A experiência complexa e os olhares reducionistas



1. Abstract

This article focuses an experience of illness and cure witnessed by the first author in a rural community of Nova Friburgo, Rio de Janeiro. The reported experience allows a view of its existential, social, cultural, psychological, biological and symbolic meanings both for the patient, her community and their relationship. The initial presumption of a strictly biological diagnosis and intervention was modified by a sole medical consultation, which acquired a therapeutical function through broadening the interpretation of the experience beyond the limits of a "scientific objectivity". The disease process had its turning point towards resolution at the juridical level. The fact that the recognition of other levels for the disease determination took place at the powerful space of medical consultation may have contributed to the patient's change of attitude towards herself and the community, leading to cure once she started to play a new social role legally legitimated. The reported experience is discussed in terms of the reducing approaches of health/ illness.

Key words Complexity, Health and illness determinants, Social and cultural factors

2. Resumo

Este artigo analisa uma experiência de adoecimento e cura acompanhada pela primeira autora em comunidade agrícola do interior de Nova Friburgo, Rio de Janeiro. A experiência relatada permite entrever seus significados existencial, social, cultural, psicológico, biológico e simbólico tanto para a paciente quanto para sua comunidade e na relação com esta última. A expectativa inicial de diagnóstico e intervenção puramente biológicos foi modificada através de um único atendimento que teve a função terapêutica de ampliar a compreensão da experiência para fora dos limites de uma "objetivação científica" e o processo de cura acabou tendo seu ponto de resolução no nível jurídico. O fato de o reconhecimento de outras ordens de determinação na doença desta paciente ter ocorrido no espaço do atendimento médico pode ter concorrido para sua mudança de atitude frente a si mesma e à comunidade, e conseqüente cura, com base no respaldo oferecido pela grande força simbólica da consulta médica na legitimação de um novo papel social que ela passou a exercer. O episódio é discutido em relação aos reducionismos na abordagem da saúde/doença.

Palavras-chave Complexidade, Determinantes de saúde e doença, Fatores socioculturais

3. Não sabia que era impossível, foi lá e fez ( autor desconhecido )

Este texto é especialmente dedicado aos profissionais de áreas técnicas e de serviços de saúde que buscam a pós-graduação em saúde pública. Em sua busca de aprimoramento profissional e de reflexões que aprofundem seus conhecimentos, esses profissionais se deparam, com freqüência, com uma "re-leitura" acadêmica de temas com os quais já lidam, e sobre os quais muitas vezes já acumularam vasta experiência empírica. O trabalho acadêmico destina-se a lhes prover distanciamento crítico, novos conceitos, e a chance de rever seu posicionamento frente à prática, levando a análises fundamentadas e refinadas desta última e da vasta gama de ordens de determinação nela implicadas. Costumo dizer que, após terem caminhado no "território", tais alunos são bem-vindos ao mundo dos "mapas". Ocorre que, muitas vezes, o sofisticado discurso dos que são peritos em "mapas" lhes impressiona a tal ponto que sua prática no mundo concreto dos territórios se desqualifica, alimentando a distância entre "quem faz" e "quem pensa". Este texto tem o objetivo de lembrar que todos nós, acadêmicos ou não, estamos irremediavelmente inseridos no mundo dos territórios. E que saber ler mapas pode ser útil, mas não é tudo.

(autor desconhecido)

4. Sobre os reducionismos

Um dos temas centrais dos cursos de pós-graduação é o da demanda por olhares não reducionistas ao complexo mundo da experiência. No campo da saúde o reducionismo mais visado é o do saber biomédico, que classicamente comporta uma visão de saúde reduzida a de "ausência de doença", privilegiando os determinantes biológicos em detrimento dos sociais na interpretação dos fenômenos saúde e doença. Para Tesser et al. (1998) a atual crise da atenção à saúde está ligada ao exercício cotidiano desse saber biomédico, cuja racionalidade procura "fatos" numa relação de causalidade linear e mecânica. A base do saber biomédico é no dizer de Queiroz (1986) "o paradigma mecanicista da medicina ocidental moderna". Segundo Luz (1998) a objetivação científica das doenças instaurou um novo objeto para a medicina ocidental: é a doença o que interessa ao médico, não mais os adoecimentos e curas dos sujeitos doentes. A tal ponto a biomedicina deslocou-se do mundo real da vida cotidiana, vivida pelos sujeitos doentes, que a maior parte dos relatos dos doentes hoje é desconsiderada pelo profissional de saúde como constituinte de seu objeto de saber e prática (Tesser et al. 1998).

As conseqüências desastrosas desse paradigma que exclui a própria experiência dos sujeitos no âmbito da cultura em saúde são descritas em Illich (1995) e consagrada no termo "medicalização" da vida e da sociedade. Além da geração infinita de novas necessidades a serem satisfeitas exclusivamente por uma mediação técnica complexa e custosa e da conseqüente tecnificação do atendimento a serviço do capital industrial, outra conseqüência do positivismo mecanicista na biomedicina estaria na focalização da saúde-doença sempre no nível individual de responsabilização e de intervenção. Isso tem a ver com o fato de que um olhar fragmentado e intervencionista deixa pouco espaço para a compreensão do contexto onde se desenrolam, no mundo vivido, os processos saúde-doença.

Aproxima-se desse reducionismo biomédico um outro, também bastante visado no meio acadêmico que discute o binômio saúde-doença: a psicologização. Para exemplificar o reducionismo que a leitura psicologizante pode operar na experiência temos os numerosos casos de "depressão" diagnosticados que, às vezes, relacionam-se também com a carência de determinados nutrientes na dieta. Um olhar menos cuidadoso com as demais ordens de determinação (em especial com a tão visada biomedicina) pode deixar de lado o tratamento da privação de ferro, por exemplo, em favor de longas sessões de terapia analítica. Uma depressão não é menos depressão por ter um fundo nutricional associado, mas se a leitura da experiência for apenas psicológica a anemia não diagnosticada pode trazer mais problemas e reforçar a própria depressão.

Além disso, raramente ou nunca os enfoques psicológicos são aplicados ou valorizados na prática clínica porque o profissional não dispõe de tempo, preparo, ou de convicção sobre o valor de sua utilização (Tesser et al. 1998). De toda forma essa área do saber é marginal na biomedicina, ficando sob a tutela dos profissionais especializados. As abordagens que propõem a superação da dicotomia entre corpo e mente são reconhecidamente necessárias pois esta é uma questão central na crise da atenção à saúde. No entanto, concordamos com Tesser et al. (1998) que a agregação do referencial da psicologia e suas correntes à biomedicina não é suficiente para "remediar" o reducionismo na prática médica. Leituras psicologizantes respondem também pelo aprisionamento das questões de saúde/doença no nível individual de entendimento e consequentemente de ações. Mesmo reunidos, o saber biológico e o psicológico não esgotam todas as questões constitutivas do "adoecimento" dos sujeitos. Outras ordens de fatores, outras instâncias de relações, envolvendo o ser humano, sua cultura, seu entorno social e ambiental, por exemplo, não são necessariamente contempladas.

Assim como o reducionismo biomédico, o psicológico tem também em sua base uma forte orientação positivista. Para fazer frente ao positivismo inúmeros movimentos teórico-filosóficos desenvolveram-se (Tesser, 1997), o que, segundo o autor, não foi suficiente para atingir o "império da biomedicina" e influenciar sua prática.


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