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Evolução do estado nutricional de crianças submetidas à internação hospitalar (página 2)

Haroldo da Silva Ferreira; Ari Miguel Teixeira Ott

 

4. Metodologia

Foram cadastradas, durante o período de fevereiro a julho de 2001, todas as crianças registradas no livro de entrada da clínica pediátrica do HU. Os respectivos prontuários foram obtidos no Setor de Arquivo Médico e Estatística (SAME), para análise e seleção de crianças na composição da casuística desse estudo. Foram incluídas todas as crianças de 0 a 10 anos que permaneceram internadas por período igual ou superior a 10 dias.

Das 52 crianças que atenderam aos critérios de inclusão, coletaram-se os seguintes dados: sexo, idade, peso corporal, data da internação e da alta, procedência (capital ou interior) e diagnóstico.

Na avaliação do estado nutricional, procedida no início da hospitalização e por ocasião da alta, usou-se o índice peso para idade, expresso em unidades de desvio-padrão (escore z) relativamente ao padrão antropométrico de referência do NCHS (National Center for Health Statistics). A classificação nutricional considerou os seguintes critérios: eutrofia: z > -1 DP; desnutrição leve: z < -1 a -1.9 DP; desnutrição moderada: z < -2 a -2.9 DP; desnutrição grave: z -3 DP.

Para a análise do tempo de internação, a distribuição obtida para essa variável foi extratificada em 4 categorias, segundo os quartis definidos pelos percentis 25, 50 e 75.

Os resultados foram apresentados como média ± desvio-padrão ou amplitude e mediana. Consideraram-se as diferenças como estatisticamente significantes quando a probabilidade de falsa rejeição da hipótese nula era inferior a 5% (p<0,05). Para isso, utilizou-se o teste t de Student para amostras dependentes (pareadas).

5. Resultados

Foram estudadas 52 crianças, sendo 36 (69,2%) do sexo masculino e 16 (30,8) do sexo feminino. A faixa etária predominante foi a de menor de um ano (lactente), com 44,2% do total de casos. Os pacientes provenientes do interior do Estado superaram aqueles oriundos da capital (53,8%). Vinte e oito enfermidades foram registradas como diagnóstico principal, no entanto a condição mais freqüente foi a desnutrição (15,4%), seguida por pneumonia (9,6%), anemia carencial (7,7%) e desidratação (5,8%). O tempo de internação variou de 10 a 77 dias. A Tabela 1 apresenta a caracterização geral da amostra.

 

A Tabela 2 apresenta a classificação nutricional do conjunto de crianças no início e no final do período de internação hospitalar. Verifica-se que 71,2% das crianças eram desnutridas por ocasião da internação. Houve uma redução da ordem de 15,2% na prevalência da desnutrição grave e de 6,5% na de desnutrição leve, porém, o número de casos de desnutrição moderada aumentou em 24,7%. No momento da alta hospitalar, a prevalência de DEP era de 69,2%, apenas 2 pontos percentuais abaixo da prevalência inicial.

A Tabela 3 apresenta a evolução individualizada dos grupos conforme a condição nutricional inicial. Verifica-se que das 13 crianças internadas com desnutrição grave, 11 permaneceram nessa condição no momento da alta. Das 8 que tinham desnutrição moderada, apenas 2 evoluíram para desnutrição leve. Dezesseis crianças eram levemente desnutridas. Destas, 4 evoluíram para a eutrofia, enquanto 3 pioraram e passaram a apresentar desnutrição moderada.

Vale ressaltar que, das 52 crianças estudadas, 29 apresentaram variação de peso positiva, enquanto essa variação foi negativa em 23 casos. No entanto, a magnitude da média dos valores z negativos foi superior à dos valores positivos: -0,56 e 0,50, respectivamente.

A Tabela 4 demonstra a evolução do estado nutricional segundo enfermidades específicas e tempo de internação hospitalar. Verifica-se que as crianças que foram internadas com diagnóstico de desnutrição (mais de 70% da casuística tinham algum grau de desnutrição, mas nem todas tinham tal diagnóstico no prontuário) se destacavam das demais pelo extremo grau de magreza. Essas crianças apresentavam um escore z médio de -4,38±2,1, contra -3,13±0,9 das crianças com desnutrição de moderada a grave, mas que não receberam esse diagnósitico, e -0,63 ± 1,1 para as demais condições.

Situação preocupante foi verificada em relação às crianças que receberam diagnóstico de anemia carencial. Esse grupo apresentou uma deterioração da condição nutricional estatisticamente significante (p= 0,05). Os casos de pneumonia e desidratação apresentaram uma ligeira melhora, mas não significante do ponto de vista estatístico.

As crianças que tinham maior grau de déficit nutricional permaneceram internadas por maior período de tempo. No entanto, essa maior permanência não resultou em melhor prognóstico em relação à condição nutricional inicial dos pacientes.

6. Discussão

Estudo realizado no Hospital de Pediatria do Centro Médico Nacional, no México, revelou que, entre 450 crianças internadas, 72,2% apresentavam algum grau de desnutrição8. Essa prevalência foi muito semelhante à verificada em nosso estudo. Das 52 crianças estudadas, 71,2% eram desnutridas no momento do ingresso no HU. É importante salientar que, para a maioria destas crianças, não se registrou tal diagnóstico no prontuário, indicando, possivelmente, que o estado nutricional dos pacientes não está recebendo a devida consideração em relação aos procedimentos terapêuticos, corroborando com as conclusões de Waitzberg e cols. (7) Estes autores, num estudo multicêntrico envolvendo 4.000 pacientes, detectaram alta prevalência de desnutrição hospitalar e concluíram que os clínicos estavam pouco atentos para este problema e que a terapia nutricional estava sendo subutilizada.

Nesta investigação, a prevalência de DEP ao final do período de internação foi de 69,2%, apenas 2 pontos percentuais abaixo da prevalência inicial, alteração esta insignificante à luz da estatística. Situação ainda mais preocupante diz respeito à evolução nutricional das crianças internadas especificamente por conta da desnutrição. As 8 crianças internadas com esse diagnóstico, além de não saírem da categoria de "desnutrição grave", não apresentaram alteração significante em termos de evolução em unidades de escore z. Até mesmo o grupo de crianças com diagnóstico de desidratação, continuaram gravemente desnutridas, apesar do "esperado" incremento de peso obviamente determinado pelo processo de reidratação. Do ponto de vista estatístico, entre todos os dados analisados, a única alteração significante foi a deterioração da relação peso para idade observada entre as crianças com diagnóstico de anemia carencial. É possível que, em virtude da magnitude da depleção de ferro, essas crianças apresentassem algum grau de edema, o qual teria regredido após tratamento específico, o que teria determinado a redução de peso.

O índice peso para idade, expresso em diferentes níveis de escore z, foi adotado no presente estudo como indicador do estado nutricional. Esse índice é constituído a partir da comparação entre o peso observado e o peso de referência para a respectiva idade e sexo. Identifica condições em que a criança apresenta um peso corporal abaixo (ou acima) do esperado. Seu maior mérito é consolidar os casos de déficits ponderais e/ou estaturais, sendo por isso bastante útil em estudos de prevalência. No entanto, por não utilizar a medida da altura, é incapaz de distinguir a natureza do processo, haja vista que combina duas formas distintas de deficiências: a de peso para a altura, relacionada a processos agudos, e a de altura para idade, indicativa de déficits nutricionais crônicos. Todavia, constitui o índice mais sensível para monitorar o crescimento de menores de seis meses, nos quais o comprometimento da altura ainda não teve "chance" de se evidenciar (1). Como em nossa casuística a faixa etária variou de 0 a 10 anos, esse fato constituiu uma limitação do presente estudo. Por outro lado, como os dados foram obtidos a partir das informações constantes dos respectivos prontuários, a ausência da medida da estatura revela, talvez, minimização da real importância que deveria ser dada à avaliação nutricional das crianças, tanto no sentido de melhor estabelecer as condutas terapêuticas, como também para a avaliação da efetividade dos procedimentos.

Em se tratando de um estudo que envolve o estado nutricional de pacientes hospitalizados, torna-se inevitável a discussão da atenção dietética nesse contexto, pois é plenamente aceito que uma intervenção dietoterápica bem conduzida é de fundamental importância para um bom prognóstico dos pacientes, sobretudo, se a desnutrição faz parte do quadro nosológico. Segundo Braunschweig et al. (11), a deterioração do estado nutricional de pacientes hospitalizados, independentemente de sua condição inicial, está associada com maiores custos hospitalares e maior probabilidade de complicações. Por outro lado, Gallagher-Allred e cols. (12) asseguram que o suporte nutricional adequado contribui para redução da prevalência e magnitude da desnutrição, melhora o prognóstico clínico e ajuda a reduzir os custos do tratamento.

Em nossa casuística, houve predomínio de crianças menores de 1 ano em relação às demais faixas etárias. Entre os possíveis fatores que poderiam explicar a alta prevalência de DEP já em fases tão precoces da vida, destacam-se:

(a) crianças nascidas com baixo peso e que não conseguiram lograr boa evolução pôndero-estatural, em virtude de serem submetidas a um meio ambiente inóspito;

(b) ausência de amamentação ou desmame precoce;

(c) introdução de alimentos de desmame inadequados;

(d) baixo nível de imunização;

(e) diarréias, parasitoses intestinais e infecções freqüentes. Todos esses fatores são bastante comuns em Alagoas, entre as populações de baixo nível socioeconômico (1). A implementação de medidas que reduzissem esses fatores contribuiria para reduzir a prevalência de DEP em nível populacional e, em conseqüência, a respectiva demanda por leitos hospitalares.

Em São Paulo, onde as condições de vida são relativamente melhores que as verificadas em Alagoas, um estudo conduzido na pediatria do Hospital das Clínicas, durante março de 1996 a março de 1997, encontrou prevalência de 55,9% de DEP entre os pacientes menores de dois anos, e de 35,5% entre aqueles de 2 a 5 anos (13).

A desnutrição hospitalar não é problema exclusivo da pediatria, acometendo pessoas de todas as faixas etárias e de vários países. Estudo conduzido na Argentina revelou que a desnutrição afetava 47,3% dos pacientes internados nos hospitais públicos e privados daquele país (14), valores esses muito parecidos com os encontrado no Brasil por ocasião do inquérito brasileiro de avaliação nutricional hospitalar (IBRANUTRI) (7). De acordo com os dados desse inquérito, 48,1% dos pacientes internados em hospitais públicos do Brasil são desnutridos, sendo que 12,5% de forma grave.

A maioria das crianças aqui analisadas era proveniente do interior alagoano, o que pode ter contribuído para o precário perfil apresentado, pois as condições de saúde de populações rurais são notoriamente inferiores a de habitantes das áreas urbanas, onde se dispõe de melhor infraestrutura de serviços públicos (15). Estudo representativo da população infantil do estado de Alagoas (16) revelou que 18,4% das crianças alagoanas tinham déficit de moderado a grave em relação à altura para idade. No entanto, essa prevalência era de 22,7% no interior, e de apenas 5,4% em Maceió. Vale ressaltar que estudos conduzidos em Maceió, abrangendo populações periféricas, têm encontrado prevalências semelhantes às da zona rural (17,19).

É de extrema importância ressaltar que o hospital não é o local apropriado para tratamento de desnutrição. O tratamento da desnutrição no ambiente hospitalar apresenta inconvenientes, como o alto custo, a possibilidade de infecção hospitalar, o estresse psicológico e conduta terapêutica fora da realidade ambiental da criança, não contribuindo para mudanças em termos de "risco nutricional", após a alta hospitalar (1). No entanto, ponderados riscos e benefícios, as formas graves justificam internação, pois, muitas vezes, representa a diferença entre a vida e a morte da criança.

Os resultados ora obtidos sugerem que a atenção dietética prestada aos pacientes hospitalizados na clínica pediátrica do HU não está sendo efetiva no sentido de melhorar a condição nutricional das crianças ali internadas, independentemente do diagnóstico estabelecido e do período de hospitalização. Apesar do pequeno número de indivíduos estudados, ele é representativo de todos os pacientes que ingressaram e permaneceram por mais de 10 dias naquele serviço, no período de fevereiro a julho de 2001. Mesmo diante da necessidade de que novos estudos sejam conduzidos, a fim de melhor esclarecer o problema, torna-se altamente recomendável que a equipe multidisciplinar responsável pela atenção global desses pacientes discuta estes achados e, se for o caso, reoriente os protocolos de intervenção, dando maior importância ao estado nutricional das crianças e à respectiva atenção dietética.

Os dados obtidos permitem concluir que a prevalência de déficit de peso para idade entre as crianças no momento da admissão foi bastante elevada, condição que não se alterou por ocasião da alta hospitalar, independentemente do diagnóstico e do tempo de hospitalização.

7. Referências bibliográficas

1. Ferreira HS. Desnutrição, magnitude, significado social e possibilidade de prevenção. Maceió (AL): EDUFAL; 2000.

2. Monte CMG. Desnutrição: um desafio secular à nutrição infantil. J Pediatr (Rio J) 2000;76 (Supl 3) :285-97.

3. Marcondes E. Conceito e Nomenclatura. Classificação. Etiopatogenia. In: Marcondes E, Monteiro DM, Barbieri D, Quarentei G, Yunes J, Campos JVM, et al., (editores). Desnutrição. São Paulo (SP): Sarvier; 1976. p. 3-28.

4. Mahan LK, Escott-Stamp S. Proteínas. In: Mahan LK, Escott-Stamp S, editors. Krause: Alimentos, Nutrição & Dietoterapia. 9ª ed. São Paulo (SP): Roca; 1998. p. 63-76.

5. Lopes FA. Aspectos sócio-econômicos da desnutrição no Brasil. In: Nóbrega FJ, editor. Distúrbios da Nutrição. Rio de Janeiro: Revinter; 1998. p. 80-87.

6. Sigulem DM, Taddei JA. Epidemiologia. In: Nóbrega FJ, editor. Distúrbios da Nutrição. Rio de Janeiro (RJ): Revinter; 1998. p. 71-78.

7.Waitzberg DL, Caiaffa WT, Correia MITD. Hospital malnutrition: the Brazilian national survey (IBRANUTRI): a study of 4000 patients. Nutrition 2001;17:573-80.

8. Cortés RV, Nava-Flores G, Pérez CC. Frecuencia de la desnutrición en niños de un hospital pediátrico de tercer nivel. Rev Mexicana Pediatr 1995;62:131-3.

9. Delgado AF, Carrazza FR, OBA J. Perspectivas futuras na terapia nutricional infantil. Rev Bras Nutr Clin 2001;16:180-4.

10. Correia MITD. Repercussões da desnutrição sobre a morbi-mortalidade e custos em pacientes hospitalizados no Brasil, São Paulo [tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2000.

11. Braunschweig C, Gomez S, Sheean PM. Impact of declines in nutritional status on outcomes in adult patients hospitalized for more than 7 days. J Am Diet Assoc 2000;100:1316-22. www.bireme.br

12. Gallagher-Allred CR, Voss AC, Finn SC, McCamish MA. Malnutrition and clinical outcomes: the case for medical nutrition therapy. J Am Diet Assoc 1996;96:361-6. www.bireme.br

13. Sanabria MC, Dietz E, Varela CA. Evaluación nutricional de niños hospitalizados en um servicio de pediatria de referencia. Pediatria 2000;27. Disponível em: http://www.spp.org.py/pediatria/270103.htm.

14. Ríos AS. Riesgos de desnutrición en hospitales. La Nacion Line. Ciencia/Salud; 23 de mayo de 2001 [periódico on line] Disponível em: http://www.lanacion.com.ar/ EdicionesAnteriores/Nota.asp?nota_id=307123. Acessado em 27 de maio de 2002.

15. Monteiro CA. Velhos e novos males de saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças. São Paulo: HUCITEC; 1995.

16. UNICEF. Crianças e Adolescentes em Alagoas: Saúde, Educação e Trabalho. Maceió: UNICEF/Governo do Estado de Alagoas; 1993.

17. Ferreira HS, Levino JM. Obtenção de amostras representativas através das campanhas nacionais de vacinação: inquérito antropométrico entre pré-escolares de Maceió - AL. Anais do XXX Congresso Brasileiro de Pediatria; 5-10 de outubro de 1997; Rio de Janeiro, Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria, 1997.

18. Ferreira HS, Assunção ML, França AAO, Moura FA. Sobrevivendo no lixo: perfil antropométrico de crianças menores de 10 anos residentes na Favela do Lixão, Maceió - Alagoas. Anais do V Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição; 5-8 de dezembro de 1999; São Paulo: Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, 1999.

19. Florêncio TMMT, Ferreira HS, Cavalcante JC, França APT, Sawaya AL. Obesity and undernutrition in a very low income population in the city of Maceió, Northeastern Brazil. Brit J Nutr 2001;86:277-84.

Endereço para correspondência:

Dr. Haroldo da Silva Ferreira

Rua Des. Almeida Guimarães, 37 - Pajuçara

CEP 57030-160 - Maceió, AL

Fone: (082) 337.4481 - Fax: (082) 214.1665

E-mail: haroldo[arroba]fapeal.br

1 Haroldo S. Ferreira - Doutor em Saúde Pública.

2 Adijane O.S. França - Formanda do Curso de Nutrição da Universidade Federal de Alagoas.



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