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Degradabilidade do bagaço de cana-de-açúcar tratado com amônia anidra e, ou, sulfeto de sódio (página 2)

Daniele Rebouças Santana Loures; Rasmo Garcia; Odilon Gomes Pereira; Paulo

 

4. Material e métodos

O experimento foi conduzido na Fazenda Córrego Novo, na cidade de Santa Cruz do Escalvado, e no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais.

Três silos de superfície com cerca de quatro toneladas de bagaço de cana-de-açúcar contendo 50% de MS foram confeccionados, utilizando-se lona plástica no solo e na cobertura dos silos. Todos os tratamentos foram feitos com base na matéria seca do bagaço de cana-de-açúcar; para o tratamento com Na2S, este foi diluído na proporção de 3:1 água:produto.

Para aplicação da amônia anidra, utilizou-se um botijão com capacidade de 80 kg de amônia; a quantidade necessária a ser adicionada foi obtida por diferença de peso do botijão, à medida que se aplicava a amônia. A amônia anidra foi aplicada em dois pontos opostos de cada silo, de maneira que permitisse melhor difusão em todo o material ensilado. Utilizaram-se canos PVC de ½" perfurados a cada 20 cm, com diâmetro de 0,5 cm, tendo uma de suas extremidades vedadas.

O bagaço de cana-de-açúcar ficou armazenado por 10 meses e, após a abertura dos silos, amostras foram coletadas conforme tratamentos: T1 - Bagaço sem tratamento (armazenado em local coberto); T2 - Bagaço tratado com 2,5% de Na2S; T3 - Bagaço tratado com 4% de NH3 e T4 - Bagaço tratado com 2,5% de Na2S + 4% de NH3.

Foram utilizados três novilhos Holandeses, canulados no rúmen, mantidos em regime de confinamento, em baias individuais, e alimentados, durante o ensaio, com dieta constituída de capim-elefante (Pennisetum purpureum Shum.), fornecido ad libitum, e 3 kg de concentrado à base de milho, farelo de soja e mistura mineral.

As amostras do bagaço de cana-de-açúcar foram moídas em peneiras com crivos de 4 mm e colocadas em sacos de náilon na quantidade de, aproximadamente, 3,0 g de MS/saco, a fim de manter uma relação próxima de 20 mg de MS/cm2 de área superficial do saco. Os períodos de incubação corresponderam aos tempos de 0, 6, 12, 24, 36, 48, 72 e 96 horas, sendo os sacos colocados em tempos diferentes e em duplicatas, para serem retirados todos ao mesmo tempo, promovendo, dessa forma, lavagem uniforme do material por ocasião da retirada do rúmen.

Após o período de incubação total de 96 horas, os sacos de náilon foram lavados em água corrente até que esta se apresentasse limpa, procedendo-se, então, à secagem. A determinação da matéria seca (MS) foi feita em estufa a 65oC, por 72 horas, utilizando as amostras para análises da fibra em detergente neutro (FDN) e fibra em detergente ácido (FDA), segundo metodologia descrita por Silva (1990).

Os dados de degradabilidade in situ da matéria seca (DISMS), FDN (DISFDN) e FDA (DISFDA) foram obtidos pela diferença de peso, encontrada para cada componente, entre as pesagens efetuadas antes e após a incubação ruminal e expressos em porcentagem. Foi utilizado o modelo de Ørskov & McDonald (1979) para a degradabilidade potencial da matéria seca de cada tratamento, de acordo com a fórmula: p = a+b (1-e-ct), em que "p" é degradabilidade potencial; "a", fração solúvel em água, "b" fração insolúvel em água mas potencialmente degradável; e "c", taxa de degradação da fração "b". Para a fração fibrosa (FDN e FDA), foi utilizado o modelo de Mertens (1976), de acordo com a fórmula: em que "Y" é o resíduo no tempo T; "b", a fração potencialmente degradável da fibra; "c", a taxa de degradação de b; "T", o período de incubação em horas; "L", a latência; e "I", a fração indigestível da fibra.

A degradabilidade efetiva ou real do bagaço de cana-de-açúcar foi calculada pela fórmula:

em que "k" é a taxa de passagem (Ørskov & McDonald, 1979).

Utilizaram-se as taxas de passagem de 2 e 5%, para o cálculo da degradabilidade efetiva, sendo estes valores relacionados a animais em mantença e ganho de peso, respectivamente.

5. Resultados e discussão

A degradabilidade potencial da matéria seca variou de 38,3 a 65,5%, após período de incubação de 96 horas, respectivamente, para o controle e o bagaço tratado com NH3.

Na Tabela 1, pode-se observar que a utilização de NH3 aumentou a fração solúvel "a" do material amonizado, apresentando valores de 1,0 e 4,47, para os tratamentos controle e Na2S, e 15,74 e 14,50, para os tratamentos com NH3 e com NH3 mais Na2S. Para a fração insolúvel, mas potencialmente degradável, "b" apresentou também menores valores para os tratamentos controle e Na2S (40,85 e 44,74) e maiores para os tratamentos com NH3 e com NH3 mais Na2S (53,26 e 48,81), respectivamente.

Nota-se que a fração "b" para o material tratado apenas com NH3 foi mais elevada, quando comparada ao tratamento com NH3 mais Na2S, o que não era esperado, uma vez que a presença do Na2S em ambiente alcalino poderia aumentar a digestibilidade, em função de possível redução da lignina. Dessa forma, verificou-se que o sulfeto não apresentou qualquer vantagem no tratamento do bagaço de cana-de-açúcar para o nível estudado.

Cañeque et al. (1998), trabalhando com palha de cevada contendo 40% de umidade e tratada com 6% de uréia (base MS), avaliaram a degradabilidade da matéria seca, e verificaram para as frações "a", "b" e "c" valores de 20,23 e 23,78% para "a", de 60,82 e 63,41% para "b" e de 1,95 e 3,31% para "c", respectivamente, para a palha sem tratamento e tratada com uréia. Paiva et al. (1995) encontraram valores médios de 39,0; 47,0; e 52,3% para DMS, ao utilizarem doses de 0, 2 e 4% de amônia anidra, respectivamente, em palhada de milho, incubando amostras em sacos de náilon por 48 horas.

Aumento na degradabilidade da matéria orgânica foi observado por Rahal et al. (1997), ao tratarem sete variedades de palha de arroz com doses de 0, 3 e 4% de uréia (base MS). Os autores verificaram valores de 58,1% para o material sem tratamento e 66,4 e 67,2%, respectivamente, para as doses de 3 e 4% de uréia, não havendo diferenças entre as doses de uréia. Ao compararem palha de arroz sem tratamento e tratada com 3% de uréia, esses autores encontraram os respectivos valores de 15,8 e 24,4 para a fração "a", de 38,7 e 40,2 para a fração "b" e de 2,47 e 3,11 para a taxa de degradação da fração "b" para uma mesma variedade de arroz, enquanto outra variedade apresentou os respectivos valores de 17,1 e 32,5 para a fração "a", de 33,6 e 31,1 para a fração "b" e de 2,67 e 2,26 para a taxa de degradação de "b" com o mesmo tratamento com 3% de uréia. Esses resultados mostram a grande variação para valores de frações solúvel e insolúvel e taxa de degradação, de forragens amonizadas.

Bem Salem et al. (1994) verificaram aumento na degradabilidade in situ da matéria seca (DMS) da palhada de sorgo amonizada com uréia (5,3% base MS) ou amônia anidra (3% base MS). Os valores encontrados foram de 51,4; 58,3; e 67,7% de DMS para a palhada sem tratamento, tratada com uréia e tratada com amônia anidra, respectivamente.

Na Tabela 2, pode-se observar comportamento semelhante para a FDN residual, para o bagaço de cana-de-açúcar não-tratado (controle) e tratado com Na2S, bem como para o tratado com NH3 e NH3 mais Na2S. Maiores valores da fração potencialmente degradável "b" e menores valores da fração indigerível "I" foram verificados para o bagaço tratado com NH3, independentemente do sulfeto de sódio, 44,03; 41,06; 51,64; e 53,43% para "b" e 51,56; 49,79; 34,07; e 34,49% para "I", respectivamente, para os tratamentos controle, Na2S, NH3 e NH3 mais Na2S. Verificou-se, portanto, a eficiência da amônia anidra no aumento da degradabilidade da fibra em detergente neutro para o bagaço de cana-de-açúcar tratado com NH3, independentemente do sulfeto de sódio.

Brown & Pate (1997), utilizando 4% de amônia anidra (base MS) em feno de grama estrela armazenado de 42 a 60 dias, encontraram valores médios para o controle e o material amonizado de 40,9 para 58,8% para DFDN e 28,8 para 49,0% para DFDA, respectivamente.

Estes resultados confirmam relatos da literatura, em geral, afirmando que em volumosos amonizados ocorre solubilização parcial da hemicelulose e afrouxamento da parede celular, permitindo, dessa forma, que os microrganismos do rúmen tenham maior superfície específica para se agregarem e, conseqüentemente, aumentarem a digestibilidade.

Rahal et al. (1997) encontraram valores diferentes para a fração solúvel (a), a fração insolúvel, mas potencialmente degradável (b), e a taxa de degradação, para a palha de arroz de determinada variedade estudada, 7,5 e 11,5; 43,7 e 45,0; e 2,53 e 3,24 para a fração "a", fração "b" e taxa de degradação "c", respectivamente.

Para a degradabilidade da FDA (Tabela 3), efeito semelhante ao da degradabilidade da FDN foi observado. Maiores valores da fração potencialmente degradável "b" e menores valores da fração indigerível "I" foram também verificados para o bagaço tratado com NH3, independentemente do sulfeto, em que os valores encontrados foram de 42,64; 47,78; 57,35; e 57,33% para "b" e 52,84; 46,51; 32,66; e 35,08% para "I", respectivamente, para os tratamentos controle, NH3, Na2S e NH3 mais Na2S. Dessa forma, pode-se verificar a eficiência da amônia anidra no tratamento de volumosos de baixa qualidade, promovendo aumento da degradabilidade nas frações fibrosas, independentemente do sulfeto de sódio.

Resultados semelhantes foram relatados por Paiva et al. (1995), os quais observaram valores médios de 40,0; 49,6; e 53,2% para DFDA, para as doses de 0, 2 e 4% de amônia anidra, respectivamente. Os autores encontraram, ainda, correlações positivas e altas entre os valores de DMS e DFDN (r = 0,99) e DFDA (r = 0,96), afirmando, com base nos resultados, que, na avaliação da degradabilidade da palhada de milho amonizada, a determinação da DMS é suficiente para estimar o efeito da amônia anidra sobre a degradação dos constituintes da parede celular.

Avaliando também a degradabilidade da FDA e da FDN, Cañeque et. al. (1998) verificaram valores de 75,12 e 83,72% para a fração "b" e de 2,24 e 3,99%/h para "c" da FDA e valores de 75,71 e 83,10% para "b" e de 2,09 e 3,31%/h para FDN, respectivamente, para a palha de cevada sem tratamento e tratada com 6% de uréia (base MS).

Constam, na Tabela 4, os valores para degradabilidade efetiva da matéria seca (DEMS), fibra detergente neutro (DEFDN) e fibra em detergente ácido (DEFDA) do bagaço de cana-de-açúcar sem tratamento, tratado com NH3, tratado com Na2S e tratado com NH3 mais Na2S para as taxas de passagem de 2 e 5%.

Maiores valores para as degradabilidades efetivas da MS, FDN e FDA foram verificados para o bagaço tratado com NH3, não havendo influência do Na2S sobre as frações estudadas, enquanto, para a degradabilidade efetiva da MS, os resultados foram semelhantes. Para taxa de passagem de 2%, os maiores valores encontrados foram de 36,34 e 37,37% para DMS, 29,80 e 28,58% para DEFDN e 30,98 e 30,66% para a DEFDA, respectivamente, para os tratamentos com NH3 e NH3 mais Na2S, enquanto o controle e o Na2S apresentaram valores de 22,56 e 24,65%; 23,69 e 21,83%; e 21,79 e 22,89%, para DMS, DEFDN e DEFDA, respectivamente.

Dessa forma, pode-se verificar que a amônia anidra aumentou a degradabilidade efetiva da MS, FDN e FDA do bagaço de cana-de-açúcar.

A degradabilidade efetiva da palha de cevada sem tratamento e tratada com uréia (6% base MS) foi avaliada por Cañeque et al. (1998). Esses autores encontraram valores de 44,16 e 57,03% para DEMS, de 32,71 e 46,00% para FDN e de 32,71 e 49,80% para FDA, respectivamente, para a palha não-tratada e tratada com uréia. Estes resultados reafirmam a eficiência da amonização no aumento da degradabilidade efetiva, quando foram usados restos de culturas.

6. Conclusões

O bagaço de cana-de-açúcar tratado com amônia anidra apresentou melhoria na degradabilidade da matéria seca, da fibra em detergente neutro e da fibra em detergente ácido.

O sulfeto de sódio não apresentou eficiência no tratamento do bagaço de cana-de-açúcar, mesmo quando associado à amônia anidra.

7. Literatura citada

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1 Parte da tese de Doutorado do primeiro autor, DZO/UFV, Viçosa, MG.

Aureliano José Vieira PiresI; Rasmo GarciaII; Sebastião de Campos Valadares FilhoII; Odilon Gomes PereiraII; Paulo Roberto CeconIII; Fabiano Ferreira da SilvaIV; Polyana Albino SilvaV; Luís Carlos Vinhas ÍtavoVI - rgarcia[arroba]ufv.br

IProfessor Adjunto DTRA/UESB, Itapetinga, BA, Pós-doutorando, Bolsista da FAPESB.

IIPesquisador do CNPq, DZO/UFV, Viçosa, MG

IIIProfessor DPI/UFV, Viçosa, MG

IVProfessor Adjunto DTRA/UESB, Itapetinga, BA

VEstudante do Curso de Mestrado em Zootecnia UFV, Viçosa, MG

VIProfessor UCDB, Campo Grande, MS



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