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O aluno portador de visão subnormal na escola regular: desafio para o professor? (página 2)

Edméa Rita Temporini

 

5. Resultados

A amostra foi composta por 50 professores do ensino fundamental de escolas públicas municipais e estaduais da cidade de Campinas, de ambos os sexos, com idade entre 25 e 64 anos. A média de idade foi de 43 anos. O tempo de formação no magistério variou de 5 a 38 anos com média de 20 anos. Em relação à capacitação especializada, 94,0% dos professores declararam não apresentar formação específica na área da deficiência visual, 4,3% declararam ter realizado curso de especialização nessa área e apenas um professor declarou ter realizado treinamento eventual para atuar com deficientes visuais.

A maior parte dos professores (62,0%) declarou exercício de um ano letivo de atuação com alunos portadores de visão subnormal; o tempo médio de experiência foi de 1 ano e 4 meses ( Tabela 1).

Na auto - avaliação de conhecimentos pedagógicos, a maioria dos professores declarou deter pouco (70,0%) ou nenhum conhecimento (22,0%) a respeito de como atuar com alunos que tem visão subnormal (Tabela 2).

Em relação às informações recebidas para atuar com o aluno portador de visão subnormal, somente 18 professores (36,0%) declararam ter recebido informações, mencionando fontes diversas. Desses professores, 44,0% apontam a escola comum como única fonte de informação. As respostas múltiplas fornecidas por apenas um respondente, por não representarem freqüência significativa, foram excluídas da apresentação tabular. Não obstante, repete-se a referência à escola comum em associação a outras fontes, mencionada por 3 ( 16,0%) professores (Tabela 3).

O serviço especializado em visão subnormal associado a outras fontes, forneceu orientações a 5 (28,0%) professores, enquanto que 3 (16,0%) receberam informações do oftalmologista com associação de outras fontes (Tabela 3).

Dos 18 professores que declararam ter recebido informações, 83,3% especificaram as seguintes informações: doença ocular, utilização de óculos e do recurso óptico, localização do aluno em sala de aula, distância para utilização da lousa, distância para escrita e leitura de perto e conseqüência do esforço visual (manifestações físicas como: fadiga visual, morosidade para concluir as tarefas escolares).

Todos os professores apontaram conteúdos de informações e orientações que desejam receber sobre o aluno portador de visão subnormal (Tabela 4). A orientação mais solicitada refere-se à ampliação dos materiais utilizados em sala de aula (66,0%), seguida daquela que diz respeito ao desempenho visual (50,0%) e informações sobre a doença ocular (50,0%). Outras informações relacionadas à acuidade visual/campo visual (46,0%) destacam-se na opinião dos professores. A orientação menos solicitada refere-se à utilização dos contrastes (22,0%).

6. Discussão

A análise dos resultados indica que os respondentes reconhecem o seu despreparo para atuar com o aluno portador de visão subnormal. Em relação à auto-avaliação, 92,0% declararam seu desconhecimento a respeito das formas de atuar com tais alunos. Esses resultados corroboram evidências observadas na prática. Como afirmou Temporini (1988), o professor nem sempre dispõe de conhecimentos, atitudes, habilidades e práticas no campo da saúde escolar que, supostamente, deveriam ter sido adquiridos no curso de formação do magistério 7. De forma semelhante, verificou-se falta de preparo e conhecimento prévio de professores mesmo em áreas altamente desenvolvidas como relatado por Hill (1990) sobre a Columbia Britânica na Costa Oeste do Canadá 8. Em trabalho recente, Gama (1999), já havia obtido resultado semelhante ao deste estudo, quando pesquisou o conhecimento de professores na educação inclusiva 9. Pesquisa desenvolvida na Itália também questiona o sucesso da inclusão educacional devido ao despreparo dos professores do sistema regular de ensino 10.

É importante salientar que o tempo de atuação do professor com alunos portadores de visão subnormal - média de 1 ano e 4 meses -, sugere período restrito de experiência que, aliado à falta de formação e de informação pode conduzir a uma atuação insatisfatória no que se refere à inclusão. Este curto período de experiência pode ser justificado pela alta rotatividade dos professores não efetivos no sistema regular de ensino, ou por conta dos poucos alunos deficientes visuais incluídos.

Verificou-se que parcela reduzida de professores, 18 (36,0 %) dos 50 professores declarou ter recebido algum tipo de informação sobre procedimentos recomendados para atuar com seu aluno portador de visão subnormal. Conforme descrito na metodologia deste trabalho, a indicação das escolas atuantes com alunos portadores de visão subnormal, foi obtida por meio de informações fornecidas pelos coordenadores do Programa de Educação Especial da Prefeitura Municipal de Campinas e por informações que constavam dos cadastros dos serviços da comunidade especializados em deficiência visual. Pode-se supor que esses alunos foram avaliados por tais serviços. Salienta-se, entretanto, que dos 18 professores somente 5 (28,8%) receberam informações advindas de serviço especializado. Além disso, 44,4% receberam informações diretamente da escola, sem qualquer menção a relatórios dos serviços especializados (Tabela 3). Embora tal fato possa sugerir que a escola não tenha recebido qualquer relatório, esse aspecto não foi incluído nesta investigação.

Pode-se supor que os demais professores que não receberam quaisquer informações (64,0%), descobriram as necessidades desses alunos por iniciativa própria ou não foram atuantes. A partir desses dados, é possível entender as dificuldades e conflitos observados na atuação em sala de aula, pois a maioria dos professores (quase 2/3) não detém informações específicas sobre o aluno portador de visão subnormal. Justifica-se, assim, que todos os professores recebam informações/orientações para atuarem com seus alunos portadores de visão subnormal, pois, do contrário, a inclusão educacional corre o risco de ser mal sucedida. Em outros contextos, foram detectadas preocupações semelhantes, como reporta McLinden (1990) sobre seu levantamento das expectativas de professores envolvidos em escolas que haviam introduzido a inclusão 11.

As informações mencionadas por 83,3% dos professores: doença ocular, utilização de óculos e do recurso óptico, localização do aluno em sala de aula, distância para utilização da lousa, distância para escrita e leitura de perto e conseqüência do esforço visual (manifestações físicas como: fadiga visual, morosidade para concluir as tarefas escolares) são necessárias para nortearem as ações em sala de aula, buscando o melhor desempenho do aluno. No entanto, devido ao desconhecimento existente em relação à deficiência visual, observa-se, na prática, que muitos professores consideram insuficientes a orientação recebida.

Corroborando essa suposição, Carvalho et al. (1998) avaliando a eficácia das condutas no Serviço de Visão Subnormal da disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP (SVSN - UNICAMP), em questionário aplicado a 70 professores, verificaram que para 47,5% desses professores, as orientações realizadas pelo serviço não foram suficientes 12.

Considerando a aparente insatisfação de professores e buscando minimizar esse problema, neste trabalho priorizou-se a opinião de professores sobre a necessidade de ter informações/orientações sobre o aluno portador de visão subnormal e sobre o conteúdo dessas orientações.

Tendo em vista o interesse do professor em determinadas orientações (Tabela 4) cabe comentar que parece ser reconhecida a necessidade de ampliação de materiais. Os professores, muitas vezes desconhecem o grau de ampliação necessário. Assim, muitos fazem uma ampliação insuficiente do material escrito, por exemplo, de 0,8M (JAEGER-4) para 1M (JAEGER-6) e não entendem porque o aluno portador de visão subnormal continua não enxergando o material ampliado. É importante que esse aspecto seja contemplado na avaliação clínica e na orientação aos professores.

O interesse demonstrado no conteúdo de informações relativas ao desempenho visual parece indicar a necessidade de conhecer as possibilidades visuais do aluno em sala de aula.

No que se refere à doença ocular, é importante que o professor detenha essa informação 13. Também deve ser informada a indicação de óculos e ou lentes especiais, além das razões dessa conduta 14. Com esse tipo de informações ele irá entender mais facilmente as dificuldades visuais do aluno e valorizar a necessidade de modificações ambientais e adaptações de materiais.

O interesse em receber informações sobre a acuidade visual e o campo visual (46,0%) salienta a necessidade do conhecimento do professor quanto à visão para longe e perto e também quanto à locomoção desse aluno. Com esses dados, será possível melhor equacionar a distância visual entre o aluno e o objeto a ser percebido e qual o tamanho de letra a ser utilizado. Com as informações sobre o campo visual, o professor poderá posicionar os materiais de forma que o aluno os perceba mais rapidamente.

Apenas 22,0% dos professores, manifestou interesse em receber informações sobre o uso de contrastes nas atividades escolares do aluno portador de visão subnormal. Esse fato pode sugerir que os professores desconhecem a importância do uso do contraste para a melhora da capacidade visual desse aluno.

Tem-se observado que o despreparo para atuar com o aluno portador de visão subnormal e a insuficiente experiência profissional, conforme se verifica nos dados do presente estudo, leva os professores a acreditarem que não sabem atuar com o aluno portador de visão subnormal, pois desconhecem as especificidades da deficiência. Além disso, pode haver a inevitável demora do professor para descobrir sozinho os talentos e as necessidades do aluno, acarretando prejuízos ao educando, ao educador e ao processo de educação. A maioria dos professores não recebeu informações para lidar com o aluno portador de visão subnormal, mas manifestou desejo de recebê-las.

7. Sugestões

1.      É necessário que o oftalmologista esteja consciente do seu papel e da necessidade da orientação ao professor do aluno portador de visão subnormal. O intercâmbio entre o oftalmologista e os profissionais que atuam na área da educação, vai auxiliar o processo educacional.

2.      Incentivar a capacitação de recursos humanos envolvidos no processo educacional do aluno portador de visão subnormal.

2.1. Professores do ensino regular:

-         Orientação inicial, por meio de relatório do serviço oftalmológico sobre o aluno portador de visão subnormal, contendo dados aplicáveis à situação da sala de aula, encaminhados preferencialmente no início do ano letivo.

-         Orientação continuada sobre o aluno portador de visão subnormal, fornecida pelo serviço oftalmológico, principalmente em situações que houver alterações visuais ou em relação ao uso de óculos, recursos ópticos ou recursos não ópticos.

-         Fornecimento de literatura especializada sobre a deficiência visual, enfatizando os aspectos relativos ao aluno portador de visão subnormal.

-         Cursos de curta duração.

2.2. Preparo do aluno portador de visão subnormal para a inclusão educacional:

-         Avaliação em serviços especializados, contemplando os aspectos clínicos e educacionais, uso da melhor correção, utilização do resíduo visual e necessidade de indicação de recursos ópticos e não ópticos.

2.3. Preparo da família

-         Orientação provida por serviço especializado em relação às possibilidades e necessidades visuais do aluno portador de visão subnormal.

3. Adaptações de materiais e modificações ambientais.

8. Referências bibliográficas

1.      Carvalho KMM, Gasparetto MERF, Venturini NHB, Melo HFR. Pedagogia em visão subnormal. In: Castro DDM, edit. Visão Subnormal. Rio de Janeiro: Editora Cultura Médica; 1994. p 155-63.

2.      Corn A. Visual function: a model for individuals with low vision. J. Visual Impairm. & Blindness 1983; 77: 373-77.

3.      José RT. Vision Subnormal. Madrid: ONCE; 1988.

4.      Brasil. Secretaria de Educação Especial. Subsídios para organização e funcionamento de serviços de educação especial: Área de Deficiência Visual/ Ministérios da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/ SEESP.1995.

5.      Gasparetto MERF. A criança com baixa visão e o desempenho escolar: "caracterização do uso do resíduo visual (Tese de Mestrado). Campinas: Universidade Estadual de Campinas,1997.

6.      Piovesan A, Temporini ER. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Rev. Saúde Públ 1995; 29:318-25.

7.      Temporini ER.Percepção de professores do sistema de ensino do Estado de São Paulo sobre o seu preparo em saúde escolar. Rev. Saúde Públ. 1988; 22:411-21.

8.      Hill JL. Mainstreaming visually impaired children: The need for modifications. J. Visual Impairm. & Blindness 1990; 8: 354-60.

9.      Gama AS. Avaliação da educação inclusiva de deficientes visuais nas escolas municipais de 1a a 4a séries das cidades de Campinas/SP e Recife/PE (Tese de Mestrado). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.

10.  Guerreschi M, Poggi G, Colombo E, Scotti G, Castelli E. The education of low vision children: our experience in Italy. In: Stuen C, Arditi A, Horowitz A, Lang MA, Rosenthal B, Seidman KR., edit. Vision Rehabilitation: Assessment, Intervention and Outcomes. Lisse: Swets & Zeitlinger Publishers; 2000. p 464-67.

11.  McLinden DJ. Beliefs about effective education among teachers of visually impaired children. J. Visual Impairm. & Blindness 1990; 84: 465-69.

12.  Carvalho KMM, Venturini NHB, Melo HFR, Venturini TBP, Shiroma LO, Buono CL. Eficácia das condutas de um serviço de visão subnormal. Arq. Bras. Oftalmol. 1998; 61: 684-89.

13.  Oliveira RCS, Kara-José N, Sampaio MW. Entendendo a baixa visão: orientação aos professores. Brasília: Ministério da Educação: Secretaria de Educação Especial (MEC); 2000.

14.  Gasparetto MERF, Kara-José N. Entendendo a baixa visão: orientação aos pais. Brasília: Ministério da Educação: Secretaria de Educação Especial (MEC); 2000.

ANEXO 1

Campinas, dezembro de 1999.

Prezado Professor:

Com a presente, estamos lhe entregando um questionário sobre a pesquisa "Opinião de Professores do Ensino Fundamental de Escolas Públicas Municipais e Estaduais de Campinas sobre a Inclusão Educacional de alunos que apresentam visão subnormal".

Esse estudo tem por finalidade subsidiar o planejamento de um programa de ações educativas referentes à inclusão educacional de alunos que tem visão subnormal.

Assim sendo, vimos solicitar sua preciosa colaboração no sentido de responder ao questionário anexo. Para tanto, solicitamos que observe as seguintes recomendações:

  1. 1.      Leia com atenção, não só a pergunta, mas também todas as respostas.
  2. 2.      Assinale com um X a resposta que você quiser indicar.
  3. 3.      Use caneta esferográfica.
  4. 4.      Cada questão apresenta todas as respostas possíveis. Portanto não deixe nenhuma questão sem resposta.
  5. 5.      Os números colocados ao lado do lugar destinado às respostas, assim como os que se encontram na coluna à direita, serão utilizados na codificação das questões e computação dos dados. Portanto, não os leve em consideração ao responder ao questionário.

Para que esta pesquisa alcance elevado grau de validade e fidedignidade, é:

Necessário que ela descreva realmente o que você faz e represente sua verdadeira opinião. E, para que você possa se expressar livremente, duas providências lhe são asseguradas:

    1. 1.      O questionário não é assinado.
    2. 2.      Respondido, o questionário deve ser colocado em envelope.

Cordiais cumprimentos
Maria Elisabete Rodrigues Freire Gasparetto

 

Maria Elisabete Rodrigues Freire Gasparetto (1), Edméa Rita Temporini (2), Keila Miriam Monteiro Carvalho (3), Newton Kara–José (4) -
ertempor[arroba]usp.br

(1) Professora Doutora do CEPRE- Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel Porto / FCM / UNICAMP.
(2) Professora Associada e Livre Docente da FCM / UNICAMP e FMUSP.
(3) Professora Assistente Doutora da FCM/UNICAMP.
(4) Professor Titular de Oftalmologia da FCM/UNICAMP e FMUSP.



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