Celso Furtado) de superação estrutural das condições vigentes e enquanto processo multidimensional que envolve a mobilização combinada, ainda que desigual, das potencialidades econômicas, políticas, sociais, culturais e ambientais do país e de seu povo;

• planejamento governamental (em contraposição ao primado do processo orçamentário) voltado para a elaboração, a execução, o monitoramento, a avaliação e a reelaboração periódica de planos de desenvolvimento nacional que incorporem e explicitem as linhas programáticas do partido político governante, bem como materialize assim o princípio de governo da maioria;

• visões de mundo (em contraposição ao vale-tudo e ao nada-vale da mentalidade pós-moderna ou à admissão de que a ação social seja exclusivamente ordenada pelo mundo externo não-subjetivo), dado que os seres humanos, como pensava Gramsci, são motivados por "sentimentos, anseios e paixões" e necessitam, por isso mesmo, organizar esses estados de ânimo em termos de um mapa cognitivo e de uma "consciência teórica" que os situe no mundo e lhes descortine uma perspectiva histórica capaz de unificá-los em torno de expectativas comuns, "influenciar sua conduta ética e dar direção à sua vontade";

• nação (em contraposição a sublimação cosmopolita), enquanto comunidade — ainda que ilusória — a ser enfatizada e priorizada como eixo identitário, fonte de coesão social, critério de escolha e valor de referência nas relações internacionais, destinatária do esforço de planejamento e do processo de desenvolvimento multidimensional;

• a forma partido e o sistema de partidos (em contraposição à usurpação política e ao anarcopluralismo reinantes), enquanto instituições mediadoras do princípio de governo da maioria, precipuamente estruturados para viabilizar a participação da população no que tange aos processos decisórios centrais do sistema político, proporcionar enquadramento estratégico e fundamentação racional às preferências e opções do corpo eleitoral e tornar conseqüente o ideal de responsabilização política dos agentes envolvidos em atividades públicas;

• democracia representativa (em contraposição a alternativas de autogoverno direto e imediato), como instituição essencial ao sistema político, subsidiariamente complementada (e não substituída) por mecanismos de consulta plebiscitária, instâncias de "democracia participativa" e experimentos de "democracia deliberativa", ao mesmo tempo e antagonicamente disposta contra a invasão clandestina, desordenada e abusiva do sistema estatal por parte dos grupos de pressão, dos interesses corporativos, das pretensões tecnocráticas e demais formas escusas de fazer política em causa própria, "de costas para o Estado" e longe da esfera pública;

• consciência republicana (em contraposição à "liberdade dos modernos" e dos pós-modernos), não no sentido vulgar ultimamente dado ao termo "república" e graças ao qual entrou na moda, mas no sentido (fora de moda) da tradição republicana clássica, que, com toda a razão, causa horror aos militantes do liberalismo e da pós-modernidade.

Todas essas palavras e express&oti e malditas durante o tempo em que a revista Lua Nova viveu seus primeiros vinte anos de existência. Esse fato pode ser comprovado de mil maneiras. No que me diz diretamente respeito, essa maldição é atestada por minhas relações editoriais com esta Casa. Publiquei aqui, em Lua Nova e em sua antecessora, a Revista de Cultura Contemporânea, três artigos: um sobre desenvolvimento nacional, outro sobre partidos políticos de massa e um terceiro sobre participação dos empregados na direção das empresas do estado de São Paulo. O que fiz foi abordar temas que, do ponto de vista da Esquerda Positiva, pareciam relevantes o suficiente para integrar a pauta dos debates públicos e das análises acadêmicas. E o que aconteceu com esses temas? Aconteceu exatamente o que acabei de dizer. Uma vez amaldiçoados, simplesmente desapareceram, sumiram, tragados pela enxurrada que arrastou consigo e lançou no ostracismo todas as palavras, expressões e temas que se tornaram malditos.

Com efeito, a questão do desenvolvimento nacional perdeu sentido na mesma medida em que, como dizia Celso Furtado, o projeto de desenvolvimento converteu-se num projeto abortado. Os partidos políticos, por sua vez, permaneceram absolutamente indiferentes ao "processo de transição do autoritarismo à democracia", aderiram à domesticação, aclimataram-se ao status quo liberal e, como nunca conseguiram ser mais do que caricaturas do conceito de partido, se transformaram num caso perdido, desprovido de interesse, relegado ao esquecimento. Tanto é assim que nunca mais se ouviu falar da grande literatura sobre os partidos políticos que se desenvolveu desde o pós-guerra até a década de 1970. Caso encerrado. Finalmente, no que tange às empresas públicas, deu-se o que todo mundo sabe: foram varridas pelas privatizações e desapareceram por extinção. Conclusão: um a um, os meus três objetos de análise deixaram de existir.

Só me restou um consolo: antes os objetos que o sujeito — que, no caso, sou eu e, por enquanto, sobrevivo.

 

DEBATE: A ESQUERDA E A TRANSIÇÃO PARA A DEMOCRACIA

Brasílio Sallum Jr.: Acho que foram excelentes reflexões sobre as transformações do Brasil nos últimos trinta anos. Talvez fosse importante pensar as forças que poderiam atuar como eventuais proponentes ou portadoras dessas idéias. Eu gostaria que você, Carlos Estevam, se manifestasse sobre eventuais forças que pudessem contraditar as tendências dominantes que você enxerga.

Carlos Estevam Martins:18 Isso é o que se chama fazer a pergunta certa para a pessoa errada. É que eu sou, ou imagino que sou, uma espécie de marxista ocidental e, por isso mesmo, um poço de pessimismo. O que você pergunta, Brasílio, é exatamente o que eu não sei e gostaria de saber: que atores ou forças sociais são hoje portadores de nosso eventual futuro democrático? Confesso que, de vez em quando, vejo alguns sinais positivos, mas é quando olho pelo lado negativo. Por exemplo: se abro um livro de Anthony Giddens e deparo com a afirmação de que "o estruturalismo e o pós-estruturalismo são tradições de pensamento mortas", fico aliviado: um obstáculo a menos no caminho da democratização. Quando penso na Coréia do Sul ou na China e no exemplo que estão dando em matéria de desenvolvimento econômico, assim como na volta por cima que a China está aplicando nos "imperativos" da globalização e nas pretensões dos centros imperialistas, fico animado. Mas logo me ocorre que estamos no Ocidente e volto à estaca zero. Por certo existem pessoas e forças sociais portadoras ou proponentes das idéias que advogo. Mas é um aqui e outro acolá. Gatos pingados. Quem sabe a culpa não será das idéias — por estarem ultrapassadas — e do mundo — que vai de mal a pior?

Lucio Kowarick: E se a gente pudesse pensar as forças políticas de oposição e as forças políticas que hoje ocupam o Estado, mesmo admitindo que não sejam monolíticas, mas polarizadas internamente, teríamos de um lado forças mais nitidamente liberais e de outro forças com uma tonalidade mais nacionalista. Isso ocorre tanto na oposição, quanto no governo. Temos uma espécie de polarização político-ideológica no interior dos dois sistemas. Com isso, a ligação dos desenvolvimentistas que estão no poder com os que estão fora quase não consegue se verificar, porque estão polarizados no interior de cada um dos sistemas de alianças, e essas polarizações inviabilizam a ligação entre liberais de um lado e de outro e desenvolvimentistas de um lado e de outro.

Carlos Estevam Martins: Sem dúvida, você tem toda a razão. O problema, que não sei como resolver, é no fundo o mesmo que Marx levantava ao se perguntar: "Quem vai educar os educadores?" Ou seja, quem vai organizar os organizadores e liderar hoje as lideranças de amanhã? Além dessas dificuldades prévias, é forçoso reconhecer que não é fácil sair por aí, pinçando pessoas e forças sociais espalhadas em agrupamentos distintos e nas mais diversas correntes de opinião, pessoas e forças que tendem mais a se estranhar do que a se reconhecer como filiadas ao mesmo projeto político-ideológico. Em todo caso, não tenho dúvida de que você aponta para a direção correta. Às vezes, uma única entidade consegue se destacar e assumir o papel de agente nucleador de um amplo movimento de opinião pública. Isso foi o que aconteceu, por exemplo, com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), no início da década de 1960. E, de forma muito mais retumbante, foi o que foi feito por Friedrich Hayek e o pequeno grupo de pesos pesados (Popper, Friedman, Robbins, von Mises, Lippman, Madariaga) que ele convocou e conseguiu reunir na localidade suíça de Mont Pèlerin, em 1947. Ali se fundou, nas palavras de Perry Anderson, "a Sociedade de Mont Pèlerin, uma espécie de franco-maçonaria liberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada dois anos" e que, como se sabe, irradiou-se pelo mundo afora e conquistou a opinião pública ocidental, tão logo se deram, a partir da década de 1970, as condições objetivas propiciadoras do ideário liberal.19 Quem sabe o Cedec, mirando-se nesses exemplos e instrumentalizado pela revista Lua Nova, não consegue fazer algo do gênero no início deste milênio?

José Álvaro Moisés: Concordo com o Brasílio. As duas apresentações foram muito interessantes, muito instigantes. Você montou um quadro em que se constata inadequação do pensamento dos dois lados do espectro político. Em relação ao pensamento de esquerda, você foi muito incisivo, ao dizer que essa é uma tarefa da esquerda, da crítica e da autocrítica da esquerda. E agora você fez uma menção interessante às possibilidades de atuação de um órgão como Lua Nova. A minha questão é: qual a tese proposta em termos de revisão do pensamento? [...] Qual seria a chave para essa reconstrução? É o que eu gostaria de ouvir de você. [...] A minha visão é um pouco diferente da do Brasílio. Ele está preocupado com as forças e eu com o pensamento dessas forças.

Carlos Estevam Martins: Como tentei sugerir, nós dispomos, por um lado, de um conjunto de idéias referentes a Estado, projeto nacional, processo de desenvolvimento e assim por diante. Para facilitar e por falta de um nome melhor, chamemos esse bloco de idéias de Teoria do Estado-Nação. Dependendo do ângulo de visão, dir-se-ia que isso são águas passadas, amplamente conhecidas e também amplamente desajustadas às condições do mundo hodierno. Mas o que quero dizer também pode e deve ser visto por outras óticas. Para dar um exemplo, volto a citar Gildo Marçal Brandão.20 O que seria dar um passo adiante e explicitar, como você reclama, uma proposta inovadora "em termos de revisão desse pensamento"? Minha resposta é a seguinte: temos de começar pela construção de um segundo bloco conceitual, centrado exclusivamente na questão da democracia. Chamemos esse segundo bloco — e neste caso podemos usar os termos apropriados — de Teoria da Democracia. Fácil de dizer, dificílimo de fazer. Há pelo menos três mal-entendidos que atravancam o caminho. O primeiro lembra a luta travada pelo companheiro Lênin contra "aqueles que entre nós se dedicam a subestimar a importância da teoria" e aos quais ele advertia: "Não há revolução sem teoria da revolução." Esse raciocínio pode até não se aplicar ao caso das revoluções, uma vez que estas são passíveis de ocorrer ao sabor do acaso e por pressão das circunstâncias, mas certamente se aplica ao caso da democracia: como é possível a construção de um regime de plenitude democrática sem a prévia elaboração de uma teoria da democracia? Vencido este, temos o segundo obstáculo: o reconhecimento de que não possuímos uma teoria da democracia — nem eu, nem você, nem ninguém de quem tenhamos ouvido falar. E não é de hoje que digo isso. Venho batendo nessa tecla desde um artigo que publiquei na revista Dados nos anos 1970. Somos capazes de discorrer sobre o assunto, como eu mesmo acabei de fazer, mas não sabemos o que a palavra "democracia" quer dizer. Como então, pode-se perguntar, falo sobre algo que não sei o que é? Respondo: eu sou normal. Faço como todo mundo. Embora não saiba, comporto-me como se soubesse. Mas na verdade não sei, apenas penso que sei. O que estou querendo dizer, seguindo os passos de Peirce e Habermas, é que ou chegamos a um conhecimento intersubjetivamente válido, ou não teremos individualmente, cada um para seu lado, acesso à verdade sobre a democracia. Para tanto, todavia, é preciso renunciar às egolatrias, substituir a arrogância do intelectual pela humildade do cientista21 e partir do zero, com a firme disposição de progredir em conjunto com os demais, por meio da troca de idéias, refutações e discursos, até atingirmos o ponto de saciação chamado consenso. Uma vez tomada a decisão de assim proceder, esbarramos no terceiro e último obstáculo: o que é uma teoria? Para construir uma teoria em conjunto, necessitamos de uma concordância prévia a respeito dessa questão metateórica. Uma teoria não é um conjunto de slogans da moda nem o resultado de meia dúzia de achismos. Sua construção envolve uma série de esforços laboriosos destinados a explicitar pressuposições gerais e opções ideológicas, desenhar modelos analíticos, estabelecer conceitos, definições e taxonomias, formular proposições referentes a conexões causais e/ou de sentido, operacionalizar conceitos e produzir indicadores que permitam testar empiricamente as hipóteses formuladas — e assim por diante, como estamos fartos de saber, mas relutamos em reconhecer. Construir uma teoria é trabalho intelectual, trabalho sério, altamente complexo e espinhoso, trabalho que nada tem a ver com a retórica das assembléias, nem com citações dos últimos livros editados em Berlim, nem com os anelos das almas piedosas. Imaginemos, finalmente, que tudo isso foi feito a contento e que assim chegamos ao termo de nossa caminhada. Teremos agora em mãos duas teorias: a Teoria do Estado-Nação e a Teoria da Democracia. Só faltará, portanto, promover o seu casamento, com a vantagem de que essa tarefa estará imensamente facilitada pelo fato de que a nossa Teoria da Democracia, imagino eu, haverá de entrar de permeio e nos dizer de que forma se articulam as relações do Estado com a Nação e as da Nação com o Estado. Respondendo diretamente ao que você perguntou, entendo que o pensamento dos atores e forças sociais mencionados pelo Brasílio é o representado pelo todo orgânico resultante da junção dessas duas teorias, uma vez que é daí que podem ser extraídas as diretrizes e bases para a transição que nos falta: a do liberalismo para a democracia. E reafirmo o que disse na palestra: esse é um afazer da esquerda e que só pela esquerda poderá ser levado a cabo.

 

Notas

1. Tullo Vigevani, Liberalismo e socialismo, São Paulo, Ed. Unesp, 1994, passim.

2. Ignacio Ramonet, Le Monde Diplomatique, nΊ 450, janvier, 1995.

3. Folha de S. Paulo, 6 de julho de 1994.

4. Folha de S. Paulo, 15 de agosto de 1994.

5. Paráfrase da expressão "a ontologia do Estado falso", cunhada por Adorno para caracterizar a situação do mundo atual, produzida pelo capitalismo tardio.

6. Ver a nota seguinte.

7. Roberto Campos, em prefácio a José Guilherme Merquior, Liberalismo: antigo e moderno, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1991.

8. Luciano Gruppi, O conceito de hegemonia em Gramsci, Rio de Janeiro, Graal, 1978.

9. Sobre a incompatibilidade entre liberalismo e democracia, ver Carlos Estevam Martins, "Liberalismo: o direito e o avesso", Dados, Rio de Janeiro, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), vol. 46, nΊ 8, p. 619-660, 2003.

10. Marco Aurélio Nogueira, Em defesa da política, São Paulo, Senac-SP, 2001, passim. Estivesse escrevendo nos dias de hoje, depois da eleição de espécime em estado quimicamente puro para o posto de presidente da Câmara Federal, Marco Aurélio certamente teria incluído, na listagem acima, a bancada-de-si-mesma constituída pela representação dos interesses particulares dos próprios representantes do povo, o que, enquanto sintoma do regime vigente, dá base e razão a esse rebento do pensamento liberal chamado Teoria da Escolha Pública que reduz o sistema político a um mercado em que se defrontam, como na economia, interesses puramente auto-referidos.

11. Em artigo recente, publicado em data posterior à realização da presente palestra, César Maia (político que combina a prática com o estudo da vida política), apoiando-se, entre outras, na obra de Regina Sampaio ("Adhemar de Barros e o PSP"), lembra que, pelo menos desde a época em que o Marechal Deodoro proclamou a República, "a política brasileira [...] se estrutura por partidos de cooptação (e não de representação). Uma vez controlando a máquina pública, a força majoritária incorpora seus adversários, abrindo espaços e ampliando sua base. Foi assim em todos os governos e até nos governos dos militares, que não tiveram dificuldade para atrair amplos setores dos que estavam do outro lado" (Folha de S. Paulo, 23 de fevereiro de 2005).

12. A distinção entre Esquerda Positiva e Esquerda Negativa foi reelaborada em Gildo Marçal Brandão, A Esquerda Positiva, São Paulo, Hucitec, 1997, obra que é um belo exemplo de acuidade analítica e sabedoria política.

13. Brandão, op. cit.

14. Brandão, op. cit.

15. Brandão, op. cit.; grifos meus.

16. Jean L. Cohen e Andrew Arato, Civil Society and Political Theory, Cambridge, MIT Press, 1992.

17. Tilman Evers, "De costas para o Estado e longe do Parlamento", Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, nΊ 1.

18. As respostas a seguir foram reescritas a partir da transcrição da fita gravada durante o debate. Correspondem menos ao que eu disse na ocasião e mais ao que gostaria de ter dito.

19. Perry Anderson, Balanço do neoliberalismo, in Emir Sader, org., Pós-neoliberalismo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995, p. 10.

20. Partindo do reconhecimento de que "as instituições contam, os Estados nacionais pesam, as especificidades culturais não são irrelevantes, as trajetórias históricas e políticas fazem diferença", Brandão não hesita em admitir que, em muitos casos, já não se pode pensar a nação nos exclusivos limites de uma dada nacionalidade e que "a necessária retomada de nosso processo de nation building" só pode ser levada a cabo mediante o reconhecimento de que "os estados nacionais estão sendo requalificados pelo fortalecimento das entidades subnacionais, pela expansão dos organismos multinacionais e pela criação de blocos supranacionais" (Gildo Marçal Brandão, Linhagens do pensamento político brasileiro, tese de livre-docência apresentada ao Departamento de Ciência Política da USP, 2004, p. 116).

21. Não me refiro à figura do cientista que corresponde à concepção de ciência típica do pensamento positivista, concepção da qual discordo fundamentalmente — e isso, aliás, por razões de natureza estritamente científica.

 

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Lua Nova: Revista de Cultura e Política. ISSN 0102-6445 versión impresa. Lua Nova n.64 São Paulo ene./abr. 2005

Carlos Estevam Martins**
cedec[arroba]cedec.org.br
**Professor aposentado do Departamento de Ciência Politíca da USP


 
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