Considerações a respeito do conceito de justiça na antiguidade greco-romana



Partindo do pressuposto segundo o qual toda e qualquer discussão ética não pode estar alheia à noção Justiça, posto que, como preconiza Olinto Pegoraro[1]o viver eticamente seria viver conforme a Justiça, passei a me preocupar com o conceito de Justiça (questão árida e tormentosa, que suscita acalorados debates), na Antiguidade greco-romana, eis que tal visão revela a base sob a qual se assenta o nosso ordenamento jurídico atual.

É bem verdade que nossos manuais jurídicos tem alardeado, de forma mais ou menos constante e permanente a influência romana, sobretudo na esfera do direito privado (são inúmeras as referências ao Digesto de Justiniano), mas não se pode perder de vista, algumas considerações, como, em primeiro lugar, a de que o mundo romano passou a sofrer forte influência da cultura helênica, o que traria reflexos dessa cultura para o direito (que, para alguns autores contrapostos à teoria Kelseniana, como o argentino Carlos Cossio, seria fator eminentemente cultural), e, em menor escala, mais de forma não menos importante, de se ponderar que as próprias compilações gregas (ou pandektas) serviram como substrato para o chamado movimento pandektista alemão, que, como é cediço, inspirou Clóvis Bevilácqua na elaboração de nosso Código Civil atual.

Resta, portanto, que, a par da influência do chamado mundo romano sobre a nossa concepção do mundo jurídico (na qual estaria inserida a concepção de Justiça), existe grande e não muito percebida, influência helênica sobre o mesmo substrato.

Como um dos muitos exemplos que poderiam ser destacados desta não divulgada influência grega, poder-se-ia mencionar, com fundamento no texto sobre a democracia de Péricles, de autoria de Hélio Jaguaribe, v.g., a anterioridade da reforma de Sólon (constituído arconte único a partir de 594 a. C.), no que se refere à abolição a servidão por dívidas, em período anterior ao da congênere Lex Poethélia Papiria romana, apontada por nossos manuais como gênese do princípio da responsabilidade patrimonial em nosso direito.

E não se nega que a lei romana possa ter sido mais ampla, coibindo penas corporais, comuns àquela época, mas, inegavelmente, a reforma de Sólon, que a antecedeu, não pode ser afastada como marco na formação de uma responsabilidade patrimonial dissociada da responsabilidade corporal (princípio, aliás, que norteia nosso ordenamento, desde há muito)..

Ainda dentro do direito privado pátrio, indubitável a origem grega de certos institutos como os referentes à enfiteuse (surgido da necessidade de exploração por particulares de terras distantes dos centros urbanos da época) e do contrato sinalagmático.

Do mesmo modo, ainda com lastro na mesma fonte, obviamente com as devidas proporções, já na seara do direito público, encontraremos o instituto da graphé paranomóm, da época de Péricles ( meados do século V a. C.), destinado a garantir a denunciabilidade da contrariedade de uma lei à Constituição (acepção mais ampla do que nossa atual ação declaratória de inconstitucionalidade, eis que a noção de Constituição na Pólis era diversa na nossa concepção atual de Constituição), o que poderia ser analisado como um embrião de nosso arcabouço protetivo das liberdades públicas.

E, ainda no plano do que se poderia aduzir um direito internacional latente (e é flagrante e candente a discussão a respeito da possibilidade, ou não, de um verdadeiro direito internacional antes da "Paz de Westphalia", movimento que culminou na elaboração do conceito moderno de Estado Soberano, atualmente em reelaboração), de se mencionar o instituto da proxenia, destacado pelo eminente Celso Lafer (em texto sobre as noções de Medida e Desmedida na Democracia grega ), que nos daria a concepção da existência de um cargo diplomático na Antiguidade grega, nas relações entre os cidadãos das diversas póleis.

Tais exemplos demonstram que, se a influência do ordenamento jurídico grego sobre o nosso direito não foi tão pujante quanto a influência romana, também não poderá ser simplesmente afastada ou desconsiderada de nossos manuais, como vem sendo feito ( e na Antiguidade, de um modo geral, a forma de se alcançar a Justiça se daria pelo direito enquanto instrumental, embora o jurisconsulto romano Paulus já asseverasse, no próprio Digesto – D L 17, 144, 1 – que as noções de Lei e Justiça não coincidiriam necessariamente ).

Desta forma, sob tal perspectiva, entendo relevante uma análise da concepção de Justiça destes dois mundos, para que se possa, através da análise de alguns fatores extrajurídicos, tentar conhecer o significado desta postura ética, que serviu de fundamento ao nosso ordenamento jurídico.

Numa primeira constatação, convém que se observe que, se existiram inúmeras diferenças entre os modelos helênico e romano de compreender os fenômenos do direito e da Justiça, é importante destacar, desde logo, algumas semelhanças, sobretudo no que se refere ao aspecto místico de que o tema se revestiu ( reitere-se, ao menos num primeiro momento ).

E este misticismo de que se revestiram aquelas culturas, no que se refere às questões de Justiça, poderia explicar porque, modernamente, vários cientistas do direito, como José Eduardo Faria, Shelma Lombardi de Kato e Fernando Ruivo, identificaramm e ressaltaram a importância do caráter onírico do direito ( o processo se articularia de modo a causar sensações no inconsciente coletivo e no imaginário individual de cada jurisdicionado, até como forma de buscar sua legitimação ), que estaria presente desde a indumentária dos operadores, até a utilização de um palavreado próprio, rebuscado, com o papel de infundir certa respeitabilidade naquele que não seja operador, ou seja, na generalidade dos destinatários, que disporiam de uma visão externa do direito.


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