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Recusa Alimentar: O que fazer com a criança que não come? (página 2)

Natacha Toral; Betzabeth Slater; Isa de Pádua Cintra; Mauro Fisberg

 

Em virtude disto, é preciso distinguir as crianças que comem pouco e/ou são seletivas daquelas que realmente apresentam critérios diagnósticos da anorexia. Alguns dos mecanismos que participam do desenvolvimento deste quadro são: dor crônica, depressão, ansiedade, hipogeusia (sensibilidade diminuída do paladar), hiposmia (diminuição do olfato), náuseas, saciedade precoce e funcionamento inadequado do tratogastrointestinal 24. Enquanto a seletividade não pode ser classificada como uma desordem alimentar clássica e sim como uma manifestação de protesto e oposição da criança aos pais, que a frustra ao educá-lo 16.

A seletividade manifesta-se sob a forma da tríade: recusa alimentar, pouco apetite e desinteresse pelo alimento, características constatadas em um estudo sueco com 240 escolares. Associado a estas características verificou-se que os seletivos não apresentavam mais problemas de saúde do que os outros, nem eram mais magros que os demais. Contudo, este comportamento era mais comum nos hiperativos, mas independente do sexo, classe social e etnia 29.

Outro fator relevante é a organização da rotina de vida da criança, uma vez que a influencia do horário escolar podem em determinadas situações, prejudicar a aceitação das refeições 9. Estudos sobre o horário e o tempo de duração das refeições revelam que 33% das crianças não estão com fome no momento da refeição. No caso das crianças seletivas, este índice é de 52%. Com relação a durabilidade desta, os seletivos demoram mais para se alimentar (23,3 minutos) do que os não seletivos (19,7 minutos) 27.

Ao procurar o profissional da saúde, a maioria das mães apresentam-se mobilizadas por uma angustia de "não saber o que fazer" para alimentar seu filho 1 .A descrição destas quanto a recusa parcial a determinados tipos de alimentos gira em torno de "meu filho come apenas alguns alimentos", "não gosta de provar nada diferente", associado as preocupações e questionamentos sobre: "Há alguma coisa de errado com ele?", "Será que isto não causará nenhum dano a saúde?", "Será que não sei educar ou impor limites?". Estes relatos demonstram sentimentos de perda de controle, estresse, incompetência, culpa e frustração nos pais, pois a criança é quem acaba decidindo o que ela quer comer e não os responsáveis 15,18,28.

O conflito de pais e filhos inicia-se quando a criança deseja algo e seus pais são quem determinam a quantidade e a qualidade dos alimentos a serem consumidos 6. Parece que tanto a mãe como o filho elegem o momento da refeição como a hora ideal para mostrar seus conflitos, angustias e dificuldades, instalando um ciclo vicioso, onde a criança tenta exercer com seu comportamento, um tipo de domínio sobre a situação e a família 1.

Estudos apontam que muitos dos problemas alimentares não dizem respeito ao ato de alimentar em si, mas são decorrentes de conflitos oriundos de relações intrafamiliares 8,9,20.

Existem evidências de que as crianças são capazes de ajustar a ingestão de alimentos. O clássico estudo de Clara Davis, realizado na década de 1930, tinha a seguinte proposta: as crianças "sabem" o quanto precisam comer?. Esta foi uma pergunta que Davis tentou responder com os estudos sobre auto-seleção alimentar, realizada com crianças entre 2 e 5 anos de idade, na ausência da intervenção adulta. Esta pesquisa pioneira leva-nos a sugerir que as crianças possuem uma capacidade inata de regular o consumo alimentar, denominada wisdom of the body – bom senso orgânico – e conseqüentemente são capazes de manter o crescimento e a saúde 7,13.

A crença dos pais de que as crianças são incapazes de regular sua ingestão alimentar, estimula a preocupação, a ansiedade e a intervenção dos mesmos, que recorrem ao emprego de estratégias coercitivas e controladas na alimentação da criança. Desta maneira, é válido ressaltar aos responsáveis que, as crianças nascem com instinto de sobrevivência / preservação 18. Ou seja, a criança se alimenta impulsionada por dois estímulos: a necessidade do organismo e a sensação de fome.

Como a maioria dos problemas alimentares não se limita apenas a criança, mas trata-se de um problema familiar, a avaliação e o tratamento da queixa a criança que não come deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar. A intervenção visa tranqüilizar os pais, sanando dúvidas e diminuindo a ansiedade; e promover a modificação no comportamento alimentar da criança, tornando o momento da refeição, natural, descontraído e prazeroso para todos 11.

4. Como proceder com a criança que não come?

Para entender todo o processo de recusa alimentar, inicialmente deve-se realizar avaliação médica, com o intuito de excluir as causas orgânicas decorrentes de patologias específicas. Tal investigação não deverá ser de inicio extensiva, o que poderá alarmar ainda mais os pais. Exames específicos só deverão ser solicitados quando houver uma indicação clínica 9,20.

No atendimento a criança que não come, a avaliação global da saúde associado a determinação do estado nutricional, são aspectos de fundamental importância para demonstrar aos pais que apesar da recusa alimentar, muitas vezes, a criança apresenta bom estado de higidez. A técnica de mensurar peso e estatura e avaliar o comportamento da curva de crescimento em função da idade, é um recurso interessante para tranqüilizar os responsáveis, que devem estar cientes de que se a criança está evoluindo dentro do esperado para a idade, provavelmente está consumindo o suficiente, apesar de muitas vezes não estar qualitativamente adequado 18.

Outro fator importante na caracterização desta situação e’ verificar as expectativas e conhecimentos dos responsáveis sobre alimentação infantil, com o objetivo de investigar o habito alimentar da criança (horários, alimentos preferidos e rejeitados, oferta e aceitação), avaliar o grau de ansiedade presente (buscar o real significado da queixa) e a dinâmica familiar no horário das refeições, ou seja, qual a atitude dos pais frente a recusa alimentar 9,15. É interessante, mas os alimentos apresentados em contextos sócios positivos tendem a ser palatáveis, com elevado teor de gordura, açúcar e sal, enquanto que os alimentos menos palatáveis, são apresentados em contextos sociais negativos, quando as crianças são coagidas a comer ou quando os alimentos são ingeridos para obter recompensa 6.

Freqüentemente observa-se a utilização de estimulantes do apetite, sob a forma de suplementos vitamínicos e minerais. Contudo, estes só são recomendados quando a criança apresenta alguma deficiência nutricional. Estudo realizado em Pelotas sobre a utilização de medicamentos em crianças revelou que os mais utilizados são: acetilsalicilico, antigripais e estimulantes do apetite; de modo que ser primogênito foi considerado um fator de risco para o consumo 5. Este mesmo achado foi verificado em um outro estudo similar, que constatou que 54% das mães relataram o uso deste medicamento, sendo o maior uso nos primogênitos (principalmente meninos), com idade de 2 a 4 anos 25.

Com relação à eficácia destes suplementos / estimulantes do apetite, estudos demonstram resultados contraditórios, provavelmente em decorrência a variedade de fatores associados. Investigação realizada combinando-se multivitaminicos, multiminerais com adição de ferro no tratamento de crianças de 18 a 30 meses, com diagnostico de anemia, baixa estatura e limitação de apetite apontou que após 6 semanas de intervenção, os níveis de ferro normalizaram-se, mas não houve modificação no apetite e nem no crescimento 14 Já outro estudo referente a suplementação com ferro demonstrou melhora significativa nos níveis de ferritina associado aumento do apetite 32.

É valido ressaltar que a suplementação muitas vezes trata-se de uma alternativa para diminuir o grau de ansiedade dos pais, o que pode favorecer uma melhor aceitação alimentar não pelo uso do medicamento, mas pela diminuição da cobrança pelos pais 18.

A conduta nutricional adotada para prevenção e tratamento nestes casos baseia-se nos princípios da preservação do apetite, visto que as atitudes e reações mais comuns diante da inapetência são o desespero, uso da força, insistência e imposição dos alimentos, fatores que agravam ainda mais a recusa alimentar. De um modo geral, os pais devem ser orientados sobre:

  • Respeitar o direito da criança ter preferências e aversões;
  • Oferecer os alimentos em quantidades pequenas para encorajar a criança a comer. É comum às mães oferecerem mais comida do que a criança consegue assimilar, provavelmente, em virtude do fato de que e’ difícil para a mãe definir as reais necessidades de seu filho;
  • Não forçar, ameaçar punir ou obrigar a criança comer, assim como não oferecer recompensas e agrados, atitudes que reforçam a recusa alimentar e desgastam pais e filhos;
  • Não utilizar subterfúgios tais como o famoso "aviãozinho ou trenzinho"; visto que tais atitudes desviam a atenção e comprometem a percepção dos alimentos;
  • Não demonstrar irritação ou ansiedade no momento da recusa. A criança deve sentir-se confortável no momento da refeição;
  • Estabelecer o tempo de duração e os horários das refeições, evitando a oferta de alimentos a todo o momento;
  • Apresentar os pratos de maneira agradável, com textura própria para a idade, evitando a monotonia alimentar, fator este que interfere de modo significativo na formação do habito alimentar da criança;
  • Durante a refeição, o ambiente deve ser agradável, na ausência de ruídos, o que distrai a atenção da criança;
  • Participação da criança durante preparo dos alimentos e na montagem do seu prato, uma atitude que incentiva a criança a comer e a estimula a participar das tarefas domesticas;
  • Respeitar as oscilações passageiras do apetite, as quais ocorrem normalmente em todos os indivíduos;
  • Não disfarçar os alimentos, para que a criança saiba o que esta’ comendo, favorecendo o aprendizado e a identificação de texturas e sabores;
  • Para as crianças que ingerem grandes quantidades de leite, deve-se diminuir o volume e a freqüência, uma vez que líquidos suprem a sensação de fome.

A intervenção consiste na analise e discussão de todos os dados coletados durante a anamnese tanto clinica quanto nutricional para a definição de condutas e prioridades de cada caso, focalizando as modificações no relacionamento da mãe e do filho.

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Camila Leonel Mendes de Abreu¹, Mauro Fisberg²
fisberg[arroba]uol.com.br

¹ Nutricionista e Especializanda do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Universidade Federal de São Paulo.
² Professor Adjunto e Chefe do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Universidade Federal de São Paulo e Diretor do Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde e Nutrição da Universidade São Marcos.



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