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Avaliação do estado nutricional de crianças menores de cinco anos do Estado de Rondônia - Brasil (página 2)

Haroldo da Silva Ferreira; Ari Miguel Teixeira Ott

 

4. Material e métodos

Foram avaliadas 1.274 crianças de 0 a 60 meses de idade, empregando-se a classificação de Gomez. Desse total, 1.259 criaças foram também avaliadas através da classificação de Warterlow10, considerando desnutrido quem apresentasse adequação inferior a 80% e 90% para os indicadores peso por altura e altura por idade, respectivamente. O padrão antropométrico de referência adotado foi o proposto pelo NCHS.

O Plano amostral estabeleceu que as áreas urbanas de Ji-Paraná e Ariquemes e rural de Ouro Preto D'Oeste seriam auto-representativas, isto é, selecionados com probabilidade 1. Para cada uma dessas áreas urbanas decidiu-se estabelecer uma amostragem em dois estágios, com fração amostral total e probabilidade proporcional ao tamanho. Para as áreas urbanas definiu-se a quadra (conjunto com num mínimo 70 e no máximo 110 domicílios), como unidade amostral de primeiro estágio e o domicílio como unidade de segundo estágio. Para a área rural, a unidade amostral de primeiro estágio foi a linha (estrada que, avançando mata a dentro, permite o acesso e delimita cerca de 200 lotes), enquanto para unidade de segundo estágio tomou-se o lote.

Em função do número total de domicílios estimado para 1984, de algumas variáveis de estudo na pesquisa e a disponibilidade de recursos humanos e financeiros, decidiu-se tomar uma fração amostral total igual a 10% dos domicílios nas áreas urbanas de Ariquemes e Ji-Paraná. Para a área rural, levando-se em conta as características especiais do trabalho de campo em florestas, a fração amostral foi reduzida para 7,5% dos lotes do Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto. As quadras/domicílios e linhas/lotes foram selecionadas através de sorteio casual para uma amostragem sistemática. No entanto, os problemas inerentes aos procedimentos de campo (recusas, domicílios fechados ou inalcançável, etc) reduziram a fração amostral para 8,2% em Ariquemes, 8,3% em Ji-Paraná e 5,2% em Ouro Preto D'Oeste, equivalendo respectivamente a 422, 854 e 426 domicílios.

Para cada domicílio sorteado foram estudadas todas as crianças menores de 5 anos presentes no momento da entrevista. Eram coletados os dados de peso, estatura e idade e anotados em formulário próprio por entrevistadores previamente treinados e padronizados (Método de Gouveia)3.

Para a tomada de peso foi utilizada balança de gancho, tipo "palanca", com capacidade para 20 quilos; para a altura em crianças maiores de 2 anos foi utilizado metro dobrável de madeira tipo "metro de carpinteiro" e esquadro metálico; para as crianças menores utilizou-se régua antrométrica com lâminas fixas e móvel.

5. Resultados

Os resultados referentes a 1.274 crianças avaliadas pela classificação de Gomez estão expressos na Tabela 1, enquanto a Tabela 2 apresenta os resultados da avaliação de 1.259 crianças pela classificação de Waterlow. Observa-se que a zona rural aparece com freqüências de desnutrição maiores do que as áreas urbanas, e estas, por sua vez, apresentam-se com taxas maiores para a cidade que tem um menor desenvolvimento urbano, no caso Ariquemes. As diferenças observadas são estatisticamente significativas quando testadas pelo qui quadrado.

A Tabela 3 apresenta o cruzamento entre o estado nutricional e a renda familiar, representada pelo número de salários mínimos (SM). Infelizmente, em função do alto número de não-resposta para esse item, não foi possível computar essa informação para a zona rural. Nas áreas urbanas, de 882 famílias entrevistadas, 351 (39,8%) não responderam sobre a questão da renda.

Ainda assim é possível verificar que a prevalência de DPC é inversamente proporcional à renda familiar, embora tenha havido maior prevalência na categoria de 7 a 10 SM em relação à de 4 a 7 SM.

Não houve preocupação em analisar as eventuais associações entre DPC e outras variáveis, dado que acreditamos ser a renda familiar a determinante última de outras características comumente analisadas como escolaridade, assistência médica, habitação, saneamento, além de outras.

6. Discussão

Em termos genéricos não se encontrou nenhum dado não explicado. A população da zona rural está, pelas próprias condições de vida, mais exposta à inadequação alimentar, além de, eventualmente, ser expoliada por doenças parasitárias concomitantes. Nas áreas urbanas, a melhor situação de Ji- Paraná, comparativamente com Ariquemes, pode ser explicado pelo fato de que aquele município é um dos três mais antigos de Rondônia, com melhor definição econômica e urbanística, ao contrário deste que é um município novo tentando estruturar- se.

Para a associação entre DPC e nível de renda, deve-se discutir a inversão nos dados de desnutrição do I grau e obesidade para as crianças de famílias com renda entre 4 e 7 SM e as de renda entre 7 e 10 SM. Isto é, há mais desnutridos e menos obesos, percentualmente, na faixa de renda mais alta. Pode-se estar frente a uma situação na qual as pessoas estariam investindo mais em bens de consumo, por não resistirem ao apelo do consumismo, em detrimento de um padrão alimentar adequado na faixa de renda mais alta. Por outro lado, entre as pessoas de renda mais baixa, o investimento em uma melhor alimentação se daria por absoluta impossibilidade de acesso ao mercado de bens de consumo.

Embora apareça em percentuais menores do que a desnutrição, a obesidade deve ser objeto de preocupação. No Brasil, a obesidade tem recebido pouca atenção, talvez porque a desnutrição é um grave problema. Para os países desenvolvidos, esta condição é reconhecida como problema de saúde pública. Como o Brasil apresenta em suas estatísticas de morbi-mortalidade condições típicas do subdesenvolvimento, ao lado de doenças características do desenvolvimento capitalista, é importante que os estudos de avaliação nutricional de populações apresentem os resultados de obesidade e eutrofia separados e não consolidados na categoria de normal. Ainda mais porque é reconhecida a importância da fase de crescimento na determinação do número total de adipócitos2. Assim procedendo, poder-se-ia reunir um melhor acervo de informações relativas à obesidade.

Os resultados da presente pesquisa mostram-se críticos, mas não alarmantes, quando os comparamos a outros estudos como o do ENDEF (citado por Albuquerque1) e o inquérito nutricional realizado na cidade de Jauru1 (Tabela 4).

A prevalência geral de DPC encontrada para Rondônia foi menor do que para o Nordeste e Jauru, havendo uma semelhança com o dados do Rio de Janeiro e São Paulo (Tabela 4).

Cabe ainda ressaltar que, embora os três estudos apresentados na Tabela 4 tenham sido efetuados em pré-escolares, cada um utilizou uma faixa etária específica: 12 a 59 meses; 3 a 72 meses e 0 a 60 meses. Quanto ao padrão antropométrico houve concordância entre Rondônia e Jauru (NCHS), enquanto o ENDEF utilizou o padrão de Harvard. Acreditamos que, apesar das diferenças metodológicas, são válidas as comparações. Eventuais erros poderão ser explicados em função da representatividade das respectivas amostras, o que só seria confirmado através de estudos subseqüentes.

Na comparação entre estes mesmos estudos, agora através da classificação de Waterlow (Tabela 5), observa-se que na amostra de Rondônia não houve alta prevalência em nenhuma das formas de DPC, principalmente em termos de desnutrição aguda e crônica.

Devemos observar que os limites da classificação de Waterlow foram definidos levando-se em consideração a necessidade de intervenção. Por esta razão, privilegiou a especificidade em detrimento da sensibilidade, já que estas são inversamente proporcionais, ou seja, à medida que se aumenta o limite (tolerância) da normalidade, diminui a possibilidade de atribuir desnutrição a sadios (falsos positivos) obtendo-se assim maior especificidade. Inversamente a possibilidade de deixar de diagnosticar indivíduos realmente desnutridos (falsos negativos) torna-se mais elevada, resultando baixa sensibilidade. Deste modo, seria pertinente a aplicacação da classificação de Seoane e Lathan9 que, utilizando os mesmos indicadores da classificação de Waterlow, mas possuindo uma menor "tolerância" para a normalidade, apresenta maior sensibilidade e por isso seja, talvez, mais recomendada a estudos de prevalência.

A análise dos resultados obtidos neste estudo, em comparação aos apresentados nas Tabelas 4 e 5, leva à conclusão de que o consumo alimentar na população pré-escolar pesquisada, vem se procedendo a um nível de adequação inferior às necessidades nutricionais para um perfeito crescimento e desenvolvimento, resultando em uma forma insidiosa de desnutrição. Mas, pelo fato de que a região não sofre períodos críticos em disponibilidade de alimentos, como ocorre, por exemplo, em áreas nordestinas à época das secas, prossegue sem evoluir para um agravamento, passando despercebida pelos governantes e impondo grandes prejuízos à população.

Agradecimentos

Ao Professor Odécio Sanches, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, por sua assessoria na definição do plano amostral, e à Professora Eliete Salomon Tudisco, da Escola Paulista de Medicina, por sua contribuição no planejamento metodológico.

7. Referências bibliográficas

1. ALBUQUERQUE, M. C. W. et al. Inquérito nutritional em Jauru-MT. Universidade, Cuiabá, 3:109-35,1984.

2. BURTON, B. T. Obesidade e magreza. In: Burton, B. T. Nutrição humana. São Paulo, Mc Graw-Hill do Brasil, 1979. p. 253-72.

3. GOUVEIA, E. L. C. Diagnóstico do estado nutritional da população. In: Chaves, N. Nutrição: básica e aplicada. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1978. p. 245-74.

4 MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Manual para avaliação antropométrica do estado nutricional de crianças até 7 anos de idade. Brasília, 1983.

5. MINISTÉRIO DA SAÚDE/MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento: manual. Brasília, 1984.

6. MONTEIRO, C. A. Critérios antropométricos no diagnóstico da desnutrição em programas de assistência à criança. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 18: 209-17, 1984.

7. ORGANIZACION MUNDIAL DE LA SALUD. Medición del cambio del estado nutricional. Ginebra, 1983.

8. OTT, A. M. T. et al. Diagnóstico das condições de saúde em Rondônia; programa Polonoroeste/Secretaria de Estado da Saúde. Porto Velho, 1985. [Mimeografado]

9. SEOANE, N. & LATHAN, M. C. Nutritional anthropometry in the identification of malnutrition in childhood. J.Pediat. Environ. Child Hlth, 17: 98-103,1971.

10. WATEELOW, J. C. et al. The presentation and use of height and weight data for comparing the nutritional sums of groups of children under the age of 10 year. Bull.Wld Hlth Org.,55: 489- 98,1977.

* Parte do projeto "Diagnóstico das Condições de Saúde em Rondônia", realizado com recursos financeiros do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE). Apresentado no XI Congresso Brasileiro de Nutrição, Salvador, 1987.

Haroldo da Silva FerreiraI; Ari Miguel Teixeira OttII haroldo[arroba]fapeal.br

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IIDepartamento de Ciências Biomédicas da Fundação Universidade Federal de Rondônia - Av. Presidente Dutra, 2965 - 78900 - Porto Velho, RO - Brasil.



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