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A garantia constitucional do devido processo legal na transgressão disciplinar militar (página 2)


Após vários rompimentos da ordem democrática, seguido do desrespeito às instituições, nossa nação voltou a fazer parte dos países que têm na lei o fundamento da sua civilização, deixando para trás a autotutela, passando a seguir os preceitos legais de decisões judiciais sob o amparo dos princípios constitucionais que asseguram um julgamento legal e justo, afastando o arbítrio de outrora, onde não se levava em consideração à liberdade do cidadão, hoje também inserida na Constituição de 1988, sob a forma de direito fundamental, por isso é que não se pode aceitar, sob qualquer desculpa, que dentro de um Estado Democrático de Direito, haja, mesmo que dissimuladamente, desrespeito à dignidade a pessoa humana.

Além do due process of law, é importante que seja analisada a incidência de outros princípios fundamentais, corolários a este, já que estão intimamente interligados entre si, por isso é que ao se falar em devido processo na apuração da transgressão disciplinar militar, não se pode descurar de proceder a uma análise ao princípio do contraditório, da ampla defesa, da legalidade, da igualdade, dentre outros.

O militar, seja ele federal ou estadual, é uma categoria diferenciada em relação a outras, tanto é que foi lhe reservado um capítulo exclusivo na Constituição Federal, dado sua relevância. No entanto, em nome da hierarquia e disciplina levadas ao "pé da letra", alguns comandantes, que não são todos, o que é importante frisar, estão dando ao processo de apuração de transgressões disciplinares uma celeridade incompatível com o verdadeiro trâmite legal que o devido processo administrativo deve manter.

Também o direito à liberdade fora elevada à categoria de Direitos Humanos. No entanto, hora ou outra o militar acusado poderá perdê-la, apesar de nem todo o rol de Transgressões inseridas no regulamento disciplinar possuir este fim. O grande problema observado é a facilidade de ser cometer abuso diante do subordinado, já que o comandante possuidor do poder discricionário para punir o militar, basea-se na oportunidade e conveniência para tomar atitude desarrazoadas e desproporcionais em relação às punições disciplinares, ferindo, desta forma, o princípio da legalidade, já que algumas transgressões disciplinares tipificadas no anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército são tão amplas que abarcam diversos comportamentos, o que de certo modo torna-se incompatível com o princípio tema deste trabalho, aqui proposto.

Por fim, o autor por ser conhecedor do meio militar se achou na obrigação de aprofundar-se no assunto, até mesmo para ajudar não só alguns militares que se achem prejudicados e objetivam a reparação do mal causado, nem somente aos profissionais do direito, já que é um tema pouco explorado pela doutrina, mas também para facilitar a própria administração castrense a observar a legalidade nos seus processos administrativos disciplinares.

2 DIREITOS HUMANOS, DIREITOS FUNDAMENTAIS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS.

2.1 Características

A partir do advento da Declaração da Organização das Nações Unidas de 1948 é que, efetivamente, a humanidade começou a incorporar ao seu patrimônio jurídico os direitos fundamentais. Caracterizam-se por estar ligados explicitamente à pessoa humana e por serem pré-existentes ao ordenamento jurídico, visto que decorrem da própria natureza do homem, sendo indispensáveis e necessários para assegurar a todos uma existência livre, digna e igualitária.

Direitos do homem, direitos naturais, direitos individuais, direitos humanos, liberdades fundamentais, são as muitas denominações recebidas por esses direitos ao longo de sua existência, portanto, são sinônimos e exprimem a mesma ideologia.

Ada Pellegrini Grinover1 também exprime o mesmo entendimento ao afirmar que, "direitos do homem, Direitos fundamentais, Liberdades Públicas, Direitos da personalidade, Direitos públicos subjetivos, são expressões diversas para indicar a mesma categoria de direitos, embora distinta segundo a perspectiva adotada por orientações jurídicas as mais variadas".

Possuindo caráter meramente declaratório, tais direitos ou liberdades somente se completam com instrumentos adequados de tutela que lhes dêem conteúdo de garantia. E um desses instrumentos, por exemplo, pode-se citar a Constituição Federal. Deste modo, no entender do Ilustre Professor Uadi Lamêgo Bulos2, os direitos fundamentais transcendem a sua própria conceituação, por serem,

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1GRINOVER, Ada Pellegrini, O Processo em sua Unidade II, p. 70.

2BULUS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 2ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2001.

Além de fundamentais, inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, porque participam de um contexto histórico, perfeitamente delimitado. Não surgiram à margem da história, porém, em decorrência dela, ou melhor, em decorrência dos reclamos da igualdade, fraternidade e liberdade entre os homens. Homens não no sentido de sexo masculino, mas no sentido de pessoas humanas. Os direitos fundamentais do homem, nascem, morrem e extinguem-se. Não são obra da natureza, mas das necessidades humanas, ampliando-se ou limitando-se a depender do influxo do fato social cambiante.

Em nome desta liberdade, igualdade e fraternidade, muitas vidas se foram para garantir o nosso atual estágio civilizatório, a humanidade, no entanto, foi obrigada a passar por um longo processo histórico para que deste se herdasse este patrimônio. É o que define com maestria o professor Ingo Wolfgang Sarlet3, discorrendo sobre o assunto:

A efetividade dos direitos fundamentais – de todos os direitos – depende, acima de tudo, da firme crença em sua necessidade e seu significado para a vida humana em sociedade, além de um grau mínimo de tolerância e solidariedade nas relações sociais, razão, aliás, pela qual de muito se sustenta a existência de uma terceira dimensão (ou geração) de direitos fundamentais, oportunamente designada de direitos de fraternidade ou solidariedade. A preservação do meio ambiente, o respeito pela intimidade e vida privada, a proteção da criança e do adolescente, a igualdade entre homens e mulheres, a liberdade de expressão, dependem de um ambiente familiar e de relações afetivas sadias e responsáveis, enfim, de muito mais do que um sistema jurídico que formalmente assegure estes valores fundamentais, assim como de Juízes e Tribunais que zelem pelo seu cumprimento.

2.2 Conceito

O Professor e Advogado Luciano Dalvi4 sintetizou o conceito de Direito Fundamental de forma simples e brilhante. Nas suas palavras estes são: "os direitos que, independentemente de sua forma legal, são conferidos às pessoas físicas ou jurídicas e são indispensáveis por assegurar uma existência digna, humana e fraterna. Como finalidade, pode destacar a prerrogativa de limitar a atuação estatal".

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3SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Ano I, Vol. I, Salvador, 2001p 9.

4DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. São José – SC. Conceito, 2008, p79.

Destarte, para Otfried Höffe5, os critérios que devem fixar as limitações aos poderes do Estado devem ser conquistados de acordo com a medida das mesmas regras de "segunda ordem". Isso quer dizer, tais regras devem satisfazer não somente os princípios de justiça, como também os seus princípios médios, ou sejam, os direitos humanos.

2.3 Classificação dos Direitos Fundamentais

2.3.1 Classificação por Gerações

Esta classificação está intimamente ligada ao momento em que surgiram as gerações de direitos fundamentais. Desta maneira, didaticamente, os doutrinadores se utilizam do termo "gerações," para melhor explicá-las, de modo que hoje, observam-se quatro etapas que foram classificados de primeira, segunda, terceira e quarta geração.

  • a) Direitos de nacionalidade - nacionalidade é o vinculo jurídico político que se liga a um individuo acerto e determinado Estado fazendo deste individuo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos.

  • b) Direitos políticos - São regulamentados pela Constituição Federal no seu artigo 14. Podem ser conceituados com o sendo o conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular. Tais normas constituem um desdobramento do principio democrático inscrito no artigo 1o, parágrafo único, da Constituição Federal, que afirma que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente.

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    5OTFRIED HÃ-FFE, Justiça Política: Fundamentação de uma filosofia crítica do Direito e do Estado, p. 371.

    • d) Direitos relacionados á existência, organização e participação em partidos políticos - a Constituição Federal regulamentou os partidos políticos como instrumentos necessários e importantes para preservação do Estado Democrático de Direito, assegurando-lhes autonomia e plena liberdade de atuação, para concretizar o sistema representativo. A nós interessa apenas os direitos individuais e coletivos. Porém se faz necessário comentar brevemente direitos outros, pois compõem a classificação dos Direitos Fundamentais, além do mais, são conquistam que não interagem só, estão interligados e muitas vezes ocorrem concomitantemente .

    2.4 Características dos Direitos Fundamentais

    Das características relacionadas aos direitos fundamentais, é importante salientar:

    a) Historicidade: têm eles caráter histórico como qualquer direito.

    b) Universalidade: são destinados a todos os seres humanos, indistintamente.

    c) Individualidade: está relacionada ao fato de que cada pessoa é um ente perfeito e completo, mesmo que considerado de forma isolada.

    d) Limitabilidade: não são absolutos, porque podem ocorrer situações em que o exercício de um direito fundamental coloca o seu titular em choque com quem exerce um outro direito fundamental, havendo então uma colisão de direitos, resolvida não pelo aspecto da validade, mas sim pela preponderância de um ou outro direito, de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

    e) Concorrência: os direitos fundamentais podem ser acumulados num mesmo titular, ou cruzar-se vários deles.

    f) Irrenunciabilidade: os indivíduos não podem deles dispor. É possível que deixem de exercer alguns dos seus direitos fundamentais, mas não renunciar a eles.

    3 O MILITAR BRASILEIRO FRENTE À CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988

    3.1 Introdução

    A Constituição Federal de 1988 reservou um capítulo inteiro às Forças Armadas, prescrevendo direitos e obrigações que o diferenciam dos demais servidores da administração.

    No caput do seu artigo 142, a Constituição prescreve que a Marinha, o Exército e a Aeronáutica constituem as Forças Armadas, aludindo que:

    São instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

    Além disso, a lei no 6.880, de 9 de dezembro de 1980. [Estatuto dos Militares] estabelece no seu art. 3°, que, "os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares".

    O parágrafo 1o, do mesmo artigo, informa sobre a situação que se pode encontrar o militar. Assim, o militar poderá encontrar-se na ativa ou na inatividade. Na ativa são encontrados os militares de carreira, os incorporados para o serviço militar inicial, os militares da reserva convocados, reincluídos, designados ou mobilizados, os alunos de órgãos de formação [ativa e reserva] e em tempo de guerra, todo cidadão que preste serviço para as Forças Armadas. Na inatividade, por sua vez, são encontrados os militares da reserva remunerada e os reformados.

    No que se refere à carreira militar, enquanto servidor da União, o artigo 5o do aludido Estatuto preceitua que, "a carreira militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, denominada atividade militar", e que ela "inicia-se com o ingresso nesta e obedece às diversas seqüências de graus hierárquicos".

    Por fim, é importante ressaltar o que dispõe o art.7o da lei no 6.880/80, no que diz respeito à condição jurídica dos militares, aduzindo que ela "é definida pelos dispositivos da Constituição que lhes sejam aplicáveis, por este Estatuto e pela legislação, que lhes outorgam direitos e prerrogativas e lhes impõem deveres e obrigações".

    3.2 Prerrogativas Constitucionais

    A Constituição Federal ainda prescreve algumas prerrogativas de forma mandamental sobre a condição militar, assim, pode-se citar a proibição de se impetrar habeas corpus em punição disciplinar [§ 2o, do art. 142]. Desta forma a Constituição proíbe diretamente ao militar, de forma explícita, que cometer uma transgressão disciplinar, de recorrer a este maravilhoso remédio constitucional. De certa forma, é uma questão discutível, até derrepente em sede de uma provável reforma constitucional, ou mesmo no advento de uma nova Constituição, pois dentre outras coisas fere o Princípio da Igualdade, que como já fora explicitado é um princípio fundamental e dentre outras características que possui, destaca-se a Universalidade, ou seja, são destinados a todos sem distinção.

    São denominados Militares, os membros das Forças Armadas, assim denomina o § 3o do mesmo artigo constitucional, proibindo no seu inciso IV, a sindicalização e a greve e no V, em filiar-se a partidos políticos. A questão é mais política do que jurídica, portanto, a Constituição Federal proíbe o militar de se sindicalizar e de se fazer greve, ferindo também o princípio da isonomia, já que todo trabalhador possui o direito a sindicalizar-se e a recorrer à greve quando dela precisar.

    4 A TRANSGRESSAO DISCIPLINAR MILITAR

    4.1 Uma Breve Análise Face à Constituição Federal de 1988

    4.1.2 Particularidades

    Os militares em geral, sejam eles das forças armadas [Exército, marinha e Aeronáutica] ou das forças auxiliares [polícia militar e bombeiro], em decorrência de algum ilícito cometido, ficam submetidos ao Código Penal Militar [CPM] e aos Regulamentos Disciplinares específicos [RD], relativos respectivamente, a crime e a transgressão disciplinar.

    No que diz respeito à transgressão disciplinar, cada Força, federal ou auxiliar, possui o seu regulamento em particular, com poucas diferenciações substanciais entre si, no entanto, na sua essência dizem a mesma coisa. O Regulamento Disciplinar "é o diploma castrense que cuida das transgressões disciplinares, as quais estão sujeitos os militares, sendo uma norma interna corporis".

    4.1.3 Diferença entre Crime Militar e Transgressão Disciplinar

    Em consonância com a doutrina militar, a diferença entre crime militar e a transgressão militar, por analogia, seria a mesma diferença existente entre o crime e contravenção, ou seja, a transgressão disciplinar tão somente seria uma manifestação elementar e simples do crime militar. Deste mesmo raciocínio, comunga o insigne autor Loureiro Neto6, "assim como o delito pressupõe a violação de uma norma legal em virtude de sua gravidade, a infração disciplinar, menos grave, pressupõe a violação de um regulamento militar".

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    6LOUREIRO Neto, José da Silva. Direito Penal Militar. São Paulo: Atlas, 1992, p. 25.

    Luiz Flávio Gomes7 também entende que, "não existe diferença ontológica entre crime e infração administrativa ou entre sanção penal e sanção administrativa", e que "todas as garantias do Direito Penal devem valer para as infrações administrativas, e os princípios como os da legalidade, tipicidade, proibição da retroatividade, da analogia, do "ne bis in idem", da proporcionalidade, da culpabilidade etc, valem integralmente inclusive no âmbito administrativo".

    4.1.4 Conceito

    Por ser o autor conhecedor do meio militar, no âmbito do Exército Brasileiro, este trabalho analisará algumas questões do Decreto no 4.346, de 26 de agosto de 2002, que aprovou o Regulamento Disciplinar do Exército [RDE], como fonte de consulta, no que ele alude acerca do princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório e do princípio da legalidade, quando da incidência destes na apuração da transgressão disciplinar.

    Deste modo, este regulamento disciplinar militar, no caput do seu artigo 14, conceitua transgressão disciplinar como sendo, "toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio, ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe."

    Por expressa disposição deste regulamento em questão, o militar poderá perder sua liberdade toda vez que no exercício de suas atividades vier a praticar o que se denomina de transgressão disciplinar militar e dependendo do grau da infração, arbitrada por um superior hierárquico, incumbido de julgar o ato administrativo ilícito, poderá ser classificada em transgressão leve, média ou grave, podendo a liberdade do militar ser cerceada por até 30 (trinta) dias, e ser convertida de detenção a prisão disciplinar, pelo comandante da Organização Militar [OM].

    Também não se cogita diferença entre prisão e detenção administrativas, nas transgressões disciplinares e prisão pela via judiciária, ambas colocam à deriva o direito fundamental à liberdade, que é inerente a todo homem, inclusive o militar, por isso é que deve cercar-se de cuidados quando o assunto é a liberdade pessoal do militar, com a desculpa de ser a transgressão uma punição mais branda, não se podendo descurar, desta forma, do devido processo legal, inerente a todos. Assim, neste mesmo escopo, José Cretella Júnior8 leciona:

    [...] prisão é o apoderamento  da pessoa física do homem, privando-o da liberdade; detenção; encarceramento: "É o fato de ser o indivíduo impossibilitado de locomover-se". A prisão importa ofensa à liberdade física ou individual que, como se sabe, se compõe de liberdade corporal, do "corpus", ou da que tem todo homem de dispor de sua pessoa, da liberdade de pensar e da liberdade de dispor do fruto de seu trabalho. 

    Segue ainda, no mesmo sentido, opinando o sábio mestre,

    [...] Ora, ponderando-se que nem todos que são acusados podem ser criminosos, e que perante os princípios de justiça  absoluta, só depois de sentença codenatória irrevogável, desaparece a presunção de que não há culpado [...] compreende-se que só por necessidade pode o poder social servir-se da prisão preventiva que, no caso de inocência do acusado, constituirá a  mais grave ofensa à liberdade individual. 9

    Dessarte, dando seguimento ao mister e ainda segundo o magistério do citado publicista,

    [...] A prisão, ou seja, a limitação da liberdade física, somente pode ser determinada pela Lei - Lei Penal, de direito material ou de direito formal -, ou por Lei Federal Ordinária de conteúdo criminal [...] o preceito constitucional analisado afirma a segurança pessoal, salvaguarda a liberdade do homem, proscreve o arbítrio.10

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    8CRETELLA JÚNIOR, José. "Os "writs" na constituição de 1998: mandado de segurança; mandado de segurança coletivo; mandado de injunção; habeas corpus. ação popular." 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.

    9Id. Ibid, 1996.

    10MANOEL Gonçalves Ferreira Filho apud Cretella Júnior, "Os "writs" na constituição de 1998: mandado de segurança; mandado de segurança coletivo; mandado de injunção; habeas corpus. ação popular." 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.

    5 A GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

    5.1 Evolução Histórica do Devido Processo Legal

    O Princípio do Devido Processo Legal teve seu início histórico com o advento da Magna Carta Libertatum, de 1215, outorgada aos nobres ingleses pelo monarca João Sem Terra, sendo redigida, primordiariamente em latim, que era a língua culta da Idade Média. [exatamente para que poucos tivessem acesso a seu conteúdo]. Sua finalidade era de limitar o comportamento do rei quando este tivesse que agir como juiz. Desta forma, visava conservar e aumentar os privilégios da classe dos senhores feudais, ameaçados pelo poder real, exatamente para que o baronato tivesse a proteção da "law of the land", a lei da terra, ou, como também conhecida mais tarde, a "rule of the law".

    A justiça local era exercida pelos próprios barões, cabendo ao "King"s Court", Tribunal do Rei, o julgamento de conflitos que envolvessem barões rivais ou entre pessoas de elevada posição social e econômica.11

    Deste modo, se o rei tivesse pretensão de subjugar algum homem livre, fosse para prendê-lo, exilá-lo ou tirar-lhe a vida, só poderia fazê-lo por meio de um tribunal composto por homens iguais ao acusado. No entanto, esse homem livre ao qual se referia a Carta, não eram as pessoas comuns do povo, mas sim os barões, que tinham o interesse de defender seus interesses, através do que eles chamavam de "um julgamento justo". É claro que a Magna Carta visava precipuamente, conservar e aumentar os privilégios da classe dos nobres, que se encontrava em franco declínio, enquanto a burguesia aumentava seu prestígio com o desenvolvimento do comércio.

    Após a morte do rei João Sem Terra, os privilégios que a Magna Carta oferecia aos barões foram extendidas a todo o povo inglês, assim, o que era privilégio de uma classe, passou a ser direito de todos os cidadãos.

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    11CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: .

    Os barões tinham o privilégio de manter tribunais privados, o rei reforçou os já existentes e criou outros novos, para facilitar o acesso aos súditos. O julgamento por iguais passou a ser um direito para todos os cidadãos, estendendo-se ao julgamento criminal.

    Enfraqueceram-se, ainda mais, as cortes dos barões, estendendo o direito de convocar e presidir o júri aos chamados juízes de paz. Estes eram médios proprietários de terras ou rendeiros, que passaram a ser rivais dos barões, ocupando posição social e política elevada. Depois, começaram a ser chamados para participar do Parlamento, ao lado dos burgueses, na qualidade de commons, visto que não eram nobres.12

    O processo tinha início com uma petição escrita pelos súditos dirigida ao Juiz Real, que expedia o writ, ordenando a instauração de um procedimento, pelo qual a corte decidia se a regra formulada no writ amparava a pretensão deduzida. A decisão proferida ligava o fato à norma, impondo solução idêntica para os fatos idênticos. As decisões proferidas pela corte tinham força de lei, enquanto não fossem revogadas pela própria corte ou pelo decreto do rei ou do parlamento.13

    O rei Eduardo I, meio século depois da revogação da Carta, deu à Lei Comum do Reino, o status de Constituição Administrativa, Civil e Criminal, através do Statute of Westminster (1285). A Lei Comum do Reino era constituída pelos Éditos Reais e Decretos do Parlamento, além das decisões judiciais. Os chamados precedentes passaram a constituir o Direito Privado inglês e os princípios básicos de Direito Público. A common law enfraqueceu o poder dos barões feudais e, por outro lado, fortaleceu o poder do monarca, passando a ser entendida como a Lei do Estado, sobrepondo-se às leis locais.14

    Desta maneira, o poder real saiu fortalecido, enquanto se enfraqueceu de vez o dos senhores feudais (barões), surgindo, deste fato, o que ficou conhecido de "Absolutismo Monárquico", portanto, desta forma, os direitos fundamentais foram estendidos a todos os cidadãos ingleses, sob a égide de um poder real absoluto.

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    12CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: .

    13Id. Ibid, 13 mar 2002.

    14Id. Ibid, 13 mar 2002.

    Deste modo, o princípio do devido processo legal, através da instituição do Jury, entrou em definitivo no ordenamento jurídico inglês, assim como, muitos princípios contidos na magna Carta, também, aos poucos foram sendo introduzidos nesse mesmo ordenamento, como institutos da Common Law.

    Mais tarde, já nos Estados Unidos da América, o "due process of law" foi introduzido através da 5a Emenda à Constituição Norte Americana de 1787, estabelecendo que "nenhuma pessoa pode ser privada da vida, liberdade e propriedade, sem o devido processo legal". Num primeiro estágio, referia-se somente a garantias processuais, relativas ao direito a procedimentos ordenados por princípios "orderly proceedings", na esfera processual penal, assim como a proibição de leis retroativas, da auto-incriminação forçada, do julgamento duas vezes pelo mesmo fato "double jeopardy" e da "bill of attainder", ou seja, o ato legislativo que importa em considerar alguém culpado pela prática de crime, sem a precedência de um processo e julgamento regular, em que lhe seja assegurada ampla defesa, além do direito ao contraditório.

    5.2 O Devido Processo Legal no Brasil

    A Constituição do Império não fazia alusão ao princípio do devido processo legal, não havia ainda, uma consciência pautada nos direitos fundamentais como hoje, além do mais, o poder era quase na sua totalidade, concentrado nas mãos do Imperador [poder moderador].

    Iniciou-se alguma coisa parecida com princípio do devido processo legal a partir da Constituição de 1891, a qual já reconhecia algumas garantias do princípio, como a ampla defesa e o princípio do juiz natural, no entanto não se fazia uma alusão expressa ao due process of law.

    Ensina Virgilio Campos15 que "mesmo durante a ditadura do Estado Novo, foram editados os Códigos de Processo Civil, em 1939 e o de Processo Penal, em 1941, ambos previam garantias processuais decorrentes da cláusula".

    Na ditadura militar, houve poucos avanços, já que as restrições às garantias individuais foram mais latentes.

    Com a redemocratização do país, pós-88, foram banidos os abusos do passado e sendo o devido processo legal promovido à categoria dos direitos e garantias constitucionais, de forma expressa, pela primeira vez na história do Brasil, através do inciso LIV, do artigo 5o, "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".[grifo meu]

    Deveras, depois da Declaração dos Direitos Humanos, a Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo o "devido processo legal" [artigo 5o, LIV]. Os textos anteriores referiam-se à ampla defesa, mas ampla defesa no Processo Penal. Claro que o Judiciário já havia feito a aplicação para o Processo Civil, mas é a primeira vez que a cláusula do devido processo legal aparece em texto constitucional brasileiro, com a acepção expressa para os processos em geral, inclusive o administrativo16.

    5.3 Conceito

    O devido processo legal é uma cláusula geral, ou seja, uma idéia – que deve ser concretizada com a necessidade social. O Chief Justice Burger da Suprema Corte dos Estados Unidos, nesse sentido pronunciou:

    O conceito do devido processo abraçado em nossa constituição remonta diretamente, há 600 anos atrás. É mais do que um conceito técnico legal, pois ele permeia nossa Constituição, nossas leis, nosso sistema, e nosso próprio modo de vida – que a toda pessoa deverá ser concedido o que é devido.

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    15CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: .

    16Id. Ibid.

    O devido processo legal, assim, não tem uma definição estanque, fixa ou, muito menos, perene. Isso permite a sua mutabilidade, adaptação gradual ou, principalmente, evolução, de acordo com a demanda da sociedade.17

    Ante a grande dificuldade de se definir o devido processo legal, Ademar Maciel citando Thomas Cooley, definiu genericamente dando ênfase às garantias tuteladas pelo princípio,

    O termo devido processo legal é usado para explicar e expandir os termos vida, liberdade e propriedade e para proteger a liberdade e a propriedade contra legislação opressiva ou não razoável, para garantir ao indivíduo o direito de fazer de seu pertences o que bem entender, desde que seu uso e ações não sejam lesivos aos outros como um todo.18

    Paulo Henrique dos Santos Lucon19, sintetiza o significado do devido processo legal que a Constituição assegura a todos os brasileiros,

    A cláusula genérica do devido processo legal tutela os direitos e as garantias típicas ou atípicas que emergem da ordem jurídica, desde que fundadas nas colunas democráticas eleitas pela nação e com o fim último de oferecer oportunidades efetivas e equilibradas no processo. Aliás, essa salutar atipicidade vem também corroborada pelo art. 5o, § 2o, da Constituição Federal, que estabelece que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

    E seguindo, o mesmo autor propõe:

    Por não estar sujeito a conceituações apriorísticas, o devido processo legal revela-se na sua aplicação casuística, de acordo com o método de "inclusão" e "exclusão" característico do case system norte-americano, cuja projeção já se vê na experiência jurisprudencial pátria. Significa verificar in concreto se determinado ato normativo ou decisão administrativa ou judicial está em consonância com o devido processo legal.

    Procurando dar uma conceituação adequada ao instituto do devido processo legal, Lucon continua,

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    17SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal – Due process of Law. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, cit. p. 79 apud BURGER, Justice. Magna Carta and the tradition of liberty. Us Capitol society, 1976, preface.

    18SALOMAO, Patrícia. O Princípio do Devido Processo Legal. Jurisway. Disponível em: < http//www.jurisway.org.br/> acesso em 20 Out 09.

    19LUCON, Paulo Henrique dos Santos, garantia do tratamento paritário das partes,in Garantias constitucionais do processo civil, São Paulo, Revista dos tribunais, 1999

    A igualdade interage com o devido processo legal, pois o exercício do poder estatal só se legitima através de resultados justos e conformes com o ordenamento jurídico, por meio da plena observância da ordem estabelecida, com as oportunidades e garantias que assegurem o respeito ao tratamento paritário das partes. Tal é o direito ao processo justo, ou seja, o direito á efetividade das normas e garantias que as leis do processo e de direito material oferecem.

    5.4 Compreensão e importância

    Para Euler Paulo de Moura Jansen20 ao devido processo legal é atualmente atribuída a grande responsabilidade de ser um princípio fundamental, ou seja, sobre ele repousam todos os demais princípios constitucionais, um super princípio. [grifo meu]

    Aduz ainda este mesmo autor, citando Nelson Nery Jr., Paulo Roberto Dantas de Souza Leão e José Rogério Cruz e Tucci, Cândido Rangel Dinamarco e Paulo Rangel, dentre outros, os quais afirmam que:

    No devido processo legal estariam contidos todos os outros princípios processuais, como o da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, da proibição da prova ilícita, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de jurisdição e da motivação das decisões judiciais.

    Esse conteúdo, encontrado apenas na nossa mais recente doutrina, não é novidade para os americanos, que há muito se debruçam sobre o devido processo legal. Veja-se trecho do voto proferido no voto no caso Anti-Facist Committe vs. McGrafth, 341 U.S. 123 (1951), pelo Juiz da Suprema Corte Americana, Felix Frankfurter:

    Due process não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros lindes de uma fórmula... due process é produto da história, da razão, do fluxo das decisões passadas e da inabalável confiança na força da fé democrática que professamos. Due process não é um instrumento mecânico. Não é um padrão. É um processo. É um delicado processo de adaptação que inevitavelmente envolve o exercício do julgamento por aqueles a quem a Constituição confiou o desdobramento desse processo.21

    ____________________________

    20JANSEN, Euler Paulo de Moura. O devido processo legal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 202, 24 jan. 2004. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2009.

    21JANSEN apud DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 202, 24 jan. 2004. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2009.

    Entretanto, opina Adriane Donabel22, afirmando categoricamente que, o conteúdo substancial de cláusula do devido processo legal apresenta-se, indubitavelmente, "amorfo e enigmático, que mais se colhe pelos sentimentos e intuição do que pelos métodos puramente racionais da inteligência."

    Observa-se que o princípio do devido processo legal pode ser considerado como uns dos princípios mais amplos do nosso ordenamento jurídico, dele sem sombra de dúvida partem todos os outros princípios e garantias constitucionais. Independentemente de ser o processo judicial ou administrativo é obrigatória a sua presença, passível de nulidade a sua não observação, pois é o devido processo legal que garante a eficácia das demais garantias instituídas na Constituição Federal que seriam insuficientes sem o direito a um processo regular e legal. [grifo meu]

    O devido processo legal possibilita o maior e mais amplo controle dos atos jurídico-estatais, nos quais se incluem os atos administrativos, gerando uma ampla eficácia do princípio do Estado Democrático de Direito, no qual o povo não só se sujeita a imposição de decisões, como participa ativamente delas.23

    Cristina Reindolff da Motta citada por Humberto Theodoro24 afirma que "a todo o momento que se fizer análise ou reflexão acerca de algum princípio processual constitucional, com certeza poder-se-á identificar nuances do princípio do devido processo legal, e vice-versa".

    5.5. Divisão Doutrinária

    5.5.1 O Devido Processo Legal Procedimental

    ____________________________

    22DONADEL, Adriane; et al. As garantias do cidadão no processo civil. Org. Sérgio Gilberto Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 263.

    23SILVEIRA, Paulo Fernando. Op. cit. p.80 apud MACIEL, Adhemar ferreira. Separata. Scintia juridica. Portugal: Universidade do Minho, 1994, p. 373.

    24THEODORO JÚNIOR, Humberto. A garantia fundamental do devido processo legal e o exercício do poder de cautela no Direito Processual Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 80, v. 665, mar. 1991. p. 11.

    Também chamado de devido processo adjetivo. Caracteriza-se por ser mais restrito e pela simples norma de respeito ao procedimento previamente regulado.

    5.5.2 O Devido Processo Legal Material

    Também chamado de devido processo substantivo. É a sua manifestação no direito material. Possui seu alcance mais amplo que o anterior, manifestando-se em todos os campos do Direito. Por tutelar o direito material inibe que a lei ou o ato administrativo ofendam os direitos inerentes às pessoas, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade.

    Importante ressaltar no que diz respeito à cláusula do devido processo legal substantivo o que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, prolatou em determinado acórdão:

    Due process of law, com conteúdo substantivo - substantive due process - constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (racinality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real substancial nexo com o objetivo que se quer atingir.

    Concluindo, o devido processo legal material, como já supra-elucidado por ser um super princípio não deverá apresentar limites abrangendo quaisquer direitos que tutelem a vida, a liberdade e a propriedade do homem, ou seja, todos. [grifo meu]

    6 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NA TRANSGRESSAO DISCIPLINAR MILITAR

    Cumpre a este trabalho, neste ponto, trabalhar os pontos específicos pertinentes a este super-princípio-garantia, além daqueles que o norteia, como o principio do contraditório, da ampla defesa, da legalidade, seguido de outros como o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, que existem para controlar o discricionarismo exacerbado da autoridade administrativa militar, pois como já foi dito aqui, o devido processo legal abarca os demais princípios constitucionais.

    Desta forma, o objetivo é analisar a incidência deste princípio na transgressão disciplinar militar, comparando-a com o que prescreve o direito administrativo militar em conformidade com a Constituição Federal de 1988 e o direito administrativo brasileiro.

    6.1 Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade Norteadores da Aplicação da Punição Disciplinar Militar

    Celso Antônio Bandeira de Mello25 traz conteúdo expressivo, na sua lição acerca do princípio da razoabilidade:

    Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas - e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis, as condutas desarrazoadas e bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.

    ____________________________

    25MELLO, Celso Antônio Bandeira de. In "Curso de Direito Administrativo", Malheiros, 2002, 14ª ed., p. 91-93:

    Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu libito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa, que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem pela lei aplicada. Em outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente as condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia irrogar dislates à própria regra de direito. [...]

    Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX, nos termos já apontados).

    [...]Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o "mérito" do ato administrativo, isto é, o campo de "liberdade" conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não ocorre porque a sobredita "liberdade" é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos.

    [...]

    Sem embargo, o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal, cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto, que não se possa reconhecer quando uma dada providência, seguramente, sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma dada hipótese. Ainda aqui cabe tirar dos magistrais escritos do mestre português Afonso Rodrigues Queiró a seguinte lição: "O fato de não se poder saber o que ela não é." Examinando o tema da discrição administrativa, o insigne administrativista observou que há casos em que "só se pode dizer o que no conceito não está abrangido, mas não o que ele compreende."

    [...]

    Percebe-se, então, e já trazendo à baila as transgressões disciplinares, como ato administrativo que é, e com base na lição do Mestre Bandeira de Mello, que o comandante, com poder de punir o militar transgressor, mesmo tendo em seu favor os pressupostos da conveniência e oportunidade [poder discricionário da administração], não poderá se descurar dos limites da lei, sendo proibido, assim, que o mesmo haja ao sabor exclusivo do seu bem querer, das suas paixões, excentricidades e critérios pessoais, nem interpretar a norma fugindo dos preceitos estatuídos pela Lei Maior, o que convém repetir, que estas manifestações não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas, jurisdicionalmente invalidáveis. [grifo meu]

    Já na lição de Marino Pazzaglini Filho26 tem-se,

    Que a atuação do agente público e os motivos que a determinam, de um lado, devem ser razoáveis (adequados, sensatos, aceitáveis, não excessivos) e o resultado do agir administrativo, o objeto decorrente da atuação do agente público, de outro, há de ser proporcional (adequado, compatível, apropriado, não excessivo) aos fatos ou motivos que o ensejaram.

    Desta forma, não poderá a autoridade militar a seu bel prazer punir o militar de forma irrazoável ou desproporcional. Tal fato seria o mesmo que aplicar uma sanção, verbi gratia, de dez dias de prisão a um determinado militar que "sentar-se, sem a devida autorização, à mesa em que estiver superior hierárquico" e dois dias de detenção a outro militar que faltou o serviço de guarda ao quartel, o qual estava escalado, sem justificativa, portanto fere o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo assim, jurisdicionalmente invalidável, nulo.

    6.2 O Princípio da Legalidade na Transgressão Disciplinar Militar

    A Constituição Federal de 1988 trouxe várias modificações no ramo de Direito Militar, tanto em relação à esfera penal, quanto à administrativa militar. No entanto, essas modificações ainda não foram totalmente incorporadas pelas Organizações Militares, que possuem disposições normativas não recepcionadas na sua totalidade pela nova Carta.

    Dentre as diversas modificações, que não existiam no direito administrativo militar: a incorporação das garantias, que antes somente eram asseguradas aos acusados em processo judicial, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, foram estendidas aos litigantes em geral, inclusive em processo administrativo.

    ____________________________

    26PAZZAGLINI FILHO, Marino. Princípios Constitucionais Reguladores da Administração Pública. São Paulo: Atlas, p. 43

    A liberdade foi assegurada a todo cidadão brasileiro sem distinção, sendo ele civil ou militar pela Constituição Federal de 1988. É um direito fundamental e só pode ser cerceada por intermédio de uma decisão judicial, em caso de prisão em flagrante ou no caso de crime propriamente militar ou de transgressão disciplinar se esta estiver disposta em lei. [art. 5o, VXI]

    Para Paulo Tadeu Rodrigues Rosa27, "a norma disciplinar assim como a norma penal ficam sujeitas ao princípio da legalidade, em respeito aos princípios que foram estabelecidos na Carta de 1988, que tem por objetivo permitir o exercício da ampla defesa e do contraditório, na busca de um processo que tenha como fundamento a efetiva aplicação da justiça". E esta justiça só acontece de forma plena, com o respeito ao devido processo legal. [grifo meu]

    A transgressão disciplinar, por vezes, leva o militar a perder sua liberdade, por isso é que deverá estar previamente prevista em lei, para que o litigante em processo administrativo tenha prévio conhecimento dos fatos de que está sendo acusado e que podem levá-lo a responder um processo perante a autoridade administrativa militar.

    Não é o que acontece com as transgressões disciplinares militares, que possuem em sua maioria um caráter amplo e genérico, verbi gratia, pode-se citar o rol taxativo dos cento e treze tipos de transgressões disciplinares, inseridas no anexo I, do Regulamento Disciplinar do Exército, [Decreto Federal n º 4.346 de 26 de agosto de 2002].

    Cabe lembrar que o Regulamento Disciplinar do Exército [RDE], assim como os demais, trata-se de um decreto e não de lei, e que só por isso já poderia ser considerado inconstitucional, pois, não chegou a ser recepcionado pela Constituição Federal, pelo menos em parte, já que não preenche os requisitos que norteiam o princípio basilar para instrução de todos os processos judiciais ou extrajudiciais, "o princípio da legalidade ou reserva legal", materializado mediante o inciso II, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, asseverando que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

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    27ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Princípio da legalidade na transgressão disciplinar militar . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: . Acesso em: 20 Out 09

    Dessarte, para que o militar seja obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, é mister que o fato que deu ensejo à transgressão esteja disposto em norma legal. O que não pode ocorrer, e ocorre com freqüência, é o militar ser punido, ao bem ou mal querer do comandante, por acreditar, subjetivamente, verbi gratia, que o mesmo feriu a honra pessoal, o pundonor militar, ou mesmo o decoro da classe.

    Este posicionamento é ratificado por Paulo Tadeu Rodrigues Rosa28, destacando que, "as normas desta espécie previstas nos regulamentos disciplinares castrenses são inconstitucionais, pois permitem a existência do livre arbítrio, que pode levar ao abuso e excesso de poder." [grifo meu]

    Além disso, é exigido que a descrição da conduta seja detalhada e específica, não podendo que a disposição em norma seja genérica, como de fato acontece com as transgressões disciplinares, que de uma disposição apenas, enquadram-se várias condutas, através do subjetivismo de quem detém um poder punitivo discricionário, não podendo, desta maneira, definir como transgressão, por exemplo, o tipo previsto no anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército, vg: "não ter pelo preparo próprio, ou pelo de seus comandados, instruendos ou educandos, a dedicação imposta pelo sentimento do dever". Assim, convém dizer que as palavras "sentimento" ou "dedicação", importam um sentido genérico, diferenciando-se de pessoa a pessoa. As pessoas possuem sentimentos diferentes e se dedicam a alguma coisa conforme sua própria convicção, não podendo ser sancionadas por isso. Portanto, esse tipo de disposição fere o princípio da legalidade, pois abarca vários tipos de comportamentos humanos, ambíguos por natureza, já que ninguém, militar ou civil, está a obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei.

    Destaca-se a ênfase dada a este assunto por Silva Franco29:

    No Estado Democrático de Direito, o simples respeito formal ao principio da legalidade não é suficiente. Há na realidade, ínsito nesse princípio, uma dimensão de conteúdo que não pode ser menosprezada nem mantida num plano secundário. No direito penal não pode ser destinado, numa sociedade democrática e pluralista, nem à proteção de bens desimportantes, de coisa de nonada, de bagatelas, nem à imposição de convicções éticas ou morais ou de uma certa e definida moral oficial, nem à punição de atitudes internas, de opções pessoais, de posturas diferentes.

    ___________________________

    28ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Princípio da legalidade na transgressão disciplinar militar . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: . Acesso em: 20 Out 09

    29FRANCO, Alberto Silva Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. Ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995

    Com o mesmo fulcro, o inciso LXI, do art. 5o, da Constituição Federal preceitua que também a transgressão disciplinar seja definida em lei, o que inviabilizaria a prisão administrativa do militar, assim a autoridade castrense não poderá ceifar a liberdade do militar se não houver lei definida para isso: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei."

    A Constituição brasileira disciplina no citado inciso que serão definidos em lei a transgressão militar e o crime propriamente militar, no entanto, foge-se a regra nos quartéis das Forças Federais e Estaduais, que na sua maioria ainda aplicam os regulamentos disciplinares instituídos por meio de decretos, quando da apuração de um ilícito cometido por militar, no interior da caserna.

    Posto isto, a autoridade castrense, não poderá, por força do aludido dispositivo constitucional, cercear a liberdade do militar que cometera transgressão disciplinar, pelo simples fato de as transgressões disciplinares não estarem previstas em lei, e como tal contrariam o princípio da legalidade, tornando nulo o processo por vício formal e material. Assim, de certa forma, ferindo o principio da legalidade, fere o princípio do devido processo legal, pois este contém aquele. [grifo meu]

    Assim, não há dúvidas acerca do banimento das prisões administrativas do nosso ordenamento jurídico, prova disso é o que alude a súmula 280 do STJ: "o art. 35 do Decreto-Lei no 7.661, de 1945, que estabelece a prisão administrativa, foi revogado pelos incisos LXI e LXVII do art. 5o da Constituição Federal de 1988."

    Desta forma, o processo administrativo pós Constituição de 1988, passou a ter as mesmas garantias do processo judicial, já que foram estendidas aos litigantes em geral, em processo judicial ou administrativo as garantias inerentes dos princípios do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal, que passaram a constituir um direito dos acusados e litigantes sob pena de nulidade do processo.

    6.3 A Verdade Sabida Aplicada na Apuração da Transgressão Disciplinar Militar

    6.3.1 Conceito

    No que diz respeito ao princípio da verdade sabida o ilustre Mestre Hely Lopes Meirelles30 sintetiza o conceito: "é o conhecimento pessoal da infração pela própria autoridade competente para punir o infrator".

    Do mesmo modo, Diógenes Gasparini31 ensina que "o instituto da verdade sabida é o conhecimento pessoal da infração e aplicação direta da pena pela autoridade competente".

    Com o mesmo fulcro, José Armando da Costa32, na obra Teoria e prática do processo administrativo disciplinar, assim conceitua a verdade sabida como sendo: "A verdade sabida é a ciência pessoal e direta da ocorrência funcional irregular por quem seja competente para julgar o caso e aplicar a punição correspondente".

    6.3.2 A incidência da Verdade Sabida na Punição Disciplinar Militar

    Após a conceituação acerca do aludido princípio, é importante verificar, então, se o mesmo é inconstitucional ou constitucional já que entra em confronto direto com as garantias da ampla defesa o do contraditório, garantias essas asseguradas pela Carta Magna de 1988.

    Os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, são específicos da administração pública instituídos pela Constituição Federal no seu artigo 37, o qual o poder público através dos seus poderes instituídos: vinculado, discricionário, hierárquico, de polícia e disciplinar, buscam o bem comum.

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    30MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

    31GASPARINI, Diógenes. "Direito Administrativo." 4ª ed. revisada e ampliada. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

    32ARMANDO DA COSTA, José – Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 3ª edição, Brasília Jurídica, pág. 92.

    O poder disciplinar tem a finalidade de apurar as irregularidades cometidas pelos servidores públicos e no caso específico as faltas cometidas por militares. Neste caso o militar infrator sob a égide deste poder, ainda se subordina ao poder discricionário do administrador, que pela conveniência e oportunidade, terá uma maior amplitude para alcançar a finalidade do ato punitivo.

    No entanto, a autoridade castrense não poderá se valer deste poder discricionário para cometer irregularidades contra os seus subordinados, sem se valer das garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. O que acontece é que algumas legislações ainda dão margem para a incidência da verdade sabida, que de certa forma atenta contra a Constituição Federal. [grifo meu]

    Em relação ao militar, dentro dos quartéis, as autoridades competentes para aplicar punição disciplinar correspondem ao Comandante da Unidade [OM] e ao Comandante da Subunidade a qual está subordinado.

    Assim sendo é fato corriqueiro, quando da apuração de transgressão, dentro da caserna, citando-se um exemplo hipotético, o qual um militar [Soldado, Cabo, Sargento ou Oficial subalterno] que tendo cometido uma suposta transgressão disciplinar, nas dependências de uma companhia de determinada Organização Militar, chegando o fato ao conhecimento do Capitão, comandante desta companhia, manda que seja impresso e entregue ao referido militar o Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar [FATD], para que o mesmo possa argüir sua defesa em três dias.

    Acontece que o militar infrator, então, devolve a FATD, comumente chamada de "Razão de Defesa", já com suas justificativas, para a apreciação daquele oficial, que sem que seja dada nenhuma garantia de contraditório ou ampla defesa, resolve punir o militar com a pena de detenção, por não concordar com as alegações do mesmo.

    Um completo descaso acerca dos direitos e garantias instituídos pela Constituição Federal, mas é o que acontece costumeiramente dentro da caserna, já que não estão sendo assegurados ao litigante militar, as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, aludidos nos incisos LIV e LV, do artigo 5o, desta mesma Carta.

    Além do mais, a autoridade com o poder de aplicar a sansão administrativa ao militar [detenção ou prisão], neste exemplo hipotético, um Capitão, Comandante de Subunidade, aplicou a punição baseada na verdade sabida, no processo de apuração da mesma, pois tomou conhecimento da irregularidade [falta cometida] pelo subordinado transgressor, ou melhor, ele tomou o conhecimento do ato infracional e de pronto aplicou a punição, depois de o mesmo lhe entregar um formulário [FATD] com suas alegações, não lhe proporcionando nenhuma outra espécie de garantia, como o de arrolar testemunhas, constituir provas, nem mesmo a garantia de impetrar recurso à instância administrativa imediatamente superior, nem a um julgamento com imparcialidade, já que ele é o que acusa e condena.

    O Regulamento Disciplinar do Exército não faz referência ao princípio da verdade sabida explicitamente, no entanto, é comum a autoridade militar com poder de julgar e punir [vg, Comandante de Organização Militar ou Comandante de subunidade], mandar que um subordinado seu, superior ao acusado, aproveitando-se do seu poder coercitivo-hierárquico, assumir o se lugar, de autoridade que tomou conhecimento pessoal da infração, tentando mascarar sua verdadeira intenção, que é de esconder a verdade sabida e de forma parcial e pessoal punir o militar, sem um julgamento justo e sem as prerrogativas da ampla defesa e do contraditório.

    Uníssona são as vozes da doutrina, de que, a verdade sabida é inconcebível, porque contraria o princípio da ampla defesa; assim, se posiciona Di Pietro33 ao referir-se ao art. 271, parágrafo único, do Estatuto paulista, no qual consta o mecanismo da verdade sabida: "Esse dispositivo estatutário não mais prevalece diante da norma do art. 5º, LV, da Constituição que exige o contraditório e a ampla defesa nos processos administrativos".

    Concluindo com precisão Romeu Bacelar Filho, citado por Bandeira de Mello34,

    Formou-se um consenso doutrinário acerca da inconstitucionalidade da verdade sabida. A Constituição de 1988 exige, incondicionalmente, o processo (procedimento em contraditório) para aplicação de sansão disciplinar de qualquer espécie e seja qual for o conjunto probatório, que a administração pública disponha para tanto. [grifo meu]

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    33DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. São Paulo, Atlas, 2006, p. 616.

    34BACELAR FILHO, Romeu Apud BANDEIRA DE MELLO,Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2006, 808.

    7 A GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO ASSEGURADOS AO PROCESSO DE APURAÇAO DA TRANSGRESSAO DISCIPLINAR MILITAR

    Dentre os direitos e garantias fundamentais insculpidos no artigo 5º da Carta Magna Republicana de 1988, destaca-se o contraditório e a ampla defesa, dispostos desta forma: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

    7.1 A Garantia da Ampla Defesa

    Para Vicente Greco Filho35, "consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado; e e) poder recorrer da decisão desfavorável".

    Assim, em conformidade ao aludido no parágrafo acima ao militar que cometer um ilícito deverão ser garantidos no mínimo, com a finalidade de elucidar os fatos que lhe são imputados, "contraditar as acusações, confrontar provas, argumentar e utilizar todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive recorrer da decisão desfavorável".

    Contudo, na prática não acontece. Fica-se devendo ao militar acusado a maioria dessas garantias, uma vez que, quando é acusado poderá a transgressão possuir sentido amplo [censurar ato de superior hierárquico, vg], ferindo desta forma, o princípio da legalidade, por isso não poderá ter um conhecimento claro da imputação.

    ____________________________

    35GRECO FILHO, Vicente; Tutela Constitucional das Liberdades; Saraiva, 1989; São Paulo

    Também não é proposta ao militar a chance de acompanhar a prova produzida e fazer contraprova, visto que só há um momento para a defesa, em três dias, através do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar [FATD ou Razão de Defesa], nem mesmo , quando acusado, é aberto prazo para recurso. Nem há o se falar sobre a defesa técnica feita por advogado, porém o STF editou a Súmula Vinculante no 5, afirmando nesta, que não fere a Constituição Federal a falta de defesa feita por procurador habilitado em processo administrativo, o que é discutível, porém não será objeto deste trabalho.

    7.2 A Garantia do Contraditório

    Para exercer o contraditório nas palavras de Cláudio Roza36 na sua obra "Processo administrativo disciplinar & ampla defesa, faz-se necessário os seguintes requisitos: primeiramente, que o acusado tenha conhecimento com a devida antecipação de lugar, tempo e objeto do debate; que tenha efetiva possibilidade de preparar-se para a intervenção e por fim, que tenha a possibilidade de intervir".

    7.3 A Ampla Defesa e o Contraditório à Luz do Regulamento Disciplinar do Exército

    O Regulamento Disciplinar do Exército não é silente em relação ao princípio da ampla defesa fazendo referência a ela no parágrafo 1o, do seu artigo 35, in verbis:

    O julgamento e a aplicação da punição disciplinar devem ser feitos com justiça, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique consciente e convicto de que ela se inspira no cumprimento exclusivo do dever, na preservação da disciplina e que tem em vista o benefício educativo do punido e da coletividade.

    § 1º Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.

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    36ROZA, Cláudio. Processo administrativo disciplinar & ampla defesa. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2008.

    Já o seu parágrafo 2o, apresenta um rol taxativo de direitos, assegurando aos militares, para fins de ampla defesa e contraditório o seguinte: "I - ter conhecimento e acompanhar todos os atos de apuração, julgamento, aplicação e cumprimento da punição disciplinar, de acordo com os procedimentos adequados para cada situação; II - ser ouvido; III - produzir provas; IV - obter cópias de documentos necessários à defesa; V - ter oportunidade, no momento adequado, de contrapor-se às acusações que lhe são imputadas;VI - utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação; VII - adotar outras medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos; e VIII - ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não-acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas.

    Desta forma, portanto, o citado Estatuto Disciplinar prevê em conformidade com a Constituição federal as garantias do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, apesar de alguns militares estarem promovendo uma interpretação diferenciada em relação à Constituição Federal e ao próprio regulamento disciplinar do Exército.

    A ampla defesa e o contraditório estão inseridos dentro do contexto do devido processo legal não existindo um sem o outro, na verdade este engloba aqueles. Por isso é que deve-se garantir ao militar processado, a oportunidade de recorrer a órgãos administrativos hierarquicamente superiores. Para tanto, dispõe o militar do pedido de reconsideração de ato e do recurso disciplinar.

    Hely Lopes Meirelles37 assim discorre sobre o tema:

    Por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do rito adequado como a cientificação do processo ao interessado, a oportunidade para contestar a acusação, produzir prova de seu direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos cabíveis.

    (...)

    Processo administrativo sem oportunidade de defesa ou com defesa cerceada é nulo, conforme tem decidido reiteradamente os tribunais de justiça, confirmando a aplicabilidade do princípio constitucional do devido processo legal, ou mais especificamente, da garantia de defesa.

    ____________________________

    37MEIRELLES, Hely Lopes. "Direito administrativo brasileiro." 13ª ed. atualizada pela Constituição de 1988, Revista do Tribunais, São Paulo, 1989.

    8 CONCLUSAO

    Toda a história do progresso humano foi uma série de transições através das quais costumes e instituições, umas após outras, foram deixadas de ser consideradas necessárias à existência social e passaram para a categoria de injustiças universalmente condenadas" (J. S. Mill, Utilitarianism, cap. V, p. 94, apud BOBBIO, 2004:183).

    O ineditismo com que o assunto é tratado pela doutrina, somados ao conhecimento do meio militar pelo autor, serviu de impulso à apresentação do tema proposto para estudo.

    Conforme alhures exposto, o objetivo precípuo desta pesquisa foi o de tentar proporcionar ao militar acusado de ter cometido uma transgressão disciplinar, um julgamento justo. E este, conforme concluo precipitadamente, só será possível se presente a garantia constitucional do devido processo legal, ou neste caso, como alguns o chamam com muita propriedade, do devido processo administrativo.

    No que se refere ao militar, a Constituição Federal reservou para essa categoria um capítulo próprio, onde, além de várias prerrogativas, existem diversas proibições, questionáveis sim, mas que não fazem parte do tema em discussão deste trabalho, no entanto, quanto ao devido processo legal não faz nenhuma ressalva proibitiva, assim, também ocorre com as garantias da ampla defesa e do contraditório, além de outros princípios constitucionais, como os da legalidade, igualdade, juiz natural, inafastabilidade do judiciário, ônus da prova e outros.

    Desta forma, existe ou não existe o devido processo legal e seus corolários, a ampla defesa e o contraditório na apuração da transgressão disciplinar? Inquestionavelmente, a mais perseguida intenção do presente trabalho, foi o de responder este quesito de forma imparcial.

    Primeiramente, este trabalho foi pautado na possível perda pelo militar da sua liberdade, esta com certeza é um princípio fundamental e está inserida na cláusula do próprio devido processo legal: "ninguém será privado da liberdade ou seus bens sem o devido processo legal."

    Conforme demonstrado no presente trabalho, e que a doutrina foi capaz de enxergar é que a norma disciplinar, assim como a norma penal ficam sujeitas ao princípio da legalidade, além disso, não há diferença alguma entre a infração administrativa e o crime propriamente dito ou mesmo entre sanção penal ou sanção administrativa e que todas as garantias do direito penal valem para as infrações administrativas.

    Entendido esta questão, seria o princípio da legalidade, quanto à tutela da liberdade pessoal do militar, fundamental, e sua falta ensejaria em nulidade da própria punição disciplinar.

    O que acontece é que, o militar é punido com a perda da sua liberdade, que poderá ser detenção ou prisão, por força de um regulamento [Regulamento Disciplinar do Exército – RDE], e não por lei como acontece no Direito Penal, o que fere mais uma garantia constitucional, instituída no inciso LXI, do artigo 5o, in verbis, "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei." Desta forma, a Constituição Federal encerra qualquer discussão em torno da legalidade em relação ás transgressões disciplinares. Assim, só poderá o militar perder sua liberdade, via punição por transgressão disciplinar se estiver prevista em lei, assim como as sanções penais, sejam elas advindas de crime ou contravenção.

    Acontece que, ainda na seara da legalidade, a previsão de uma transgressão militar deverá conter no seu tipo uma conduta detalhada e específica, não podendo que a disposição em norma seja genérica, que de uma disposição apenas enquadre-se vários comportamentos, o que dá um amplo poder para a autoridade administrativa militar, ao atuar no exercício da discrição, de agir segundo suas paixões, excentricidades, ao sabor do seu bem querer, pautados em critérios personalíssimos e muito menos de manipular o direito, com a finalidade de sacar efeitos não pretendidos pela lei. Concluindo-se que Poder Discricionário, não se confunde com Poder Arbitrário.

    Convém ressaltar que, nem todas as transgressões disciplinares, presentes no rol taxativo do anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército – RDE possuem esse tipo genérico, amplo, que dão vazão a vários comportamentos, como fora supra mencionado. Deixa-se claro aqui que uma boa parte possui um tipo específico, mas é importante lembrar que todos as 113 [cento e treze] transgressões tipificadas neste anexo, ferem o princípio da legalidade, também ferindo garantia do devido processo legal, por não estarem previstas em lei.

    Quanto às garantias do contraditório e da ampla defesa, o Regulamento Disciplinar do Exército não é silente, prevendo tais institutos no artigo 35, do referido regulamento, no entanto, na prática, ou há omissão por parte das autoridades ou talvez uma interpretação de forma errada acerca de tais garantias, já que no interior dos quartéis, com a escusa de ter tais punições um caráter meramente educativo, é cerceada a liberdade do militar, que supostamente cometeu uma transgressão sem o amparo dessas garantias, para efetuar sua defesa de forma justa.

    Não é cabível que a ampla defesa oferecida ao militar esteja resumida a um formulário de apuração de transgressão, o qual o mesmo é obrigado a responder em 3 (três) dias, de próprio punho. Esta é a única chance do militar oferecer sua defesa, pois não é publicado o prazo de recurso, após a decisão da autoridade [todos os atos da administração devem ser publicados – princípio da publicidade].

    Também não lhe é garantido a oportunidade de constituir prova ou testemunhas, por que na caserna há erroneamente uma inversão do onus probandi, assim o militar acusado é que tem o peso de provar que é inocente e não quem está alegando.

    A consequência da falta de inúmeras garantias constitucionais na apuração da transgressão disciplinar militar leva, conforme concluo, ao surgimento da verdade sabida. Desta forma a autoridade militar toma conhecimento do fato, manda o militar acusado preencher com suas alegações a FATD, em três dias, e de pronto aplica-lhe uma sanção já pré-estabelecida, sem as garantias mínimas de defesa, que são a ampla defesa e o contraditório, sem imparcialidade, o que atenta contra a garantia do devido processo legal.

    Diante do exposto, concluo que a legislação disciplinar militar, quando prevista em regulamento, assim como é o Regulamento Disciplinar do Exército é em parte ilegal, já que mesmo sendo recepcionado pela Constituição Federal de 1988, a parte que trata especificamente da transgressão disciplinar fere o princípio da legalidade, primeiro por não estar previsto em lei, e segundo por que vários desses tipos punitivos dão margem a vários entendimentos, de forma ampla, o que de certa forma enseja uma insegurança jurídica por parte do militar, que ficaria, e fica a mercê do bem ou mal querer de seus comandantes.

    Quanto à falta da ampla defesa e do contraditório no processo de apuração de transgressão disciplinar, e quanto à incidencia da verdade sabida ou atitudes desarrazoadas e desproporcionais de alguns militares que possuem o dever de seguir os ditames constitucionais, uma das saídas é com certeza a tutela jurisdicional, buscando a nulidade do ato ensejador da punição.

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    Anexos

    ANEXO A

    ANEXO I DO DECRETO FEDERAL N º 4.346 DE 26 DE AGOSTO DE 2002

    REGULAMENTO DISCIPLINAR DO EXÉRCITO

    RELAÇAO DE TRANSGRESSÕES

    1. Faltar à verdade ou omitir deliberadamente informações que possam conduzir à apuração de uma transgressão disciplinar;

    2. Utilizar-se do anonimato;

    3. Concorrer para a discórdia ou a desarmonia ou cultivar inimizade entre militares ou seus familiares;

    4. Deixar de exercer autoridade compatível com seu posto ou graduação;

    5. Deixar de punir o subordinado que cometer transgressão, salvo na ocorrência das circunstâncias de justificação previstas neste Regulamento;

    6. Não levar falta ou irregularidade que presenciar, ou de que tiver ciência e não lhe couber reprimir, ao conhecimento de autoridade competente, no mais curto prazo;

    7. Retardar o cumprimento, deixar de cumprir ou de fazer cumprir norma regulamentar na esfera de suas atribuições.

    8. Deixar de comunicar a tempo, ao superior imediato, ocorrência no âmbito de suas atribuições, quando se julgar suspeito ou impedido de providenciar a respeito;

    9. Deixar de cumprir prescrições expressamente estabelecidas no Estatuto dos Militares ou em outras leis e regulamentos, desde que não haja tipificação como crime ou contravenção penal, cuja violação afete os preceitos da hierarquia e disciplina, a ética militar, a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe;

    10. Deixar de instruir, na esfera de suas atribuições, processo que lhe for encaminhado, ressalvado o caso em que não for possível obter elementos para tal;

    11. Deixar de encaminhar à autoridade competente, na linha de subordinação e no mais curto prazo, recurso ou documento que receber elaborado de acordo com os preceitos regulamentares, se não for da sua alçada a solução;

    12. Desrespeitar, retardar ou prejudicar medidas de cumprimento ou ações de ordem judicial, administrativa ou policial, ou para isso concorrer;

    13. Apresentar parte ou recurso suprimindo instância administrativa, dirigindo para autoridade incompetente, repetindo requerimento já rejeitado pela mesma autoridade ou empregando termos desrespeitosos;

    14. Dificultar ao subordinado a apresentação de recurso;

    15. Deixar de comunicar, tão logo possível, ao superior a execução de ordem recebida;

    16. Aconselhar ou concorrer para que não seja cumprida qualquer ordem de autoridade competente, ou para retardar a sua execução;

    17. Deixar de cumprir ou alterar, sem justo motivo, as determinações constantes da missão recebida, ou qualquer outra determinação escrita ou verbal;

    18. Simular doença para esquivar-se do cumprimento de qualquer dever militar;

    19. Trabalhar mal, intencionalmente ou por falta de atenção, em qualquer serviço ou instrução;

    20. Causar ou contribuir para a ocorrência de acidentes no serviço ou na instrução, por imperícia, imprudência ou negligência;

    21. Disparar arma por imprudência ou negligência;

    22. Não zelar devidamente, danificar ou extraviar por negligência ou desobediência das regras e normas de serviço, material ou animal da União ou documentos oficiais, que estejam ou não sob sua responsabilidade direta, ou concorrer para tal;

    23. Não ter pelo preparo próprio, ou pelo de seus comandados, instruendos ou educandos, a dedicação imposta pelo sentimento do dever;

    24. Deixar de providenciar a tempo, na esfera de suas atribuições, por negligência, medidas contra qualquer irregularidade de que venha a tomar conhecimento;

    25. Deixar de participar em tempo, à autoridade imediatamente superior, a impossibilidade de comparecer à OM ou a qualquer ato de serviço para o qual tenha sido escalado ou a que deva assistir;

    26. Faltar ou chegar atrasado, sem justo motivo, a qualquer ato, serviço ou instrução de que deva participar ou a que deva assistir;

    27. Permutar serviço sem permissão de autoridade competente ou com o objetivo de obtenção de vantagem pecuniária;

    28. Ausentar-se, sem a devida autorização, da sede da organização militar onde serve, do local do serviço ou de outro qualquer em que deva encontrar-se por força de disposição legal ou ordem;

    29. Deixar de apresentar-se, nos prazos regulamentares, à OM para a qual tenha sido transferido ou classificado e às autoridades competentes, nos casos de comissão ou serviço extraordinário para os quais tenha sido designado;

    30. Não se apresentar ao fim de qualquer afastamento do serviço ou, ainda, logo que souber da interrupção;

    31. Representar a organização militar ou a corporação, em qualquer ato, sem estar devidamente autorizado;

    32. Assumir compromissos, prestar declarações ou divulgar informações, em nome da corporação ou da unidade que comanda ou em que serve, sem autorização;

    33. Contrair dívida ou assumir compromisso superior às suas possibilidades, que afete o bom nome da Instituição;

    34. Esquivar-se de satisfazer compromissos de ordem moral ou pecuniária que houver assumido, afetando o bom nome da Instituição;

    35. Não atender, sem justo motivo, à observação de autoridade superior no sentido de satisfazer débito já reclamado;

    36. Não atender à obrigação de dar assistência à sua família ou dependente legalmente constituídos, de que trata o Estatuto dos Militares;

    37. Fazer diretamente, ou por intermédio de outrem, transações pecuniárias envolvendo assunto de serviço, bens da União ou material cuja comercialização seja proibida;

    38. Realizar ou propor empréstimo de dinheiro a outro militar visando auferir lucro;

    39. Ter pouco cuidado com a apresentação pessoal ou com o asseio próprio ou coletivo;

    40. Portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura;

    41. Deixar de tomar providências cabíveis, com relação ao procedimento de seus dependentes, estabelecidos no Estatuto dos Militares, junto à sociedade, após devidamente admoestado por seu Comandante;

    42. Freqüentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade ou da classe;

    43. Portar a praça armamento militar sem estar de serviço ou sem autorização;

    44. Executar toques de clarim ou corneta, realizar tiros de salva, fazer sinais regulamentares, içar ou arriar a Bandeira Nacional ou insígnias, sem ordem para tal;

    45. Conversar ou fazer ruídos em ocasiões ou lugares impróprios quando em serviço ou em local sob administração militar;

    46. Disseminar boatos no interior de OM ou concorrer para tal;

    47. Provocar ou fazer-se causa, voluntariamente, de alarme injustificável;

    48. Usar de força desnecessária no ato de efetuar prisão disciplinar ou de conduzir transgressor;

    49. Deixar alguém conversar ou entender-se com preso disciplinar, sem autorização de autoridade competente;

    50. Conversar com sentinela, vigia, plantão ou preso disciplinar, sem para isso estar autorizado por sua função ou por autoridade competente;

    51. Consentir que preso disciplinar conserve em seu poder instrumentos ou objetos não permitidos;

    52. Conversar, distrair-se, sentar-se ou fumar, quando exercendo função de sentinela, vigia ou plantão da hora;

    53. Consentir, quando de sentinela, vigia ou plantão da hora, a formação de grupo ou a permanência de pessoa junto a seu posto;

    54. Fumar em lugar ou ocasião onde seja vedado;

    55. Tomar parte em jogos proibidos ou em jogos a dinheiro, em área militar ou sob jurisdição militar;

    56. Tomar parte, em área militar ou sob jurisdição militar, em discussão a respeito de assuntos de natureza político-partidária ou religiosa;

    57. Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária;

    58. Tomar parte, fardado, em manifestações de natureza político-partidária;

    59. Discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado;

    60. Ser indiscreto em relação a assuntos de caráter oficial cuja divulgação possa ser prejudicial à disciplina ou à boa ordem do serviço;

    61. Dar conhecimento de atos, documentos, dados ou assuntos militares a quem deles não deva ter ciência ou não tenha atribuições para neles intervir;

    62. Publicar ou contribuir para que sejam publicados documentos, fatos ou assuntos militares que possam concorrer para o desprestígio das Forças Armadas ou que firam a disciplina ou a segurança destas;

    63. Comparecer o militar da ativa, a qualquer atividade, em traje ou uniforme diferente do determinado;

    64. Deixar o superior de determinar a saída imediata de solenidade militar ou civil, de subordinado que a ela compareça em traje ou uniforme diferente do determinado;

    65. Apresentar-se, em qualquer situação, sem uniforme, mal uniformizado, com o uniforme alterado ou em trajes em desacordo com as disposições em vigor;

    66. Sobrepor ao uniforme insígnia ou medalha não regulamentar, bem como, indevidamente, distintivo ou condecoração;

    67. Recusar ou devolver insígnia, medalha ou condecoração que lhe tenha sido outorgada;

    68. Usar o militar da ativa, em via pública, uniforme inadequado, contrariando o Regulamento de Uniformes do Exército ou normas a respeito;

    69. Transitar o soldado, o cabo ou o taifeiro, pelas ruas ou logradouros públicos, durante o expediente, sem permissão da autoridade competente;

    70. Entrar ou sair da OM, ou ainda permanecer no seu interior o cabo ou soldado usando traje civil, sem a devida permissão da autoridade competente;

    71. Entrar em qualquer OM, ou dela sair, o militar, por lugar que não seja para isso designado;

    72. Entrar em qualquer OM, ou dela sair, o taifeiro, o cabo ou o soldado, com objeto ou embrulho, sem autorização do comandante da guarda ou de autoridade equivalente;

    73. Deixar o oficial ou aspirante-a-oficial, ao entrar em OM onde não sirva, de dar ciência da sua presença ao oficial-de-dia e, em seguida, de procurar o comandante ou o oficial de maior precedência hierárquica, para cumprimentá-lo;

    74. Deixar o subtenente, sargento, taifeiro, cabo ou soldado, ao entrar em organização militar onde não sirva, de apresentar-se ao oficial-de-dia ou a seu substituto legal;

    75. Deixar o comandante da guarda ou responsável pela segurança correspondente, de cumprir as prescrições regulamentares com respeito à entrada ou permanência na OM de civis ou militares a ela estranhos;

    76. Adentrar o militar, sem permissão ou ordem, em aposentos destinados a superior ou onde este se ache, bem como em qualquer lugar onde a entrada lhe seja vedada;

    77. Adentrar ou tentar entrar em alojamento de outra subunidade, depois da revista do recolher, salvo os oficiais ou sargentos que, por suas funções, sejam a isso obrigados;

    78. Entrar ou permanecer em dependência da OM onde sua presença não seja permitida;

    79. Entrar ou sair de OM com tropa, sem prévio conhecimento, autorização ou ordem da autoridade competente;

    80. Retirar ou tentar retirar de qualquer lugar sob jurisdição militar, material, viatura, aeronave, embarcação ou animal, ou mesmo deles servir-se, sem ordem do responsável ou proprietário;

    81. Abrir ou tentar abrir qualquer dependência de organização militar, fora das horas de expediente, desde que não seja o respectivo chefe ou sem a devida ordem e a expressa declaração de motivo, salvo em situações de emergência;

    82. Desrespeitar regras de trânsito, medidas gerais de ordem policial, judicial ou administrativa;

    83. Deixar de portar a identidade militar, estando ou não fardado;

    84. Deixar de se identificar quando solicitado por militar das Forças Armadas em serviço ou em cumprimento de missão;

    85. Desrespeitar, em público, as convenções sociais;

    86. Desconsiderar ou desrespeitar autoridade constituída;

    87. Desrespeitar corporação judiciária militar ou qualquer de seus membros;

    88. Faltar, por ação ou omissão, com o respeito devido aos símbolos nacionais, estaduais, municipais e militares;

    89. Apresentar-se a superior hierárquico ou retirar-se de sua presença, sem obediência às normas regulamentares;

    90. Deixar, quando estiver sentado, de demonstrar respeito, consideração e cordialidade ao superior hierárquico, deixando de oferecer-lhe seu lugar, ressalvadas as situações em que houver lugar marcado ou em que as convenções sociais assim não o indiquem;

    91. Sentar-se, sem a devida autorização, à mesa em que estiver superior hierárquico;

    92. Deixar, deliberadamente, de corresponder a cumprimento de subordinado;

    93. Deixar, deliberadamente, de cumprimentar superior hierárquico, uniformizado ou não, neste último caso desde que o conheça, ou de saudá-lo de acordo com as normas regulamentares;

    94. Deixar o oficial ou aspirante-a-oficial, diariamente, tão logo seus afazeres o permitam, de apresentar-se ao comandante ou ao substituto legal imediato da OM onde serve, para cumprimentá-lo, salvo ordem ou outras normas em contrário;

    95. Deixar o subtenente ou sargento, diariamente, tão logo seus afazeres o permitam, de apresentar-se ao seu comandante de subunidade ou chefe imediato, salvo ordem ou outras normas em contrário;

    96. Recusar-se a receber vencimento, alimentação, fardamento, equipamento ou material que lhe seja destinado ou deva ficar em seu poder ou sob sua responsabilidade;

    97. Recusar-se a receber equipamento, material ou documento que tenha solicitado oficialmente, para atender a interesse próprio;

    98. Desacreditar, dirigir-se, referir-se ou responder de maneira desatenciosa a superior hierárquico;

    99. Censurar ato de superior hierárquico ou procurar desconsiderá-lo seja entre militares, seja entre civis;

    100. Ofender, provocar, desafiar, desconsiderar ou procurar desacreditar outro militar, por atos, gestos ou palavras, mesmo entre civis.

    101. Ofender a moral, os costumes ou as instituições nacionais ou do país estrangeiro em que se encontrar, por atos, gestos ou palavras;

    102. Promover ou envolver-se em rixa, inclusive luta corporal, com outro militar;

    103. Autorizar, promover ou tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico, com exceção das demonstrações íntimas de boa e sã camaradagem e com consentimento do homenageado;

    104. Aceitar qualquer manifestação coletiva de seus subordinados, com exceção das demonstrações íntimas de boa e sã camaradagem e com consentimento do homenageado;

    105. Autorizar, promover, assinar representações, documentos coletivos ou publicações de qualquer tipo, com finalidade política, de reivindicação coletiva ou de crítica a autoridades constituídas ou às suas atividades;

    106. Autorizar, promover ou assinar petição ou memorial, de qualquer natureza, dirigido a autoridade civil, sobre assunto da alçada da administração do Exército;

    107. Ter em seu poder, introduzir ou distribuir, em área militar ou sob a jurisdição militar, publicações, estampas, filmes ou meios eletrônicos que atentem contra a disciplina ou a moral;

    108. Ter em seu poder ou introduzir, em área militar ou sob a jurisdição militar, armas, explosivos, material inflamável, substâncias ou instrumentos proibidos, sem conhecimento ou permissão da autoridade competente;

    109. Fazer uso, ter em seu poder ou introduzir, em área militar ou sob jurisdição militar, bebida alcoólica ou com efeitos entorpecentes, salvo quando devidamente autorizado;

    110. Comparecer a qualquer ato de serviço em estado visível de embriaguez ou nele se embriagar;

    111. Falar, habitualmente, língua estrangeira em OM ou em área de estacionamento de tropa, exceto quando o cargo ocupado o exigir;

    112. Exercer a praça, quando na ativa, qualquer atividade comercial ou industrial, ressalvadas as permitidas pelo Estatuto dos Militares;

    113. Induzir ou concorrer intencionalmente para que outrem incida em transgressão disciplinar.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço primeiramente a Deus, pois Ele tudo pode e sem a ajuda Dele, com certeza, não seria possível a concretização desta Monografia.

    À minha família, especialmente pelo amor e cumplicidade doados pela minha esposa, Ana Carla, e aos meus filhos Vinícius e Alana, minhas verdadeiras paixões, que tanto me apoiaram e me deram forças nos momentos difíceis e pelo sacrifício das horas de lazer, que tive de adiar, por estar estudando.

     

    Autor:

    Alexander Miguel De Lima

    RIO DE JANEIRO

    2011

    Dedico este trabalho aos militares integrantes da Forças Armadas, em especial os do Exército Brasileiro, com o qual pretendo, humildemente, ter contribuído com a Ciência Jurídica e o Ideal de Justiça.



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