Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


Um estudo histórico sobre políticas de combate a hanseníase no Brasil (página 2)


O início da Idade Média representou um momento de grande importância para Igreja Católica Romana no ocidente, foi preciso formulações de seus dogmas, e no que se refere à questão da Lepra pode-se indicar duas intervenções de grande importância: O III Concílio de Latrão[3]em 1179 e o IV Concílio de Latrão em 1215.

O III Concílio de Latrão no que se refere à lepra indicava que o leproso deveria ser impedido de conviver com outras pessoas "saudáveis" como, por exemplo, de freqüentar a mesma igreja e, além disso, era proibido de ter o seu corpo enterrado em cemitérios "comuns". Desta maneira, o leproso deveria ser levado aos locais específicos para receber os cuidados de ordens religiosas e consequentemente era excluído da sociedade de forma geral.

Robert Moore[4]descreve em "La Formación de una Sociedad Represora" (1989), que a diferença entre normalidade e anormalidade se deu na oficialização da Igreja Católica Romana no século XIII. Neste instante, se iniciou a perseguição a todos os que não se enquadravam na lógica de normalidade segundo os padrões defendidos pela a Igreja.

Segundo Mooroe, desde os hereges, que se opunham às práticas cristãs, os doentes, vistos como aberrações, até os judeus, vistos como uma referência histórica da oposição às tradições cristãs, sofreram perseguições partir do IV Concílio de Latrão em 1215 onde foram definidas as concepções de normalidade segundo parâmetros religiosos, defendendo a segurança e liberdade de uns e exclusão a outros.

Verifica-se neste contexto, que os judeus e os hereges eram vistos como uma ameaça para Igreja, no sentido ideológico, e os leprosos, um perigo para o corpo. Desta maneira, ao se atribuir uma conotação de portadores de um castigo divino, gerava-se a legitimidade no propósito de exclusão dos doentes do convívio social através do temor de uma intervenção divina na sociedade.

Se na Idade Média, a lepra carregava o imaginário divinizado típico da sociedade medieval, no contexto moderno, com as transformações político – social, a sua posição também sofreu importantes mudanças sobretudo em um mundo que de forma mais genérica, iniciava um processo de industrialização e modificações das relações sociais.

A sociedade moderna baseada pela crença no progresso procurava evitar que concepções de fundo mítico ou religioso se fundissem aos saberes que a ciência passava a produzir. Desta maneira, as enfermidades de modo geral eram associadas com menor relevância à degradação moral do que a fatores que colocavam em risco o desenvolvimento econômico, e por isso precisavam ser combatidas.

Michel Foucault em sua obra "Vigiar e Punir" (1975) explica a origem e manifestação das estratégias disciplinadoras, dando como exemplo os processos adotados para combater as grandes epidemias que acompanharam a história ocidental: a lepra e a peste negra.

Para debelar a lepra, recorreu-se ao isolamento forçado, detenção dos infectados em leprosarias localizadas em sítios remotos. A cidade estava segura, expulsando o perigo. Quanto à peste negra, a resposta foi outra: a epidemia não se extinguia isolando os doentes, mas disciplinando a cidade, estabelecendo um sistema de controle rigoroso sobre os seus habitantes, os bens de consumo e as respectivas condições de salubridade. Ao exílio forçado do leproso e o esforço para controlar a peste correspondem a modos distintos de promover a segurança, a detenção e a prevenção, os quais possuem desígnios políticos distintos: a comunidade pura e a sociedade disciplinada.

As mudanças nas relações sociais, advindas com um novo meio de produção da sociedade moderna, protagonizaram ao indivíduo a necessidade de adaptação às concepções de produção do sistema fabril. Michel Foucault em diversas abordagens expõe o exercício do poder através de práticas disciplinadoras focando o corpo, neste sentido Foucault escreve assim:

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera somente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política. (FOUCAULT, 1986, p.80)

Portanto, as transformações sociais do sistema fabril acabaram desenvolvendo novas práticas do exercício do poder, atuando de forma disciplinadora, voltada para a normalização e adestramento através de um "gerenciamento" da vida, utilizando-se de instituições que percorrem a vida do indivíduo (a escola, a prisão, a fábrica, o hospital, etc.), e moldando o indivíduo com o objetivo de torná-lo apto à produção industrial. O poder instala-se na horizontalidade do sujeito individualizado, modelando seu corpo até a passividade.[5]

O desenvolvimento da ciência neste contexto não foi capaz de acabar com os temores e estigmas sobre a lepra, nem tão pouco, de forma mais geral, intervir na doença sem os mesmos preceitos da exclusão que se perpetuou ao doente durante séculos. Pode-se dizer, que o desenvolvimento científico trouxe aspectos que possibilitaram um controle maior da esfera que distinguia a sociedade produtiva e aqueles que viviam em suas margens. Como uma bolha invisível eliminava-se através de práticas legitimadas por desígnios políticos e sanitaristas, qualquer um que não se enquadrava socialmente na ótica da mão de obra ativa. O doente de lepra era uma clara referência de mão de obra inativa, portanto, afastado da sociedade.

Voltando ao final da Idade Média, Michel Foucault escreve em "História da Loucura" sobre a regressão nos índices dos casos de Lepra na Europa no século XV:

Em Stuttgart, o relatório de um magistrado indica em 1589 que há já 50 anos não há mais leprosos na casa que lhes é destinada. Em Lipplingen, o leprosário é logo povoado por incuráveis e loucos.

"Estranho desaparecimento, que sem dúvida não foi o efeito, longamente procurado, de obscuras práticas médicas, mas sim o resultado espontâneo desta segregação" (FOUCAULT, 1999, p.9)

Neste relato, verifica-se que o objetivo a ser alcançado era o fim da lepra, e não a cura dos portadores da doença.

Na sociedade produtiva moderna, a disciplina e seus dispositivos moldavam o pensamento tornando as práticas de exercício do poder indispensáveis para mesmo àquele que o receberia de forma mais intensa. O doente da lepra e outros que se enquadram na mesma categoria, em grande parte absorveram o subjugamento e assim aceitavam como uma única alternativa, ou mesmo um benefício, os tratamentos impostos pelo Estado.

Segundo Foucault, em Vigiar e Punir (1975), "A eficiência do poder não está em quem o exerce, mas em quem ele é exercido, quando eles se sujeitam à obediência". Esta frase representa bem o elemento fundamental deste capítulo, que é o exercício do poder pela força ideológica presente nos discursos do combate a Lepra. O indivíduo não via alternativa senão submeter-se ao tratamento compulsório, mesmo que tais práticas simbolizassem a sua morte social. A sociedade acreditava nos preceitos ideológicos do Estado, agindo de maneira vigilante e atuando como uma legitimadora das ações estatais.

A doença não era o perigo, mas o portador sim. Desta maneira, o discurso bem empreendido, inclusive pela força de que a doença deveria ter o seu próprio lugar, sendo isolada em muros e afastada das igrejas, mercados e praças, tornou-se um bem comum a todos em busca de uma sociedade pretensamente sadia. O doente deveria ser afastado, mas não somente com suas manchas esbranquiçadas ou suas deformações físicas provocadas pela doença, mas principalmente longe da terrível incapacidade de produzir e de atuar nos modos produtivos que mantém a sociedade moderna como ela é.

2- ORGANIZAR E COMBATER

2.1 O IDEAL SANITÁRIO

As transformações sociais ocorridas no Brasil, no período que antecede o período republicano, possuíam como base o apelo das elites intelectuais e outros membros influentes da esfera social à questão da modernização do Estado brasileiro. Segundo Nicolau Sevcenko (1998)

Estimuladas, sobretudo por um novo dinamismo no contexto da economia internacional, essas mudanças irão afetar desde a ordem e as hierarquias sociais até as noções de tempo e espaço das pessoas, seus modos de perceber os objetos ao seu redor, de reagir aos estímulos luminosos, a maneira de organizar suas afeições e de sentir a proximidade ou o alheamento de outros seres humanos. De fato, nunca em nenhum período anterior, tantas pessoas foram envolvidas de modo tão completo e tão rápido num processo dramático de transformação de seus hábitos cotidianos, suas convicções, seus modos de percepção e até seus reflexos instintivos. (SEVCENKO, 1998, p.7).

As mudanças nas relações de produção, advinda com a transição da mão-de-obra escrava para a assalariada no fim do século XIX, geraram uma série de modificações nas relações sociais, tendo em vista o modo de produção capitalista. É neste aspecto, que os problemas relacionados a possíveis entraves para o processo do fortalecimento da produção entraram na pauta de intervenção do Estado. As endemias, as epidemias e toda doença relacionada ao possível enfraquecimento da mão-de-obra estimularam modificações no pensamento sobre as doenças e a institucionalização deste pensamento através das políticas de saúde pública. A modernização defendida pela elite brasileira, sobretudo de posição abolicionista e defensores de um regime republicano, possuía aspirações nas correntes ideológicas cientificistas, pelo positivismo de Auguste Comte e o darwinismo social de Spencer. A característica mais comum era a valorização do saber científico como solução para problemas sociais. Havia neste momento, uma preocupação com as precárias condições sanitárias nas cidades, em especial as capitais. Segundo Nicolau Sevcenko:

Num momento de intensa demanda por capitais, técnicos e imigrantes europeus, a cidade deveria operar como um atrativo para estrangeiros.Mas, ao contrário, ela era acometida por uma série de endemias, que assolavam e vitimavam sua população, e eram ainda mais vorazes para com os estrangeiros, os quais não dispunham de anticorpos longamente desenvolvidos pela população local. O Rio apresentava focos permanentes de difteria, malária, tuberculose, lepra, tifo, mas suas ameaças mais aflitivas eram a varíola e a febre amarela, que todo verão se espalhava pela cidade como uma maldição. Por isso a cidade tinha, desde o século XIX, a indesejável reputação de "túmulo do estrangeiro". (SEVCENKO, 1998, p.22).

O discurso sanitarista tornou-se parte de uma atuação ideológica e política do Estado, frente à consolidação do modo de produção capitalista no Brasil. Neste ponto, verifica-se a grande representação do conhecimento médico apropriado pelos sanitaristas em uma proposta da reorganização do espaço, intervindo na sociedade com o sentido de higienizar e disciplinar os meios de organização do corpo social, segundo os moldes das novas relações sociais. Segundo Gilberto Dupas (2006):

A medicina, ao final do século XIX, início do século XX, legitimara-se por meio de novos conhecimentos científicos, que conferiram aos discursos médicos diferentes bases de fundamentação. Caracterizada como profissão que vislumbrava os problemas encontrados na vida cotidiana, para além do corpo doente, a medicina os considerou passíveis de reinterpretação e a ciência médica alcançou maior poder na sociedade, logrando atingir o processo reconhecido como medicalização. (DUPAS, 2006, p.171).

Ao definir o "movimento higienista" ou o "movimento sanitarista" Edivaldo Góis Junior (2007) diz que a idéia central deste movimento é a de valorizar a população como um bem, como um capital, como um recurso talvez principal da nação. Neste sentido é importante dizer que a apropriação deste discurso dava-se por parte da elite. Segundo Paulo Cesar Garcez Marins as populações mais pobres eram "acusadas de atrasadas, inferiores e pestilentas, essas populações seriam perseguidas na ocupação que faziam das ruas, mas, sobretudo ficariam fustigadas em suas habitações". (Marins, 1998, p.113)

Continuando em seus apontamentos sobre o caráter elitista do "movimento sanitarista" Marins escreve assim:

A ambição de arrancar do seio da capital as habitações e moradores indesejados pelas elites dirigentes começaram a se materializar com as medidas visando à demolição dos numerosos cortiços e estalagens, espalhados por todas as freguesias centrais do Rio de Janeiro, o que se procedeu sob a legitimação conferida pelo sanitarismo. (MARINS, 1998, p.141).

Observa-se neste contexto que o sanitarismo defendido no Brasil, possuía um ponto de legitimação da burguesia, ao levantar a idéia de que a falta de educação e das condições de saúde seriam as causas principais de um suposto atraso segundo os padrões europeus. Cientistas e intelectuais buscavam respostas para a crise que atravessava o início da república brasileira e verifica-se, segundo alguns destes pensadores, respostas à crise inicial da república nos através dos determinismos biológicos e geográficos, neste aspecto defendia-se a idéia de que as condições naturais, como o clima, a constituição fortemente miscigenada do povo brasileiro e as doenças que assolavam a sociedade seriam responsáveis pelo suposto atraso social brasileiro.

O aparato ideológico construído no início da república brasileira por médicos, intelectuais, cientistas entre outros, tinha como característica a construção de um discurso que legitimasse práticas de atuação política centrada no caráter médico-higienista, fundamental no processo de modernização do Brasil. É importante ressaltar que a questão da modernidade defendida se dá pela vontade de uma necessidade de revigoramento civilizatório através de uma visão das elites republicanas.

Com a legitimação do discurso médico-sanitarista, o poder público junto aos médicos iniciou um processo de maior intervenção na sociedade. Segundo Bertolli (1999):

No intuito de banir moléstias, os médicos receberam apoio do Estado para estabelecer estratégias de saneamento para os pólos urbanos considerados críticos. Atuaram junto à população e suas moradias, expulsando-a de seus lares e dos centros comerciais das cidades, tornaram obrigatório o isolamento de pessoas portadoras de doenças mentais e infecto-contagiosas. (BERTOLLI, 1999, p.12).

A partir do momento da consolidação do discurso médico-sanitarista, como uma prática política, sobretudo a partir da primeira década do século XX, que a posição das doenças e consequentemente os seus portadores ganharam uma maior atenção na busca do Estado brasileiro por seu projeto modernizante cujo impacto maior recaiu sobre determinados grupos sociais.

Para cientistas como Oswaldo Cruz, Adolpho Luz, Arthur Neiva, Belisário Pena, que ocuparam cargos de destaque naquelas instituições e as dirigiram, as políticas nacionais de saúde pública, o problema do Brasil e do brasileiro era a doença. As medidas adotadas para combater a lepra foram resultado da atuação desses diversos profissionais e instituições ligadas à saúde e que a empregaram enquanto um domínio social. (NERIS, 2011).

Dado esse pequeno esboço sobre o sanitarismo brasileiro falaremos sobre o objeto maior deste capítulo: A situação da lepra ao longo das primeiras décadas no Brasil.

2.2 O ISOLAMENTO

A relação entre e a atuação do poder e o discurso proveniente sobre a lepra no Brasil possui momentos distintos, pois em um primeiro momento a lepra não era vista como um problema público, ou seja, ela não possuía perante o Estado uma preocupação como um problema social, cabendo aos portadores da doença o amparo pela caridade de ordens religiosas.

Em um segundo momento a relação da lepra com o Estado foi visto como um problema a ser "resolvido", pois representava uma ameaça ao processo de desenvolvimento socioeconômico brasileiro e desta forma a sua posição foi alterada como um problema de saúde pública, posição que é situado no período de 1910 a 1960, onde práticas excludentes do doente foram utilizadas como uma maneira de combate e controle da doença e de seu portador.

Em um terceiro momento verifica-se a alteração da posição da doença no contexto do controle, uma vez que no final da década de 1960, encerra-se a utilização do isolamento obrigatório como forma de atuação do Estado e iniciando a utilização de um tratamento terapêutico através de um coquetel de medicamentos. Neste contexto o Departamento de Profilaxia da Lepra (DPL) abriu as portas de suas instituições permitindo ao doente a opção de um tratamento ambulatorial realizado em postos de saúde. Ressaltando que mesmo com a suposta liberdade, muitos dos internados nestas instituições mantiveram-se nestes locais, pois o estigma e até mesmo a falta condições próprias para o retorno a sociedade fizeram com que muitos perdessem totalmente o vínculo com o exterior destes espaços de confinamento.

Como objeto de maior relevância deste capítulo, a questão das políticas de controle da lepra no período que se situa entre as décadas de 1910 e 1960. A relação da lepra como um problema social foi inicialmente junto a outros males discutida pelo sanitarismo brasileiro, porém verifica-se que a partir 1920 o foco das práticas políticas individualizou a lepra no centro das atividades de controle, porém o grande marco na questão das práticas estatais sobre a lepra no Brasil se deu a partir da década 1930. É neste momento que a lepra torna-se segundo discursos políticos uma grande ameaça ao Brasil.

Segundo Michel Foucault (1979) através da unificação entre o poder disciplinar que tem como o corpo o seu objeto principal e o poder regulador que tem como foco a normalização, ou seja, a regulação da população, formou-se a construção de um conjunto de aparato e dispositivos que moldavam e geriam hábitos da população. Para Foucault o dispositivo equivale a "um tipo de formação que, em determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica". (FOUCAULT p.246)

A partir da noção de dispositivo na visão de Foucault, percebesse que a questão do isolamento aplicado aos portadores da lepra como uma forma da retirada de indivíduos perigosos segundo padrões de normalidade e aceitação dada por uma sociedade supostamente saudável. Ainda sobre a questão dos dispositivos é importante indicar que segundo Foucault (1979, p.246) o dispositivo "consiste em estratégias de relações de força, sustentando tipos de saberes e sendo por eles sustentadas" (FOUCAULT, p.246).

Assim podemos entender que em prol de um projeto de caráter político uma rede de especialistas, profissionais desenvolveram práticas na tentativa de criar uma imagem para o doente e a legitimação dos atos estatais, como a exclusão dos portadores da lepra do convívio da sociedade "comum".

Ideologicamente criou-se a imagem do leproso perante a sociedade como um risco, alguém que poderia trazer sérios problemas para a coletividade. Ao próprio doente a atuação ideológica perpetuou-se ao lhe afirmar que sua condição lhe despia de suas condições sociais, de maneira que se justificava assim o afastamento do indivíduo dos meios sociais, isolando-o em instituições próprias para estes fins como os asilos-colônias, os dispensários e os preventórios.

2.3 ANOS 20, O COMBATE A LEPRA

O Brasil seguindo a Constituição Federal de 1891 constituía-se em unidades federativas, autônomas politicamente, ou seja, os Estados possuíam autonomia para estabelecer medidas independentes da autorização federal. A autonomia dada aos Estados dificultava a implantação de projetos da esfera federal sem um acordo comum entre os Estados e o poder federal. Deste modo, uma intervenção sem um tratado em conjunto ia contra aos termos constitucionais vigentes durante o período da República Velha. Segundo Cunha:

Todas as medidas determinadas pela legislação federal, como o regulamento sanitário promovido por Oswaldo Cruz em 1904, por exemplo, tinham como campo de ação específica a Capital Federal. Para os demais estados, esse regulamento servia de instrução ou ponto de partida para que cada um deles tratasse das questões sanitárias como lhe fosse conveniente, de forma independente ou com o auxílio da União. (CUNHA, p.36)

Nos anos 20 viveu-se um momento de progressiva intervenção em diversos espaços de políticas públicas. No que se refere à saúde, tema principal deste trabalho, destaca-se a criação em 1920 do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) e várias inspetorias de profilaxia de doenças, como a da Lepra. No sentido mais amplo a criação do DNSP e das inspetorias de doenças representavam a necessidade que o governo federal sobre uma política mais centralizadora em um ambiente tão autônomo deste período.

Esperava-se após a criação do DNSP, o envolvimento do estado com a situação da Lepra. O DNPS gerou um tratamento individualizado a doença, concedendo uma posição de problema sanitário de grande complexidade, cuja solução necessitava de ações efetivas, como o recenseamento dos doentes, propaganda e educação sanitária, vistorias nos asilos, fabricação dos agentes terapêuticos, enfim, trataria de todos os aspectos relacionados à profilaxia. Haveria a promoção da profilaxia em todo o país, a cargo da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas, criada em 1921, submetida ao Departamento Nacional de Saúde Pública.

No que se refere às condições e ao modelo mais eficaz para o tratamento da doença, pode-se dizer que os argumentos eram baseados na "incapacidade científica" de isolar o bacilo responsável pela doença. Dado isso, as discussões tomavam como base o risco potencial de transmissão da doença, através destas, diversas linhas de pensamento sobre o "tratamento" da doença tornaram-se o tema principal dos debates ocorridos nos primeiros anos da década de 1920. Porém em meio aos debates decorridos havia um ponto em comum: O isolamento dos doentes.

Em 1923 o DNPS aprovou um regulamento de saúde pública que em que consistia de uma forma geral, em medidas a serem tomadas em relação aos portadores da doença, segundo Serres (2003):

O regulamento da Inspetoria previa, entre outras medidas: notificação dos casos suspeitos de Lepra; vigilância do enfermo; isolamento obrigatório, de preferência em colônias agrícolas; isolamento domiciliar, quando houvesse condições; obrigatoriedade do exame à pessoa notificada; separação dos filhos sadios de doentes. A ação da Inspetoria, no entanto, se viu limitada pelas condições sanitárias existentes. Na ausência de Leprosários do tipo Colônia Agrícola, conforme sugerido pela Profilaxia, os serviços prestados continuariam sendo feitos através de convênios com os asilos e hospitais existentes. (SERRES, 2003 p.90)

Observa-se neste momento que o tratamento em relação à lepra era de maneira "preventiva", ou seja, buscava-se através de medidas de controle e principalmente através da política de isolamento dos doentes, a redução das possibilidades de propagação da doença.

No tocante a pratica do isolacionismo utilizado neste período, é necessário destacar que a posição oficial do regulamento de saúde pública de 1923 orientava os estados para a utilização dos meios de confinamentos próprios para estes fins, como os hospitais-colônias quando possível. De maneira que, não havendo a possibilidade, principalmente por uma falta de disponibilidade, de uma estrutura para este conceito, poderia ser utilizado o confinamento domiciliar segundo uma série de medidas normalizadoras, como o afastamento dos seus parentes e a separação dos dormitórios entre os doentes e os "sãos".

Como dito anteriormente havia um debate em relação à questão do isolacionismo, embora inicialmente o regulamento de saúde pública indicasse a possibilidade de um isolamento domiciliar, esta posição não foi um consenso entre especialistas que viam na presença domiciliar dos doentes de lepra uma possibilidade na propagação da doença. Entre estes especialistas podemos destacar o médico Belisário Pena que defendia arduamente a opção pelo isolamento obrigatório dos portadores da doença em instituições próprias para o "acolhimento" dos doentes.

Para Belisário Penna o isolamento domiciliar não reduzia as condições de propagação da doença, ele defendia uma intervenção pública com maior amplitude, conforme ele escreve:

"O silêncio em torno de um assunto de vital importância nacional significa ou falta de elementos para destruí-los, ou o que é talvez o caso: completa indiferença ou insensibilidade específica da lepra moral de que há muito está infeccionando o país.". (Arquivo Belisário Pena, COC Fiocruz)

Ao observar este pequeno trecho verifica-se a posição que o doente de lepra possuía nos debates políticos e por que não dizer no contexto social, nas palavras de Belisário Pena a "lepra moral" significava o atraso da nação e a infelicidade de quem portara este mal. Ainda neste sentido, ao discutir planos de combate a doença em que a posição de maior discordância entre especialistas era o modo mais adequado de isolar um indivíduo, o bem-estar de um doente de lepra em nenhuma hipótese poderia causar um risco à sociedade "sadia".

Para os doentes restavam a desigualdade de não poderem ter a liberdade de tomar uma decisão sobre o que fazer com suas próprias vidas e na medida em que lhes eram negadas suas condições humanas, deixavam de ser merecedores de intervenções que trouxessem de volta a dignidade. Desta maneira, observa-se que ao contrair a doença o indivíduo deixava de existir como tal passando a ser visto como um problema para a sociedade, para o Estado.

É importante salientar que o período destacado neste tópico, ou seja, os primeiros anos da década de 1920, viviam uma ampla atmosfera ideológica com propósitos de impulsionar a formação de uma imagem idealizada de nação. Sendo assim, ideais de caráter eugênico ganhavam destaque neste processo de formação ideológica da intelectualidade científica, como um bom exemplo, a nomeação em 1920 de Renato Kehl médico e maior propagandista da eugenia no Brasil para organizar o serviço de propaganda e educação higiênica da Inspetoria da Lepra e das Doenças Venéreas, órgão ligado diretamente ao Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP).

Segundo Renato Kehl:

"Não há solução para os males sociais fora das leis da biologia. Não há política racional, independente dos princípios biológicos, capaz de trazer paz e felicidade aos povos. Política econômica, conservadora, democrática, socialista, fascista, comunista, todas essas políticas e formas de governo falham se não se inspirarem nos ditames da ciência da vida. Eis, por que, a política por excelência, é a política biológica, a política com base na eugenia".(KEHL, 1933)

Com base nesta citação de Renato Kehl, cabe uma reflexão, a partir da união entre o pensamento eugenista à medicina social criou-se à base do ideal social e científico no Brasil. Uma idéia sobre a necessidade de eliminar qualquer tipo de impureza, a eugenia vinha com a proposta de restauração do Brasil, suprimindo imperfeições e guiando o país para um processo de modernização através da ciência. Neste contexto, o leproso era parte das imperfeições, a lepra era uma doença e o leproso, devido às condições que a doença lhe proporcionava, o atraso.

2.4 Vargas e a "Campanha nacional contra a Lepra"

Em 1930, Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório após a vitória da Revolução de 24 de Outubro encerrando assim o primeiro período republicano no Brasil. Ainda em 1930, o Governo Provisório foi estabelecido.

Tema de grande relevância da proposta da ala getulista, a formação de um Estado forte e centralizado, via na própria Constituição vigente, barreiras para tal empreendimento. Para alcançar o êxito do fortalecimento e da centralização estatal, via-se a necessidade da criação de mecanismos governamentais que pudessem agir em todas as regiões do território brasileiro, e assim gerando ações que pudessem aglutinar politicamente a União, Estado e Municípios. Deste modo, todas as reformas empreendidas no governo de Getúlio Vargas, a partir de 1930, tinham o foco no fortalecimento e centralização do poder Estatal.

Com esta nova dimensão estatal, a situação tornou-se favorável no que se refere às questões de âmbito sociais e de saúde, intensamente discutidas nos momentos que antecederam ao governo de Vargas.

No início do governo foi criado em 1930 o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), cabe dizer que a idéia de criar um Ministério da Saúde foi posto em debate já na década de 1910, porém rejeitada muito pelo fato de que as oligarquias dominantes do cenário político tinham o receio de que a criação de um órgão da grandeza de um ministério poderiam interferir nos Estados afetando assim os seus mandonismos típicos da oligarquia brasileira. Com o projeto da criação do Ministério da Educação e Saúde rejeitado, foi criado então o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em 1920 e os debates gerados nos serviços vinculados ao DNSP como o Serviço de Saneamento Rural e o Serviço de Profilaxia da Lepra, por exemplo, serviram como pano de fundo para medidas de atuação do recém criado Ministério da Educação e da Saúde. Segundo Santos (2006):

Graças à criação do DNPS, o governo varguista herdou uma estrutura estatal e uma burocracia com razoável capacidade de atuação autônoma sobre o território nacional. Contudo, somente após 1930 foram implementadas políticas públicas sistemáticas de alcance nacional, através de combate a endemias. Mantiveram-se as prioridades da agenda sanitarista, mas em condições institucionais mais favoráveis a práticas centralizadoras e coercitivas. (SANTOS, 2006 p.87).

A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) estava inserida na perspectiva de reformas que segundo Cunha (2006) estava no sentido de "educar e curar o Brasil", livrando-o de seus grandes males e propiciando-lhe um "futuro promissor". (CUNHA, 2006 p.80). A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) possuía metas bem definidas pela política varguista de investimento em pilares fundamentais no processo político da modernização desejada, a educação, a instrução e o saneamento e eram vistos como elementos primordiais no processo defendido pela plataforma política de Vargas. Embora com metas estruturadas, inicialmente o Ministério da Educação e Saúde Pública teve dificuldades em implementar suas ações, pois os primeiros anos do governo de Vargas foram de grande instabilidade política devido à grande diversidade das forças que atuaram no processo que acabou gerando a Revolução de 1930, sobretudo a divergência entre as elites regionais defensoras do federalismo e dos defensores da centralização.

No tocante a lepra, as reformas de 1930 mantiveram as mesmas estruturas administrativas, como o Departamento Nacional de Saúde Pública, tendo base nas concepções sanitárias da década de 1920. Neste contexto, verifica-se que durante o Governo Provisório não houve nenhum plano específico de combate à lepra. Havia neste período, segundo Cunha (2006, p.82), cerca de quatorze leprosários, entre eles particulares, estaduais e federais, além da existência de dezoito dispensários para fins específicos como, por exemplo, o recolhimento de filhos dos portadores da doença.

Se durante o governo provisório a atuação governamental manteve-se sem uma atuação específica que configurasse uma mudança nos rumos em relação à doença, foi a partir de 1934, com a nomeação de Gustavo Capanema para o Ministério da Educação e Saúde Pública, que uma política mais específica começou a ser desenhada. Segundo Cunha:

Gustavo Capanema verificou a necessidade de reorganizar os serviços federais de saúde, dando-lhes um formato mais coordenado e uniformizado, buscando enfim a centralização. Percebeu, ainda que o problema da lepra não estava sendo cuidado da forma que os especialistas recomendavam e não existia um aparelhamento necessário para o combate ao mal e nem mesmo uma organização administrativa apropriada. (CUNHA, 2006 p.87)

Gustavo Capanema assumiu em julho de 1934 a chefia do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), imbuído de um pensamento nacionalista o período de sua chefia junto ao MESP foi marcado pelos efeitos da política centralizadora e autoritária do Estado Novo.

Com a gestão de Gustavo Capanema, verificou-se uma postura mais enérgica em relação à lepra, com a construção de uma série de novos leprosários, facilitando assim a implantação do isolamento compulsório nos mais de 30 que havia no Brasil. Se para os indivíduos diagnosticados com lepra a postura era pelo isolamento em leprosários, para os seus filhos mesmo que saudável era o encaminhamento para os chamados preventórios ou também chamados de educandários.

3- MEMÓRIAS

"... Meu fim vai ser triste, barbaridade. É muito sofrimento que deram pra mim.

Eles não gostam que agente diz lepra, eu digo. Eles querem que a gente diga hanseníase, é muito difícil dizer esta palavra."

LORY – Ex interna do Hospital Colônia Itapuã - RS

"Uma coisa que jamais vai ser esquecido é pai e mãe e nós não tivemos direito de receber o primeiro abraço dos nossos pais, devido a descriminação.

Nós fomos isolados, humilhados, passamos fome, se agente quisesse comer, agente muitas vezes, infelizmente, tinha que furtar pra agente sobreviver.

Agente não tinha direito de adoecer, você ia curar a sua doença era no cabo da enxada. Eles não preocuparam comigo, eu tava dentro da classe para fazer a prova, eles me tiraram dentro da classe para desentupir esgoto, entendeu? Tanto é que hoje eu sou um semianalfabeto. O culpado disso, não sou eu, o governo não me deu chance de ter nem uma casa, o governo não me deu chance porque ele não me deu estudo. Só preocupou em me isolar".

Paulo Roberto Marques

Ex interno do Preventório Afrânio de Azevedo - SP

"Os guardas da Santa Marta me tiraram do seio da minha mãe, eu tava mamando. Sim, alguém que conviveu naquele momento com a minha mãe, com a dor dela me relatou depois de grande porque eu só vi minha mãe depois que eu tinha dezessete anos, quinze minutos aqui no Santa Marta.

O meu pai, ele me renegou porque ele disse que eu não era filho dele, mas quando ele viu aquela criança com boa saúde, aí ele quis me agradar. Eu que não quis agradar ele. E outra, eu fui muito renegado na escola, fui renegado nos hospitais.

Todo lugar que eu chegava eu tinha vergonha de falar "Eu fui criado num Preventório.".

Antonio Pereira dos Santos

Ex interno do Preventório Afrânio de Azevedo – SP

"Na vila, havia comentários sobre o nosso problema, a minha mãe estava muito doente.

Chegou um ponto que, os padres proibiram de ir à igreja, por causa dos outros. Por causa do povo.

...E o médico disse, olha, tu vai comigo a Porto Alegre. Aí nós entramos na caminhonete, naquela época, era entrar assim que nem um bandido. Era com grade, te sentavam lá e de lá tu não saía."

G.M

Ex interna do Hospital Colônia Itapuã – RS

"Quando eu internei lá ficaram bem loucos, tudo me agarravam, beijavam, eu era muito raquiticazinha, magrinha, pequenina. Ficaram faceiros... me chamavam de nenê.

E o pai já tava lá, estava esperando por nós, a mãe não queria ficar mais em Novo Hamburgo de maneira nenhuma. Não, não, todos tinham medo da gente."

G.M

Ex Interna do Hospital Colônia Itapuã - RS

"Aí, um dia ele chegou o homem do armazém né, trouxe o rancho e disse assim:

Dona Malvina, olha não posso mais vender nada pra vocês. Não é por causa de mim, corria as lágrimas dele. Não é por causa de mim. Aí os outros também não vão comprar nada pra mim. Medo do dinheiro do homem.

Aí a mãe disse: não por isso, eu deixo de comprar do senhor. Senão vou perder todos os meus fregueses, ele disse."

Lory

Ex Interna do Hospital Colônia Itapuã - RS

"Bom, a primeira lembrança que tenho da lepra foi quando os médicos, foi lá prá fazer o exame na minha mãe e fez em todos filhos e no meu pai, né.

Aí constatou que a minha mãe estava com lepra. Fez um prontuário ainda na fazenda e depois então marcaram uma data para ir lá buscar ela. Eu não lembro o mês, mas foi em 1935 que foram buscar ela.

Aí chegando lá aquele camburão, penduraram ela e pediu para ela subir no camburão e pediram para todos nós sairmos de dentro da casa, e ela dentro do camburão, esperando. Aí puseram fogo em nossa casa, com tudo que tinha dentro".

Nivaldo Mercúrio

Ex Interno Asilo-Colônia Aimorés - SP

"Eu caminhava na rua, andava por Novo Hamburgo decerto andava a conversa que nós tinha lepra, né?

De caminhar na rua, atiravam pedra em cima de mim, me chamar de leprosa. E agora tu acha isso certo?

Agora tu vê, naquele tempo como tinham medo, meu Deus. De atirar tijolo em cima de mim, eu não perdôo, se é que Deus deu isso pra mim. Eu não perdôo Deus não, eu não perdôo ele não.

Se é que ele que me deu e ainda depois tirar minha vista aqui. Eu era perfeita, só tinha umas manchinhas aqui assim, depois do tratamento saiu tudo e agora fiquei desse jeito. Não presto mais pra nada.

Como eu gostava de ler...bordar, fazer crochê...Tudo, tudo, tudo.

Eu não acredito mais em nada não, não posso. Deixa assim mesmo".

Lory

Ex Interna do Hospital Colônia Itapuã – RS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O assim chamado Muselmann, como era denominado, na linguagem do Lager, o prisioneiro que havia abandonado qualquer esperança e que havia sido abandonado pelos companheiros, já não dispunha de um âmbito de conhecimento capaz de lhe permitir discernimento entre o bem e o mal, entre pobreza e vileza, entre espiritualidade e não espiritualidade. Era um cadáver ambulante, um feixe de funções físicas já em agonia. Devemos, por mais dolorosa que nos pareça à escolha, excluí-lo da nossa consideração. (AGAMBEN. 2008 P.49)

Neste pequeno texto citado, Giorgio Agamben descreve sobre indivíduos que no campo de concentração da Alemanha nazista foram desprovidos de si mesmos, cansados ao ponto de não conseguirem entender que aquilo que lhes esperavam era a morte. Estes pobres, miseráveis eram chamados de "muçulmano" embora fossem judeus, recebiam este termo, pois suas vidas estavam entregue ao destino, da mesma maneira que a imagem simples e preconceituosa de um ficticío pessimismo da cultura islâmica: o muslim, que é o indivíduo submetido sem nenhuma restrição à vontade divina.

Embora o sujeito pelo o qual Agamben esteja se referindo, seja um personagem destacado em um contexto histórico, no caso prisioneiros em um campo de concentração da Segunda Guerra Mundial, o que liga tanto o prisioneiro judeu ao doente de hanseníase isolado em instituições para estes fins, foi o fruto do exercício de um poder de atuação onde o foco é a intervenção sobre o indivíduo, o corpo e o tratamento violento segundo distintos preceitos ideológicos.

Na tentativa de construir em um esforço resumido para concluir os debates presentes na proposta deste trabalho, revela-se importante a reflexão de que o poder público poderia gerar melhores condições e com menor estigma aos portadores da Hanseníase. Uma vida sem o elevado preconceito e sem vedar do convívio social da maneira como foi feito ao longo de décadas de forma áspera e violenta, não levando em consideração as diversidades de graus da doença e tão pouco à vontade do portador da doença.

Em que modo o direito a saúde coletiva pode ser maior que a individualidade de cada ser humano, pois mesmo aqueles que quando doentes devem ter a liberdade de buscar o auxilio médico, assim como o tratamento que lhe serão submetidos.

Analisando nossa história observa-se que a hanseníase, em outros tempos chamada de lepra, poderia ter deixado de existir a muito tempo, como já aconteceu em grande parte dos países do mundo, e que só durou até nossos dias por falta da aplicação de um processo preventivo adequado, e não repressivo, mas educativo associado à valorização do bem estar e as técnicas desenvolvidas pelos avanços médicos.

Em 1930 e principalmente em 1940 já havia um tratamento um tratamento através de medicamentos com capacidade de controlar a doença e assim evitar a sua propagação, ou seja, era possível o tratamento sem ter que segregar, isolar indivíduos de seu meio social.

Porém, o Estado escolheu a implantação e manutenção principalmente no Governo de Vargas, mesmo que este tipo de conduta não sendo o mais eficaz. O Estado possui o dever de proporcionar para o coletivo, a garantia de saúde e o mesmo não pode dialogar que saúde significa a falta de doença, ou seja, o Estado Brasileiro ao adotar um regime em que se configura em modelo segregador, assumiu o isolamento de doentes de hanseníase dentro de uma perspectiva da prevenção pelo o isolamento, superada pela maioria dos países que sofreram com o mesmo problema das epidemias e endemias.

Deste modo, como aceitar a prática do isolamento, em que não se leva em conta a individualidade e a dignidade de cada indivíduo, que ao contrário disso, despreza a liberdade e a condição humana em uma forma autoritária do poder do Estado.

Apesar de todo um aparato repressor, a doença não morreu e ela ainda persiste, assim como alguns estigmas, que junto à falta de uma atuação política eficiente para combater e eliminar a Hanseníase. Em uma nação que mistura números desfavoráveis de desenvolvimento humano, ainda persiste a falta de interesse público, que acaba refletindo nas escassas e deficientes políticas de confronto a doença.

Ainda existem vários elementos que foram intensamente discutidos pelos especialistas em lepra de décadas anteriores, como a dificuldade em um diagnóstico prévio, a força do preconceito carregado pelo o estigma aos doentes e a falta de um melhor esclarecimento, difundido sobre o que é a doença em si.

Desta maneira, a hanseníase embora tenha sido tratada como um problema relacionado à política sanitária do passado, que as práticas políticas do Estado propuseram eliminá-la, persistiu, refletindo assim a incapacidade dos métodos de combate aplicados e a fragilidade de nossa sociedade em enfrentar o estigma e o passado que foram deixados pelas marcas autoritárias do Estado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, Giorgio. O que Resta de Auschwitz: O Arquivo e a Testemunha, São Paulo, 2008 pp.51-91.

BERTOLLI FILHO, Cláudio. História da Saúde Pública no Brasil. São Paulo: Ed. Ática, 1999, pp. 12-15.

CUNHA, Vívian da Silva. O Isolamento Compulsório em Questão. Dissertação de Mestrado – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005.

COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 2004, 282p.

DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, 333p.

DELEUZE, Gilles. Post-Scriptum sobre as sociedades de controle. Rio de Janeiro: Conversações, 1992, pag. 219-226.

DUPAS, G. O mito do progresso. São Paulo: Editora UNESP, 2006, p.171-173.

FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999, pp.7-57.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Graal, 1986, 318p.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1987, 288p.

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.

LE GOFF, Jaques (Apresentação). As doenças têm História. Lisboa: Editora Terramar, 1997, p.7.

MARINS, Paulo César. Habitação e vizinhança. In: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, vol. 3, 1998.

MOORE, Robert Ian. La Formación de Una Sociedad Represora – Poder e Disidencia em La Europa Occidental, 950 – 1250, Crítica, Barcelona, 1989.

NERIS, Cidinalva Silva Câmara. "PELA PÁTRIA, CONTRA A LEPRA": O isolamento compulsório de doentes de lepra no Brasil, 2011, Disponível em: http://www.sbsociologia.com.br/portal/index. php

KEHL, Renato. Sexo e Civilização - Aparas eugênicas, 1933 Disponível em: http://www.fiocruz.br/ppghcs/media/souzavs.pdf

SANTOS, Vicente Saul Moreira dos, Entidades Filantrópicas e Políticas Públicas No Combate a lepra – Ministério Gustavo Capanema (1934-1945). Dissertação de Mestrado. Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2006.

SERRES, Juliane Conceição Primon. É preciso cuidar da lepra: políticas sanitárias no Rio Grande do Sul nas primeiras décadas da República, 2003, Disponível em: http://basecoc.coc.fiocruz.br

SEVCENKO, Nicolau. Introdução. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In SEVCENKO, Nicolau (org.). História da vida privada no Brasil. República: da belle époque à era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 7-22.

ANEXOS

Ano da Inauguração

Nome da Instituição

Localização

1937

Colônia Bonfim

MA

1937

Colônia Itanhenga

ES

1938

Colônia Tavares de Macedo - Iguá

RJ

1940

Colônia Eduardo Rabelo

AL

1940

Colônia Santa Teresa

SC

1940

Colônia Itapoan

RS

1941

Colônia São Bento

CE

1941

Colônia Antônio Justo

CE

1941

Colônia Getúlio Vargas

PB

1941

Colônia São Julião

PR

1941

Colônia Mirueira

PE

1942

Colônia Antônio Aleixo

AM

1942

Colônia Marituba

PA

1943

Colônia Santa Maria

GO

1944

Sanatório Roça Grande

MG

1945

Colônia Lourenço Magalhães

SE

TABELA 1- Numero de Hospitais Colônias inauguradas entre as décadas de 1930 e 1940.

FONTE: http://www.geodemo.uff.br/?p=872

Monografias.com

FIGURA 1 - Transferência de leprosos do Asilo de Abadia, em Uberaba, para o Leprosário de Santa Isabel, em junho de 1942. O Estado de Minas Gerais possuía a Rede Mineira de Viação para Leprosos, composta de três vagões sanitários que fazia este transporte nos limites do Estado.

Fonte: SOUZA-ARAUJO, H. C. História da lepra no Brasil, Estampa 158, foto 1.

Monografias.com

FIGURA 2 - Aspecto da parte central do Hospital de Curupaity, vendo-se, à direita, o pavilhão de

serviços gerais e à esquerda obras iniciais da igreja do leprosário.

Fonte: SOUZA-ARAUJO, História da lepra no Brasil, cit. Estampa 82, foto 2

Monografias.com

FIGURA 3 - Quarta capa da publicação "O problema da lepra no Brasil" do médico

paulista João de Aguiar Pupo. Editada pela Sociedade de Assistência aos Lázaros

e Defesa contra a Lepra em 1926.

Monografias.com

FIGURA 4 - Um acampamento de leprosos erguido às margens de estrada em São Paulo, antes da

agressiva política de construção de leprosários no Estado.

Fonte: SOUZA ARAUJO, História da lepra no Brasil cit. Estampa 52, foto 1.

LEI Nº 9.010, DE 29 DE MARÇO DE 1995.

Dispõe sobre a terminologia oficial relativa à hanseníase e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA - Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O termo "Lepra" e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros.

Art. 2º Na designação da doença e de seus derivados far-se-á uso da terminologia oficial constante da relação abaixo:

Terminologia Oficial/ Terminologia Substituída

Hanseníase/ Lepra

Doente de Hanseníase/ Leproso, Doente de Lepra.

Hansenologia / Leprologia

Hansenologista / Leprologista

Hansênico / Leprótico

Hansenóide / Lepróide

Hansênide / Lépride

Hansenoma / Leproma

Hanseníase Virchoviana / Lepra Lepromotosa

Hanseníase Tuberculóide / Lepra Tuberculóide

Hanseníase Dimorfa / Lepra Dimorfa

Hanseníase Indeterminada/ Lepra Indeterminada

Antígeno de Mitsuda / Lepromina

Hospital de Dermatologia / Leprosário, Leprocômio

Sanitária, de Patologia.

Tropical ou Similares

Art. 3º Não terão curso nas repartições dos Governos, da União e dos Estados, quaisquer papéis que não observem a terminologia oficial ora estabelecida, os quais serão imediatamente arquivados, notificando-se a parte.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 29 de março de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

Dedico este trabalho, em especial, para todos àqueles que tiveram suas vidas ceifadas em consequência de decisões arbitrárias de uma política que apoiou o isolamento compulsório pela hanseníase; para todos àqueles filhos separados de seus pais e para todos os pais que sofreram por deixarem os filhos para trás; para todos que foram vítimas da exclusão de sua liberdade e dignidade, mas conseguiram lidar com a rejeição e mantiveram a persistência em lutar pela honra e justiça.

AGRADECIMENTOS

Agradecer é reconhecer que em algum momento precisou de alguém, é reconhecer que não é autossuficiente e que existe grandeza no ato de ajudar e ser ajudado.

Embora este trabalho acadêmico seja em tese individual, ele não foi feito sozinho. Sempre há contribuições que não podem deixar de serem mencionadas separadamente pela importância especial que tiveram para a finalização do trabalho. A estas pessoas registro aqui que palavra nenhuma é capaz de dizer o quanto é a minha dívida por cada um.

Primeiramente a Deus, fonte inspiradora de sabedoria.

Aos meus pais pelo afeto, suporte e por tudo que fizeram por mim.

Ao meu irmão, minha cunhada e minha linda sobrinha pelos momentos de convivência.

À Géssica, minha noiva e em breve minha esposa pelo carinho e amor imensurável, cujo suporte e o apoio foram fundamentais para a conclusão deste trabalho. Assim como a capacidade instintiva de estar junto e também de se afastar quando necessário.

Aos meus professores pelo brilhante profissionalismo de cada um.

A todos os colegas que pude compartilhar em especial as alegrias, dores e correria nesta jornada de nossa graduação.

Ao meu Orientador, Professor e Amigo Doutor Márcio Malta, que reservo a minha gratidão por acreditar em mim e aceitar fazer parte deste projeto. Sem as suas orientações e sua paciência certamente eu não conseguiria ter chegado até aqui.

E a todos mesmo que não estejam mencionados em especial, mas que de alguma forma fizeram parte desta jornada, os meus agradecimentos.

 

Autor:

Rodrigo Braga De Lemos

rodrigoblemos[arroba]gmail.com

Fernando Henrique Cardoso

CENTRO UNIVERSITÁRIO LA SALLE DO RIO DE JANEIRO

Unilasalle-RJ

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

BRASILEIROS! LEMBRAI-VOS DOS INFELIZES LÁZAROS

SEM SORTE E SEM AMPARO ELES VAGAM E CONTAMINAM...

Monografia apresentada ao Curso de História para obtenção do certificado de Licenciado em História

Orientador:

Prof. Dr. Márcio Malta

NITERÓI

2012


[1] Neste trabalho será utilizado em muitas partes o nome Lepra para designar o que hoje se chama Hanseníase, a mudança do nome no Brasil de forma oficial ocorreu somente em 1995, conforme anexado no fim deste trabalho.

[2] LE GOFF, Jaques (Apresentação). As doenças tem História. Lisboa: Editora Terramar, 1997, p.7.

[3] COUNCIL Third Lateran - 1179 A.D. Disponível em: http://www.papalencyclicals.net/Councils/ecum11.htm Acesso em: 02 de Setembro de 2012.

[4] MOORE, Robert Ian. La Formación de Una Sociedad Represora - Poder e Disidencia em La Europa Occidental, 950 - 1250, Crítica, Barcelona, 1989.

[5] Dossie Foucault N º3. Disponível em http://www.unicamp.br/~aulas/pdf3/26.pdf. Acesso em: 01 de Setembro de 2012



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.