Fatores adicionais de risco cardiovascular associados ao excesso de peso em crianças e adolescentes. O estudo do coração de Belo Horizonte

Enviado por Joel A. Lamounier


1. Resumo

Objetivo: Examinar a associação de sobrepeso e obesidade com perfis de atividade física, pressão arterial (PA) e lípides séricos.

Métodos: Inquérito epidemiológico com 1.450 estudantes – seis a dezoito anos, em Belo Horizonte-MG. Dados: peso, altura, PA, espessura de pregas cutâneas, circunferência das cinturas, atividade física, colesterol total (CT), LDL-c, HDL-c, e hábitos alimentares.

Resultados: Prevalências de sobrepeso e obesidade foram 8,4% e 3,1%. Em relação aos estudantes situados no quartil inferior (Q1) da distribuição da prega subescapular, os estudantes do quartil superior (Q4) apresentaram um risco (odds ratio) 3,7 vezes maior de ter um CT aumentado. Os estudantes com sobrepeso e obesos tiveram 3,6 vezes mais risco de apresentar PA sistólica aumentada, e 2,7 vezes para PA diastólica aumentada, em relação aos estudantes com peso normal. Os estudantes menos ativos, no Q1 da distribuição de MET, apresentaram 3,8 vezes mais riscos de terem CT aumentado comparados com os mais ativos (Q4).

Conclusão: Estudantes com sobrepeso ou obesos ou nos quartis superiores para outras variáveis de adiposidade, assim como os estudantes com baixos níveis de atividade física ou sedentários apresentaram níveis mais elevados de PA e perfil lipídico de risco aumentado para o desenvolvimento de aterosclerose

Palavras-chave: Obesidade, pressão arterial, atividade física, nutrição, criança, adolescente.

2. Introdução

A atual epidemia de doenças cardiovasculares isquêmicas (DCV) surgida nos países em desenvolvimento trouxe uma elevada carga para a saúde pública quanto a Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade (AVAI ou DALY – Disability Adjusted Life Years)1. No Brasil, as DCV são responsáveis pela maior carga de doença (9,6 DALY), seguidas pelo diabete melito (5,1 DALY), ambos com um fator de risco comum que é o excesso de peso2.

As recentes e profundas alterações nos hábitos de vida, no que se refere a uma alimentação com consumo excessivo de alimentos ricos em gordura saturada, bebidas hipercalóricas e baixos níveis de atividade física, determinaram uma pandemia de sobrepeso e obesidade, e suas conseqüentes comorbidades, as doenças cardiovasculares isquêmicas e o diabete melito não-insulino-dependente (DMNID)1.

As crianças vêm se tornando cada vez mais vulneráveis ao excesso de peso, numa versão "júnior" da epidemia global da obesidade adulta, inclusive com a presença de resistência a insulina, diabete melito tipo II3 e aterosclerose precoce4, compondo o quadro da síndrome metabólica.

Estudos recentes têm demonstrado uma redução na prevalência da desnutrição e um predomínio do excesso de peso em crianças e adolescentes, com taxas significativas de incremento anual desse último. Wang e cols.5 verificaram que a prevalência de excesso de peso triplicou no Brasil; enquanto a prevalência de déficit ponderal apresentou um declínio acentuado, reduzindo-se para quase a metade.

3. Métodos

Foi realizado um estudo transversal, do tipo inquérito epidemiológico de base escolar, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Inicialmente, foram randomizadas vinte escolas entre as 521 escolas públicas e privadas existentes; e num segundo estágio, duas salas de aula em cada escola, quando todos os alunos de cada sala foram escolhidos para compor a amostra de 1.450 estudantes a serem investigados. O tamanho da amostra foi calculado para o primeiro e o segundo estágios, de acordo com metodologia descrita por Kish6, a partir da fórmula do teste t de Student, pré-especificando os erros a e b, como 0,05 e 0,20, respectivamente.

Foi fornecido aos estudantes o documento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP).

Todos os instrumentos foram testados em um estudo piloto prévio, realizado em duas escolas (pública e privada).

As medidas antropométricas incluíram peso, altura e indicadores de distribuição truncal da adiposidade – espessura das pregas tricipital, subescapular e supra-ilíaca, e circunferências das cinturas abdominal e pélvica. O porcentual de gordura corporal foi estimado por meio de impedância bioelétrica fornecida pelo aparelho Tanita. A estatura foi obtida por meio de um estadiômetro portátil de alumínio, com uma aproximação de 0,1 cm, estando o estudante sem sapatos. A medida de peso corporal, com aproximação 0,1 kg, foi fornecida pelo Tanita, e confirmada, sistematicamente a cada dez medidas, por uma balança eletrônica portátil fornecida pela OMS. A medida da espessura das pregas subcutâneas foi registrada no milímetro mais próximo por meio do adipômetro da marca Lange (Cambridge Scientific, Cambridge, MA).

Os níveis séricos de colesterol total (CT) e lipoproteínas LDL-c, HDL-c foram analisados pelo Cobas Mira Plus (Roche Corp.), de acordo com os protocolos do National Cholesterol Education Pannel. Como não houve nenhum valor de triglicérides sérico maior que 400 mg/dl, os níveis séricos do LDL foram calculados a partir da fórmula de Friedwald.

A pressão arterial sistêmica (sistólica e diastólica) foi medida de acordo com as recomendações da American Heart Association7. Foram utilizadas as médias das duas medidas da pressão arterial nas análises estatísticas.

Os familiares ou responsáveis de cada criança ou adolescente com menos de quatorze anos de idade e o próprio estudante foram entrevistados mediante a aplicação de um questionário elaborado para obter informações sobre aspectos demográficos, hábitos alimentares, atividade física, sedentarismo, tabagismo e história familiar de doença cardiovascular isquêmica precoce.

O gasto calórico, avaliado em quilocalorias -MET (custo metabólico ou unidade de gasto energético em repouso), foi obtido por meio de um questionário recordatório de 24 horas, sobre a atividade física realizada pelo estudante, modificado do questionário Spark8.

Para as análises estatísticas, a atividade física foi categorizada, de acordo com a quantidade de energia despendida, em quatro intervalos quartílicos ou quartis, dos quais consideramos nessa análise apenas com o intervalo ou quartil superior (Q4) e o intervalo ou quartil inferior (Q1) para obter um contraste mais definido entre os estudantes mais ativos versus os menos ativos. Também utilizamos uma questão com informação tipo qualitativa que, indagada ao estudante, comparava a quantidade de atividade física que ele usualmente realiza no seu dia-a-dia, em relação aos outros estudantes de idade e gênero similares9.

O questionário avaliou também as atividades sedentárias que incluíram horas vendo televisão e vídeo, horas despendidas em jogos de computador, videogame e minigame, e horas ouvindo música (sem dançar) em repouso9.

Foi construído um questionário de avaliação quantitativa da freqüência de consumo alimentar, modificado a partir de um questionário norte-americano elaborado para estudos de screening, dirigido a doenças cardiovasculares e desenvolvido por Gladys Block e cols., organizado por Thompson e Byers10, no Manual de Avaliação de Questionário sobre Alimentação. A partir da escala mencionada, foram estabelecidos três níveis de padrão alimentar: adequado (dieta com baixo conteúdo lipídico e alto conteúdo em frutas e vegetais); inadequado (alto conteúdo de gordura e baixo conteúdo em frutas e vegetais); muito inadequado (conteúdo muito alto em gordura e muito baixo em frutas e vegetais). O consumo desses alimentos foi avaliado em uma freqüência semanal e mensal, por meio de questionário recordatório.

Foram consideradas crianças os estudantes até a idade de onze anos, e adolescentes, de doze a dezoito anos completos. A variável nível socioeconômico foi definida de acordo com a Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado, e agrupadas em um nível superior AB e um inferior CDE, com propósito de análise estatística.

Com o objetivo de comparação de resultados com outros estudos realizados anteriormente, e segundo recomendações para avaliação em inquéritos epidemiológicos de prevalência de excesso de peso em crianças e adolescentes, e inferência de associações e risco de subseqüentes comorbidades, foram considerados como sobrepeso o IMC entre os percentis 85-94 e obesidade o IMC igual ou maior que o percentil 95, de acordo com o gênero e idade11,12. No presente estudo, foram considerados "com excesso de peso" aqueles estudantes com sobrepeso juntamente com os obesos, isto é, qualquer um que estivesse com o IMC acima do percentil 85, e aqueles considerados como de "peso normal" quando o seu IMC fosse abaixo do percentil 85 até o percentil 5. Ao se definir o percentil 85 como ponto de corte para excesso de peso, incluiu-se o sobrepeso, fator de risco para DCV12, que na amostra contava com um número de estudantes muito maior do que os obesos.

Foi considerada pressão arterial "normal alta" (limítrofe) quando o valor da pressão arterial sistólica (PAS) ou pressão arterial diastólica (PAD) se situava entre os percentis 90 e 95 da população de referência; hipertensão arterial significativa quando a PAS ou PAD estava acima do percentil 95; e hipertensão severa nas situações em que a PAS ou PAD estava acima do percentil 99 da população de referência, ou cerca de 10 mmHg acima do percentil 95, de acordo com o National High Blood Pressure Education Program Working Group on Hypertension Control in Children and Adolescents13. Considerou-se como "pressão arterial acima dos valores considerados normais" ou "pressão arterial aumentada" quando a PAS ou PAD estava acima do percentil 90 da população de referência.

Análise estatística - Todos os testes de significância foram considerados num nível de 0,05 para o erro tipo I, ou seja, um nível de 5% para hipótese de que cada parâmetro é igual a zero foi usado para rejeitar a hipótese sempre que o valor do parâmetro estimado exceder 1,96 vez o erro-padrão estimado. As análises foram realizadas inicialmente no Departamento de Estatística do Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais, com o programa de análise estatística SPSS for Windows (Release 8.0 Chicago, IL, USA), e a análise inferencial no Instituto de Matemática e Estatística, Universidade de São Paulo-SP14, utilizando o programa Statistical Analysis Software-SAS (Release 8.02, SAS Institute Inc, Cary, NC, USA).

O agrupamento de fatores de risco foi determinado como a soma de quatro variáveis de risco estudadas, ou seja, colesterol total > 200 mg/dL, pressão arterial sistólica (PAS) > percentil 90, pressão arterial diastólica (PAD) > percentil 90, e IMC > percentil 85.

Análises univariadas para teste de significância das associações foram realizadas utilizando o teste t de Student e o teste do Qui-quadrado para variáveis contínuas e discretas, respectivamente. Para avaliar a força da associação, foi utilizado o cálculo da razão de chances que, em um enfoque clínico como pretende este estudo, pode ser utilizado como um proxy de risco, tanto na análise univariada como na multivariada. As suposições da adequação do modelo linear foram avaliadas graficamente e utilizando o teste de Ryan-Joiner (similar a Shapiro-Wilk) para verificar a normalidade da distribuição dos erros do modelo.

A associação independente de variáveis preditoras com níveis elevados de pressão arterial, sobrepeso e obesidade foi avaliada mediante regressão logística backward stepwise, mantendo as variáveis com nível descritivo de no máximo 0,01, no teste de nulidade de seu efeito, para determinar quais níveis de gasto energético, sedentarismo, hábitos alimentares, classe socioeconômica, excesso de peso (IMC) e variáveis indicativas de distribuição truncal da adiposidade seriam mais preditivos de níveis adversos de colesterol total e suas frações lipoprotéicas, e pressão arterial sistólica e diastólica. Todas as análises de regressão foram controladas para vários potenciais fatores de confundimento, incluindo, entre esses, cor da pele e idade.


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