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Uma estrategia simple que aumenta os conhecimentos das mães em aleitamento materno e melhora (página 2)

Clécio H. da Silva; Elsa R. J. Giugliani

 

3. Métodos

Foi realizado um ensaio-clínico cuja intervenção consistiu de orientação fornecida por um vídeo abordando tópicos básicos sobre aleitamento materno, um folheto explicativo, entregue logo após a exibição do vídeo, e livre discussão sobre o tópico com as mães. Tanto o vídeo quanto o folheto foram especialmente elaborados para esta pesquisa.

O estudo foi realizado com parturientes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um hospital universitário de atenção múltipla, com uma demanda de quase 4000 partos por ano. O nível sócioeconômico da população assistida pelo hospital é variável, prevalecendo o atendimento a pessoas de baixa renda.

Diariamente, nos dias úteis, entre julho e dezembro de 1994, todas as mães de recém-nascidos normais instalados no Alojamento Conjunto do Hospital de Clínicas de Porto Alegre com peso de nascimento igual ou maior que 2500g e que iniciaram a amamentação foram selecionadas para participarem do estudo. Foram excluídas as mulheres que não habitavam a mesma residência do pai da criança, pois um estudo paralelo investigou também alguns aspectos relacionados com a figura paterna na prática da amamentação.

O número de mães para cada grupo foi estimado em 133, baseado numa prevalência de aleitamento materno aos seis meses de 50%2 e estimando um aumento de, no mínimo, 15% nesta prevalência para o grupo que receberia a orientação pós-natal sobre aleitamento materno, com um poder de 80% e um valor de p igual a 0,0510. Devido a prováveis perdas e para a análise de fatores de confusão, ao número inicial de 133 mães foi acrescentado um percentual aproximado de 50%.

As primeiras 208 puérperas selecionadas foram alocadas para o Grupo Controle, não recebendo, portanto, a intervenção. As 197 mães seguintes constituíram o Grupo Experimental, alvo da intervenção. Optou-se por essa distribuição para evitar entrecruzamento entre os grupos (trocas de informações entre as mães), o que seria inevitável, caso se trabalhasse simultáneamente com os grupos. Cabe ressaltar que a rotina do hospital não foi modificada no período de seleção das mães quanto aos cuidados e orientações fornecidas no Alojamento Conjunto. Sete mães se recusaram a participar do estudo.

Na maternidade, antes da intervenção, todas as mães responderam a um questionário padronizado, especialmente elaborado para o estudo, aplicado usualmente no segundo dia após o parto. Esse questionário visava à obtenção, entre outras, das seguintes informações: identificação, estado civil, idade materna, cor da mãe, escolaridade materna, número de filhos, renda per capita, tempo de amamentação de filhos anteriores quando presentes, atendimento pré-natal, orientação sobre aleitamento materno durante as visitas pré-natais e participação da mãe em algum curso pré-natal. O questionário continha, também, treze perguntas sobre aleitamento materno que visavam avaliar o conhecimento das mães sobre o assunto (pré-teste). As perguntas abordavam os seguintes tópicos: vantagens do leite humano para a criança, vantagens da amamentação para a mulher, tempo recomendado de aleitamento materno exclusivo, intervalo entre as mamadas, duração das mamadas, causas de diminuição da produção de leite materno, técnicas para aumentar a produção de leite, existência de leite materno fraco, proteção do leite humano contra doenças na criança, necessidade do uso de água ou chá durante a amamentação exclusiva, formas de prevenção de fissuras, interferência da mamadeira na amamentação e técnica da ordenha manual do leite humano. Para a avaliação, elaborou-se um sistema de escore a partir das treze perguntas, que poderia variar de zero a vinte e seis pontos, de acordo com o número de respostas corretas. Todas as respostas das questões valiam zero (respostas incorretas) ou dois pontos (respostas corretas), com exceção das respostas da pergunta de número um, que podia valer zero, um ou dois pontos, se incorreta, parcialmente correta ou correta, respectivamente. Sistema de escore semelhante foi utilizado em estudos anteriores9, 11.

Ao final do primeiro, do segundo, do quarto e do sexto mês pós-parto (ou até a interrupção da amamentação, se ocorresse antes dos seis meses) as mães eram visitadas em seus domicílios e interrogadas quanto às práticas alimentares de seus filhos. Navisita do final do primeiro mês as mães responderam o mesmo teste de conhecimentos em aleitamento materno aplicado logo após o parto (pós-teste).

As categorias de amamentação utilizadas foram as recomendadas pela Organizão Mundial de Saúdel2. Desta maneira, consideramos amamentação a situação na qual a criança recebe leite humano, independentemente de receber outros complementos, e amamentação exclusiva quando o lactente recebe somente leite materno, sem nenhuma complementação sólida ou líquida.

A análise dos dados, feita através dos programas Epi-Info 5.113 e SPSS for Windows14, envolveu os seguintes passos: distribuição e freqüência das variáveis estudadas; cálculo das médias e medianas dos escores iniciais e finais; comparação das médias dos escores iniciais e finais, através do teste t de Student; teste do qui-quadrado, para medir a significância estatística das diferenças entre proporções; cálculo de mudança percentual, para identificar a variação percentual entre o escore inicial e o escore final; e regressão logística, para identificar as variáveis associadas com o conhecimento das mães em aleitamento materno e também para estudar a associação entre esse conhecimento e a prevalência da amamentação, sem a interferência de possíveis fatores de confusão.

Como houve uma perda de 22 mães (5,4%) no acompanhamento do primeiro mês, os resultados da comparação dos escores no teste de conhecimentos antes e após a intervenção foram baseados nos dados obtidos das 383 mães (194 do Grupo Controle e 189 do Grupo Experimental) que responderam aos dois testes.

No estudo da associação entre conhecimento das mães sobre aleitamento materno e prevalências da amamentação no final do primeiro, do terceiro e do sexto mês de vida das crianças, utilizou-se o conhecimento apresentado ao final do primeiro mês (pós-teste), tendo como ponto de corte a média do escore (< média,> média). Para essa análise, além das 22 mães que foram perdidas no acompanhamento do primeiro mês, foram excluidas mais 16 mães que não puderam ser acompanhadas até o sexto mês, reduzindo a amostra total de 405 para 367 mães.

Este trabalho foi aprovado pela Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

4. Resultados

As principais características da população estudada encontram-se na Tabela 1. As mães dos Grupos Controle e Experimental possuem características semelhantes, com excessão da cor da pele e da participação da mãe em curso pré-natal - o Grupo Controle apresentou um número significativamente mais elevado de mães de cor branca e uma maior participação em curso pré-natal, quando comparado com o Grupo Experimental.

Tabela 1

Informações sobre as variáveis estudadas, por grupo de mães.
Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 1994

Característica

Grupo Controle
n=208 Nº (%)

Grupo Experimental
n=197 Nº (%)

p

Tipo de parto

Vaginal

165 (79,3)

150 (76,1)

0,44

Cesareana

043 (20,7)

047 (23,9)

0

Sexo do RN0

Feminino

112 (53,8)

099 (50,3)

0,47

Masculino

096 (46,2)

098 (49,7)

0

Estado civil dos pais

Solteiro

129 (62,0)

125 (63,5)

0,76

Casado

079 (38,0)

072 (36,5)

0

Renda per capita

< 0,5 SM

047 (22,5)

036 (18,3)

0,21

0,5 - 2,0 SM

096 (46,2)

108 (54,8)

0

> 2,0 SM

065 (31,3)

053 (26,9)

0

Idade materna

< 20 anos

048 (23,1)

050 (25,4)

0,59

> 20 anos

160 (76,9)

147 (74,6)

0

Cor da mãe

Branca

143 (68,8)

095 (48,2)

0,00

não branca

065 (31,2)

102 (51,8)

0

Escolaridade materna

< 8 anos

135 (64,9)

125 (63,5)

0,76

> 8 anos

073 (35,1)

072 (36,5)

0

Assistência pré-natal

Nenhuma consulta

017 ( 8,2)

013 (6,6)

0,82

1-4 consultas

028 (13,5)

026 (13,2)

0

> 5 consultas

163 (78,3)

158 (80,2)

0

Orientação sobre aleitamento materno no pré-natal

Não

137 (65,9)

134 (68,0)

0,65

Sim

071 (34,1)

063 (32,0)

0

Participação da mãe Em curso pré-natal

Não

189 (90,9)

164 (83,2)

0,02

Sim

019 ( 9,1)

033 (16,8)

0

Número de filhos Que a mãe já tem

Nenhum

089 (42,8)

078 (39,6)

0,75

1 -3 filhos

105 (50,5)

103 (52,3)

0

> 3 filhos

014 (6,7)

016 (8,1)

0

Tempo de amamentação De filhos anteriores

< 3 meses

042 (20,2)

046 (23,4)

0,70

> 3 meses

077 (37,0)

073 (37,1)

0

> primíparas

089 (42,8)

078 (39,6)

0

Não houve diferença significativa no escore inicial do teste de conhecimentos sobre aleitamento materno entre as mães dos dois grupos. Ao final do primeiro mês, apesar da média do escore final ser estatisticamente maior que a média do escore inicial nos dois grupos, as mães que receberam a intervenção tiveram um escore significativamente maior que as mães do Grupo Controle (Tabela 2). A variação percentual entre a média do escore inicial e a média do escore final das mães do Grupo Controle foi significativamente menor que o das mães do Grupo Experimental (5,2% e 15,6%, respectivamente), sendo o qui-quadrado de homogeneidade igual a 37,9 (p < 0,00).

Tabela 2

Médias dos escores obtidos pelas mães nos testes de
conhecimentos sobre aleitamento materno, por grupo

Escore Inicial*
(média ± SD)

Escore Final**
(média ± SD)

p

Grupo Experimental
Grupo Controle
P

14,69 ± 4,27
14,17 ± 4,32
0,24

16,98 ± 4,34
14,90 ± 4,62
0,00

0,00
0,01

* Escora Inicial - escore após o parto.
** Escora Final - escore um mês após o parto.

Os índices de acertos dos tópicos pesquisados no pré e no pós-teste entre as mães do Grupo Controle e do Grupo Experimental são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3

Percentagem de mães do Grupo Controle e do Grupo Experimental que acertaram
as respostas sobre conhecimentos em aleitamento materno, por tópico pesquisado
e época em que foi aplicado o questionário (pré e pós-teste)

 

Grupo Controle (n=194)

Grupo Experimental (n=189)

Pré-teste*
Nº (%)

Pós-teste**
Nº (%)

p

Pré-teste*
Nº (%)

Pós-teste**
Nº (%)

p

A criança amamantada ao seio pega menos doenças

192 (99,9)

188(96,9)

0,15

185 (97,9)

184 (97,4)

0,74

Pelo menos uma vantagem da amamentação para
a criança

184 (94,8)

187 (96,4)

0,46

182 (96,3)

185 (97,9)

0,34

Não existe leite materno fraco

152 (78,4)

160 (82,5)

0,31

142 (75,1)

168 (88,9)

0,00

A criança debe ser amamantada em regime de livre demanda

142 (73,2)

159 (82,0)

0,04

144 (76,2)

167 (88,4)

0,00

Pelo menos um problema por usar mamadeira enquanto a criança estiver sendo amamantada

115 (59,3)

083 (42,8)

0,00

129 (68,3)

110 (58,2)

0,04

Pelo menos uma vantagem da amamentação para a mãe

113 (58,2)

127 (65,5)

0,14

118 (62,4)

134 (70,9)

0,08

Só o leite materno é alimento suficiente para a criança até os 4-6 meses

112 (57,7)

111 (57,2)

0,92

107 (56,6)

129 (68,3)

0,02

A criança debe mamar o tempo que quiser

096 (49,5)

109 (52,2)

0,19

109 (57,7)

112 (59,3)

0,75

Pelo menos um fator que pode diminuir o volume de leite

096 (49,5)

098 (50,5)

0,84

075 (39,7)

101 (53,4)

0,00

A criança não precisa tomar água além do leite materno

082 (42,3)

094 (48,5)

0,22

081 (42,9)

098 (51,9)

0,08

Pelo menos um fator que pode contribuir para aumentar o volume de leite

052 (26,8)

036 (18,6)

0,05

040 (21,2)

045 (23,8)

0,54

Pelo menos uma maneira de prevenir fissuras

048 (24,7)

080 (41,2)

0,00

052 (27,5)

107 (56,6)

0,00

Domínio da técnica de fazer ordenha manual

026 (13,4)

065 (33,5)

0,00

049 (25,9)

094 (49,7)

0,00

* Pré-teste - após o parto
**Pós-teste - um mês após o parto

O estudo do efeito de algumas variáveis nos conhecimentos inicial e final das mães sobre aleitamento materno revelou que as mães com mais de oito anos de escolaridade e que participaram de curso pré-natal tiveram uma chance significativamente maior de ter um escore inicial acima da média do que as demais. Já no segundo teste, apenas a maior escolaridade, além da intervenção, esteve associada com um maior conhecimento. As mães que receberam a orientação logo após o parto tiveram uma chance 1,7 vezes maior de obter um escore acima da média no teste de conhecimentos realizado ao final do primeiro mês, quando comparadas com as mães do Grupo Controle (Tabela 4).

Tabela 4

Variáveis estudadas no modelo multivariado, para análise
do conhecimento inicial e final das máes em aleitamento materno

Variáveis

Conhecimento inicial

Conhecimento final

Razão de Chance (IC 95%)*

P

Razão de Chance (IC 95%)**

p

Grupo

Controle
Experimental

1,00
1,20 (0,76-1,90)

-
0,43

1,00
1,70 (1,08-2,65)

-
0,02

Idade materna

< 20 anos
> 20 anos

1,00
0,66 (0,35-1,24)

-
0,19

1,00
1,09 (0,59-2,00)

-
0,79

Cor da mãe

Branca
Não branca

1,00
0,92 (0,56-1,49)

-
0,72

1,00
0,91 (0,56-1,49)

-
0,71

Estado civil

Solteira
Casada

1,00
1,01 (0,62-1,65)

-
0,96

1,00
0,64 (0,39-1,03)

-
0,06

Renda per capita

< 0,5 sálarios mín.
0,6-1,9 sálarios mín
> 2,0 sálarios mín.

1,00
1,61 (0,84-1,12)
1,59 (0,73-3,47)

-
0,15
0,25

1,00
1,42 (0,75-2,70)
1,24 (0,57-2,68)

-
0,28
0,58

Escolaridade da mãe

< anos
> 8 anos

1,00
4,29 (2,42-7,58)

-
0,00

1,00
2,61 (1,52-4,48)

-
0,00

Número de filhos Anteriores

Nenhum

1,00

-

1,00

-

1 -3 filhos
> 3 filhos

1,46 (0,08-25,20)
2,68 (0,13-53,91)

0,80
0,52

134,68 (______)
59,66 (______)

0,61
0,67

Tempo de amamentação De filhos anteriores

< 3 meses
> 3 meses
primíparas

1,00
1,70 (0,90-3,19)
1,07 (0,06-18,16)

-
0,10
0,96

1,00
1,73 (0,74-3,19)
163,58 (______)

-
0,08
0,59

Assistência pré-natal

Nenhuma consulta
1-4 consultas
> 5 consultas

1,00
0,63 (0,22-1,83)
1,28 (0,48-3,37)

-
0,39
0,62

1,00
1,58 (0,49-5,03)
2,30 (0,80-6,64)

-
0,44
0,12

Orientação sobre aleitamento no pré-natal

Não
Sim

1,00
1,54 (0,92-2,56)

-
0,10

1,00
1,35 (0,82-2,23)

-
0,24

ParticipaçãoEm curso pré-natal

Não
Sim

1,00
3,02 (1,30-7,00)

-
1,00

1,00
1,59 (0,75-3,37)

-
0,22

*Chance de apresentar um escore no pré-teste sobre aleitamento materno igual ou acima da média
**Chance de apresentar um escore no pós-teste sobre aleitamento materno igual ou acima da média

A Tabela 5 mostra o resultado da análise multivariada que testou a influência do conhecimento das mães em aleitamento materno nas taxas de amamentação ao final do primeiro, do terceiro e do sexto mês. As mães com escores acima da média no teste de conhecimentos aplicado um mês após o parto tiveram uma chance significativamente maior de oferecer leite materno como alimento exclusivo para os seus filhos ao final do primeiro e do terceiro mês. Embora a razão de chance tenha sido bastante alta para amamentação exclusiva no sexto mês, ela não foi significativa, provavelmente pelo pequeno número de mulheres (n = 10) que estavam alimentando seus filhos com leite materno exclusivo. A amamentação ao final do sexto mês foi mais prevalente entre as mulheres com maior conhecimento.

Tabela 5

Resultados da análise multivariada que testou a associação entre o conhecimento das
mães e prevalências de amamentação. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 1994

Més

Conhecimento das mães

Categoria de
Amamentação

> média (n=207)

< média (n=160)

Razão de Chance

%

%

Ajustada*(IC 95%)

PRIMEIRO


TERCEIRO


SEXTO

Exclusiva
Amamentação

Exclusiva
Amamentação

Exclusiva
Amamentação

086
189

039
164

09
134

(72,3)
(56,1)

(90,7)
(59,2)

(90,0)
(65,7)

033
148

04
113

001
070

(27,7)
(43,9)

0(9,3)
(40,8)

(10,0)
(34,3)

2,51 (1,48 - 4,26)
1,67 (0,68 - 4,00)

08,25 (2,64 - 25,80)
1,25 (0,72 - 2,16)

06,33 (0,68 - 59,10)
2,12 (1,30 - 3,46)

Ajustado para tipo de parto, sexo do recém-nascido, renda per capita, cor, estado civil, idade, escolaridade, assistência pré-natal, orientação sobre aleitamento materno no pré-natal, participação em curso pré-natal, número de filhos que já tem e tempo de amamentação de filhos anteriores

5. Discussäo

Este estudo confirmou a nossa hipótese de que a orientação das mães sobre aleitamento materno no período pós-natal aumenta os seus conhecimentos sobre o assunto e, conseqüentemente, a prevalência dessa prática nos seis primeiros meses. Embora as mães tenham aumentado os seus conhecimentos um mês após o nascimento de seus filhos, independentemente de terem recebido ou não a intervenção, esta fez diferença no nível de conhecimento, que, por sua vez, mostrou-se associado positivamente com a prevalência de amamentação, em especial a amamentação exclusiva, em diferentes momentos, mesmo controlando para variáveis freqüentemente descritas como associadas à prática do aleitamento materno. As mães com escore acima da média no teste de conhecimento em aleitamento materno tiveram uma chance 8,2 vezes maior de estarem dando leite materno como alimento exclusivo para os seus filhos ao final do terceiro mês e duas vezes mais de estarem amamantando ao final do sexto mês.

Os poucos estudos relatados na literatura que avaliaram o conhecimento das mães sobre aleitamento materno antes e após uma intervenção divergem quanto aos resultados. A implantação de um protocolo para a promoção do aleitamento materno em três hospitais de Toronto, Canadá, não aumentou significativamente o conhecimento das mães e dos profissionais de saúde, embora os autores acreditem que essa medida tenha iniciado uma mudança positiva nos programas e nas condutas relacionadas ao aleitamento materno15. Já no relato de Kaplowitz e Olsonl6, um programa educativo sobre aleitamento materno aumentou significativamente o conhecimento das mães, mas não mudou a incidência ou duração da amamentação. É natural que os resultados de estudos como esses sejam diferentes, uma vez que muitas variáveis estão envolvidas, tais como aspectos culturais, tipo de população alvo e adequação do programa, além da metodología utilizada para avaliar os resultados.

No presente estudo, o índice de acertos nos diferentes tópicos pesquisados variou bastante (13,4% a 99,0%). Em vista disso, não é possível generalizar dizendo que as mães apresentaram muito ou pouco conhecimento sobre aleitamento materno, e sim que alguns tópicos são de maior ou menor conhecimento delas. De uma maneira geral, as mães que receberam a orientação pós-natal apresentaram um maior índice de acertos no pós-teste, embora, em alguns tópicos, também tenha ocorrido um aumento no índice de acertos entre as mães que não receberam a orientação; aumento esse que pode ser explicado, pelo menos em parte, pela experiência vivenciada e, provavelmente, por informações de outras fontes que não a intervenção do presente estudo (co-intervenção). É interessante ressaltar que as mães de ambos os grupos apresentaram uma diminuição no índice de acerto no tópico que abordava o efeito prejudicial da mamadeira na amamentação bem sucedida. É possível que, ao introduzirem a mamadeira para oferecer água, chás ou mesmo fórmulas aos seus bebês, as mães tenham deixado de ver algum problema nessa prática.

Ao analisarmos os fatores que se mostraram associados aos conhecimentos das mães em aleitamento materno, podemos inferir que as mães que apresentaram maior conhecimento sobre aleitamento materno são mais bem informadas (maior escolaridade) e mais motivadas a receber informações sobre o assunto (por participarem de curso pré-natal). Embora as variáveis tempo de amamentação de filho(s) anterior(es) superior a três meses e assistência pré-natal com cinco ou mais consultas não tenham mostrado uma associação estatisticamente significativa com um maior conhecimento, elas parecem ser importantes, uma vez que mostraram uma razão de chance alta (RC = 1,7 e 2,3, respectivamente). Esses achados vêm corroborar os resultados de um estudo prévio, também realizado em Porto Alegre, em que as mães que apresentaram um melhor conhecimento em aleitamento materno tinham uma maior escolaridade, afirmaram ter recebido orientação sobre aleitamento materno no pré-natal e realizaram no mínimo cinco visitas pré-natais9.

É importante destacar que a escolaridade acima de oito anos foi a única variável que permanecen significativamente associada a um maior conhecimento sobre aleitamento materno nos dois momentos (pré e pós-teste). Estudos importantes têm mostrado que a escolaridade materna é um dos fatores que mais exercem influência na saúde da criança. Victora e cols.17, utilizando os dados obtidos com a coorte de crianças nascidas em Pelotas, RS, em 1982, mostraram a importância da educação materna na saúde da criança. Cleland e Ginneken18 também sugerem um forte impacto da educação materna na saúde e sobrevida das crianças de países em desenvolvimento. Apesar da escolaridade exercer influência importante nos conhecimentos das mães em aleitamento materno, a intervenção conseguiu diminuir o seu efeito nesses conhecimentos (a chance de mulheres com mais de 8 anos de escolaridade de apresentar um escore no teste igual ou acima da média passou de 4,29 para 2,61), mostrando que é possível, com orientação, minimizar a desvantagem das mulheres menos escolarizadas com relação aos conhecimentos em aleitamento materno.

Merece ser mencionado o fato de 79,3% das mães de ambos os grupos estudados terem comparecido a cinco ou mais consultas pré-natais e apenas 33,1% referirem ter recebido orientação sobre aleitamento materno durante esse período. Este dado é preocupante e mostra a apatia dos serviços de saúde com relação à promoção do aleitamento materno. Consideramos o atendimento pré-natal uma excelente oportunidade para o profissional da saúde promover o aleitamento materno, especialmente se houver uma integração com o trabalho de promoção da amamentação após o nascimento da criança.

No delineamento do estudo, houve rigor na definição da população a ser estudada e no controle das perdas, a fim de evitar vícios de seleção. A coleta dos dados com questionários padronizados e uma equipe exaustivamente treinada para essa função e a codificação dos questionários feita sempre pela mesma pessoa contribuíram para evitar possíveis vícios de aferição. Os vícios de confusão foram minimizados pela análise multivariada, que permitiu determinar, de forma independente, os efeitos das variáveis em estudo. O fato de ser um estudo prospectivo, que diminui sensivelmene eventuais erros decorrentes de falhas de memória, proporcionou uma maior qualidade e precisão às informações.

É necessário cautela ao generalizar os resultados aqui apresentados, uma vez que a população estudada não é representativa da população total de Porto Alegre. Ela apresenta, em relação á população de Porto Alegre, um percentual menor de pessoas de cor branca (58,5% das mães versus 84,0%), um menor índice de analfabetismo (3,8% versus 5,3%) e uma renda per capita menor19. O fato de haver uma predominãncia significativa de mães de cor branca no Grupo Controle e uma maior participação em curso pré-natal em relação ao Grupo Experimental não invalida os resultados do estudo, pois essas variáveis foram controladas pelo modelo multivariado de regressáo logística.

O mérito maior deste estudo foi ter demonstrado que uma intervenção simples e não onerosa no período pós-parto pode aumentar o nível de conhecimento das mães sobre aleitamento materno e, conseqüentemente, aumentar as taxas de amamentação. É provável que outras estratégias simples, aplicadas em diferentes momentos (ex: pré-natal) e integradas entre si tenham um impacto ainda maior na prevalência do aleitamento materno. Novos estudos são necessários para continuar demonstrando que é possível aumentar as taxas de aleitamento materno de diversas maneiras, contribuindo, desta maneira, para a promoção de gerações de crianças física e mentalmente mais saudáveis.

1. Prof. do Depto. de Patología da Fundação Universidade do Rio Grande.

2. Prof. do Depto. de Pediatria e Puericultura da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Río Grande do Sul (UFRGS).

3. Pediatra da Secretaria Estadual de Saúde e Meio Ambiente do RS.

4. Pediatra da Secretaria de Saúde e Assistência Social de Canoas.

5. Residente de Pediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

6. Académica de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Publicado en Jornal de Pediatria, Brasil.

Este artigo é parte da dissertação apresentada ao Curso de Pós. Graduação em Medicina: Pediatria, da UFRGS.

Endereço para correspondência: Dra. Lulie Rosane Odeh Susin, Rua José de Carvalho Estima, 79 - Bairro Jardim do Sol, CEP 96216-070 - Rio Grande - RS, Fone: (0532) 32.5847 ou (053) 971.7145

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Lulie R.O. Susin1, Elsa R.J. Giugliani2, Suzane C. Kummer3, Marileide Maciel4, Ana C.W. Benjamin5, Daniella B. Machado6, Márcia Barcaro6, Viviani Draghetti6 - elsag[arroba]terra.com.br



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