Extermínio: violentação e banalização da vida



1. Resumo

Este artigo tem por objetivo conceitualizar o extermínio enquanto fenômeno político, trazendo esta reflexão para o campo da Saúde Pública. Parte-se de uma análise diferenciadora dos conceitos de homicídio e de extermínio. Em seguida caracteriza-se a dinâmica desta prática enquanto processo político, social, ético e moral, transcendendo ao ato final de execução das vítimas.
Especifica-se o extermínio na realidade brasileira e a sua relação com o contexto social no qual este fenômeno é gerado.

Palavras-Chave: Violência; Homicídio; Extermínio; Mortalidade; Saúde e Sociedade

2. Abstract

This paper aims at conceptualizing the extermination of humans as a political phenomenon, focusing on the issue within the field of public health. The article begins by distinguishing between the concepts of extermination and homicide. The dynamics of this practice are then characterized as a political, social, ethical and moral process, transcending the final act of executing the victims. Extermination is specified within the Brazilian reality, that is, through its relationship to the social context in which it is generated.

Key words: Violence; Homicide; Extermination; Mortality; Health and Society

3. Introdução

Este artigo faz parte de um estudo mais amplo sobre o fenômeno do extermínio na sociedade brasileira atual. Trata-se de uma reflexão teórica que se impõe num universo de polêmica sobre a propriedade do termo para nominar assassinatos em massa que ocorrem hoje nos grandes centros urbanos do país. Pretende-se integrar esta reflexão ao conjunto do debate atual, buscando não só quantificar os atos, mas também produzir uma crítica sobre a pretensão simplista ora de subsumi-los no conjunto dos homicídios, que inflacionam as estatísticas de mortalidade no país; ora de tratá-los como ações restritas dos assim chamados "grupos de extermínio".

A hipótese central do trabalho, portanto, é de que os grupos de extermínio executam uma sentença pronunciada por segmentos da sociedade, que assim legitimam tal fenômeno, de caráter sócio-político e cultural, num contexto ideológico voluntarista e autoritário.

A idéia de abordar este tema a partir da Saúde Pública vem do fato de, por um lado, as vítimas do extermínio (quando suas mortes são notificadas) engrossarem as estatísticas de homicídio; por outro, embora configure como componente neste grupo de causas de morte, o extermínio, enquanto processo social, tem origem, se realiza, se consuma e traz conseqüências diferenciadas, quando comparado ao homicídio.

O homicídio pode ser considerado a expressão máxima da exacerbação dos conflitos das relações interpessoais. No entanto, ele é um mal limitado. O assassino que mata seu semelhante habita nosso mundo de vida e morte, e entre ele e a vítima há um elo explicativo do ato fatal. Ele deixa atrás de si um cadáver, não conseguindo apagar nem os traços de sua identidade nem os da vítima. O assassino cometeu um crime, e a lei promete-lhe a sentença e a punição. Como nunca houve sociedade sem homicídios, ele é previsto como parte dos conflitos com os quais a sociedade se enfrenta (Durkheim, 1978).

No caso do extermínio é diferente. Enfrentam-se um fenômeno e um processo social de alta complexidade, politicamente muito fortes e juridicamente muito fracos. A vítima e o exterminador são de natureza coletiva, como não acontece no homicídio, e a lei, ao julgá-los, se coloca acima das leis positivas. "O seu desafio a essas leis pretende ser uma forma superior de legitimidade que, por inspirar-se nas próprias fontes, pode dispensar legalidades menores" (Arendt, 1990: 227).

Do ponto de vista político, o tema em pauta se insere no capítulo das idéias, visões e movimentos totalitários como um fenômeno das sociedades de massa. Dentro de realidades ditas democráticas, como a nossa, a análise do extermínio exige aprofundamento e adequação teórica para que seu uso não se torne apenas eufemístico ou metafórico, tendo-se, talvez, que invocar as raízes autoritárias da formação sócio-política e cultural. É importante assinalar, porém, que totalitarismo e autoritarismo se referem, na Ciência Política atual, a uma categoria de análise mais geral denominada sistemas hierárquicos, ou seja, todos aqueles sistemas em que o poder deriva mais ou menos de uma cúpula (no limite, de um líder) ou de grupos de elite. Há, no entanto, diferenças notáveis entre os dois termos que precisam ser esclarecidas.

Pode-se falar de totalitarismo como um movimento de massas, de tendência centralizadora, conduzido autoritariamente por uma minoria política através do monopólio da autoridade e do Estado. O totalitarismo realiza a expansão do controle governamental sobre a globalidade da vida social.

O termo totalitarismo surge no século XX para descrever as experiências nazistas, fascistas e stalinistas que tiveram em comum: (a) o Estado enquanto monopolizador da expressão da verdade, criando, assim, uma verdade oficial; (b) negação da pluralidade de pensamento; (c) censura política e imposição do partido único; (d) controle de todas as atividades da sociedade pelo Estado; (e) monopólio, pelo Estado, dos meios de comunicação de massa.

No totalitarismo, o controle do Estado se exerce através de duas armas fundamentais: a propaganda política e o estabelecimento do terror. A propaganda se torna eficaz através: (a) da simplificação das mensagens, transformadas em palavras de ordem ou slogans; (b) da desfiguração grosseira dos fatos; (c) da busca de unanimidade, pela supressão da diferença; (d) do uso repetitivo dos temas de interesse nos meios de comunicação de massa. O terror é estabelecido através: (a) da atomização dos indivíduos; (b) do extermínio físico, social, cultural e moral dos "inimigos objetivos"; (c) do clima de espionagem e suspeita de todos sobre todos; (d) da instituição da polícia secreta.

O autoritarismo é um neologismo da Ciência Política do final do século XIX e recentemente se refere a um fenômeno típico de países de desenvolvimento econômico retardatário, onde as regras do jogo político são dadas por elites tradicionais ou por elites modernizantes, em colaboração com poderes extranacionais.

Enquanto nas formas totalitárias de governo o componente político e a chamada à participação das massas é algo central, organizado e dirigido, nos regimes autoritários tal situação é oposta. Há poucos ou muitos partidos políticos, não importa, porque estes atuam de forma burocratizada e de cima para baixo. Geralmente florescem no seio de uma escassa participação popular e as elites se legitimam pela inércia e passividade, conformismo e apatia das massas. A mentalidade dominante é diluída, inerte e rotineira.


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