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Casca de café em dietas de carneiros: consumo e digestibilidade (página 2)

Daniele Rebouças Santana Loures; Rasmo Garcia; Odilon Gomes Pereira; Paulo

 

4. Material e Métodos

O experimento foi conduzido no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa, em Viçosa, MG, no período de 28 de abril a 16 de maio de 2000. Avaliaram-se o consumo e a digestibilidade aparente da MS e dos nutrientes de dietas contendo diferentes níveis de casca de café (0,0; 6,25; 12,5; 18,75 e 25% da MS) em substituição ao milho na ração concentrada, que corresponderam aos níveis de 0,0; 2,5; 5,0; 7,5 e 10,0% de casca de café na MS da dieta total, respectivamente.

Vinte carneiros adultos, sem raça definida, castrados, foram mantidos em gaiolas de estudos metabólicos por 19 dias (12 de adaptação e sete de coleta), quando foram registrados os consumos de alimentos e realizadas as coletas de fezes. Os animais foram pesados no início e final do experimento. Após pesagem inicial, os animais foram transferidos para gaiolas de estudos metabólicos dotadas de bebedouro e comedouros, para fornecimento de alimentos e sal mineral, efetuando-se, em seguida, a vermifugação dos mesmos. O experimento foi conduzido em um delineamento em blocos casualizados, com quatro repetições, sendo cada animal considerado uma unidade experimental e os blocos formados de acordo com o peso dos animais.

Os animais receberam dietas contendo 60% de feno de capim-coastcross, e 40% de ração concentrada, formulada com milho, farelo de soja e casca de café. As dietas isoprotéicas com, aproximadamente, 10% de PB, conforme recomendações do National Research Council (1985) para mantença dos animais, foram fornecidas ad libtum, duas vezes ao dia, sempre às 07 e 16 horas, permitindo sobras de 5 a 10%. A mistura entre o volumoso e a ração concentrada foi realizada no momento do fornecimento da alimentação. Os animais tiveram ainda acesso a uma mistura mineral fornecida, ad libitum, em cocho separado. A composição percentual dos ingredientes das rações concentradas encontra-se na Tabela 1 e a composição químico-bromatológica do volumoso, casca de café e das rações concentradas, na Tabela 2.

A amostragem dos alimentos oferecidos, das sobras e suas quantificações, para posteriores análises e determinação do consumo foi realizada no período do 13º ao 19º dia do experimento. Durante o mesmo período, procedeu-se à coleta total de fezes, utilizando bolsas coletoras de couro adaptadas aos animais. A digestibilidade aparente da MS e dos nutrientes foi calculada pelo método direto, ou seja, pela diferença entre consumido e excretado. Durante a coleta e pesagem das excreções fecais, realizadas sempre às 8 e 17 h, foram retiradas amostras equivalentes a 5% do peso. Amostras dos alimentos fornecidos, das sobras e das fezes foram acondicionadas em sacos plásticos e guardadas em freezer para posteriores análises. As amostras do feno, casca de café, sobras e fezes foram pré-secas em estufa de ventilação forçada a 60ºC, durante 72 horas. Em seguida, foram homogeneizadas para confecção das amostras compostas por animal e moídas em moinho tipo Willey, utilizando-se peneira de 1 mm.

A casca de café foi adquirida de indústria beneficiadora, localizada no sul do Estado de Minas Gerais. Nessa indústria, o processamento do café é realizado por via seca. Antes de ser misturada aos ingredientes da ração concentrada, a casca de café foi processada em moinho tipo martelo, com peneira semelhante à utilizada na moagem do milho.

As análises de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), nitrogênio total, fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA), lignina e extrato etéreo (EE), nitrogênio insolúvel em detergente neutro (NIDN) e nitrogênio insolúvel em detergente ácido (NIDA) foram realizadas segundo os procedimentos descritos por Silva e Queiroz (2002). Os teores de carboidratos totais (CT) foram calculados segundo as equações propostas por Sniffen et al. (1992).

Os teores de nutrientes digestíveis totais estimados (NDTEST) dos alimentos, rações concentradas e dietas totais foram calculados conforme equações descritas pelo National Research Council (2001). Para o cálculo do NDTEST do volumoso e da casca de café, utilizou-se a equação: NDTEST = 0,98 [100 - (%FDNp + %PB + %EE + %cinza)] x PF + PB x exp [ -1,2 x (PIDA/PB)] + 2,25 x (EE - 1) + 0,75 x (FDNp - Lignina) x [1 - (Lignina/FDNp)0,667 ] - 7 e para o cálculo do NDTEST das rações concentradas, a equação: NDTEST = 0,98 [100 - (%FDNp + %PB + %EE + %cinza)] x PF + PB x exp [ - 0,4 x (PIDA/PB)] + 2,25 x (EE - 1) + 0,75 x (FDNp - lignina) x [1 - (lignina/FDNp)0,667 ] - 7 em que, nas equações acima: FDNp = FDN PIDN (PIDN = nitrogênio insolúvel em detergente neutro x 6,25); PF = efeito do processamento físico na digestibilidade dos carboidratos não-fibrosos; PIDA = nitrogênio insolúvel em detergente ácido x 6,25. Para valores de EE < 1, na equação (EE - 1) = 0.

Para o feno, a casca de café e os concentrados, utilizou-se valor de PF igual a 1. Os valores de nutrientes digestíveis totais observados foram calculados para as diferentes dietas pela equação:

NDT = PBD + EED x 2,25 + FDND + CNFD

em que PBD = proteína bruta digestível; EED = extrato etéreo digestível; FDND = fibra em detergente neutro digestível; CNFD = carboidratos não-fibrosos digestíveis.

Os resultados foram submetidos às análises de variância e de regressão, adotando-se o nível de significância de 5%, utilizando-se o Programa SAEG, versão 7.1 (UFV, 1997). A escolha do melhor modelo foi feita com base no coeficiente de determinação e na significância dos coeficientes de regressão, utilizando-se o teste "t", de Student, a 5% de probabilidade.

5. Resultados e Discussão

A concentração de nutrientes digestíveis totais estimadas (NDTEST) da casca de café de 50,4% foi 3,6 unidades percentual inferior ao valor de NDTEST por Baião (2002). Grande parte da diferença entre os valores de NDT estimados para a casca de café pode ser explicada pela variação na concentração de FDN e lignina observada em diferentes pesquisas (Barcelos et al., 1997; Souza et al. 2002; Vilela, 1999). A variabilidade registrada na composição químico-bromatológica da casca de café pode ser atribuída a diferentes fatores cultivares, condições de cultivo e operações empregadas durante o processamento do grão, que podem resultar em casca de café de diferente valor nutritivo.

Os valores médios relativos aos consumos diários de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), carboidratos totais (CT), fibra em detergente neutro (FDN), carboidratos não-fibrosos (CNF) e nutrientes digestíveis totais (NDT) com as suas equações de regressão são apresentados na Tabela 3. A análise de regressão não detectou efeito dos níveis de casca de café sobre os consumos diários de MS e MO, expressos em g/dia e em % do PV, e sobre o consumo de PB, expresso em g/dia. Observou-se valores médios de 1412, 1342 g/dia e de 3,03 e 2,88% PV para os consumos diários de MS e MO, respectivamente e consumo diário de 149 g de PB. Resultados semelhantes foram relatados por Garcia et al. (2000) para consumo de MS e PB em ovinos recebendo 200 g de silagem de capim-elefante e concentrados, fornecido ad libtum, contendo casca de café in natura ou tratada com 4% de uréia, substituindo em 15% o milho desintegrado com palha e sabugo (MDPS). O consumo médio diário de matéria seca de 78,5 g/kg0,75 registrado neste experimento foi semelhante aos 77,0 g/kg0,75 verificados por aqueles autores.

O consumo médio diário de MS de casca de café foi de 0,0; 35, 67, 116 e 134 g para os animais que receberam rações concentradas contendo 0,0; 6,25; 12,5; 18,75 e 25% deste resíduo, respectivamente, que, por sua vez, corresponderam aos níveis de 0,0; 2,5; 5,0; 7,5 e 10,0% de casca de café na MS da dieta.

A análise de regressão não detectou efeito dos níveis de casca de café sobre os consumos diários de CT, FDN e CNF, expressos em g/dia e em % do PV, encontrando-se valores médios de 1.166, 711 e 453 g e de 2,5; 1,52 e 0,97% do PV, respectivamente. O consumo médio de MS, de 3,03% do PV, observado para as diferentes dietas, propiciou um consumo de FDN de 1,52% do PV.

Verificou-se efeito linear (P<0,05) dos níveis de casca de café sobre o consumo médio de EE, estimando-se redução de 0,528 g para cada unidade de casca adicionada. Embora a casca tenha apresentado valor de NDT (Tabela 2) muito inferior ao do NDT do milho (Valadares Filho, 2001), a análise de regressão não detectou efeito dos níveis de casca de café sobre os consumos diários de NDT, obtendo-se valor médio de 854 g.

Os coeficientes de digestibilidade aparente da MS, MO, CT, FDN, CNF, PB e EE e a concentração de nutrientes digestíveis totais observados (NDTOBS) e estimados (NDTEST) são apresentados na Tabela 4. As digestibilidades aparentes da MS, MO, PB não foram alteradas pela adição de casca de café nas dietas, observando-se valores médios de 60,1; 62,1 e 66,3%. Os baixos valores de digestibilidade da MS e baixa concentração de NDT das dietas podem ser atribuídos, em grande parte, ao baixo valor nutritivo do volumoso utilizado, caracterizado pelos elevados teores de FDN e de nitrogênio ligado à fração fibrosa e pelos baixos teores de PB (Tabela 2).

As digestibilidades aparentes de CT, FDN e CNF não foram alteradas pela adição de casca de café nas dietas, encontrando-se valores médios de 61,5; 46,9 e 84,1%, respectivamente. Uma vez que boa parte do N da casca de café está ligada aos componentes da fração fibrosa na forma de NIDN e NIDA (Tabela 2), considerados de baixa disponibilidade para os microrganismos ruminais (Licitra et al., 1996; Van Soest & Mason, 1991) e a fração fibrosa deste resíduo ter apresentado elevados teores de lignina (Tabela, 2), fator primário a limitar a digestibilidade da parede celular (Jung & Allen, 1995), esperava-se redução na digestibilidade da fração protéica e da fibra, com conseqüente redução na digestibilidade da MS, à medida que os níveis de casca de café fossem aumentados na dieta, fato este não verificado.

Verificou-se efeito linear (P<0,05) dos níveis de casca de café sobre a digestibilidade aparente do EE e concentração de NDTOBS, estimando-se redução de 0,507 e 0,132 unidades para cada unidade de casca de café adicionada na ração concentrada, respectivamente. Uma vez que o consumo e a digestibilidade dos nutrientes, excetuando a do EE, não tenham sido diferentes, a menor concentração de NDT registrada para as dietas com casca de café foi atribuída ao menor consumo e digestibilidade verificado para aquele nutriente. Apesar de não ter havido diferença significativa, observou-se tendência de menor consumo de CNF para as dietas com casca de café (Tabela 3), fato que pode ter contribuído para a redução do conteúdo de NDT destas dietas. Os valores médios de NDTEST para as diferentes dietas foram superiores aos de NDTOBS (Tabela 4), resultado parcialmente explicado pelo fato de os valores de NDTEST terem sido calculados considerando consumo em nível de mantença, conforme equação descrita pelo NRC (2001).

6. Conclusões

A casca de café, resíduo proveniente do beneficiamento do grão de café pelo método de via-seca, quando adicionada em até 25% da MS em substituição ao fubá de milho da ração concentrada de carneiros adultos, o que corresponde a 10% de inclusão de casca de café na MS da dieta total, não comprometeu o consumo e a digestibilidade dos nutrientes da dieta, indicando a possibilidade de uso na dieta desses animais como alimento alternativo.

7. Literatura Citada

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1 Projeto financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Alexandre Lima de SouzaI; Rasmo GarciaII; Fernando Salgado BernardinoIII; Fernanda Cipriano RochaIII; Sebastião de Campos Valadares FilhoII; Odilon Gomes PereiraII; Aureliano José Vieira PiresIV - rgarcia[arroba]ufv.br

IZootecnista, D.Sc., Professor do Departamento de Ciências Biológicas/Zootecnia - UFMT.

IIProfessor do Departamento de Zootecnia - UFV, Bolsista do CNPq

IIIZootecnista, M.Sc., DZO/UFV

IVProfessor do Departamento de Tecnologia Rural e Zootecnia - UESB



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