Violência social sob a perspectiva da saúde pública



1. Resumo

Este artigo tem a finalidade de introduzir o leitor na temática da violência social, sob a perspectiva da Saúde Pública. Desenvolve-se analisando o tema no âmbito da sociedade, no campo da saúde expressa na mortalidade e morbidade. Termina refletindo sobre as propostas possíveis, setoriais, intersetoriais, interprofissionais e articuladas com a sociedade e os movimentos sociais.

Palavras-Chave: Violência; Políticas de Saúde; Saúde Pública

2. Abstract

This article introduces the reader to the issue of social violence from a public health perspective. It analyzes the topic within society, in the field of health, as expressed by mortality and morbidity. It concludes with a focus on possible proposals by and between sectors, between professional fields, and through articulation with society and social movements.

Key words: Violence; Health Policies; Public Health

3. Introdução

Colocação do Problema

A violência é um dos eternos problemas da teoria social e da prática política e relacional da humanidade. Não se conhece nenhuma sociedade onde a violência não tenha estado presente. Pelo contrário, a dialética do desenvolvimento social traz à tona os problemas mais vitais e angustiantes do ser humano, levando filósofos, como Engels, a afirmar que "a história é, talvez, a mais cruel das deusas que arrasta sua carruagem triunfal sobre montões de cadáveres, tanto durante as guerras como em período de desenvolvimento pacífico" (Engels, 1981: 187).

Desde tempos imemoriais existe uma preocupação do ser humano em entender a essência do fenômeno da violência, sua natureza, suas origens e meios apropriados, a fim de atenuá-la, preveni-la e eliminá-la da convivência social. O nível de conhecimento atingido, seja no âmbito filosófico, seja no âmbito das Ciências Humanas, permite inferir, no entanto, alguns elementos consensuais sobre o tema e, ao mesmo tempo, compreender o quanto este é controverso, em quase todos os seus aspectos.

É, hoje, praticamente unânime, por exemplo, a idéia de que a violência não faz parte da natureza humana e que a mesma não tem raízes biológicas. Trata-se de um complexo e dinâmico fenômeno biopsicossocial, mas seu espaço de criação e desenvolvimento é a vida em sociedade. Portanto, para entendê-la, há que se apelar para a especificidade histórica. Daí se conclui, também, que na configuração da violência se cruzam problemas da política, da economia, da moral, do Direito, da Psicologia, das relações humanas e institucionais, e do plano individual.

Na sua dialética de interioridade/exterioridade a violência integra não só a racionalidade da história, mas a origem da própria consciência, por isso mesmo não podendo ser tratada de forma fatalista: é sempre um caminho possível em contraposição à tolerância, ao diálogo, ao reconhecimento e à civilização, como o mostram Hegel (1980), Freud (1974), Habermas (1980), Sartre (1980), entre outros. Na sua complexidade, a violência deve ser analisada em rede, como adverte Domenach (1981: 40):

"Suas formas mais atrozes e mais condenáveis geralmente ocultam outras situações menos escandalosas por se encontrarem prolongadas no tempo e protegidas por ideologias ou instituições de aparência respeitável. A violência dos indivíduos e grupos tem que ser relacionada com a do Estado. A dos conflitos com a da ordem"

Dito de outra forma, se a violência faz parte da própria condição humana, ela aparece de forma peculiar (e captável nas suas expressões mais visíveis) em sociedades específicas, trazendo para o debate público Questões Fundamentais, em Formas Particulares, e Questões Sociais, vivenciadas indidualmente, uma vez que somos, enquanto cidadãos, ao mesmo tempo sujeitos e objetos deste fenômeno.

Num esforço de trazer o tema para a reflexão científica, consegue-se hoje apresentar uma classificação bastante geral, mas que permite, pelo menos, não reduzi-lo ao mundo da delinqüência, conforme mostrado a seguir.

Violência Estrutural

Entende-se como aquela que oferece um marco à violência do comportamento e se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionalizadas da família como aos sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de grupos, classes, nações e indivíduos, aos quais são negadas conquistas da sociedade, tornando-os mais vulneráveis que outros ao sofrimento e à morte. Conforme assinala Boulding (l981), essas estruturas influenciam profundamente as práticas de socialização, levando os indivíduos a aceitar ou a infligir sofrimentos, segundo o papel que lhes corresponda, de forma "naturalizada".

Violência de Resistência

Constitui-se das diferentes formas de resposta dos grupos, classes, nações e indivíduos oprimidos à violência estrutural. Esta categoria de pensamento e ação geralmente não é "naturalizada"; pelo contrário, é objeto de contestação e repressão por parte dos detentores do poder político, econômico e/ou cultural. É também objeto de controvérsia entre filósofos, sociólogos, políticos e, na opinião do homem comum, justificaria responder à violência com mais violência? Seria melhor a prática da não-violência? Haveria uma forma de mudar a opressão estrutural, profundamente enraizada na economia, na política e na cultura (e perenemente reatualizada nas instituições), através do diálogo, do entendimento e do reconhecimento? Tais dificuldades advêm do fato de a fonte da ideologia da justiça, da mesma forma que qualquer outra ideologia, estar em relação dinâmica com as relações sociais e com as condições materiais. Na realidade social, a violência e a justiça se encontram numa complexa unidade dialética e, segundo as circunstâncias, pode-se falar de uma violência que pisoteia a justiça ou de uma violência que restabelece e defende a justiça (Denisov, 1986).

Violência da Delinqüência

É aquela que se revela nas ações fora da lei socialmente reconhecida. A análise deste tipo de ação necessita passar pela compreensão da violência estrutural, que não só confronta os indivíduos uns com os outros, mas também os corrompe e impulsiona ao delito. A desigualdade, a alienação do trabalho e nas relações, o menosprezo de valores e normas em função do lucro, o consumismo, o culto à força e o machismo são alguns dos fatores que contribuem para a expansão da delinqüência. Portanto, sadismos, seqüestros, guerras entre quadrilhas, delitos sob a ação do álcool e de drogas, roubos e furtos devem ser compreendidos dentro do marco referencial da violência estrutural, dentro de especificidades históricas.

Contribuindo para a reflexão acadêmica sobre o tema, Da Matta (1982) recomenda a seguinte postura metodológica relacional e dialética:

a. em primeiro lugar, adotar uma perspectiva histórica na análise, isto é, especificar a sua dinâmica no tempo e no espaço, correlacionando-a com outros fatores, sem abandonar o seu caráter de universalidade e abrangência;

b. evitar uma discussão de viés valorativo e normativo, ou seja, um discurso a favor ou contra, que dificulta o entendimento do fenômeno. Assim, como todo fenômeno social, a violência é um desafio para a sociedade, e não apenas um mal. Ela pode ser elemento de mudanças;

c. relacionar o crime à norma; o desvio à regra; o conflito à solidariedade; a ordem à desordem; o cinismo à consciência e ação sociais. Porque o crime e o castigo, a ordem e a desordem, a violência e a concórdia revelam, também, as formas de propriedade e de governo, bem como as leis do mercado.


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