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Críticas ao modelo de arbitragem no Brasil(página 2)


Dentro desta ótica, e partindo da célebre tríplice distinção doutrinária em razão da qual a jurisdição seria poder, função e atividade, sendo em seu facetado aspecto de poder um reflexo dessa soberania do Estado, de se tomar extremo cuidado com tentativas de flexibilização de seu conceito posto que, verificando-se a sua atomização, com criação de ordens judiciárias paralelas, será cada vez mais difícil conferir efetividade aos direitos fundamentais dos cidadãos (cláusulas pétreas dentro do estabelecido pela norma contida no artigo 60, § 4º, inciso IV da Carta Política de 05.10.1988).

E não se pretende negar o aspecto ideológico da questão, posto que, como firmado linhas atrás, o objeto do presente texto é lançar uma discussão crítica a respeito do modelo de arbitragem que, embora tecnicamente até possa ter seus méritos, numa abordagem mais reflexiva e menos imediatista, terá sérios e profundos reflexos negativos sobre nossa ordem jurídica.

De nada adianta, portanto, um instituto que deixe à margem um grande número de cidadãos, implicando numa distribuição de Justiça célere para alguns privilegiados, e, a partir do momento que a crise do Poder Judiciário deixar de tornar um problema para os grandes conglomerados econômicos, que dispõem de grande influência junto aos Poderes Executivo e Legislativo, obviamente não mais ocorrerão, com a mesma intensidade verificada atualmente (intensidade insuficiente como já fartamente alardeado pelos meios de comunicação de massa, os mass media), investimentos necessários ao Judiciário convencional, repetindo-se o fenômeno já vivenciado por outros setores estratégicos do governo (não são desconhecidos o sucateamento da escola pública, da previdência pública, da segurança pública, da saúde pública, com sua transferência para uma ordem de escolas particulares, planos de saúde, segurança e previdência privadas, etc).

Muitos até poderiam entender que tratar-se-ia de sinal dos tempos, de um processo inexorável, mas não se pode esquecer que, embora para o governo de matiz axiológica neoliberal possa parecer sedutora a tese de resolução do problema do Poder Judiciário a custo zero, ou seja, favorecendo a criação de uma ordem jurisdicional particular e paralela, que interessará a uma minoria, estará deixando de atentar para a missão constitucional do Poder Judiciário, expressamente assegurada no mister da garantia de análise de lesões e ameaças de lesões aos direitos das pessoas residentes e domiciliadas no Brasil.

Não se pode, simplesmente, ignorar a cidadania, inclusive dos excluídos, posto que não vivemos num regime de matiz escravocrata, mas, ao contrário, vivemos num Estado Democrático de Direito, o que nos leva a uma nova reflexão a respeito da própria noção de cidadania.

Nestes termos, pondera-se que a expressão "cidadania", derivada da expressão latina civitas, corrente na Roma Antiga, designa, originariamente, uma versão anterior da expressão nacionalidade (é, aliás, bastante controversa, a existência de um direito internacional em Roma, posto que, segundo copiosa doutrina, somente se poderia vir a falar em Estados Nacionais, séculos após, com o advento da chamada "Paz de Westphalia").

Mas, originariamente, o termo cidadania se fazia acompanhar desta carga internacionalista, eis que se aproximava da noção de nacionalidade, aplicando-se, originariamente aos cidadãos romanos, membros do patriciato, embora, paulatinamente, com o decorrer do tempo, passou a se estender aos outros povos ( mais propriamente, com a extensão da influência do jus gentium em relação ao jus civilis ou direito quiritário).

Sobre o tema, aliás, interessante a opinião de Sílvio de Macedo, num dos verbetes da Enciclopédia Saraiva do Direito, para quem cidadania seria: "conceito análogo ao de nacionalidade, no direito constitucional e no direito internacional público e privado".

Aliás, o não menos eminente internacionalista Haroldo Valladão, traça um interessante ensaio histórico da utilização das expressões naturalidade e cidadania, em nosso direito pátrio, e, mesmo antes, no direito reinícola português (as Ordenações Filipinas já se utilizavam das expressões como sinônimas, gerando certa celeuma conceitual).

Mas, se num primeiro momento, tal confusão até poderia ter ocorrido, fruto de má técnica legislativa, ou, até mesmo, por não se haver evoluído a ciência constitucional da época, o fato é que, modernamente, autores renomados como Maria Helena Diniz, acabam por optar, mesmo na seara jurídica, pela utilização da expressão cidadania, na sua acepção emprestada da ciência política, por melhor abranger a idéia que se busca representar com o termo.

Não é por outra razão, que a douta civilista, em seu Dicionário Jurídico, já dedica um verbete ao assunto, definindo-a do seguinte modo: "Ciência Política. Qualidade ou estado de cidadão; vínculo político que gera para o nacional deveres e direitos políticos, uma vez que o liga ao Estado. É qualidade de cidadão relativa ao exercício de prerrogativas políticas outorgadas pela Constituição de um Estado Democrático".

Observa-se, portanto, que, mesmo autores mais modernos, e adotando a acepção derivada da ciência política, apontam no sentido de que o vínculo de cidadania decorreria de uma ligação de um cidadão nacional para com um Estado.

Num primeiro momento, e em confronto com tudo quanto exposto nos itens anteriores, pondera-se que a atual Carta Política brasileira, de 05.10.1.988, com suas emendas, estendem várias destas garantias, não só aos cidadãos nacionais, mas a pessoas residentes e domiciliadas no país (ainda que não nacionais).

Daí resulta a primeira grande dificuldade do tema, concernente na aferição da garantia formal do Estado brasileiro, organizado nos termos preconizados pelo legislador constituinte como um Estado democrático de direito, garantindo direitos e garantias individuais não só a seus cidadãos (pessoas a quem se confere o atributo de cidadania), como também, por extensão analógica, a todos aqueles que se encontram domiciliados em território nacional (artigo 5° da Constituição Federal ).

Com efeito, a cidadania implicaria, então, num feixe de direitos (e, portanto, de prerrogativas) típicos da condição de cidadão, numa acepção ampla (lato sensu), posto que, conforme é cediço, dentro de uma lógica rigorosa do ordenamento jurídico, cidadão seria somente o eleitor, ou pessoa dotada de poderes políticos, enquanto que nossa ordem constitucional vigente foi mais além, estendendo a proteção a pessoas residentes e domiciliadas no país.

Para a delimitação da cidadania, destarte, devemo-nos ater não só a este aspecto lógico-formal, vez que seria contrasenso acreditar-se que somente os eleitores estariam protegidos pelo texto constitucional.

Ao contrário, tem-se que não só o legislador pretendeu incluir os eleitores, mas também todo e qualquer brasileiro, eleitor ou não, como ainda, por analogia e extensão, todas as pessoas residentes e domiciliadas no território nacional (ao menos é o que se permite defluir da norma contida no artigo 5°, "caput" da nossa atual Carta Política, ao traçar o rol dos direitos e garantias fundamentais, prerrogativas típicas da cidadania).

E, se o constituinte assim deliberou, o foi em razão do fato de se pretender excluir toda e qualquer inclinação totalitária ou arbitrária que o governo da então chamada "Nova República", pudesse vir a ter.

Aliás, como assinala o eminente Celso Lafer, tecendo comentários sobre a obra de Hannah Arendt, uma das marcas predominantes de um governo totalitário, que, inclusive, o diferenciaria de um governo arbitrário, seria a redução dos limites de proteção aos direitos e garantias individuais, chegando, inclusive, a cometer uma das piores formas de abuso contra a dignidade da pessoa humana, que vai muito além da perda de sua cidadania, que seria a perda da sua nacionalidade, não mais se submetendo o indivíduo a qualquer regime político formal, dos países nacionais, ficando à margem do ordenamento jurídico e, portanto, da sua proteção.

Justamente com essa preocupação, se buscou, na redação de nossa Carta Política, atentar para tal circunstância, estendendo-se a proteção do ordenamento jurídico, sobretudo, das conhecidas liberdades públicas (direitos e garantias fundamentais), corolário do arcabouço protetivo da cidadania (até porque, sob uma ótica formal, nosso Estado se organiza sob a forma de um Estado Democrático de Direito ).

Deste modo, portanto, percebe-se que o conceito tradicional de cidadania, que se adota da ciência política, não esgota o feixe de pessoas abrangidas pela proteção que nosso texto constitucional pretende conferir à dignidade da pessoa humana, seja nacional ou estrangeira, o que impediria a caracterização de um regime totalitário de governo no nosso País.

E isso desde que, obviamente, o texto constitucional não padeça do vício da falta de efetividade, o que seria outro problema, a ser enfrentado, e, nesse aspecto, peço vênia para retornar à questão da arbitragem posto que, como é cediço, ao se possibilitar a formação de uma ordem jurisdicional privada e paralela, haverá flagrante violação desses postulados.

Mas, reitera-se, que o presente texto, com linha ideológica expressamente ressaltada, não pretende discutir apenas e tão somente aspectos técnicos da questão (a existência de votos divergentes, que foram vencidos, indica que alguns dos argumentos não são frágeis, mas, ao contrário convincentes), mas, ao contrário, buscar uma análise crítica do instituto, servindo de alerta para novas reflexões a respeito do tema, buscando encontrar soluções para alguns problemas que serão gerados.

Com a possibilidade de reconhecimento de um árbitro privado, equiparado a Juiz de Direito (artigo 18 das Lei nº 9.307/96), com amplos poderes decisórios (prolata sentenças nos termos do retromencionado artigo), ao menos em relação ao mérito da questão, inclusive com total supressão do duplo de jurisdição (pela parte final do aludido dispositivo a "sentença" não ficará sujeita a recurso), o legislador parece ter se esquecido da existência de prerrogativas constitucionais básicas.

Veja-se, por exemplo, o disposto no artigo 5º, inciso LIV da Magna Carta, que estabelece que aos litigantes serão sempre assegurados o contraditório e ampla defesa, bem como os meios e recursos a ela inerentes.

Ora, a ampla defesa pressupõe o acesso a recursos (o texto constitucional é claro a esse respeito), que, no caso, estão sendo negados pela legislação pátria a respeito do tema.

Do mesmo modo, o inciso XXXV do mesmo artigo 5º da Magna Carta, estabelece que a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão, de modo que norma infraconstitucional, de forma alguma, poderia impedir o acesso ao Poder Judiciário, mas, no entanto, tal não foi o pensamento do legislador pátrio, que obstou tal acesso, limitando a atuação do Poder Judiciário, aos termos do artigo 7º da lei em estudo, quando o Juiz deverá atuar apenas para conduzir a parte resistente, que tenha firmado cláusula compromissória, à instituição da arbitragem.

É bem verdade que, em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica não muito divulgada e difundida nos meios judiciais, a despeito de sua magnitude, reconheceu, por maioria de votos (e não pela totalidade) que a Lei nº 9.307/96 seria constitucional, a despeito das falhas apontadas (e isso sem que se adentre ao âmbito de outras questões, como as referentes ao tribunal de exceção – proibido de forma expressa pelo artigo 5º, inciso XXXVII CF – e à publicidade dos atos processuais – assegurada pelo artigo 5º LX CF – e afrontadas pela lei).

A par disso, convém que se mencione que a lei nova não resolveu um problema já contido no artigo 301 do Código de Processo Civil, notadamente no que se refere ao seu § 4º, que já excluía o caráter de ordem pública do então compromisso arbitral, evitando-se que o Juiz conhecesse de ofício de tal matéria (o que seria, no mínimo, exótico, posto que, conforme é cediço, reconhecendo-se a eficácia do compromisso ter-se-ia uma verdadeira negativa de jurisdição do Magistrado).

Tal fato, aliás, não elide a possibilidade de utilização do Poder Judiciário, de forma maliciosa, ingressando-se em Juízo, e verificando-se, v.g., se ocorreria revelia ou defesa insuficiente (quando poderia vir a ser beneficiada), para, caso contrário, antes de proferida a sentença (cuida-se de matéria a ser apreciada pelo Juiz antes de analisar o mérito, nos termos do inciso IX do aludido artigo), efetuar alegação de existência do compromisso arbitral, evitando uma sucumbência quanto ao mérito (caso em que, obviamente, não se eximiria, no mínimo, de uma punição pela litigância de má-fé, nos termos da norma contida no artigo 17, incisos III e IV do Código de Processo Civil).

Mas, mesmo com a punição pelo comportamento pouco ético, poderia a parte ter se beneficiado do dispositivo, por exemplo, se tivesse ocorrido uma revelia, ou se a defesa técnica tivesse sido insuficiente a ponto de não haver atentado para a negativa de jurisdição possível – em distorção que não veio a ser corrigida pela lei de arbitragem (lei nº 9.307/96).

Bastaria que o legislador não adotasse uma postura dúbia, e já que entendeu que devia efetivar a reedição do instituto (que, aliás, malgrado a ênfase de certos segmentos da mídia, não é nenhuma novidade, mas representa uma involução em termos históricos, retornando-se ao sistema da ordo judiciorum privatorum do direito quiritário romano, posteriormente superada pelo sistema da cognitio extra ordinem, modelo básico dos Judiciários ocidentais) que conferisse ao Magistrado o poder de analisar a questão de ofício, revogando de forma expressa tal consectário.

Aliás, a própria existência do consectário já demonstrava a preocupação do legislador anterior com a questão do acesso ao Poder Judiciário, mas esta, claramente, não foi a orientação do legislador da lei atual, diante de tudo quanto já se expôs.

A par de tudo isso, acresça ainda o fato de que a lei adota uma postura dúbia a respeito da figura do árbitro, posto que, tal como mencionado acima, a lei equiparou-o a Juiz de Direito (artigo 18), conferindo-lhe amplos poderes instrutórios (artigo 22), atribuindo-lhe o poder de prolatar sentenças, inclusive em atendimento ao seu livre convencimento (artigo 21, § 2º), atribuindo a possibilidade de formação de coisa julgada a tais decisões (artigo 31).

E deve ser destacado que o único fundamento político da existência de um terceiro com função de julgar é, justamente, sua imparcialidade, o que deve é obtido através de uma fundamentação (com tal fundamentação permite-se conhecer o raciocínio lógico e coerente que levou à prolação da decisão, restringindo-se sobremaneira as possibilidades de arbítrio e corrupção).

Mas, mesmo a par de pretender conferir ao árbitro tais prerrogativas institucionais, a todo momento se refere o legislador à necessidade de utilização do Poder Judiciário para conferir-se efetividade ao texto legal, como se observa, v.g., no artigo 7º e seus consectários e no artigo 22, §§ 2º e 4º.

Ora, se o árbitro é Juiz de Direito, revestido de inúmeras prerrogativas de Magistrado, porque a postura dúbia de se prever a necessidade do mesmo recorrer ao Poder Judiciário tradicional para a imposição de seus atos e deliberações? O escopo da lei, a priori não teria sido o de promover a agilidade de julgamento, sem necessidade de se acionar um moroso e complexo Poder Judiciário?

Para a resposta a tais indagações, parece claro que não se pode esquecer das considerações acima a respeito da necessidade de enfraquecimento do Poder Judiciário nacional para atender interesses de organismos financeiros internacionais, organismos esses não contentes com a existência de Constituições resguardando a dignidade humana em detrimento do capital nos chamados países emergentes (daí falar-se tanto em necessidade de reformas constitucionais para facilitar a circulação de riquezas em tempos de globalização).

Pondera-se, ainda, o cuidado que se deve ter com o tema, sobretudo porque existem normas como a contida no artigo 2º e seus consectários da lei de arbitragem, que permitem a fixação de um julgamento por equidade, ou a escolha das regras de direito a serem aplicadas, inclusive, com adoção de regras internacionais de comércio, aspectos que revelam o aspecto puramente econômico que serviu de propulsor da edição da lei.

Ora, não é preciso que se perca muito tempo na explanação de que a adoção de regras de comércio internacional somente poderá vir a beneficiar os grandes conglomerados internacionais, em detrimento dos pequenos contratantes nacionais, os quais muitas vezes, por pressões de ordem econômica, serão obrigados a aderir a contratos que contenham em seu bojo cláusulas compromissórias.

Seria muito difícil a uma pequena empresa nacional, como por exemplo, uma padaria, contratar um grande escritório de advocacia, com profissionais especializados em usos e costumes internacionais para enfrentar uma grande empresa mutinacional que rotineiramente dispõe de grupos de escritórios de grandes internacionalistas, especializados neste tipo de pendências, como por exemplo, as grandes companhias produtoras de refrigerante, que, muitas vezes, através de suas distribuidoras, em virtude de seu nome no mercado, já impõem as vendas casadas de seus produtos, e não terão maiores obstáculos em impor cláusulas compromissórias prevalecendo-se de seu poder econômico.

Acabou-se, portanto, por legitimar o darwinismo econômico na ordem jurídica pátria, malgrado a liberdade pública, reitere-se ad nauseam, verdadeira cláusula pétrea, prever a possibilidade de apreciação da questão pelo Poder Judiciário, e, de acordo com as regras legais atinentes (apenas por exceção os Magistrados brasileiros poderão se valer da equidade, nos termos estabelecidos no artigo 127 do Código de Processo Civil, ao contrário do que ocorreria, aliás, em outros sistemas jurídicos como o da common law).

E não se desconhece a argumentação dos defensores da arbitragem no sentido de que a legislação vedaria a imposição da arbitragem, ao menos no que tange às relações de consumo.

Mas cuida-se de proteção pífia, aparente, sem maior efetividade, posto que, em primeiro lugar, e sobretudo entre empresas, se torna difícil caracterizar uma relação como sendo de consumo, e, portanto, de acordo com as regras previstas pela Lei nº 8.078/90.

Sobre o tema já se manifestou a jurista Cláudia Lima Marques, afastando a incidência da legislação protetiva do consumidor ( Lei nº 8.078/90 ) da esfera dos contratos de empréstimo bancário, como se observa pela transcrição do seguinte trecho de sua obra:

Resta saber se o consumidor é o co-contratante no contrato em exame. Já observamos que a característica maior do consumidor é ser o destinatário final do serviço, é utilizar o serviço para si próprio. Nesse sentido, é fácil caracterizar o consumidor como destinatário final de todos os contratos de depósito, de poupança, e de investimentos que firmar com bancos. A dificuldade está na caracterização do consumidor, nos contratos de empréstimo, onde há uma obrigação de dar, de fornecer o dinheiro, que é bem juridicamente consumível. Nestes casos, a pessoa é destinatária final fática, mas pode não ser a destinatária final econômica ..... Neste sentido, podemos concluir que os contratos entre o Banco e os profissionais, nos quais os serviços prestados pelos Bancos estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais ) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais ), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a vulnerabilidade do contratante e sua situação equiparável ao do consumidor stricto sensu, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais. Para caracterizar estes contratos como contratos de consumo ou não o fator decisivo não é a existência de uma lei especial ( por exemplo, Lei do Mercado de Capitais ), que regule o contrato bancário, decisiva é a presença de um consumidor ou de um profissional-vulnerável, que possa também ser equiparado ao consumidor, em matéria de proteção contratual.

E para que não se alegue que estar-se-ia destacando-se posições isoladas, ainda de se destacar, sobre o tema, a lição de Toshio Mukai, para quem:

Observe-se, por outro lado, que, entretanto, a pessoa jurídica só considerada consumidor, pela Lei, quando adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatário final, não assim, quando o faça na condição de empresário de bens e serviços com a finalidade de intermediação ou mesmo como insumos ou matérias-primas para a transformação ou aperfeiçoamento com fins lucrativos (com o fim de integrá-los em processo de produção, transformação, comercialização ou prestação a terceiros).

Assim, uma primeira dificuldade já surgiria daí, posto que, nem sempre será possível caracterizar uma relação envolvendo um grande grupo econômico, como uma relação de consumo, e com isso não se poderia ensejar a aplicação da norma contida no artigo 4º da Lei nº 9.307/96, que, supostamente, resguardaria as relações de consumo em matéria de arbitragem.

Mas, mesmo que assim não fosse, o que se admite por mero amor à dialética, de se ponderar que o mesmo artigo 4º, mencionado acima, com seus consectários, não é apto à uma proteção efetiva do consumidor, a despeito de opiniões divergentes.

Tal ocorre porque, se o parágrafo primeiro deste artigo tivesse se limitado a permitir a arbitragem apenas quando a instituição quando partisse do consumidor, não permitindo que tal instituição figurasse em contrato de adesão, até que se poderia pensar numa proteção mais efetiva.

Contudo, esse não foi o entendimento do legislador pátrio, que, ao revés, previu a iniciativa do consumidor, mas inseriu a partícula "ou", possibilitando, expressamente, a instituição por contrato de adesão, mesmo quando a iniciativa da arbitragem não seja do consumidor.

E, de nada adianta o estabelecimento formal de uma garantia em favor do consumidor, no gênero de exigir-se que a arbitragem seja instituída de forma clara e destacada do texto de um contrato, posto que, do ponto de vista da efetividade, ou o consumidor aderirá para obter o produto, ou, se discordar, não realizará o contrato (a experiência bancária esta aí para que todos possam verificar como ocorre do ponto de vista empírico).

Pense-se, por exemplo, no caso de um grande banco que, para efetuar o refinancimento de uma dívida já vencida, com o devedor, imponha um contrato com uma cláusula de convenção de arbitragem, o fazendo de forma expressa e clara, com destaques e negrito para a cláusula, e através da qual se estabeleça que o árbitro seja o gerente de um outro banco, também associado à FEBRABAN, ou jurista que já tenha publicado teses justificando a cobrança de juros onzenários por instituições financeiras.

E, por mais que o consumidor saiba o que ocorre, não conseguirá obter a repactuação se não firmar a convenção, nada podendo fazer em relação ao árbitro, posto que, formalmente, não se encontram presentes quaisquer das hipóteses de impedimento ou suspeição que poderiam ser alegadas em face de um Juiz estatal (isso sem que se mencione que o critério de decisão pode ser, como já mencionado linhas atrás, o da equidade, ainda mais amplo, permitindo uma margem de discricionariedade cada vez maior, agravando-se a questão formulada).

Verifica-se, portanto, que o grande problema será o de que, admitindo-se a regularidade do estabelecimento da arbitragem nessas condições (e dificilmente se poderá impedir que isso ocorra), o Poder Judiciário não estará presente para corrigir distorções e limitar abusos, como, para que se permaneça com o mesmo exemplo, ocorreu na vasta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em matéria bancária, com várias súmulas limitadoras.

E não que os árbitros não venham a ser imparciais, como exige a lei que o sejam, mas corre-se o sério risco de que, em contratos de adesão, se escolham representantes de classes setoriais, ideologicamente comprometidos com o desfecho da lide, o que não se pode conceber, por razões óbvias.

Resta, portanto, saber-se se há necessidade de uma mera garantia formal da democracia, ou se urge o estabelecimento de mecanismos eficazes de garantia efetiva das liberdades públicas, posto que, se optar-se pela segunda proposta, a arbitragem parece colaborar para a inversão das prioridades na forma susomencionada.

BIBLIOGRAFIA:

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_______. A Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva. Brasil. 1996.

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SARAIVA, José Palmácio. Globalização e Justiça. São Paulo: Caderno de Doutrina da Tribuna da Magistratura. Brasil, 1997.

N.A. Cuida-se de fruto decorrente do avanço tecnológico, em que milhares de transações são feitas em velocidade muito rápida ( v.g., como ocorre na internet ), gerando, proporcionalmente, um grande número de demandas, sem que se verifique o investimento necessário em relação à infraestrutura judiciária, permitindo o acompanhamento.

Morin, Edgar – Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand, Brasil, 1.999.

Ferraz Jr., Tércio Sampaio – Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, Brasil, 1.988.

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N.A. Tal fato foi noticiado pelo Jornal "O Globo", na coluna "Opinião", assinada por Reginaldo de Castro, na edição de 14.07.2.000, p. 07.

Saraiva, José Palmácio – Globalização e Justiça, p. 144. São Paulo: Caderno de Doutrina da Tribuna da Magistratura, Brasil, 1.997.

N.A . Líder de uma das facções guerrilheiras de Serra Leoa, em conflito no qual se disputam a posse e exploração de vastas jazidas de diamantes, o que seria o fundamento da revolta ( o governo se dissolveu envolto em vastas denúncias de corrupção, tentando guerrilheiros e o exército obter o poder pela força ).

Grinover, Ada Pellegrini et alii – Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, Brasil, 1.989.

França, Rubens Limongi ( Coordenador ) – Enciclopédia Saraiva do Direito, Vol. 14: São Paulo: Saraiva, Brasil, 1.977.

op. cit., pp. 339/341

Diniz, Maria Helena - Dicionário Jurídico, V. 1. p.575. São Paulo: Saraiva, Brasil, 1.998.

Lafer, Celso – A reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, Brasil, 1.991.

N.A. E o que é mais grave, enquanto livre convencimento do Juiz é motivado, por força do disposto no texto constitucional ( artigo 93, inciso IX ) em norma recepcionada contida no artigo 131 do Código de Processo Civil, o legislador parece ter se tornado silente a respeito da necessidade de tal fundamentação, neste artigo, possibilitando a instauração de celeumas a respeito do assunto. No entanto, o artigo 26, inciso II da lei especial ( Lei nº 9.307/96 ) parece não deixar dúvidas a respeito da necessidade de fundamentação de tal decisão, malgrado a permissão expressa para que se decida por equidade. Assim, de se entender que o livre convencimento mencionado no artigo 21 deva ser entendido como livre convencimento motivado.

Marques, Cláudia Lima – Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, Brasil, 1.995.

Mukai, Toshio et alii –Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1.991 (p. 6).

N.A. Alguns asseveram que a Lei nº 8.078/90, o conhecido Código de Proteção e Defesa do Consumidor, seria uma alternativa a esses problemas, mas, parecem se esquecer que a Lei nº 9.307/96 é lei posterior e especial, o que suscitará acalorados debates a respeito da possibilidade de sua utilização em sede de direito do consumidor, sobretudo em virtude dos grandes interesses de grupos econômicos hegemônicos que pretendem, cada vez mais, exaurir a possibilidade de um Poder Judiciário independente e soberano.

N.A. Para responder a esta indagação basta que se verifique, por exemplo, como um país globalizado trata da questão. Nesse sentido, analise-se o teor da VII emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, que, de forma expressa, garante a todos, nas causas que excedam a vinte dólares, a resolução de pendências pelo Tribunal do Júri ( "trial by jury" ), não pensando a Suprema Corte, em momento algum, que a Constituição possa ser suplantada por lei ordinária.

Autor:

Júlio César Ballerini Silva

carolinaatbs[arroba]hotmail.com

MAGISTRADO E PROFESSOR DE GRADUAÇAO E PÓS-GRADUAÇAO DO CREUPI

MESTRE EM PROCESSO CIVIL PELA PUC-CAMPINAS, ESPECIALISTA EM DIREITO PRIVADO PELA USP



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