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Efeito do hidróxido de cálcio sobre o valor nutritivo da silagem de cana-de-açúcar (página 2)

Josiane Aparecida de Lima

 

Conforme WOOLFORD (1984), além do ácido lático, as leveduras utilizam os açúcares solúveis e produzem o etanol que não tem valor preservativo para a silagem e, como conseqüência, ocorrem perdas de matéria seca e de energia. FREITAS et al. (2004) observaram perdas de matéria seca de 31,09% e PEDROSO et al. (2004) de 29,2%. Estes autores associaram tais perdas ao alto teor de carboidratos solúveis da cana e a grande população de leveduras que realizam a fermentação alcoólica com alta produção de CO2.

A conversão dos açúcares solúveis e do ácido lático em etanol, além das perdas durante o processo fermentativo, leva à redução nos teores de carboidratos solúveis, de ácido lático e de ácido acético e, conseqüentemente, aumento na proporção dos constituintes da parede celular, reduzindo, assim, o valor nutritivo e o consumo da silagem de cana-de-açúcar. Vários estudos confirmam perdas elevadas na qualidade da silagem, o que resulta em menor desempenho dos animais quando comparada à cana-de-açúcar fresca (PRESTON et al., 1976; SILVESTRE et al., 1976; ALVAREZ et al., 1977).

Fica evidente que a ensilagem da cana-de-açúcar necessita de algum aditivo que possibilite controlar a fermentação alcoólica e reduzir as perdas no valor nutritivo. Neste sentido, a adição de hidróxido de cálcio (cal virgem micropulverizada) pode reduzir os constituintes da parede celular por hidrólise alcalina e contribuir para a preservação dos nutrientes, amenizando a perda do valor nutritivo da silagem. No entanto, essas suposições não possuem embasamento científico consolidado e necessitam de maiores esclarecimentos.

Diante do exposto, desenvolveu-se o presente estudo com o objetivo de avaliar a adição de níveis de hidróxido de cálcio sobre o valor nutritivo da silagem de cana-de-açúcar.

Material e métodos

O experimento foi conduzido no Instituto de Zootecnia em Nova Odessa, SP, com o objetivo de avaliar os seguintes tratamentos:

T1 – silagem de cana-de-açúcar + 0,25% de cal;

T2 – silagem de cana-de-açúcar + 0,50% de cal;

T3 – silagem de cana-de-açúcar + 0,75% de cal;

T4 – silagem de cana-de-açúcar + 1,0% de cal.

Todos os tratamentos foram suplementados com 1% de uréia (com base no peso verde da silagem) no momento do fornecimento das silagens aos animais.

O corte e a ensilagem da cana-de-açúcar, cultivar IAC 86-2480, foram realizados em outubro/2005, após 16 meses de crescimento da cultura. A cana foi picada, utilizando-se uma picadeira de forragem, modelo estacionário regulada para corte médio de 10 mm. A cal foi uniformemente misturada à cana-de-açúcar antes da ensilagem, sendo a quantidade calculada com base no peso verde e misturada à cana após ser diluída em 3,5 litros de água/100 kg de forragem. Como silos experimentais utilizaram-se barricas plásticas com capacidade para 150 kg que, após a ensilagem, compactação e vedação, permaneceram em local coberto, sob temperatura ambiente até o momento da abertura, que ocorreu aos 50 dias de fermentação.

Para determinação do consumo voluntário e da digestibilidade foram utilizados 20 ovinos (fêmeas) pertencentes a raça Santa Inês, em excelente estado de higidez, com peso médio inicial de 35 kg, idade aproximada de 08 meses. Os animais foram alojados em gaiolas individuais equipadas com cochos para volumoso e sal mineral, bebedouros e dispositivos para coleta separada de fezes.

O experimento constou de quinze dias de adaptação dos animais às gaiolas e às silagens e sete dias de coleta para avaliação do consumo e da digestibilidade aparente, conforme método clássico de coleta total de fezes. Durante todo o período experimental os animais receberam mistura mineral e água à vontade. Os ovinos foram pesados individualmente no primeiro e último dia de coleta para obtenção do peso médio.

Foram determinados os consumos voluntários e os coeficientes de digestibilidade aparente da matéria seca, proteína bruta, fibra em detergente neutro e fibra em detergente ácido.

Durante o período de coleta as silagens oferecidas e as sobras foram pesadas e amostradas e, antes do fornecimento diário das silagens, as fezes foram coletadas e pesadas sendo retirada uma amostra de, aproximadamente, 10% do total excretado.

As amostras das silagens oferecidas, das sobras e das fezes foram acondicionadas em sacos plásticos e permaneceram a –5°C até o final do experimento quando foram descongeladas à temperatura ambiente. As sobras, assim como as fezes, foram agrupadas, homogeneizadas, sendo retiradas amostras compostas por animal. As amostras do volumoso oferecido foram bem homogeneizadas e divididas em duas porções, sendo uma destinada às análises bromatológicas e a outra para extração do suco para determinação do valor do pH.

As amostras compostas das silagens oferecidas, das sobras e das fezes foram submetidas à pré-secagem em estufa de ventilação forçada a 55-60 °C até peso constante e moídas em moinho tipo Willey com peneira de 1 mm de diâmetro. A composição bromatológica quanto aos teores de matéria seca, proteína bruta, extrato etéreo, matéria mineral, cálcio e extrato não nitrogenado foram realizadas conforme AOAC (1990). A fibra em detergente neutro, fibra em detergente ácido, celulose, hemicelulose, lignina e o nitrogênio insolúvel em detergente ácido (NIDA) foram realizadas conforme GOERING eVAN SOEST (1970).

O delineamento experimental foi o de blocos casualizados com cinco repetições por tratamento, sendo os animais distribuídos nos blocos conforme o peso. Os dados foram submetidos à análise de variância e de regressão.

Resultados e discussão

Os valores médios referentes ao pH e a composição bromatológica das silagens são apresentados na Tabela 1 acompanhados de breve discussão dos principais efeitos.

Tabela 1 – Valores médios de pH, teores médios de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA), celulose, hemicelulose, lignina, nitrogênio insolúvel em detergente ácido (NIDA), extrato etéreo (EE), nutrientes digestíveis totais (NDT), extratos não-nitrogenados (ENN), matéria mineral (MM) e cálcio (Ca) das silagens de cana-de-açúcar enriquecida com hidróxido de cálcio

 

Níveis de cal (%)

 

Variáveis

0,25

0,50

0,75

1

Cana pura antes de ensilar

pH

3,3

3,7

3,8

3,9

-

MS (%)

24,4

23,5

22,4

24,0

29,0

PB (% na MS)

3,97

3,93

3,70

3,62

3,70

FDN (% na MS)

48,68

45,03

40,54

39,96

32,72

FDA (% na MS)

30,45

27,05

26,44

25,76

20,21

Celulose (% na MS)

25,88

23,30

22,89

22,05

17,27

Hemicelulose (% na MS)

18,23

17,98

14,10

14,20

12,51

Lignina (% na MS)

4,36

3,49

3,26

3,35

3,06

NIDA (% do N total)

16,71

17,65

6,37

5,69

-

EE (% na MS)

0,61

0,22

0,24

0,21

0,25

NDT (% na MS)

60,24

57,86

59,39

58,31

-

ENN (% na MS)

67,20

64,89

64,05

60,73

-

MM (% na MS)

4,50

5,45

6,56

7,40

2,22

Ca (g/kg)

6,80

11,30

15,60

19,40

1,00

As silagens apresentaram baixos teores de matéria seca, média de 23,6%. O fato de a cal ter sido diluída em água (3,5 L de água/100kg de forragem) pode ter contribuído para o baixo teor de matéria seca das silagens. Outro fator que pode ter exercido influência sobre esta variável refere-se à fermentação onde ocorre perda de carboidratos solúveis na forma de etanol e de gases, o que resulta, entre outros, na produção de água com conseqüente redução no teor de matéria seca.

Quanto aos teores de proteína, constata-se que a cal não afetou essa variável, sendo o valor médio (3,8%) semelhante ao observado na cana pura antes da ensilagem (3,7%).

A ação da cal promoveu pequeno acréscimo nos valores de pH, de 3,3 para 3,9, respectivamente nos níveis 0,25% e 1% de cal; porém, os valores estão dentro dos limites reportados na literatura para silagens de cana-de-açúcar (PEDROSO, 2003; JUNQUEIRA, 2006), e o aumento já era esperado em razão da natureza alcalina da cal. Entretanto, vale ressaltar que o pH isoladamente não pode ser considerado como critério seguro para avaliação da fermentação, pois seu efeito inibitório sobre os microrganismos depende da velocidade de declínio da concentração iônica, da capacidade tamponante da forragem e da umidade do meio.

No momento da abertura dos silos não foi constatado odor alcoólico nas silagens que continham 0,75% e 1% de cal. BALIEIRO et al. (2005) observaram que a adição de óxido de cálcio na cana picada para produção de silagem, além de reduzir os constituintes da parede celular, contribuiu para a preservação de nutrientes solúveis. Segundo os autores, provavelmente esse evento ocorreu pelo fato da cal inibir o desenvolvimento de leveduras, amenizando a perda de valor nutritivo durante a ensilagem e após a abertura do silo. Vale ressaltar que o etanol produzido durante a fermentação da cana-de-açúcar gera um elevado gasto energético e causa rejeição de consumo pelo animal, sendo que, conforme DURIX et al. (1991), aproximadamente 20% a 30% do etanol podem ser perdidos por volatilização

A produção de etanol em detrimento do valor nutritivo da silagem de cana é a principal dificuldade para ensilagem dessa gramínea. Conforme NUSSIO et al. (2003) o etanol produzido causa grande perda energética da forragem, onde cada molécula de glicose fermentada produz duas moléculas de etanol, duas moléculas de dióxido de carbono e duas de água. Essa é uma das razões pelas quais a silagem de cana-de-açúcar é considerada de baixa qualidade, causando redução no consumo voluntário, na conversão alimentar e no ganho de peso dos animais em comparação à utilização da cana fresca. KUNG JR e STANLEY (1982) também observaram redução na digestibilidade aparente dos nutrientes da silagem com o acréscimo da maturidade da cana-de-açúcar, em razão ao maior conteúdo de açúcares e, conseqüentemente, maior conversão a etanol. Essas considerações salientam o efeito positivo do uso da cal na ensilagem de cana-de-açúcar, pois conforme já mencionado, não se observou odor alcoólico nas silagens que continham os níveis mais elevados de cal.

Os teores de fibra em detergente neutro, fibra em detergente ácido, celulose, hemicelulose e lignina reduziram conforme houve acréscimo no nível de cal. Por outro lado, quando se comparam os valores dessas variáveis com os da forragem original observa-se aumento nestes constituintes e esse fato ocorre devido às perdas de carboidratos solúveis durante a fermentação, acarretando aumento proporcional nos constituintes da parede celular e, conseqüentemente, reduzindo o valor nutritivo da silagem. EVANGELISTA et al. (2003) observaram aumento de 20 unidades porcentuais no teor de fibra em detergente neutro da silagem de cana-de-açúcar com 50 dias de fermentação. Aumentos nos constituintes da parede celular em razão da fermentação também foram observados por KUNG JR. e STANLEY (1982), ALLI et al. (1983) e PEDROSO (2003), entre outros. PEDROSO et al. (2005) relatam aumentos nos teores de fibra em detergente neutro e de fibra em detergente ácido, os quais originalmente eram de 49,6% e 32,5% e atingiram valores de 72,9% e 45,8%, respectivamente. Comparando esses valores aos observados no presente estudo, constata-se o efeito benéfico da cal, indicando que o aumento nos constituintes fibrosos não foi tão expressivo como ocorreu no estudo de PEDROSO et al. (2005) que constatou aumento de 23,3 pontos porcentuais na fibra em detergente neutro e, no presente estudo, o aumento foi de apenas 7,24 pontos porcentuais (32,72% x 39,96%) no nível de 1% de cal e 15,96 pontos porcentuais (32,72% x 48,68%) no nível 0,25% de cal.

A redução da hemicelulose é comum em gramíneas tratadas com produtos alcalinos. Esse evento ocorre em razão da solubilização parcial que pode ser explicada pela ação degradadora dos álcalis sobre as ligações ésteres entre ácidos fenólicos e glicídios da parede celular. Vale ressaltar que esse evento expõe mais a hemicelulose e a celulose aos microrganismos ruminais, contribuindo para o aumento na digestibilidade. Durante o tratamento alcalino, parte da lignina e da sílica pode ser dissolvida (VAN SOEST, 1994), sendo assim, os maiores valores de lignina observados nas silagens com 0,25% e 0,50% de cal, quando comparados aos valores com 0,75% e 1% de cal, podem ser explicados devido ao menor efeito de hidrólise em razão da menor quantidade de cal adicionada à cana no momento da ensilagem.

O teor de nitrogênio insolúvel em detergente ácido (NIDA) também foi influenciado pela adição da cal, ocorrendo decréscimo de 66% quando o nível de cal foi elevado de 0,25% para 1%, ocorrendo uma maior disponibilização do nitrogênio.

A redução nos valores de nutrientes digestíveis totais pode ter sido decorrente da perda de nutrientes na forma de etanol e de gases e também pelo efluente durante o período de fermentação.

A redução na fração de extratos não nitrogenados possivelmente está relacionada à redução que ocorre no teor de carboidratos solúveis durante a fermentação, sendo estes transformados em gases e água, entre outros.

Os valores de matéria mineral elevaram-se de 2,2% (cana pura antes da ensilagem) para 7,40% (silagem aditivada com 1% de cal). ALCÂNTARA et al. (1989) obtiveram valores de matéria mineral em silagens de cana-de-açúcar de 4,6% (controle) e de 7,03% quando aditivada com hidróxido de sódio. Conforme PEDROSO et al. (2005), existe aumento no teor de matéria mineral em função do tempo de fermentação da silagem e as diferenças estão mais relacionadas às perdas gasosas e de conteúdo celular resultantes da fermentação. No presente estudo, o aumento observado, além das possíveis causas mencionadas, é resultante do efeito da cal, sendo que o cálcio contribuiu para elevar o teor de matéria mineral das silagens.

O teor de cálcio na silagem aumentou à medida que houve aumento nos níveis de cal em decorrência desta apresentar elevado teor de cálcio (69% CaO). A determinação do teor de cálcio é importante para ajustar a quantidade a ser adicionada à mistura mineral para atender às exigências dos animais, uma vez que elevados teores deste mineral podem alterar o balanceamento entre cálcio e fósforo da dieta.

Considerando as variáveis analisadas nas silagens, bem como as constatações visuais e organolépticas no momento da abertura dos silos, salienta-se que a cal reduz a fermentação alcoólica e melhora as características nutritivas da silagem da cana-de-açúcar.

Os consumos de matéria seca expressos em porcentagem do peso vivo (%PV) e por unidade de tamanho metabólico (g/UTM) são apresentados nas Figuras 1 e 2, respectivamente. Observou-se efeito linear crescente no consumo de matéria seca em porcentagem do peso vivo (P=0,08) e em g/UTM (P=0,09).

Figura 1 - Consumo de matéria seca (CMS), em porcentagem do peso vivo (%PV), de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Figura 2 – Consumo de matéria seca (CMS) por unidade de tamanho metabólico (UTM) de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Os animais que receberam as silagens de cana aditivadas com 0,25% de cal apresentaram consumo estimado médio de 1,99 % do peso vivo, enquanto para as silagens com 1% o consumo foi de 2,27% (Figura 1). EZEQUIEL et al. (2005) avaliando a hidrólise da cana-de-açúcar com hidróxido de sódio, em ensaio com bovinos, observaram consumo de matéria seca de 1,2% do peso vivo, valor semelhante ao verificado para a cana fresca, porém inferior ao valor observado no presente estudo em todos os níveis de cal. Esse fato ressalta o potencial satisfatório do efeito da cal na ensilagem em relação à cana-de-açúcar in natura. Cada nível de cal adicionado promoveu acréscimo no consumo estimado de matéria seca, elevando-o de 46,76 para 52,06 g/UTM (Figura 2), o que representa um aumento de 11,31% no consumo.

A utilização de aditivos na ensilagem da cana-de-açúcar é feita com o intuito de assegurar fermentação adequada e minimizar as perdas durante o processo; porém, as alterações que ocorrem durante a fermentação podem influenciar o consumo animal. O menor consumo observado para os animais que receberam silagem com os níveis mais baixos de cal pode ter ocorrido devido à maior concentração de constituintes da parede celular nas respectivas silagens (Tabela 1) e à menor digestibilidade dessa fração (Figuras 6 e 7). Alimentos que apresentam alta concentração de fibra em detergente neutro podem afetar o consumo, uma vez que a fibra, na maioria das vezes, apresenta menor taxa de trânsito ruminal, aumentando, dessa forma, a quantidade de forragem retida no rúmen. Logicamente, esse fato faz com que o animal manifeste a repleção ruminal. E, ainda, o maior consumo de matéria seca está associado primeiramente a um menor tempo gasto com ingestão e ruminação e, segundo YANG et al. (2001), o teor de fibra em detergente neutro é o primeiro fator que afeta estas atividades, uma vez que interfere diretamente na saúde e na função ruminal. Vale ressaltar que o padrão de aumento no consumo, bem como na digestibilidade das silagens (Figuras 3, 6 e 7), refletiu a redução na concentração dos constituintes da parede celular (Tabela 1) à medida que se elevaram os níveis de cal. Observa-se nas Figuras 4 e 5 que o consumo de fibra em detergente neutro e de fibra em detergente ácido foram menores para as silagens com os maiores níveis de cal. Nas Figuras 6 e 7 pode-se observar, também, que estas silagens apresentaram os maiores coeficientes de digestibilidade dos constituintes fibrosos. Evidentemente, infere-se que o aumento no consumo de matéria seca das silagens (Figuras 1 e 2) foi influenciado pelo menor consumo de fibra (Figuras 4 e 5) bem como pela maior digestibilidade (Figuras 6 e 7) desses componentes nas referidas silagens.

Outros fatores podem ter exercido influência no aumento da ingestão das silagens com níveis mais elevados de cal. Conforme já mencionado, à medida que se elevou o nível de cal junto à cana, não se observou odor alcoólico nas silagens, confirmando que a adição desta no momento da ensilagem possibilita a ocorrência de fermentação lática em detrimento da fermentação alcoólica, com conseqüente aumento no consumo da silagem. Ressalta-se, ainda, que tais silagens apresentaram excelente aparência e odor agradável, o que influenciou o aumento no consumo pelos animais.

Houve efeito linear crescente (P=0,07) dos níveis de cal sobre a digestibilidade aparente da matéria seca (Figura 3). Os aumentos na digestibilidade da matéria seca de volumosos tratados com produtos alcalinos, normalmente, estão relacionados ao aumento no consumo de matéria seca (Figuras 1 e 2), redução nos consumos de fibra em detergente neutro e de fibra em detergente ácido e aumento na digestibilidade destes constituintes (Figuras 4, 5, 6 e 7). Certamente este fato ocorreu em função da solubilização parcial dos constituintes da parede celular retratado pelos menores valores de fibra em detergente neutro e de fibra em detergente ácido, celulose e hemicelulose nas silagens com maiores níveis de cal (Tabela 1).

Figura 3 – Coeficiente de digestibilidade aparente da matéria seca (CDMS) de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Nas Figuras 4 e 5 observa-se o efeito linear positivo (P=0,008) da cal sobre o consumo de fibra em detergente neutro e de fibra em detergente ácido respectivamente, o que, certamente, está relacionado às menores concentrações desses componentes da parede celular a medida em que se elevaram os níveis de cal (Tabela 1). Nas Figuras 6 e 7 estão apresentados os respectivos coeficientes de digestibilidade da fibra em detergente neutro e da fibra em detergente ácido, onde se observa efeito linear crescente (P>0,32) dos níveis de cal sobre essas variáveis. O aumento na digestibilidade de materiais tratados com produtos alcalinos é relatado em vários estudos, entre eles PIRES (1999) e SARMENTO et al. (1999) e esse fato ocorre em razão da solubilização parcial da hemicelulose e da expansão da celulose, que facilita o ataque dos microrganismos aos constituintes da parede celular (VAN SOEST, 1994) acarretando aumento na digestibilidade e, conseqüentemente no consumo. Segundo JACKSON (1977), a celulose se expande quando tratada com produtos alcalinos, reduzindo, dessa forma, as ligações intermoleculares das pontes de hidrogênio, as quais ligam as moléculas de celulose.

De acordo com HERNANDEZ (1998), a fibra em detergente neutro da cana-de-açúcar é de baixa digestibilidade, em média 40 % e, portanto, a redução de seus teores implica em melhor qualidade do volumoso e, conseqüentemente, maior consumo e maior digestibilidade.

Figura 4 – Consumo de fibra em detergente neutro (CFDN) de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Figura 5 – Consumo de fibra em detergente ácido (CFDA) de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Figura 6 – Coeficiente de digestibilidade aparente da fibra em detergente neutro (CDFDN) de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Figura 7 - Coeficiente de digestibilidade aparente da fibra em detergente ácido (CDFDA) de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Houve efeito linear decrescente para o consumo (P>0,48) e para a digestibilidade aparente (P<0,05) da proteína bruta (Figuras 8 e 9, respectivamente). Possivelmente, os menores teores de proteína bruta das silagens aditivadas com os maiores níveis de cal (Tabela 1), seja uma explicação para o decréscimo no consumo desse nutriente. O maior valor de digestibilidade protéica (75%) foi obtido para a silagem de cana aditivada com 0,25% da cal, observando-se decréscimo de 4,5 unidades porcentuais quando o nível de cal foi de 1%. QUEIROZ (2001), ao estudar a degradabilidade ruminal da proteína bruta da cana in natura e submetida à hidrólise com hidróxido de sódio (NaOH) observou que houve apenas solubilização protéica, com valores médios de 63% para a cana in natura e 68% para a hidrolisada. Portanto, considera-se que, no presente estudo, possivelmente, a cal tenha exercido o mesmo efeito e, por essa razão, não foi constatado aumento na digestibilidade aparente da proteína bruta das silagens. Vale ressaltar que, embora tenha ocorrido decréscimo no coeficiente de digestibilidade protéica, os valores observados foram superiores aos de EZEQUIEL et al. (2005), que obtiveram digestibilidade 60,4%, para a silagem de cana hidrolizada com NaOH.

Figura 8 – Consumo de proteína bruta (CPB) de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Figura 9 - Coeficiente de digestibilidade aparente proteína bruta (CDPB) de silagens de cana-de-açúcar aditivadas com cal.

Conclusão

A adição de até 1% de cal à cana-de-açúcar no momento da ensilagem caracteriza-se como possível estratégia de manejo por apresentar redução nos constituintes da parede celular, elevação no consumo e nos coeficientes de digestibilidade, o que se traduz em característica desejável para a ensilagem dessa gramínea.

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Autores:

JOSIANE APARECIDA DE LIMA²

josiane[arroba]iz.sp.gov.br

EDUARDO ANTONIO DA CUNHA ²

EVALDO FERRARI JÚNIOR²

MAURO SARTORI BUENO²

FUMIKO OKAMOTO³

¹ Pesquisa financiada pela FAPESP

² Pesquisador Científico do Instituto de Zootecnia, Nova Odessa–SP, Rua Heitor Penteado, 56 – Nova Odessa – SP – CEP 13460-000, e-mail: josiane[arroba]iz.sp.gov.br

³ Pesquisadora Científica da Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Gália - SP



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