A produção da (des)informação sobre violência: análise de uma prática discriminatória



1. Abstract

We propose a critical reflection on quality of information concerning violence in Brazil, emphasizing some of the main sources of primary data: Public Law Enforcement Departments, Police, and Municipal and State Secretaries of Health. The city of Rio de Janeiro is taken as a typical "case" in this analysis. The hypotheses are: (a) in the process of producing this information, its generation, systematization, and dissemination are poor quality, thus becoming banal and revealing their discriminatory bias; (b) data are treated as private tools and not as a public service, thus reflecting an authoritarian and bureaucratic institutional structure. They themselves become a form of (mis)information, void of any valid social or political meaning and insufficient to inform society about the real expression of violence and to aid in formulating effective public policies. Conclusions are as follows: 1) that information on violent events be valued from the time it is recorded until it is put to social use: 2) that professionals and institutions dealing with the issue transform structures and ideas with a view towards an integrated and conscious fulfillment of their social roles; and 3) that society organize and work collectively against violence, bolstering the value of human life.

Key words Information; Violence; Public Health; Quality of Registries  

2. Resumo

No presente artigo, realiza-se uma reflexão crítica da qualidade da informação sobre violência no Brasil, destacando-se algumas das principais fontes primárias de dados: as Secretarias de Segurança Pública e de Polícia Civil e as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde. O Município do Rio de Janeiro é abordado como um "caso" exemplar nesta análise. Parte-se das hipóteses de que: (a) no processo de produção dessa informação, a geração, sistematização e divulgação são de má qualidade, banalizadas, espetacularizadas e discriminatórias; (b) os dados são tratados como instrumento de domínio privado e não como uma prestação de serviço ao público e refletem uma estrutura institucional autoritária e burocratizada. Constituem-se em (des)informações esvaziadas de significado sócio-político, insuficientes para informar à sociedade sobre a real expressão da violência e para a formulação de políticas públicas. Como conclusão, destaca-se a necessidade de que: 1) as informações sobre os eventos violentos sejam valorizadas desde o seu registro até o seu uso social; 2) os profissionais e as instituições envolvidas com o tema transformem estruturas e mentalidades no sentido de uma ação integrada e consciente do seu papel social; 3) a sociedade se organize e atue em conjunto contra a violência e pela valorização da vida humana.

Palavras-chave Informação; Violência; Saúde Pública; Qualidade de Registro

3. Introdução

As fontes oficiais de informação sobre violência no Brasil, dentre as quais encontram-se as Secretarias de Segurança Pública e as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, indicam que este fenômeno tem crescido, especialmente nas áreas urbanas de suas grandes metrópoles. Com base nos dados daquelas primeiras são sistematizados os crimes e delitos enquadrados pelo Código Penal, enquanto às Instituições de Saúde cabe informar sobre a morbidade e a mortalidade por causas externas (esta última constitui um grupo da Classificação Internacional de Doenças/CID, sob os códigos E800 a E999 da nona revisão, que engloba todos os acidentes, os suicídios e os homicídios).

Valendo-se dos dados policiais, é possível identificar que a grande maioria dos crimes é cometida contra a propriedade privada. A análise feita por Teixeira (1994) em relação ao censo penitenciário do Rio de Janeiro, em 1988, revela que 62% da população carcerária estavam condenados por esses crimes; só 11% das condenações eram por crimes contra a vida (homicídios e lesões corporais).

No âmbito da Saúde Pública, o conhecimento que se tem é de que, na década de 80, a violência mudou o perfil de mortalidade do país, passando de quarta para segunda causa de morte, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares. Os acidentes de trânsito e a crescente freqüência dos homicídios foram os responsáveis pela maior magnitude e impacto desse grupo de mortes em relação às demais causas.

Sabe-se, entretanto, que uma gama significativa dessas formas de violência não chega ao conhecimento institucional oficial, constituindo uma cifra 'negra', sobre a qual não há quaisquer informações. Além disso, outras tantas formas de violência não são sequer reconhecidas pela sociedade e, conseqüentemente, por suas instituições, como é o caso de certas expressões de violência contra crianças, adolescentes e mulheres, que permanecem invisíveis. Mesmo o que é registrado padece de sérias limitações, tendo em vista o mal preenchimento dos formulários que deixam de informar dados essenciais ao esclarecimento dos eventos, o que tem implicações na resolução dos casos e punição dos agressores.

É com base nestas constatações que se pretende desenvolver a presente reflexão crítica acerca da informação sobre violência no Brasil, buscando-se discutir suas peculiaridades, desde a geração até o significado e utilização nos meios científico, político e social. Procura-se destacar a relevância deste processo de produção da informação no contexto geral do País, cujo impacto na morbi-mortalidade pretensamente deveria mobilizar um sentimento de indignação e ensejar movimentos de transformação dessa realidade no sentido de valorização da vida.

Para este objetivo, considera-se como violência os eventos fatais e não fatais decorrentes de todos os tipos de acidentes, bem como aqueles provenientes de violência intencional (agressões, homicídios, suicídios e suas tentativas).


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