Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


As competências constitucionais do delegado de polícia e suas crises contemporâneas (página 2)

Roger Spode Brutti
Partes: 1, 2, 3

Polícia e repressão são duas palavras que impregnam uma semântica consideravelmente pejorativa no Brasil pós Ditadura Militar. Repressão era um conceito conexo unicamente com a performance subterrânea dos órgãos de segurança pública, figadalmente jungida com a tortura e o desaparecimento de opositores ao regime de governo ditatorial.

A Polícia não era órgão de conservação e garantia da paz e da tranqüilidade públicas, porém órgão de repressão, nesta ocasião percebida no aspecto pejorativo.

Desvanecida a Ditadura e acomodado o Estado Democrático de Direito, referidas palavras - repressão e polícia - permaneceram carregando aquele sentido negativo, já que as chagas abertas na sociedade muitas vezes precisam de anos para as suas cicatrizações. Além disso, estão sujeitas à atuação consciente dos homens para alterar uma doutrina densamente alojada.

No que tange à repressão, é uma das diversas formas de performance dos órgãos de polícia. Os órgãos de polícia operam de maneira preventiva e repressiva. Em quaisquer dos casos aspiram ao estrito cumprimento da lei. Reprimir é, deste modo, nada mais nada menos que empregar a força estatal para forçar ou obrigar o implemento da lei. Perceba-se que a repressão não obra sobre todos, indistintamente, no entanto apenas sobre aqueles que extravasam os lindes traçados pela Lei. No entanto, a sua implicação pedagógica é para todos. Não há e nem pode haver repressão como um fim em si mesmo. A repressão não é uma represália do Estado, porém é um exemplo que deve ser versado a todos.

Azado falar aqui naquilo que em Direito Administrativo avalia-se por Poder de Polícia.  É em alto grau comum às pessoas enlear Poder de Polícia, que tem sua concepção e conceituação nos limites da doutrina administrativista, com função ou atividade policial, que são coisas que não se confundem. Se, por um aspecto, as funções policiais são específicas de alguns órgãos públicos, na maioria das vezes denominados polícia, por outro o Poder de Polícia é intrínseco a todo o Estado, na proporção em que por meio de seus órgãos, intromete-se nas atividades regulares dos cidadãos.

1.1   Aspectos Relacionais entre Segurança Pública e Direitos Humanos

Por meio dos órgãos de segurança pública, o Estado procura impor a ordem expendida no sistema legal.

Referido proceder estatal atinge diretamente o direito de liberdade da pessoa humana, daí o cuidado que se deve observar pelo Poder Público no sentido de não serem violados os direitos mínimos inerentes à pessoa.

Não se pode mais conceber uma estrutura policial similar à época da ditadura militar, onde se via o cidadão como um inimigo do Estado.

Vale lembrar, por exemplo, que a Polícia Militar, em nosso país, foi criada por meio da união da Força Pública Estadual com a Guarda Civil, na oportunidade do Golpe de 64. Constituiu-se, assim, em numa milícia auxiliar do Exército, a fim de conter as manifestações populares e o movimento de guerrilha estimulado pelos ideais comunistas.

A realidade imposta pela ditadura militar no Brasil, onde eram públicos e notórios atos de abuso para com a dignidade da pessoa humana, deve ser relegada ao passado, servindo como paradigma de um modelo vencido e não mais desejado por uma sociedade evoluída.

Percebendo-se que a atuação da segurança pública deve ser norteada pelos princípios atinentes aos Direitos Humanos, justamente, porque a atuação referida atinge os seres humanos, conclui-se, sem gris algum, que há patente relação entre segurança pública e Direitos Humanos. Em verdade, estes disciplinam a conduta daquela.

Quanto mais afastada desses referidos princípios, mais próxima estará a atuação estatal do chamado abuso de poder.

O Brasil, nessa linha de raciocínio, procurando esquecer o seu passado ostentado, mormente, pela ditadura militar, demonstra patente vontade em erradicar a tortura praticada por agentes do Estado. Com efeito, a Constituição Federal considera a tortura crime grave, imprescritível e insuscetível de graça ou anistia.

Por outro lado, ainda, as Convenções da ONU[5] e da OEA[6] pela abolição da tortura foram ratificadas. Além disso, em abril de 1997, foi sancionada a Lei 9.455[7] a qual tipificou o crime de tortura.

O aspecto relacional existente entre segurança pública e Direitos humanos encontra suporte, ainda, no fato de que, separando-se referidos institutos, ver-se-ia uma manifesta e nefasta crise no Estado moderno, ocasião em que se retornaria às características de um Estado Monárquico e Absolutista dos séculos XVII e XVIII, no qual o rei era o soberano e exercia [8] 

Com a teoria da vontade geral, voltada para os Direitos humanos, o exercício da soberania sai das mãos do monarca e passa para as mãos da nação.[9]

 A soberania, então, deixa de ter o seu caráter de "absolutismo" contra a pessoa humana do país, passando a caracterizar-se como sendo um poder que é juridicamente inconstratável, pelo qual se tem a capacidade de definir e decidir acerca do conteúdo e da aplicação das normas, impondo-as coercitivamente dentro de um determinado espaço geográfico, bem como fazer frente a eventuais injunções externas.

1.2   A Polícia Judiciária e suas Especificidades

Polícia Judiciária possui o papel precípuo de apurar as infrações penais e a sua autoria, por meio do inquérito policial, procedimento administrativo com particularidade inquisitiva, o qual serve, em regra, de sustentáculo à pretensão punitiva do Estado estabelecida pelo Ministério Público, Senhor da ação penal pública. [10]

A persecução penal, ordinariamente, inicia-se por meio da investigação criminal, com o Estado angariando subsídios para o exercício do jus puniendi[11] em juízo, razão pela qual, em sendo o inquérito policial peça procedimental de contumaz importância para o Estado, devidamente disciplinado pelo Código de Processo Penal, embora prescindível, não é ele mera peça de informação [12]. Ele é, isto sim, peça de informação de alta relevância. Lida com o sagrado direito à liberdade e, em sendo propriamente conduzida, seguramente propiciará uma maior probabilidade de sucesso no estágio do direito de punir do Estado-Administração, bem como de justiça na fixação da pena pelo Estado-Juiz, quando da análise das circunstâncias judiciais.[13]

Ao considerar-se o inquérito policial um procedimento inquisitivo, não há que se falar da aplicação, nesta fase, das garantias do contraditório e da ampla defesa, reservadas à instrução processual, pois que só aí há acusação e defesa. Com efeito, somente a partir da aceitação da denúncia, em se tratando de persecução oriunda de investigação criminal ou inquérito policial, pode-se falar em acusado. [14]

Por certo, o inquérito policial não abrange as consagradas garantias constitucionais. Ele evidencia-se, especificamente, por um conjugado de atos praticados por autoridade administrativa. [15]

O texto constitucional, ao afiançar ao preso a assistência de um advogado, não exige a sua presença aos atos procedimentais, nem que a autoridade policial deva obrigatoriamente constituir um para acompanhar o seu interrogatório,[16] mais sim, constitucionalmente lhe é assegurado ser assistido por um advogado de sua livre nomeação, caso deseje e o promova.[17] Isso, por certo, mostra-se coerente, haja vista, como acima já dito, que em inquérito policial não existe contraditório e ampla defesa, a serem exercidos somente em processo judicial ou administrativo.[18]

Por outro lado, a presença do advogado, ainda que prescindível no inquérito policial, é recomendável, mas apenas recomendável, diante da possibilidade de deficiência de justa causa para a sua instauração em desfavor do investigado, da possibilidade de pleitearem-se diligências, do pedido de liberdade provisória, de relaxamento de prisão em flagrante, bem como de inibir qualquer arritmia de conduta que possa advir por parte do agente policial do Estado, por meio de hábeas corpus ou representação à Corregedoria de Polícia.

De tal modo, permite-se discorrer em defesa no inquérito policial, em sentido amplo, mas não em ampla defesa, agindo o advogado para garantir a observância dos direitos e garantias individuais traçados na Constituição da República.

No que concerne ao segredo da investigação, é ele da essência do inquérito. Não o guardar é muitas vezes fornecer armas e recursos ao delinqüente, a fim de frustrar a atuação da autoridade, na apuração do crime e da autoria. [19]

No que pese, todavia, o disposto no art. 20 do CPP, observa-se que, com o advento do Estatuto da OAB,[20] lei federal de âmbito nacional, a aplicação do sigilo nos inquéritos policiais viu-se mitigada, atingindo a discricionariedade do Delegado de Polícia na direção do procedimento.

No entanto, não houve anulação desse poder discricionário da Autoridade Policial, de modo que, nas investigações em que o sigilo seja indispensável para a apuração da infração e da sua autoria, ou exigível no tocante ao interesse da sociedade, deve a autoridade policial representar, fundamentadamente, à autoridade judiciária competente, a fim de que o princípio da publicidade seja restringido, com vistas ao Ministério Público, por ser o destinatário [21].

Referido proceder é coeso com a propriedade inquisitiva do inquérito policial, em que não se desempenha defesa propriamente dita, vetando-se [22] a qual poderia ver-se frustrada, em virtude de uma possível performance precoce e ágil do advogado interessado.

Vale mencionar que o Estado possui poderes para a sua organização, conservação, determinação de suas diretivas e consecução de seus fins.

Todo poder estatal é poder político, mas convencionou-se denominar poder político unicamente aquele que se agrupa e é desempenhado prontamente pelos Poderes de Estado - Legislativo, Executivo e Judiciário - como órgãos governamentais dos Estados Democrático Modernos. Ficou estabelecido que os demais poderes, desempenhados pelos órgãos da Administração Pública, constituem-se em poderes administrativos, dentre os quais se arraiga o Poder de polícia.

Poder é a capacidade de deliberar e cominar a decisão aos seus destinatários. Nessa acepção, o poder exprime-se em todos os grupos e comunidades, desde a família, que se apóia no pátrio poder, até o Estado, que se sustenta no poder político, emanado da aspiração popular, que é o suporte da Soberania [23]

Poder de polícia, por sua vez, é o engenho de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para ater os abusos do direito individual. Por meio desse mecanismo, que é uma peça de toda Administração, o Estado (em significado amplo: União, Estados e Municípios) prende a atividade dos particulares que se desvendar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social.

Convém distinguir-se, neste ponto, a polícia administrativa da polícia judiciária. A polícia administrativa é aquela que incide sobre bens, direitos ou atividades, ao passo que a polícia judiciária incide sobre as pessoas.  Desse modo, poder de polícia judiciária é privativa dos órgãos auxiliares da Justiça, [24] enquanto que o poder de polícia administrativa difunde-se por todos os órgãos administrativos, de todos os Poderes e entidades públicas. Explicando, quando a autoridade apreende uma carta de motorista por infração de trânsito, exercita ato de polícia administrativa. Agora, quando prende o motorista por infração penal, pratica, então, o ato de polícia judiciária.

Poder de polícia, em seu significado amplo, envolve um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado procura não só preservar a ordem pública, senão também instituir para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem imprescindíveis para serem evitados conflitos de direitos e para garantir-se a cada um o deleite ininterrupto de seu próprio direito, isso até onde for razoavelmente conjuminado com o direitos dos demais.

Administração Pública tem o poder de especificar e executar medidas restritivas do direito individual em beneficio do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado. Como salienta JOSÉ AFONSO DA SILVA,  a separação de poderes tem por fundamento a procura da especialização funcional e a independência orgânica no exercício de cada uma das atribuições típicas do Estado.[25]

A noção de Poder de Polícia, diga-se de passagem, encontra-se patente em nossa legislação, valendo fazer referência ao Código Tributário Nacional que assim dispõe:

"Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a 'Prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao [26]

1.3 O Poder de Polícia

A extensão do poder de polícia é hoje muito ampla, abarcando desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, a censura de filmes e espetáculos públicos, o controle das publicações, a segurança das construções e dos transportes, o mantimento da ordem pública em geral, até à segurança nacional em particular. Daí, encontra-se, nos Estados modernos, a polícia de costumes, a polícia sanitária, a policia das águas e da atmosfera, a polícia florestal, a polícia rodoviária, a policia de trânsito, a polícia das construções, a polícia dos meios de comunicação e divulgação, a polícia política e social, a polícia da economia popular, e outras que atuam sobre as atividades individuais que afetam ou sejam capazes de afetar os superiores interesses da coletividade, a que incumbe o Estado velar e proteger. Onde houver interesse acentuado da comunidade ou da Nação, deve haver, correlatamente, igual poder de policia para a proteção desse interesse público.

Os exatos limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais dos indivíduos assegurados na Constituição da República. [27] Do absolutismo individual evolui-se para o relativismo social. Os Estados democráticos como o nosso inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. Aliás, a idéia de reparação é uma das mais velhas idéias morais da humanidade, como já dizia RIPERT, citado por CAIO MÁRIO [28].

Referida sujeição do direito individual aos interesses coletivos ficou bem marcada na vigente Constituição da República, ao estabelecer-se que a ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base dentre outros fatores, na «função social da propriedade».[29] 

Por meio de restrições infligidas às atividades do indivíduo que afetem a coletividade, cada cidadão cede parcelas mínimas de seus direitos à comunidade e o Estado lhe retribui em segurança ordem, higiene, sossego, moralidade e outros benefícios públicos, propiciadores do conforto individual e do bem-estar geral. Para concretizar essas restrições individuais em favor da coletividade, o Estado se utiliza desse poder discricionário, que é o poder de polícia administrativa. Tratando-se de um poder discricionário, a norma legal que o confere, não minudencia o modo e as condições da prática do ato de polícia. Esses aspectos são adjudicados ao prudente critério do administrador público. Mas se a autoridade ultrapassar o admitido em lei, incidirá em abuso de poder, corrigível por via judicial. O ato de polícia, como ato administrativo que é, fica sempre sujeito à invalidação pelo Poder Judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder.

1.4   Atributos do Poder de Polícia

O poder de polícia possui atributos específicos e peculiares ao seu exercício. Há os gerais e há o específico. Dentre os gerais, encontram-se a presunção de legitimidade, a auto-executoriedade e a imperatividade, também chamada de coercitividade ou exigibilidade. No que se refere ao atributo específico, encontra-se a discricionariedade.

A discricionariedade, que se pretende destacar neste momento, traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e da conveniência em se exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado no caso em concreto, que é a proteção de algum interesse público determinado. Neste particular, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima. Exemplo: se a lei permite a apreensão de mercadorias deterioradas e a sua inutilização pela autoridade sanitária, esta pode apreender e inutilizar os gêneros imprestáveis para a alimentação, sem nenhuma interferência de outro poder, inclusive do Judiciário. Porém, se a autoridade é incompetente para a prática do ato, ou se o praticou arbitrariamente sem prévia comprovação da imprestabilidade dos gêneros para sua destinação, ou se interdita o estabelecimento fora dos casos legais, a sua conduta poderá ser impedida ou invalidada pela Justiça. No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricionariedade do poder de polícia.

De qualquer sorte, a liberdade máxima consentida não é jamais o pleno arbítrio, mas o prudente arbítrio ou o poder discricionário, que permite ao seu titular escolher os interesses para os quais deverá exercê-lo, mas proíbe que ele possa prescindir de tal avaliação. Se uma função for exercida por interesse distinto, daquele que lhe constitui a base, dá lugar a um comportamento ilegítimo, que recebe o nome de desvio de poder.[30]

1.5   O Delegado de Polícia

[31], personagem de grande espírito humanitário e de brilhante visão democrática (1737-1809) [32], procurar-se-á, neste capítulo, estabelecerem-se paralelos existentes entre o bem articulado racionalismo de Paine, todo ele voltado para o contexto político de sua época, e a realidade hodierna existente acerca das similitudes existentes entre a visão daquele celebrado personagem da história política e a realidade vivenciada nos dias de hoje pelos Delegados de Polícia, autoridades responsáveis pelo gerenciamento da fase inquisitorial do Processo Penal.

Antes de mudar-se para a América e sedimentar-se como um dos grandes escritores da história política, Paine, após numerosas tentativas de melhorar o seu padrão de vida e retirar-se de um constante estado de pobreza e miséria, acabou por tornar-se "Coletor de Impostos". Todavia, plenamente convencido de que os Coletores eram muito mal pagos, escreveu o seu primeiro panfleto, dirigido ao Parlamento [33]. Em referido escrito, observamos estampadamente o humanitarismo de Paine:

"Se o aumento do dinheiro no reino constitui uma das causas do elevado preço dos suprimentos, é peculiarmente lastimável o caso dos coletores de impostos. Não recebem aumento algum. Excluídos da bênção geral, contemplam-na como se contempla o mapa do Peru. Aplica-se-lhes um pouco a resposta de Abraão a Dives: Há ali um grande abismo." [34]

O interessante é que, mesmo, ou quiçá exatamente por isso, ao procurar influenciar os membros do Parlamento a favor dos coletores, acabou por ser demitido, em 1774, pelo governo, como indivíduo perturbador da ordem.

Percebe-se, dessarte, que o tempo transcorre, mas a história muda-se apenas superficialmente, por meio de breves nuanças. Com efeito, odiernamente, é do senso comum que a Polícia Judiciária, a despeito de seu papel inquestionavelmente primordial no âmbito social, está longe de ser tratada com o devido zelo pelos seus governantes.

Influenciada de forma contundente pela realidade político-partidária da situação, a Polícia sujeita-se ao "vai-e-vem" do pensamento político presente, constituído pela troca de poder exsurgida a cada escrutínio.  

Despido é, dessarte, o Governo, no seu aspecto de repressão direcionada ao particular, em prol da coletividade, de índole eminentemente técnica, posto que sujeita às vicissitudes do pensamento político vigorante.

Aquele que eleva a sua voz a respeito, corre os mesmos riscos que Paine outrora correu. E se, por um lado, a exoneração encontra óbice no [35],  a transferência "por conveniência do serviço" constitui-se em instrumento de flagrante ilegitimidade, quando utilizada com o fim de fazer calar a voz daquele que se insurge com os mandos e desmandos de um gerenciamento exclusivamente político nos órgãos de Segurança, contrário àquele comando exclusivamente técnico, reclamado pelos anseios de uma Sociedade sedenta por uma polícia mais ágil, científica e eficaz.

Como ensina o Prof. HELY LOPES MEIRELLES, há manifesta distinção entre discricionariedade e arbitrariedade; aquela, ocorre dentro dos limites legais e de acordo com o interesse público, já esta é levada a efeito sem consonância com o interesse público:

"Já temos acentuado, e insistimos mais uma vez, que o ato discricionário não se confunde com o ato arbitrário. Discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos. Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação contraria ou excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido pelo direito, é legal é válido; [36]

Todavia, no âmbito da Polícia Judiciária, a imposição de "transferência", v.g., como forma punitiva aos Delegados de Polícia malcontentes, é um temor que tende a elidir-se, à luz do recente Projeto de Emenda à constituição, elaborado em 2003, de autoria dos  Srs. Reinaldo Betão, João Campos e outros.

Com efeito, e em suma, o projeto acrescenta o § 10º ao art. 144 da Constituição Federal, dispondo sobre a inamovibilidade de Delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal.

Nada mais justo, pois vem a preencher um velho, legítimo e histórico anseio das Polícias Civil e Federal. O instituto da inamovibilidade, já garantido a juízes e promotores públicos, é de suma importância para o bom desempenho da meritória função que exerce a autoridade policial. Visa-se a garantir a independência, a imparcialidade, a isenção e a dignidade do profissional.

Bem consta na "justificativa" do referido projeto o seguinte e contundente texto:

"O delegado de polícia tem a desagradável surpresa de ser compulsoriamente afastado das investigações que preside e conduz de forma honesta e coerente, muitas vezes sem qualquer justificativa plausível, sendo removido para circunscrições distantes por mero capricho da autoridade governamental. Não há o mínimo de respeito ao profissional da segurança pública, quando contraria interesses outros daqueles que estão exercendo o poder."

Por exigência legal, o Delegado de Polícia tem formação jurídica, sendo o profissional da segurança pública que primeiro toma conhecimento da ocorrência do fato delituoso, desencadeando a "persecutio criminis".

Assim, exerce ele o papel de anteparo da sociedade, providenciando, imediatamente após o fato, a prisão do acusado ou a instauração do procedimento apuratório respectivo. Não é difícil, portanto, imaginar que este profissional sofra toda espécie de pressão durante as investigações, e até mesmo após concluir o inquérito policial. A garantia da inamovibilidade ao delegado de polícia só trará benefícios para o bom desempenho do cargo, garantindo que ele não será substituído devido aos rumos das investigações isentas.

Por outro lado, como bem consta do projeto, a inamovibilidade não prevalece no caso de interesse público devidamente justificado, ocasião em que haverá decisão do Conselho Superior da Polícia sobre o assunto.

Não obstante, é claro, a defesa que a Autoridade Policial precisa dispor sobre os devaneios superiores em torno de descontentamento acerca de investigações desenvolvidas por  ela, é assaz relevante lembrarmos que os arbítrios podem também conter gênese diferente, muitas vezes oriundos da manifestação particular ou sindical das Autoridades Policiais sobre as precárias condições materiais de trabalho postas à sua disposição.  

Thomas Paine, no seu influente livro O Senso Comum e a Crise,  ressalta que o Ser Humano, por menos expressivo que se considere ou por mais difíceis que sejam as suas condições a serem enfrentadas, possui qualidades que, somadas às dos demais, resulta em benefício em torno de uma causa, por mais exigente que ela seja.

Surge aí a vital importância dos movimentos sindicais, como forma de reforçar os pleitos de determinadas classes junto aos governantes. A incansável busca pela dignidade do cargo, por meio de justas reivindicações sindicais, reveladoras de um forte e digno caráter por parte dos detentores do Cargo de Delegados de Polícia, é uma atitude que não deve jamais se abrandar, pois, consoante Paine, "o carácter é mais facilmente mantido do que recuperado".

Efetivamente, nosso sucesso depende de uma variedade tão grande de colaboração humana e circunstâncias outras que todas as pessoas, podendo pouco mais que desejar o bem, são de significativa utilidade.

Para Paine, é possível concluir que, quando o motivo é justo, o homem comum torna-se um herói.

Nessa seara, percebe-se a tendência coletiva no sentido de união de categorias em torno de pleitos por melhores condições de labor profissional. Isso, por certo, motivou a exigência, por parte da classe de Delegados de Polícia, do projeto de emenda constitucional alhures comentado.

Para Thomas Paine, a sociedade, em qualquer estado, é uma benção, enquanto que o governo, mesmo em seu melhor estado, não passa de um mal necessário. E, no seu estado pior, é um mal verdadeiramente intolerável [37].

O Estado, no seu aspecto de "mal necessário", em uma visão mais moderna, tende a ceifar ou limitar a liberdade individual em prol dos direitos ou interesses de uma maioria.

Nesse contexto, com grande força, surge a figura dos Órgãos de Segurança Pública, como longa manus do Estado no seu sentido repressor.  

Lamentavelmente, consoante se percebe odiernamente, o tratamento dispensado aos Órgãos de Segurança não vem abarcando o zelo necessário por parte dos governantes. Remuneração ínfima, precariedades de recursos materiais, escassez de estratégias bem elaboradas e articuladas entre os vários Órgãos atuantes na área de segurança demonstram a realidade do que se afirma aqui. Se Paine, em tempos passados, deixou de ser "Coletor" por motivos que ultrapassaram sua própria vontade, hoje temos um acervo significativo de Delegados de Polícia que deixam seus cargos em busca de melhores condições de vida, mormente em outros concursos públicos contemplados com melhores remunerações.    

De facto, em um contexto de flagrante ingerência eminentemente política, os cargos de chefia de nossas Polícias, das instâncias mais diminutas às mais altivas, encontram-se despidos de critério eminentemente técnico.

Em outras palavras, os detentores de referidos cargos, geralmente, não são neles inseridos em decorrência de critérios técnicos previamente estipulados pelas respectivas categorias.

No que se refere a essa realidade, ao que parece, já é ela cediça de todos. E sem aviltar as qualidades dos profissionais que ocupam [38] constitui-se em requisito tido como revestido muitas vezes de suficiência para os seus preenchimentos.

Se o provimento deu-se por critérios políticos, ou seja, de "indicação", inexoravelmente, ou o detentor de referidos cargos submete-se a "oscilar" conforme a música previamente estipulada pelo governo da situação, ou é deposto e outro inserido em seu lugar. E vale lembrar, ainda, que não contemplem referidos cargos de liderança remuneração significativa, a sensação de poder sentida por quem os preenche tende a corromper, sendo que o apego ao "título" torna-se, muitas vezes, lamentavelmente, mais importante que a intenção de defesa dos legítimos direitos dos seus liderados [39]. Como dizia Paine, "os títulos não passam de apelidos, e todos apelidos são títulos".

Indicações meramente políticas, pois, emanadas do interesse governamental vigente, em prejuízo irrefutável aos executores chefiados e à sociedade em geral, exigente de uma polícia verdadeiramente "apolítica", resulta xeque social.

Se os partidos políticos modificam-se como as nuvens, urge que as polícias modifiquem-se apenas no seu aspecto de crescente e constante aperfeiçoamento científico, com todas as garantias tendentes a não-ingerência político-partidária.  Como dizia BOBBIO[40]: "os códigos se sucedem; as leis são modernizadas, os juízes substituídos e, ainda assim, as pessoas estão protegidas pelo sistema legal".

Paine sofreu, outrora, o que muitos que levantam suas vozes hoje também o sofrem. É o modelo de exercício do poder pela opressão, pela humilhação, pela tirania e pela sufocação das liberdades de manifestação.

A essência da filosofia de Paine assenta-se, repise-se, no fato de que há indubitável distinção entre sociedade e governo. A sociedade é produzida pelas nossas necessidades, e o governo pena nossa maldade; a primeira promove positivamente a nossa ventura, unindo os nossos afetos, enquanto o segundo o faz negativamente, refreando os nossos vícios. A primeira encoraja o intercâmbio, o segundo cria distinções. A primeira é uma patrocinadora, o segundo um punidor.

Exatamente, aí, está o senso comum coletivo acerca da Polícia, no seu aspecto de órgão repressor. Polícia é um mal absolutamente necessário, podemos dizer. E quando é má gerida, percebemos uma polícia caótica, desorganizada, indo e vindo, conforme o interesse, o pensamento, ou o devaneio político da atualidade.

Hely Lopes Meirelles [41], quando define poder de polícia como "a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado", denuncia, em sentido lato, a importância máxima do Estado em seu sentido repressor. Daí a delicadeza e o cuidado que nunca deve ser tido como damasiado em comporem-se os quadros da Polícia, mormente a Judiciária, detentora que é de competência constitucional para apurar a autoria e a materialidade das infrações penais.

Poder de polícia, como já se disse alhures, é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos de direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.

Como já é cediço, especificamente no que tange à Polícia Judiciária,  tem esta a função precípua de apurar as infrações penais e sua autoria, por meio de inquérito policial, procedimento administrativo inquisitivo, que serve, em regra, de base à pretensão punitiva do Estado formulada pelo Ministério Público, Senhor da ação penal pública[42].

A relevância do trabalho presidido e sob a incumbência do Delegado de Polícia no cenário jurídico nacional é, pois, irrefutável. Dizer-se que o inquérito policial por ele presidido é mero caderno informativo sem força probatória é, como já se disse antes, proferir-se disparate sem tamanho.

Com efeito, se não serve o inquérito policial, como se costuma dizer, no seu aspecto de mero "caderno informativo", como fundamento, por si só, para condenar um delinqüente a uma pena mínima prevista em determinado preceito secundário atinente a estabelecido preceito primário, pode servir ele, e aí está o contra-senso, como meio relevante para condenar o mesmo delinqüente a determinada pena que encontra o seu patamar em abstrato no limite máximo previsto em nosso Codex substantivo penal. Com efeito, nos delitos contra a vida, à luz da soberania dos vereditos [43], os jurados podem basear-se com serenidade na "prova" carreada nos autos do inquérito policial, pois julgam de "capa a capa". A respeito, vale colacionar o seguinte julgado:

17006119 - JÚRI - HOMICÍDIO DUPLO - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - CONFISSÃO POLICIAL - VALOR PROBANTE - Júri. Duplo homicídio. Petição recursal sem fundamentação específica. Preliminar de não conhecimento. Rejeição. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Recurso defensivo. Confissão policial e outros elementos de convencimento. Validade. Desprovimento. Inexiste motivo para não conhecer do recurso quando a peça de interposição, em tema de Júri, deixa de especificar o fundamento que o justifica. É que se deve assegurar, em respeito à norma constitucional em vigor, o exercício da ampla defesa com os recursos que lhe são inerentes, até em homenagem ao duplo grau, modo de consagração à segurança que toda decisão judicial deve ter. Não é contrária à prova dos autos, menos ainda manifestamente, a decisão do Tribunal do Júri que, apreciando caso de duplo homicídio, opta pela condenação de agentes valendo-se da confissão policial de um deles, validada por outros confiáveis elementos de prova autorizadores do reconhecimento da autoria. Recurso defensivo improvido. (TJRJ - ACr 383/96 - (Reg. 260897) - Cód. 96.050.00383 - Bom Jesus de Itabapoana - 1ª C.Crim. - Rel. Des. Cláudio T. Oliveira - J. 17.06.1997).

Como se percebeu, a figura do Delegado de Polícia, a despeito de encontrar-se prevista constitucionalmente [44], ainda está por demais sujeita às vicissitudes da ordem político-partidária da situação. E é por comparativos históricos como as alusões a Paine e sua  sempre clássica obra "Common Sense and Other Political Writings" que percebemos não ser de hoje os desarranjados político-partidários em torno de questões sociais onde a técnica e o caráter científico deveriam ser os únicos assuntos em debate.

Não obstante, nunca é tarde para identificarmos devaneios e patenteá-los ao crivo social; até, porque a sensação de que algo precisa ser revolucionado é sempre do "senso comum", exsurge do consciente coletivo e apenas é expressado, quando muito, por um ou outro particular que opta pela iniciativa. Aliás, conforme bem referido por Paine, "temos de admitir que há tempos em que as idéias estão ‘no ar’, e que se afiguram uma propriedade comum, e em que a atribuição, a um único homem, da parternidade de uma idéia particular qualquer é extremamente impossível. O século XVIII foi indubitavelmente uma desses períodos [45]".

1.6   Aspectos Relevantes acerca do Poder Discricionário do Delegado de Polícia

O Delegado de Polícia é o primeiro receptor do caso em concreto. Não lhe é compelido, pelo ordenamento jurídico, agir sem a devida cautela e sem o devido senso de prudência, ante a íntima proximidade que há entre suas atribuições e o direito fundamental da liberdade da pessoa humana.

Cabe ao Delegado de Polícia, efetivamente, sempre deliberar com a devida prudência ante o direito à liberdade do indivíduo, em todas aquelas hipóteses em que lhe for possível a sua restrição, hipóteses essas as quais, de regra, constituem-se em extrema excepcionalidade.  Toda a atividade policial, por sua natureza, em tese, possui o condão de tolher o direito à liberdade do indivíduo. Esse direito fundamental é, de fato, princípio constitucional, [46] compreendendo ele uma das chaves de todo o nosso sistema normativo. Por isso, precisa ser visto como critério maior, mormente no campo penal. E se é pacífico que o próprio Estado-juiz não pode olvidar de observar com a máxima cautela esse direito constitucional, também o deve ser pela Autoridade Policial, pois não é fadado a esta cometer abusos manifestos contra os direitos da pessoa humana, sob o argumento de que não lhe é conferido pela norma competência para se levar a efeito, de acordo com o seu discernimento, a medida mais adequada ao caso concreto.

As Autoridades Policiais, por suposto, constituem-se agentes públicos com labor direto frente à liberdade do indivíduo. É da essência das suas decisões, por isso, conterem inseparável discricionariedade, sob pena de cometerem-se os maiores abusos possíveis, quais sejam, aqueles baseados na letra fria da Lei, ausentes de qualquer interpretação mais acurada, separadas da lógica e do bom senso.

A fundamentação plausível deve ser elemento sempre unificado ao ato discricionário da Autoridade Policial. Mencionado ato será sempre legítimo, se devidamente fundamentado. De fato, dentro do nosso ordenamento encontra-se o princípio elementar da proporcionalidade, com raiz na lógica e no bom senso, [47] respectivo seja, como já foi dito, fundamentado, à luz do princípio do livre convencimento motivado.   

A respeito desse poder discricionário, aliás, vale a colação do seguinte excerto doutrinário da lavra de HELY LOPES MEIRELLES, onde ele faz interessante observação, no sentido de que, nem mesmo com relação aos atos vinculados o administrador está limitado a executar a lei cegamente:

"Tanto nos atos vinculados como nos que resultam da faculdade discricionária do Poder Público, o administrador terá de decidir sobre a conveniência de sua prática, escolhendo a melhor oportunidade e atendendo a todas as circunstâncias que conduzam a atividade administrativa ao seu verdadeiro e único objetivo - o bem comum".[48]

Por outro lado, é de bom alvitre inserir-se neste texto interessante decisão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:  

"A determinação da lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia não se constitui em um ato automático, a ser por ele praticado diante da simples notícia do ilícito penal pelo condutor. Em face do sistema processual vigente, o Delegado de Polícia [49]

Por ocasião desse decisum colegiado, fica clara a faculdade do Delegado de Polícia em, nas hipóteses de flagrante delito, levar a efeito, conforme o seu juízo de valor, a melhor decisão que lhe surgir a consciência, vertendo para a lavratura do auto ou não, consoante sua apreciação daquilo que for mais conveniente e oportuno diante do caso em concreto.

Neste momento da dissertação, chega-se ao momento crucial, onde se estabelecerão as concisas, hialinas e simplificadas hipóteses de aplicação do princípio da insignificância no seio das atividades policiais.

Se este trabalho dissertativo, embora de manifesta singeleza, possui uma razão de ser, exatamente neste momento chega-se a ela, qual seja, a de estabelecer, por meio de dois simples e concisos exemplos, quais seriam as possibilidades concretas de aplicação do instituto da insignificância na seara policial.

O direito à liberdade encontra-se dentre os direitos fundamentais previstos no art. 5º, caput, da Constituição Federal, ao lado de outros tais como a inviolabilidade do direito a vida, a igualdade, a segurança e a propriedade.

Está, ainda, previsto no inciso VII do artigo supra que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Vê-se, pois, que a liberdade é um pressuposto natural de uma sociedade justa.

O direito à liberdade, tratado como inviolável pela Constituição, coaduna-se com a orientação internacional quanto aos direitos do homem, o que, por si só, aliás, afeta a faculdade concedida ao Juiz em outorgar livramento provisório, para torná-la investida de caráter não-facultativo, mas obrigatório e compulsório. Este status da norma, além do mais, dispensa a própria existência do artigo 310 do Código de Processo Penal.

O encarceramento da pessoa humana é medida extremada e, dentro de um sistema jurídico obviamente pautado pela lógica e pelo bom senso, com regras legais postas ao julgador, a fim de serem interpretadas em harmonia umas com as outras, com princípios para a solução de eventuais antinomias e, até mesmo, anomias, não se pode aceitar como crível que se leve a efeito pela Polícia, e sejam referendados pelo Judiciário, atos desvirtuados de uma mínima lógica.

Há hipóteses em que a insignificância da ofensa ao bem jurídico tutelado não justifica édito condenatório e muito menos, então, encarceramento prévio ao início da ação penal (isso, se esta, de fato, vier a ser proposta pelo parquet). 

Em furtos famélicos, ou de itens de pequeno valor em supermercados (como um barbeador descartável, um desodorante, etc.), não se justifica a prisão do sujeito, a menos que reiteradas de maneira intolerável. 

De fato, em um regime democrático de direito, deve ser considerado o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção. Há de ser observada, em cada caso concreto, a individualização da pena.

O encarceramento do indivíduo não é um fim em si mesmo, mas uma conseqüência, donde há de ser observado um nexo, um liame entre a ação considerada antijurídica e a natureza ou intensidade da resposta estatal.  

O desiderato da custódia cautelar é retirar de circulação sujeitos que, pela sua conduta irregular, oferecem risco à sociedade. Em síntese, o risco, inexoravelmente, precisa abalar a ordem pública, quer seja pela intensidade da ofensa, quer seja pela reiteração de um conjunto de ofensas. Há, dessarte, que tratar-se desigualmente os desiguais. Assim, pois, encarcerar-se, por meio da prisão em flagrante, o autor de um homicídio ou de um roubo é atitude equânime com a gravidade de referidas ofensas.

Todavia, ainda em hipóteses como as acima aludidas, o autor, momentos após a prisão, poderá sair do cárcere, por meio do relaxamento da sua custódia pelo Juízo competente, caso não estejam presentes os requisitos da manutenção preventiva da sua prisão, fulcro no que dispõe o art. 312 do Código de Processo penal.

E se é bem certo, e verdadeiramente provável, que em infrações materialmente atípicas, devido à insignificância da ofensa ao bem jurídico tutelado, o relaxamento da prisão ocorrerá inexoravelmente, percebe-se que aquele primeiro ato (prisão) levado a cabo pela Polícia Judiciária indistintamente, tanto em relação aos crimes graves como em relação aos materialmente atípicos, é tratar de forma igual situações absolutamente  desiguais.  

Assim, é sustentável, à luz do sistema jurídico pátrio, que é um conjunto de leis e de princípios que se entrelaçam sob a égide dos ditames maiores lançados pela nossa Constituição Federal, que a Autoridade Policial possa, por meio da sua discricionariedade ínsita, não lavrar flagrantes acerca de infrações que são, em tese, materialmente atípicas.

O decisum de valoração a ser levado a efeito pela Autoridade Policial bastará que contenha fundamentação razoável, fulcro no princípio da persuasão racional, como, de resto, é a atribuição de todos aqueles que levam a efeito atos administrativos em geral. 

Depois de esclarecida a hipótese de aplicação do princípio da insignificância frente às situações de flagrante delito, passa-se a discorrer acerca da derradeira hipótese sustentada de aplicação do aludido princípio em sede das atribuições a cargo do Delegado de Polícia.

A Polícia Judiciária abarca, praticamente, a totalidade absoluta das infrações penais levadas ao conhecimento dos Órgãos Públicos.

Salvo raríssimas exceções, até mesmo aquelas comunicações levadas ao conhecimento dos representantes do Ministério Público, são todas encaminhadas eles à Polícia Judiciária, a fim de que esta sim apure os fatos por meio do procedimento pertinente.

Em assim sendo, percebe-se que o mundo da ilicitude só chega aos olhos dos julgadores, porque são levados ao seu conhecimento pelos órgãos policiais. Em outras palavras, a Polícia é responsável, com exclusividade praticamente absoluta, pela recepção das notícias criminais, elaboração dos instrumentos apuratórios adequados e remessas suas à apreciação do Judiciário.

Surge, então, em decorrência desse vultoso, verdadeiramente incomensurável e invencível fardo, problemática irrefutável, mas pouco discutida em nossos dias atuais, qual seja, "grande parte das comunicações de ocorrências policiais acabam vendo as suas prováveis penas em abstrato prescrevendo-se nos próprios órgãos policiais".

De tempos em tempos, e esta tem sido a prática, ao atingir-se número considerável de feitos prescritos em um Distrito Policial, convenciona-se determinado acordo entre Delegado de Polícia e Promotor de Justiça locais e remetem-se citados cadernos apuratórios, em lotes, à apreciação do parquet, a fim de que este requeira seu arquivamento ao Juízo competente. Incontáveis procedimentos, instaurados ou não, já prescritos, encontram esse destino em nossa Administração Pública.

A razão desse procedimento costumeiro não é nada além da incontestável impossibilidade de os Órgãos Policiais levarem a efeito termo à totalidade da demanda que os assola diariamente.

Pragmaticamente, então, e forçosamente, em determinadas situações, as Autoridades Policiais sentem-se premidas e fatalmente precisam selecionar, dentre os procedimentos às suas cargas, aqueles que mais urgem atenção e celeridade ante as suas gravidades. É uma decisão razoável, perante uma problemática real.

Com efeito, dentro dessa problemática existente, urge conjetura plausível, qual seja, poder-se-ia conceder à Autoridade Policial legitimidade para esta estabelecer, com razoabilidade e bom senso, um critério seletivo acerca daquilo que seria levado a efeito pelo labor policial, em prejuízo daquilo que, fatalmente, acabaria não sendo.

Essa legitimidade que se propõe, no entanto, não é aquela mesma já concedida ao Delegado de Polícia pela força do seu dia-a-dia, já bem estabelecida pela prática e pelo costume. Seria isto sim, algo novo e mais cristalino.

A competência a ser emprestada à Autoridade Policial necessitaria emanar de instrumentos legais, quer fosse por meio de uma cláusula geral acerca do princípio da insignificância a ser inserida em nosso Codex substativo penal, quer fosse, ao menos, por meio de simples pactos administrativos a serem avençados em cada Estado Federativo, tudo dependendo da realidade vivida por cada ente federado e à luz da comunhão de esforços e da conjugação de vontades existentes entre os membros do Ministério Público e Delegados de Polícia seus.

Pois, esclarecidas as possíveis fontes de onde seria ideal ver originada essa faculdade a serviço da Polícia Judiciária, resta imperioso deixar-se claro, de antemão, que não se está aqui defendendo tese alguma sobre uma possível faculdade de arquivamento de cadernos policiais em sede de Polícia Judiciária.

[50], a Autoridade Policial não poderá, jamais, mandar ao arquivo autos de inquérito.

O que se propõe, isto sim, seria a possibilidade de que, em prol da apuração de ilícitos mais graves, aqueles procedimentos referentes a fatos aparentemente atípicos no seu aspecto material acabassem por abarcar "sistemática processual" extremamente mais simples e célere do que a costumeira, o que é por demais plausível diante da nossa conjuntura hodierna.

Essa sistemática processual sintética concretizar-se-ia por meio de uma  verdadeira faculdade a ser concedida legalmente à Autoridade Policial, quer pela norma federal, como se disse acima, quer, ao menos, em decorrência de acordos a nível estadual, onde esta não necessitaria instaurar inquéritos policiais acerca de delitos materialmente atípicos, remetendo-se, de qualquer forma, os seus registros respectivos de ocorrências policiais à apreciação dos Promotores de Justiça competentes. Na hipótese de estes discordarem de um ou de outro critério seletivo adotado pelo Delegado de Polícia, restituiriam, então, os autos à Delegacia de Polícia, a fim de ver-se instaurado o procedimento policial a respeito.

Nada mais lógico, nada mais coerente. Absolutamente nada haveria de prejudicial à sociedade, e poder-se-ia vislumbrar uma sensível maior celeridade no trâmite daquelas causas penais realmente relevantes, sempre a cargo da Polícia Judiciária e muitas delas fadadas ao perigo da prescrição em abstrato.

Verdadeiramente, os Órgãos Policiais, já tão defasados de pessoal e de condições materiais variadas, estão sempre premidos pelo exíguo e insuficiente lapso temporal destinado ao esquadrinhamento das ilicitudes de evidente maior gravidade, de gritante maior urgência social.

Dessarte, pela sistemática aqui defendida, dizer-se que se estaria valorizando o tempo da nossa Polícia Judiciária seria, a bem da verdade, uma afirmação inverídica.Estar-se-ia, isto sim, valorizando o ínfimo lapso temporal que a própria sociedade dispõe para a persecução dos casos graves, pois aquela só existe pela razão desta.

Todavia, falar-se o que se disse acima parece simples. No entanto, há barreiras ainda instransponíveis para a sua real aplicação. Como exemplo dessa problemática que se apõe à confecção de sistemáticas mais simplificadas acerca de questões menos complexas está o que gira em torno dos delitos de menor potencial ofensivo abarcados pela Lei dos Juizados Especiais Criminais. Com efeito, é realidade facilmente observada em comarcas de primeira entrância a exigência da confecção, mesmo nas infrações abarcadas pelos Juizados Especiais Criminais, de praticamente um trabalhoso inquérito policial, não se abrindo mão de oitivas detalhadas, previamente à audiência, de todos os envolvidos e de todas as testemunhas". Em assim não sendo, o termo respectivo baixa do Juízo competente, após requerimento do Ministério Público, a fim de ser complementado.

Porém, ao observar-se a sistemática adotada em jurisdições distintas daquelas de primeira entrância, percebe-se, claramente, uma aproximação bem maior aos ditames da concernente Lei que versa sobre os Juizados Especiais Criminais, quiçá pela experiência já abarcada ao longo da vida funcional pelos seus respectivos Juízes e Promotores. 

O que está ocorrendo nos dias de hoje, com a inexistência da sistemática aqui proposta, é a inexorável seletividade, por parte da Polícia Judiciária, acerca daquilo que será e daquilo que não será prescrito nos próprios Órgãos Policiais. Essa problemática é real, de conteúdo seriíssimo, mas de solução não apontada por qualquer sistema legal uníssono e harmônico com a realidade das condições materiais da Administração Pública.

Falar-se em acréscimo de efetivo ou melhoria nas condições materiais das nossas Polícias é apenas proferir verbos de conteúdo vazio e inócuo, até mesmo porque isso jamais seria suportado, nem de longe, por qualquer cofre público.

Aliás, ainda que, hipoteticamente falando, fosse possível se dar conta da totalidade dos procedimentos em trâmite em sede de Polícia Judiciária, fosse pelo provimento de um incontável e devaneado número de servidores novos, surgiria, então, outra problemática tão séria quanto à primeira: os Órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário, pelas suas condições materiais e número de pessoal existente, jamais teriam, nem de longe, condições de apreciar devidamente a carga incomensurável de trabalhos que lhe adviriam de tudo isso. A propósito, mesmo com o ritmo atual de remessas de procedimentos policiais a juízo, é público e notório que o número de prescrições da pretensão punitiva do Estado nas entrâncias judiciárias é realidade consuetudinária.

Assim, vê-se que a sistemática que aqui se pretende por em prática, toda ela embasada no bom senso, quer evitar um labor policial sem razão de ser em procedimentos acerca de fatos que, visivelmente, em tese, mostram-se atípicos materialmente.

É elementar, presentemente, que se atente à seguinte situação, qual seja, nem sempre um delito de pouco gravidade será considerado atípico, materialmente falando, quando da sua apreciação pelo Poder Judiciário. Todavia, isso não significa que a sua baixa ofensividade, ainda assim, mereça um ato inicial extremado por parte do Estado em relação à pessoa do autor, quer seja por meio da instauração de um caderno inquisitivo, ou, muito menos, por meio de uma prisão em flagrante.

Com efeito, ao falar-se de um porte de arma, por exemplo, levado a efeito por pessoa sem antecedentes policiais, em situação em que não se expôs, de forma concreta, a perigo a sociedade (manutenção da arma no porta-luvas do seu veículo, p. ex.), está-se diante de hipótese em que não se vê como justificável atitude extremada por parte do Estado. Com efeito, constituir-se-ia medida flagrantemente desproporcional à intensidade da conduta impingir-lhe prisão em flagrante, esta sempre um ato extremado do Estado. Aliás, neste caso em particular, o encarceramento cautelar do autor não vê mesmo lógica em qualquer prisma de coerência possível, uma vez que, ao atentar-se à letra da Lei e à pena em abstrato prevista para o caso, por mais que houvesse cominação ao autor de uma pena máxima, o regime de cumprimento previsto para o caso é o aberto.

Elidida a possibilidade de flagrante delito acerca de um delito como o de porte de arma, frente à pena em abstrato prevista para o caso, com a conseqüente possibilidade de aplicação de penas alternativas ou, até mesmo, suspensão condicional do processo, também é coerente sustentar-se que todo um trâmite exigido por inquérito policial apresenta-se como moroso trabalho sem sentido, prejudicial ao trâmite de questões outras a cargo das Delegacias de Polícia, referentes a crimes de patente maior relevância (roubos, latrocínios, homicídios, etc.).

Assim, em ilícitos de menor gravidade como o exemplificado neste item, é razoável que, além de rechaçar-se a possibilidade de aplicação de prisão em flagrante, também se possa eliminar o trâmite de todo um inquérito policial, ocasião em que apenas registrar-se-ia o fato, aprender-se-ia o instrumento e, qualificadas as partes, remeter-se-iam os autos à apreciação do Ministério Público, titular da ação penal.   

Observado isso, a par do fato de que a aplicação do princípio da insignificância no tocante ao labor diário da Polícia Judiciária é o mínimo que se pode exigir, também é plausível sustentar-se a extensão da sistemática aqui proposta àqueles ilícitos que, embora materialmente típicos, vêem-se de menor importância no cenário criminoso vivido por determinadas sociedades.   

2.  O DELEGADO DE POLÍCIA E SUAS CRISES CONTEMPORÂNEAS

Neste ponto da presente dissertação, chega-se ao momento crucial do que se pretende esclarecer ao leitor.

Efetivamente, visar-se-á, doravante, discorrer-se acerca de onde, precisamente, encontram-se as crises contemporâneas relativas às competências constitucionais do Delegado de Polícia.

2.1 A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente aos Juizados Especiais Criminais

Neste ponto, poder-se-ia discorrer acerca do impacto negativo que a Lei nº9.099/95 trouxe ao Delegado de Polícia no que concerne às suas competências processuais exclusivas de, na seara policial, espedir notificações e compromissos, bem como o choque que houve quanto à interpretação que a doutrina passou a ter em relação à figura da "Autoridade Policial". Efetivamente, por meio de uma interpretação conjunta entre Constituição Federal e Código de Processo Penal, sempre se teve certo que "Autoridade Policial" era sinônimo de "Delegado de Polícia". Após a Lei nº9.099/95, todavia, isso mudou radicalmente de figura, ocasião em que qualquer policial, ainda que o praça mais razo da Polícia Militar, passou a ser compreendido, também, como "Autoridade Policial", porquanto lhe foi conferida competência, para a expedição de notificações e compromissos processuais.

Não obstante, referidos tópicos serão tratados no capítulo referente à crise contemporânea sofrida pelo Delegado de Polícia frente à Polícia Militar, a seguir, deixando-se para o presente capítulo preleção atinente a outra séria crise que a Lei nº 9.099/95 trouxe à atividade policial sob incumbência do Delegado de Polícia.

De efeito, pode-se conceituar mencionada crise como o "princípio da primeira impressão".

As problemáticas acima serão esclarecidas no desenvolver do presente capítulo.

Pois, bem, em 26 de setembro de 1995 entrava no cenário jurídico pátrio o então novel diploma legal acerca da criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais[51]. Posteriormente, já no ano de 2001, a disciplina em torno dos soft crimes foi renovada por meio do advento da Lei disciplinadora dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal[52].

A criação dos juizados especiais emanou de imperativo constitucional[53]. Especificamente no âmbito da Justiça Federal, a criação dos Juizados Especiais Criminais ocorreu com a Emenda Constitucional n.˚ 22, de 18.03.1999, a qual acrescentou um parágrafo ao art. 98 da Carta Magna, prevendo a criação de juizados especiais na esfera da Justiça Federal.

Surgiu, na circunferência dos soft cases abarcados pela sistemática dos juizados especiais, o que se pode denominar de "princípio da primeira impressão". Compulsa-se, frise-se, de princípio de índole nociva, enraizado na prática judiciária e decorrente de hermenêutica equivocada.

A legislação atinente aos juizados especiais cíveis e criminais, ao enfatizar os princípios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade, bem como a realização, sempre que possível, da conciliação ou da transação,[54] acabou promovendo falsa impressão aos órgãos estatais incumbidos de aplicá-la, conjuntura em que esses órgãos romperam em verdadeiro juízo falso, grande desacerto, lastimável engano e patente inexatidão na arte da exegese.

De fato, o hermeneuta, por meio de uma leitura apressada acerca do que dispõe o art. 69 da Lei 9.099/95,[55] fortificou a possibilidade permissiva de perpetuarem-se, como "autores" e como "vítimas" de determinado fato, aquelas partes que, de acordo com a "primeira impressão" surgida no registro de ocorrência policial, viu-se redigido pelo policial atendente em seu histórico.

A liberdade de se desprender dos rígidos fechos exegéticos é, sem dúvida, um postulado de que qualquer intérprete não gostaria de abrir mão. No plano jurídico, a segurança jurídica que postula um direito estável, de previsível certeza e de igualdade formal contrapõe-se, hoje mais do que nunca, com a intenção de justiça advinda das impressões do intérprete.

Em virtude disso, enalteceu-se em importância a margem de decisão pessoal do jurista. Para o direito livre, o direito legal tem tantas lacunas quanto palavras. Assim, pode-se dizer que é inadmissível confundir-se o direito com a lei. A fundamentação das decisões é arbitrariamente elaborada pelo pensamento do intérprete, em referência aos resultados obtidos através do seu sentimento jurídico. E justamente foram questões dessa natureza que ocasionaram afirmações como a de Zweigert no sentido de que o defeito da nossa teoria jurídica interpretativa reside especialmente em não termos ao nosso dispor uma hierarquização segura dos múltiplos critérios de interpretação.[56]

Conforme ministrou BONAVIDES, na existência do direito, a interpretação já não mais se volta para a vontade do legislador ou da lei, mas se entrega à vontade do intérprete ou do juiz, em um Estado que acaba deixando de ser de Direito clássico para se converter em Estado de Justiça (...).[57]

Dessarte, é o intérprete quem dará, a rigor, na aplicação da Lei, o sentido da norma, asseverando que ela quer dizer isso e não aquilo. Em outras palavras, será o intérprete que pronunciará, afinal, qual é a Lei aplicável ao caso concreto e o que ela quer, em verdade, dizer, ainda que uma interpretação rigorosamente literal pouco corresponda com a interpretação pessoal do exegeta.

Em decorrência disso, percebemos, no cenário jurídico pátrio, decisões aparentemente destoantes do que parece ser a vontade do legislador. Quer desejemos, ou não, será, na prática, o intérprete quem dirá a lei, não o legislador. Assim, dependemos, para uma sensata e razoável distribuição da justiça em nosso meio, do bom senso do aplicador da norma.

Essa liberdade do intérprete é instigada pela própria norma, senão vejamos:

Na Lei de Introdução ao Código Civil: "Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito."

No Código Civil Brasileiro: "Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins a que ela rege e às exigências do bem comum."

 Na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/95): "Art. 6º. O juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum."

Vale dizer, portanto, que temos, em termos práticos, uma ampla liberdade de interpretação por parte do julgador. Isso pode denotar que não há limites impostos a ele. Todavia, se nos acautelássemos em perceber que há distinção entre os vocábulos interpretação e hermenêutica, perceberíamos que não é tão vasta assim a liberdade de decidir conferida ao julgador. Efetivamente, interpretação não é sinônimo de hermenêutica. Hermenêutica é o complexo de técnicas e princípios voltados à produção do sentido, mas não de qualquer sentido, senão daquele que atenda aos fins maiores da interpretação. O hermeneuta não pode ignorar a realidade social, os valores que dão origem à atividade judicial e jurisdicional de maior justiça e solidez. Como disse FALCÂO, o intérprete não pode esquecer que determinadas normas, ainda quando válidas e vigentes são, às vezes, tão monstruosamente injustas e lesivas ao próprio sentimento de humanidade que se faz aconselhável interpretá-las atenuadamente, quando não seja pura e simplesmente o caso de as interpretar mais com base nos princípios (grifo meu) que na letra da lei expressa.[58]

Ao regulamentar o art. 98 da Constituição Federal, os arts. 1º. e 60 da Lei nº. 9.099/95, previram a criação, pelos Estados e pela União (no Distrito Federal), dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Ordinária (Justiça Comum Estadual e Justiça Comum do Distrito Federal). Com o advento da Emenda Constitucional n.º 22/99, acrescentou-se um parágrafo ao mencionado art. 98,  onde se determinou que a lei federal iria dispor sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Efetivamente, surgiu, como conseqüência a Lei nº. 10.259/2001, que no seu art. 27 estabeleceu que sua vigência seria de seis meses após a data de sua publicação. Referida formalidade ocorreu em 13 de julho de 2001. Levando-se, ainda, em conta o disposto no art. 8º., § 1º. da Lei Complementar nº. 95/98, a nova lei passou a ter vigência no dia 14 de janeiro do ano de 2002.

 Especificamente no que concerne aos Juizados Especiais Criminais têm eles competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos.

Foi em decorrência das falhas da organização judiciária no que concerne à sua lentidão e, conseqüentemente, à impunidade de infratores que sempre auferiam a extinção da punibilidade que se analisou a necessidade de reforma das leis processuais.

Era necessário um processo penal de melhor qualificação, cujos instrumentos fossem mais consonantes com a proteção dos direitos do cidadão. A implantação de um processo criminal com mecanismos céleres, simples e econômicos já não mais poderia tardar.

Era normal que, diante da criminalidade incandescente, as pequenas infrações acabavam por ficar relegadas a um segundo plano, dando-se preferência à resolução daquelas infrações de médio ou alto potencial ofensivo.

Dentro desse panorama, os Juizados Especiais surgiram trazendo como novidade um procedimento mais célere, despido de formalidades desnecessárias. É importante ressaltar que a celeridade que se almejou com o rito dos Juizados Especiais deveria exteriorizar-se com a entrega da prestação jurisdicional em alguns meses, inclusive com sentença definitiva. Todavia, essa finalidade não se vê em sua plenitude, pois de nada adianta a solução rápida em um primeiro grau, se o processo arrasta-se pelo segundo, como vem ocorrendo ordinariamente.

O critério de fixação da competência[59] dos Juizados Especiais concretiza-se em razão da natureza do delito, ou seja, "as infrações de menor potencial ofensivo", resultando na impossibilidade de julgamento no respectivo Juizado Especial Criminal de infrações de outra natureza, sob pena de nulidade absoluta.

  É importante salientar que aos Juizados Especiais [60] ou da Justiça Militar[61].

 Conforme Mirabete, é competência do Juizado Criminal a homologação da composição (arts. 73 e 74), o julgamento da transação (art. 76) e do processo sumaríssimo (art. 77), e a execução das penas de multa instituídas na transação e no julgamento (arts. 84 e 85), exceto, a priori, o procedimento executivo das sanções restantes (art. 86).

 Ã‰ conveniente aqui lembrarmos, também, do instituto da "despenalização", muito bem articulado nos arts. 72 e 74 da lei nº9.099/95, conjuntura em que, na ação penal de iniciativa privada ou de ação penal condicionada à representação da vítima, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação, ficando, assim, extinta a punibilidade do agente (art. 107, V, do Código Penal). Aliás, nota-se, na doutrina e legislações modernas, a tendência de se substituir a pena privativa de liberdade por outras sanções, tais como a multa e as restrições de direitos.

Pois, por meio dessas breves considerações, pode-se observar a relevância no cenário jurídico que comporta o novo sistema processual implementado em torno dos soft crimes. Muito bem articulado foi por Luiz Flávio Gomes, com a propriedade que lhe é sempre peculiar, a seguinte transmissão que nos frisou: "Muitas vítimas, que jamais conseguiram qualquer reparação no processo de conhecimento clássico, saem agora dos Juizados Criminais com indenização. Permitiu-se a aproximação entre o infrator e a vítima. O sistema de Administração de Justiça está gastando menos para a resolução desses conflitos menores. E atua com certa rapidez. Reduziu-se a freqüente prescrição nas infrações menores. As primeiras vantagens do novo sistema são facilmente constatáveis."[62]

Ainda, Luiz Guilherme Marinoni, explicita muito bem o espírito do legislador na elaboração de todo o conjunto de regras que perfazem a legislação aqui comentada: "a exigência de tornar a justiça acessível a todos é uma importante faceta de uma tendência que marcou os sistemas jurídicos mais modernos no nosso século, não apenas no mundo socialista, mas também no ocidental. Isso é evidenciado, mais claramente, pelas constituições ocidentais mais progressistas do século XIX, caracterizadas por seu esforço em integrar as liberdades individuais tradicionais - incluindo aquelas de natureza processual - com as garantias e direitos sociais, essencialmente destinados a tornar as primeiras a todos acessíveis e, por conseguinte, a assegurar uma real, e não meramente formal, igualdade perante a lei".[63]

Consta, no art. 69 da Lei nº 9.099/95, que a Autoridade Policial que tomar conhecimento da ocorrência deverá lavrar termo circunstanciado e o encaminhar imediatamente (grifo meu) ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Na seara prática da Polícia Judiciária, quando ocorre um delito de menor potencial ofensivo, várias são as possibilidades de instauração do procedimento devido.

De modo real, ou é o autor do fato que comparece para registrar ou é a vítima, ou são ambos, cumulativa ou alternadamente, podendo, ainda, comparecerem espontaneamente ou encaminhados, conjunta ou individualmente, pela Polícia Militar, v.g.

Problemática, à vista disso, existente e que acarreta graves aborrecimentos ao particular é o fato de que a administração, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, na arte de interpretar a norma, resolveu, provavelmente afeta ao advérbio "imediatamente" contido no art. 69 da Lei nº9.099/95, fazer valer para as partes e no trato dos soft cases o "princípio da primeira impressão". 

Com efeito, se dois sujeitos enveredam-se em contenda verbal, com trocas de ameaças, p. ex., aquele que primeiro comparecer à Delegacia de Polícia e registrar o fato ver-se-á caracterizado nos autos como "vítima", em prejuízo do seu algoz que passará a ser tratado nas mesmas laudas como "autor". Assim, aquele que primeiro comparecer ao Distrito Policial e narrar a sua versão terá o "princípio da impressão" voltado ao seu favor.

Efetivamente, é por meio da audiência a ser realizada futuramente, em juízo, que se perpetuará, ou não, a primeira impressão sacramentada nos autos policiais. Todavia, é-nos cediço que muitos daqueles que são chamados em juízo acabam, por medo advindo de sua falta de conhecimento jurídico, aceitando as transações oferecidas como meio de sobrestar o processo que, verdadeiramente, assusta-o. Um dos resultados disso advindo é que, impostas as condições, há o interstício de cinco anos onde aquele que foi, injusta ou justamente, apontado como autor deverá observá-las.

Como se não bastasse esse acontecimento, no âmago da Polícia Judiciária, ainda há a conhecidíssima folha de antecedentes policiais. Talvez aí é que esteja mesmo a maior das dores de cabeça daquela pessoa que viu o "princípio da primeira impressão" tornar-se visível em seu desfavor. Pois, figurando como autor dos autos originados por meio da ocorrência policial registrada pela sua persona non grata, há, automaticamente, a inserção do seu nome nos sistemas informatizados da Polícia Civil como autor de determinada infração penal. E só será elidida referida inserção de dados, se, dissolvida a sua demanda perante o Estado-juiz, compareça novamente à Delegacia de Polícia, agora tendo em suas mãos a pertinente certidão firmada pelo Poder Judiciário, e requeira, então, a justa elisão que lhe é de direito.

Irrefutável é-nos que a sistemática existente encontra-se falha, em franqueado prejuízo ao cidadão. O fato de que a norma exige celeridade na remessa imediata do procedimento (Termo Circunstanciado) a juízo não significa que ele deve ser remetido nos moldes de como vem sendo feito ordinariamente. A celeridade deve permanecer, a forma não. Com efeito, caso não mantida a celeridade, perderia toda a legislação referente às infrações mínimas o seu sentido. Não obstante, é imperioso não se olvidar da necessidade de refazer-se a sistemática administrativa de apuração célere dessas brandas infrações, sob pena de, ao contrário, continuarem-se a cometer injustiças injustificáveis.

Pode-se dizer, por certo, que a inserção de dados pejorativos no sistema informatizado da Polícia Civil, apontando determinado sujeito como autor de determinadas infrações, configura-se apenas uma menção de cunho informativo e nenhum vínculo possui com a inserção do nome dessa mesma pessoa no rol dos culpados, caso condenada fosse. Ocorre, entretanto, que os prejuízos causados ao particular diante de mencionada inserção administrativa são manifestos. Quem não sabe, pois, que é corriqueiro empresas privadas exigirem a "folha de antecedentes policiais" do cidadão que procura e almeja determinado emprego? E em concursos para as carreiras militares, então, não é habitual narrada exigência? Logo, portanto, é isso tudo e ainda mais o fato de que, para a eliminação da prejudicial referência no banco de dados, deve o próprio interessado, munido de certidão judicial, pleitear a elisão junto ao órgão policial competente, quando resolvida a questão no  campo judiciário.

É certo que a interpretação acerca do princípio da inocência [64] nada tem a ver com o equívoco aqui levantado e discutido. Não se trata, efetivamente, do assunto. Aliás, muito se tem avocado esse elemento do corpo orgânico de nossa Carta Magna para sustentar os mais variados interesses, inclusive, a inconstitucionalidade de prisões cautelares. Vicenzo Manzini refuta veementemente o aludido princípio, qualificando-o, aliás, como uma absurdidade, "una extravagancia derivada de los viejos conceptos, nacidos de los princípios de la Revolución francesa, por los que se llevan a los más exagerados e incoherentes [65]

 O que se pretendeu erigir, in casu, é a sistemática administrativa equivocada, laborada em todo o país, em torno do preparo dos apuratórios referentes às infrações de menor potencial ofensivo, onde se configura como autor aquele que resolveu não comunicar o fato à Polícia, ou que chegou em segundo lugar à Delegacia competente para se levar a efeito a referida comunicação.              

A Lei dos juizados especiais veio à tona, com o intuito de aplacar a crise do Judiciário, tornando mais célere a prestação jurisdicional.  Deveria a Lei nº 9.099/95, nesse diapasão, haver surgido como o marco de um novo tempo, mostrando-se uma esperança que, dentre outras, deveria lograr sucesso para o bem da sociedade, trazendo uma justiça mais acessível, digna [66] no sentido de que o direito deverá realizar a justiça como uma ordem que possa garantir a cada indivíduo o que é seu (grifo meu), isto é, o direito deve dar a cada um as possibilidades de realização pessoal em convivência, longe está de se ver realizado no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, onde, frente ao  "Princípio da Primeira Impressão", o sujeito, por mais inocente que seja, caso haja tardado em comparecer ao Distrito Policial, ao contrário do verdadeiro, porém ligeiro, autor do fato, terá agora de comparecer à audiência aprazada com o estigma de "autor de infração penal", bem como verá o seu nome, sumariamente, lançado no rol dos detentores de antecedentes policiais.

Como se vê, no intuito de procurar construir um sistema legal mais justo e de acordo com os anseios sociais, o legislador trouxe à tona norma que concedeu gênese aos Juizados Especiais Criminais. No entanto, no específico aspecto levantado neste discurso, acabaram os aplicadores da norma, no afã, na ânsia e no entusiasmo de aplicá-la imediatamente, envilecendo e desonrando o seu verdadeiro e legítimo sentido.

Se, por um lado, a norma traz o advérbio imediatamente, no art. 69 da Lei nº9.099/95,  isso não deveria significar ao hermeneuta que o procedimento deveria ser remetido a juízo de qualquer forma, como se fosse imperativo cogente seu apresentar-se em juízo sob a égide do nocivo "princípio da primeira impressão".

Por outro lado, é notório que retardar a remessa a juízo do procedimento especial (Termo Circunstanciado), a fim de se aferir o caso in concreto e perceber, de fato, quais seriam os reais "autores" e "vítimas" respectivas, não se mostra, nem de longe, o melhor remédio. Se assim fosse levado a efeito, um dos principais objetivos da Lei, a celeridade, estaria eivada de morte.

Como hipótese possível, surge a possibilidade de que, na elaboração dos procedimentos atinentes aos Juizados Especiais Criminais, não se cogite acerca de "autor" ou "vítima". De facto, tão-somente, basta a descrição circunstanciada do fato, como já fixa a Lei pertinente, com sua posterior e imediata remessa a juízo, onde "partes", e não indigitados "autor" e "vítima", compareceriam, então, à audiência aprazada.

Por derradeiro, nunca olvidemos da máxima, aplicável ao que se discorreu aqui, de que as decisões da Administração Pública, bem como aquelas atinentes ao Poder  Judiciário, devem laborar construtivamente em torno dos princípios e regras constitutivos do Direito vigente, de forma a dar curso e reforçar a crença na legalidade, na segurança jurídica, e no sentimento de justiça realizada, o que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto.[67]

2.2 A Crise Contemporânea do Delegado de Polícia frente ao Ministério Público

Hodiernamente, vivenciam-se estampadas "crises do Estado". Pode-se afirmar, diante disso, com cristalina serenidade, que um dos seus fatores é a expansão, sem precedentes, dos chamados "Poderes do Estado", mormente nos seus aspectos legislativo e administrativo.       

Em decorrência dessa conjuntura, tornou-se mais aguda e urgente a exigência do controle judiciário ante a atividade do Estado. Os embates judiciais deixaram de envolver apenas sujeitos privados e passaram a abarcar, também, os próprios órgãos estatais, em que pese a ínsita finalidade de promoção da pacificação social que, em conjugação de esforços e estreita junção de vontades, compete-lhes levar a efeito precipuamente.

Efetivamente, pouco resolveria atribuir-se tamanho acervo de relevância aos direitos da pessoa, por meio de uma sempre crescente expansão das chamadas "ramificações estatais", e, ao mesmo tempo, não se assegurar a real proteção da pessoa humana, ante o embate vivenciado entre as próprias "ramificações". Com propriedade, NORBERTO BOBBIO já afirmara que o grave problema de nosso tempo, com relação aos direitos da pessoa humana, não mais é o de fundamentá-los, mas sim o de protegê-los. [68]

No que diz respeito à problemática abarcada neste estudo, meritório é tornar inteligível o que se deve conceber, in casu, acerca do vocábulo "excentricidade".  Com efeito, quer-se denotar o aspecto de "desvio ou afastamento de um centro comum",[69] ou seja, quer-se ressaltar a carência de uma urgente e mais acertada harmonia, ou união operacional, entre os órgãos do Ministério Público e Polícia Judiciária.

Se o Estado é uma "Couraça Coercitiva da Sociedade Civil" (GRAMSCI apud CARNOY, 1994:98), essa armadura, no aspecto de proteção, deve ser impermeável a conflitos de ordem interna ou, ao menos, que eventuais oposições não degradem a imagem estatal perante a sociedade. Aliás, segundo Alba Zaluar (1999, p. 26-27):

Partes: 1, 2, 3


 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.