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Intervenções direccionadas ao contexto de pré-natal de mulheres vivendo com VIH/SIDA (página 2)


No contexto de infecção por VIH/SIDA, é preciso considerar o impacto gerado por esse diagnóstico e a necessidade do estabelecimento de estratégias de enfrentamento por parte de toda a família. Assim, acredita-se que intervenções planeadas com base no aporte teórico sistémico, tendo, de forma complementar, os pressupostos da educação para a saúde, podem ser de grande valia às famílias. Com essa abordagem, busca-se, ainda, a efectivação da prevenção primária e secundária por meio de soluções particularizadas e coerentes com os valores e estilos de vida específicos de cada pessoa, visando à transformação de hábitos e à adesão a comportamentos mais saudáveis.

Aconselhamento em VIH/SIDA como modalidade de intervenção

Uma importante estratégia de intervenção em âmbito primário e secundário no contexto de VIH/SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) tem sido o aconselhamento, abordagem bastante utilizada em muitos países. A abordagem do aconselhamento psicológico teve sua origem no início do século XX e objectiva auxiliar na resolução de problemas, na tomada de decisões e no planeamento da vida. Outra característica fundamental é sua atenção prioritária ao potencial de desenvolvimento pessoal do indivíduo e aos seus recursos adaptativos em lugar do foco na identificação de sintomas e défices a serem superados. De certa forma, o aconselhamento psicológico assemelha-se à psicoterapia. Contudo, diferencia-se desta por ser mais focal e menos direccionado a mudanças de personalidade. Dessa forma, o aconselhamento presta-se à modalidade preventiva de intervenção, na medida em que não parte necessariamente de um problema psicológico instalado. Em razão disso, tem sido utilizado em programas educativos em dependência química, DST/SIDA, orientação profissional.

Em muitos países, tal como o nosso, o aconselhamento tem sido utilizado em situações de testagem para VIH e outras DST, no formato de aconselhamento pré-teste e pós-teste, orientando a pessoas que buscam serviços de saúde e que apresentam alguma situação de risco para DST/VIH/SIDA. Em forma geral o aconselhamento, envolve um processo de escuta activa, individualizada e centralizada no cliente; se estabelece uma relação de confiança, a fim de fortalecer o indivíduo como sujeito de sua própria saúde e transformação, baseando-se em três componentes:

a) O apoio educativo, pautado na transmissão de informações e esclarecimento de dúvidas;

b) O apoio emocional, oferecido a partir de uma escuta sensível e uma postura acolhedora;

c) A avaliação de riscos, que propicia a reflexão sobre atitudes e valores, e a elaboração de estratégias de redução dos riscos.

Ressalta-se, ainda, que o aconselhamento não deve ser focalizado exclusivamente em acções de prevenção primária. Deve também salientar a predominância de campanhas voltadas exclusivamente à prevenção primária do VIH sobre aquelas que se direccionam aos já portadores da infecção. Em alguns casos, o discurso da prevenção secundária pode ser tomado de forma negativa por profissionais e pacientes, sendo entendido como uma forma de culpabilização, estigmatização e invasão da privacidade. De facto, a relação de confiança entre o profissional e o paciente pode ficar abalada se este entender que o profissional está mais interessado na prevenção da infecção de terceiros do que na saúde e no bem-estar do paciente. É importante, na concepção desses autores, que a abordagem do risco seja centralizada na mudança de comportamentos e na redução de danos em pro da saúde e protecção do próprio paciente, e não na possibilidade de que ele transmita o VIH a outras pessoas.

Em busca do enfrentamento da epidemia, e tomando por base as proposições da Organização Mundial de Saúde, Carvalho (1999) recomenda que o aconselhamento deve fazer parte de todas as estratégias de prevenção da infecção pelo VIH. As intervenções devem ter três objectivos principais:

a) A prevenção primária, para a diminuição do número de pessoas infectadas pelo VIH/SIDA.

b) O controlo da epidemia, com intervenções em nível de prevenção secundária.

c) Oferecimento de apoio psicológico às pessoas afectadas pelo VIH/SIDA, auxiliando-as em suas necessidades emocionais e nas consequências psicossociais da infecção. O foco em prevenção secundária e em apoio deve prever acções para modular o impacto psicológico do diagnóstico e os sentimentos ligados à infecção, ao tratamento e às mudanças de estilo de vida necessárias. Além disso, as acções devem visar à qualidade de vida e propiciar aos indivíduos o reconhecimento de suas próprias capacidades na tomada de decisões.

Com base em sua experiência clínica e na literatura na área, Hoffmann (1996) desenvolveu um modelo de avaliação e aconselhamento no contexto do VIH/SIDA, visando à adaptação psicológica à doença, baseado em quatro dimensões.

A primeira diz respeito ao impacto do VIH/SIDA sobre a pessoa vivendo com o vírus, que considera o estigma social, a cronicidade e o curso progressivo da doença, além de aspectos específicos relacionados ao momento de vida em que ocorre a infecção.

A segunda se refere ao apoio social e envolveria as influências da doença sobre as relações interpessoais e as redes sociais, bem como os seus efeitos moderadores sobre as reacções psicológicas ao VIH/SIDA.

A terceira dimensão está relacionada à situação única de vida da pessoa vivendo com VIH/SIDA, com destaque para forma de infecção, estágio da doença e aceitação emocional do diagnóstico, além das percepções individuais sobre a situação que afectarão o ajustamento à infecção.

A quarta dimensão se refere às características de personalidade e sociodemográficas e ao estilo de vida que são fundamentais na adaptação à doença e podem indicar aspectos prioritários de intervenção.

Especificamente quanto às gestantes vivendo com VIH/SIDA, destacou-se seis pontos a serem considerados durante o aconselhamento:

1. Explicações sobre aspectos de saúde da mãe e do bebé.

2. Explicações sobre as formas de TMI.

3. Explicações sobre as formas de prevenção da TMI.

4. Oferecimento de apoio emocional específico.

5. Informações sobre o processo de seroconversão do recém-nascido.

6. Definição dos serviços de assistência para encaminhamento.

Num estudo que envolveu a observação de aconselhamento a mães vivendo com a infecção, realizados por profissionais em centros de atenção especializada em VIH/SIDA, foi identificada adequação geral quanto à qualidade da comunicação e às habilidades dessa prática. O estudo revelou que, em geral, as perguntas das mães eram respondidas pelos profissionais e que estes mantinham contacto olho a olho com as pacientes durante grande parte do tempo e as encorajavam a falar.

Em famílias que convivem com o VIH/SIDA, seja pela infecção dos genitores, seja pela infecção da criança, tendem a ocorrer uma sobrecarga e um sofrimento emocional relacionados à doença. Diante disso, é fundamental que as mães e os pais recebam aconselhamento a respeito dos cuidados de saúde necessários em relação a si, quanto à TMI e quanto aos cuidados dos filhos. Dessa forma, a aquisição de conhecimentos a respeito do VIH/SIDA, juntamente com o apoio psicológico, pode proporcionar mudanças das práticas de risco, tomada de consciência sobre as responsabilidades individuais e colectivas, e estratégias para lidar com conflitos decorrentes da infecção.

Temas prioritários numa intervenção para gestantes no contexto do VIH/SIDA

As observações anteriormente apresentadas destacam aspectos importantes a serem considerados na elaboração de uma intervenção voltada a pessoas vivendo com VIH/SIDA, em especial gestantes. A partir desses conceitos-chave e de achados empíricos relatados, buscou-se compreender a realidade específica da maternidade no contexto de infecção por VIH/SIDA, com base em estudos realizados com mulheres e gestantes. Para isso, foram previamente seleccionados, com base nos pressupostos teóricos apresentados, possíveis temas a serem incluídos em uma intervenção psicoeducativa que possa ser realizada durante o pré-natal de gestantes vivendo com VIH/SIDA.

Aspectos físicos e emocionais da gestação no contexto da infecção pelo VIH/SIDA

Desde a instituição da obrigatoriedade da notificação da infecção pelo VIH/SIDA em gestantes, já foram notificados alguns casos. No entanto, um estudo de prevalência do VIH indicou estimativas de que apenas metade dos casos esperados da infecção entre gestantes havia sido notificada. Juntos, esses dados indicam a necessidade de ampliação da testagem VIH/SIDA no pré-natal, assim como a importância do atendimento especializado para as gestantes vivendo com VIH/SIDA, o que contribuirá para diminuir as taxas de TMI. Durante o acompanhamento pré-natal, recomenda-se conduta de aconselhamento, a fim de incentivar a gestante a realizar a testagem voluntária para o VIH e, se se identifica a infecção, a gestante precisa ser informada sobre a profilaxia da prevenção da TMI, com o propósito de favorecer sua adesão ao processo de prevenção.

A transmissão pode acontecer durante a gestação, o trabalho de parto, o parto e a amamentação. A transmissão no período gestacional aumenta de acordo com algumas variáveis, tais como estado nutricional e de saúde da mãe, incluindo a carga viral. A taxa de TMI do VIH/SIDA, sem nenhuma intervenção, situa-se em torno de 25%, a maior parte dos casos de TMI (65%) ocorre durante o trabalho de parto e parto, e 35% ocorrem nointra-uterino. Factores como o prolongamento do tempo de ruptura de membranas amnióticas e a carga viral elevada associam-se ao aumento do risco de infecção do bebé durante o trabalho de parto e o parto. Por fim, o aleitamento materno é considerado um risco adicional de TMI, uma vez que o leite da mãe vivendo com VIH/SIDA é um líquido corpóreo onde se encontra o vírus.

Diante disso, se recomenda que as gestantes recebam terapia anti-retroviral a partir da 14a semana gestacional e realizem diversos exames pré-natais. O uso do mesmo, tem resultado em baixas taxas de TMI, quando associada a uma boa adesão ao tratamento, mesmo que o início da ingestão ocorra no terceiro trimestre gestacional ou até mesmo durante o trabalho de parto. É importante destacar que a anti-retroviral na gestação é peculiar, ou seja, mesmo que a mulher não tenha a indicação de tratamento anteriormente, é recomendado que ela tome a medicação durante a gestação. Caso a mulher já tenha realizado algum tipo de tratamento antes da gravidez, o médico deve fazer uma reavaliação, a fim de evitar a TMI e suspender, se necessário, os anti-retrovirais que sejam teratogénicos para reduzir a carga viral da mulher a níveis indetectáveis e, em conjunto com as demais medidas profilácticas, diminuir a taxa de TMI.

O período da gestação, envolto em complexas tarefas psicológicas para os pais e de readaptação na rotina e nos papéis dentro da família, muitas vezes torna-se o momento em que algumas mulheres descobrem-se infectadas pelo VIH/SIDA. Em nível nacional, ainda há muitas carências do sistema de saúde quanto a uma cobertura mais efectiva para detecção do VIH/SIDA durante o acompanhamento pré-natal. Apesar do aumento progressivo na cobertura de testagem no pré-natal, a realização de aconselhamento pré-teste durante esse período tem demonstrado níveis ainda muito insatisfatórios. Isso implica que muitas mães recebam o diagnóstico durante a gestação sem o devido amparo. Por si só, a notícia da infecção durante a gravidez tem sido associada a um impacto psicológico bastante intenso. Em outros casos, a gestação exige que algumas mães que já se sabiam infectadas se defrontem de modo mais activo com a doença, até então evitada, além de revelar o diagnóstico para o parceiro e para a família. Muitas vezes, a infecção não havia sido revelada para a família, e a gravidez pode colocar em xeque a manutenção desse segredo. Isso traz novas angústias para o portador, já que o segredo em torno da infecção pelo VIH/SIDA está comumente relacionado ao medo de enfrentar o estigma da doença e consequente impacto na vida social.

Intensos sentimentos de culpa e medo têm sido relatados ao longo do processo psicológico da gravidez em mulheres vivendo com VIH/SIDA, trazendo consigo sofrimento psíquico importante. Carvalho e Piccinini (2006) identificaram a existência de ambivalências e paradoxos peculiares ao momento da gravidez em mulheres vivendo com VIH/SIDA. Desse modo, a culpa por colocar o filho em risco e o medo de infectá-lo e de que ele venha a falecer em consequência da infecção contrastam-se com a concepção idealizada da maternidade, que coloca a mulher como aquela que tem o poder de gerar a vida, conquistando desse modo uma importante função social. Consequentemente, tanto a gestação quanto o período pós-parto são permeados pela incerteza quanto ao diagnóstico do filho, quando se exacerbam as preocupações e ansiedades com relação à saúde da criança.

Nesse contexto, a maternidade na presença do VIH/SIDA pode, por vezes, redimensionar positivamente a vida da mulher. Estudos têm indicado que a maternidade permanece numa posição privilegiada para as gestantes e mães vivendo com VIH/SIDA, sendo muitas vezes mais valorizada do que a seropositividade. Essas pesquisas destacam que a gestação em mulheres vivendo com VIH/SIDA pode, inclusive, promover o seu reposicionamento perante a doença e a própria vida, já que elas precisam assumir a doença e proceder ao tratamento profiláctico em favor dos filhos. Por vezes, o bebé torna-se para a mãe uma importante fonte de apoio e a esperança de continuar vivendo e cuidando da própria saúde.

Parto, puerpério e desenvolvimento inicial do bebé

Além dos procedimentos durante a gestação, existem diversas especificidades, no momento do parto, para a prevenção da TMI. No trabalho de parto, recomenda-se evitar a ruptura de membranas por mais de quatro horas até que a parturiente inicie a receber o anti-retroviral sob a forma intravenosa. Além disso, é importante que o anti-retroviral seja injectado no mínimo três horas até o período expulsivo do bebé. Para mulheres com carga viral acima de 1.000 cópias por mm3, recomenda-se a realização de cesariana electiva. Nos casos em que a carga viral esteja abaixo desse limite, a decisão quanto à via de parto se dá por indicação obstétrica. Após o nascimento, o bebé deve receber anti-retroviral sob a forma de xarope já durante as primeiras seis horas após o nascimento (até no máximo 48 horas) e até 42 dias de vida. Na maternidade, aconselham-se o não aleitamento no peito, que envolve o enfaixamento dos seios após o parto, e o uso de medicações para inibir a produção de leite. Nessa situação, o governo brasileiro oferece fórmula láctea para alimentação durante os seis primeiros meses de vida da criança.

O parto tem sido mencionado como motivo de grande preocupação para as gestantes em situação de VIH/SIDA. De acordo com Carvalho e Piccinini (2006), o desconhecimento sobre como se efectuam as medidas profilácticas durante o trabalho de parto podem gerar intensa ansiedade e fantasias entre as gestantes. Além disso, as gestantes sabem que o parto é um momento crucial para impedir a TMI, o que contribui para o aumento de tensão e sentimentos de medo. Nesse sentido, fica clara a necessidade de acções que visem informar e apoiar as gestantes no que diz respeito aos procedimentos durante o trabalho de parto e o próprio parto.

No que se refere ao desenvolvimento inicial do bebé, estudos de experiência em maternidade de mães vivendo VIH/SIDA aos três meses de vida do(a) filho(a), relataram fortes preocupações, culpa e medo pela possível infecção do filho, e também conflitos familiares, restrições socioeconómicas e problemas em sua rede de apoio, o que exigia grande esforço emocional e gerava sofrimento psíquico. Os relatos de algumas mães evidenciaram ainda a falta de informações sobre aspectos da profilaxia da TMI, o que gerava grande ansiedade. Em estudo semelhante, Faria (2008) investigou qualitativamente a relação de cinco díades brasileiras mãe-bebé em situação de infecção materna pelo VIH/SIDA, desde a gestação até o terceiro mês de vida do bebé. Os achados também revelaram preocupações com possível infecção do bebé, medo do preconceito e frustração pela não amamentação. No entanto, prevaleceram entre as mães satisfações com a maternidade, com as interacções mãe-bebé e o desenvolvimento infantil, demonstrando que o VIH/SIDA não tem necessariamente um impacto negativo para a qualidade da relação mãe-bebé, principalmente quando há presença de apoio familiar, relacionamento positivo com a figura materna e acesso a um tratamento especializado.

Na verdade, em famílias com crianças infectadas pelo VIH/SIDA, os pais podem vivenciar sentimentos de perda e luto antecipado, por acreditarem que o desfecho final de uma doença crónica é a morte e, com isso, experimentam forte sobrecarga emocional e sofrimento. Considerando a interacção entre pais e filhos, realizaram-se estudos com as famílias, em que os pais viviam com VIH/SIDA e os resultados revelaram que 48% dos pais temiam contrair alguma doença oportunista de seus filhos, e 36% tinham medo de transmitir o VIH para as crianças, dos quais 28% evitavam algum tipo de interacção física com os filhos por esse motivo. No que diz respeito aos filhos não portadores do VIH/SIDA, a maior sobrecarga para as famílias afectadas pela infecção situa-se em torno da revelação de seu diagnóstico para os filhos, quando estes atingem idade em que já podem compreender a situação, desafiando a manutenção do segredo sobre a infecção e pode reacender ressentimentos, culpa e raiva relacionados com a história da infecção na família, podendo, ainda, trazer à tona situações dolorosas, como histórias de uso de drogas e relações extraconjugais. Acrescenta-se ainda o desejo dos pais de proteger os filhos do estigma, da possibilidade de sua perda e do isolamento social.

Ao mesmo tempo, a parentalidade também é apontada como fonte de alegria e gratificação para pais vivendo com VIH/SIDA, trazendo-lhes um novo sentido e tornando o convívio em família algo muito precioso, apesar dos altos níveis de estresse e sobrecarga emocional evidenciados entre os pais de crianças com doenças crónicas incluindo a infecção pelo VIH/SIDA, muitos pais conseguiam se adaptar a complexas rotinas de tratamento e fornecer um ambiente feliz e seguro para os filhos, essa tarefa era facilitada pela ressignificação positiva que a parentalidade propiciava.

Família e rede de apoio social

Como já destacado, a maternidade no contexto do VIH/SIDA implica uma série de cuidados e procedimentos específicos. A realização da profilaxia da TMI do VIH soma-se às complexas tarefas psicológicas das gestantes e à readaptação na rotina e nos papéis dentro da família. Toda a sobrecarga psicológica é agravada pelo estigma social e pela discriminação historicamente associada à epidemia, que a relaciona à degradação física e moral contribui para o isolamento e a exclusão social dos portadores; está associada também a dificuldades emocionais, familiares, sociais e económicas. Entre mulheres em idade reprodutiva, muitas vezes estão presentes pouco apoio social, depressão, violência, uso de drogas, dificuldade de negociar práticas sexuais seguras e de anticoncepção, baixa escolaridade e dependência financeira. Diante de tantas ameaças, comumente associadas a contextos sociais pobres e com violência, a necessidade de tratamento de cuidados com a saúde, bem como do risco de adoecer por SIDA, pode ficar minimizada.

Por exemplo, mulheres vivendo com VIH/SIDA geralmente se tornam cuidadoras de seus companheiros quando estes adoecem. Entretanto, ao lidarem com a própria infecção, elas tendem a se isolar, evitam pedir ajuda e, por vezes, se afastam dos seus empregos, o que demonstra o forte impacto em suas relações. De forma geral, os indivíduos infectados apresentam crenças quanto à sua infecção e muitas vezes acreditam que, se revelarem seu diagnóstico, não serão mais aceitos pela família, que ficarão sós e abandonados e que serão motivo de vergonha para os seus familiares; salientam que a manutenção do segredo a respeito da infecção pode contribuir para que as mulheres não procurem fontes de apoio social e permaneçam isoladas. Nesse sentido, essas mulheres seriam beneficiadas por intervenções de aconselhamento que as ajudem a lidar com os sentimentos de vergonha e isolamento, e a decidir sobre a revelação do diagnóstico para a família.

Nesse contexto, a família é a principal fonte de apoio emocional e financeiro para o indivíduo doente, e as relações familiares precisam mobilizar-se em torno da situação. Assim, o apoio de familiares e amigos se constitui em um factor importante no enfrentamento positivo da doença, podendo tornar a revelação do diagnóstico mais fácil. Corroborando essa ideia, em um estudo de Remor (2002), que entrevistou 80 homens e mulheres espanhóis vivendo com VIH/SIDA, aqueles que apresentavam maior apoio social tiveram menores índices de ansiedade e depressão, e, ainda, melhor qualidade de vida. Esse autor mencionou o apoio social como factor atenuador do impacto negativo da infecção, considerando esse apoio um recurso capaz de auxiliar na adaptação ao processo de doença. Ainda nessa direcção, o estudo de Serovichet al. (2001), com 24 mulheres norte-americanas vivendo com VIH/SIDA, revelou que, embora o apoio de amigos fosse mais acessível para elas, somente a percepção de apoio familiar esteve associada com menores níveis de depressão e sentimentos de solidão. Com base nessas evidências, constata-se que a família e o apoio social são temas centrais na vida das pessoas vivendo com VIH/SIDA, seja durante a revelação do diagnóstico, seja no apoio ao tratamento, seja no apoio emocional. Em especial, a resposta da família à infecção parece ser fundamental para o bem-estar e a saúde mental do indivíduo infectado.

Convivendo com o tratamento para VIH/SIDA da mãe e do bebé

A infecção pelo VIH/SIDA requer acompanhamento de saúde sistemático, mesmo pessoas que não receberam diagnóstico de VIH/SIDA devem realizar exames periódicos aproximadamente a cada 4 meses, para avaliar as condições imunológicas e a carga viral no sangue. Com o aparecimento de doenças oportunistas e/ou debilidade importante do sistema imunológico, inicia-se a utilização de anti-retroviral incluindo a ingestão de vários comprimidos ao dia, que devem ser tomados em horários fixos. Além disso, é necessário que o paciente tenha boa alimentação para que a eficácia das drogas seja mais abrangente e cumprir rigorosamente a prescrição do tratamento no mínimo, 95% das doses.

Quanto às gestantes vivendo VIH/SIDA, a gestação pode ocorrer durante a fase assintomática da infecção, ou após o diagnóstico de SIDA, em que já esteja presente a utilização do anti-retroviral. De modo geral, as gestantes tendem a seguir os procedimentos de prevenção da TMI, apresentando níveis de adesão bastante altos. No puerpério, recomenda-se a retomada do tratamento regular pela mãe para controlo do VIH/SIDA, mantendo o anti-retroviral ou suspendendo-o, conforme suas condições clínicas. No entanto, muitas vezes, as mulheres não retomam o seu tratamento após o parto. Assim, a adesão ao tratamento de mães após o nascimento de seus bebés tem sido objecto de grande preocupação. Um estudo norte-americano que acompanhou mães vivendo com VIH/SIDA na gestação e no pós-parto também verificou altas taxas de abandono do próprio tratamento no pós-parto.Nesse sentido, alguns aspectos têm sido associados à baixa adesão dessas mães, como a presença de atitudes discriminatórias, culpabilizantes e moralistas por parte dos profissionais, ser mais pobre, mais jovem e morar em cidades menores dificultando que as portadoras do VIH/SIDA atuem em benefício da sua própria saúde. Muitas vezes, elas tendem a pensar em cuidar de si mesmas só depois de cuidar da família.

Em um estudo com gestantes, Moskovics (2008) identificou que as condições de atendimento exercem papel fundamental na adesão ao tratamento no contexto do VIH/SIDA. Consideraram-se aspectos institucionais favoráveis para a adesão: a integralidade, multidisciplinaridade e intersectorialidade da atenção, quantidade e qualidade de informações acessíveis, assim como a oportunidade de interacção com outras gestantes. Por sua vez, a falta de acolhimento e aconselhamento e o preconceito dos próprios profissionais de saúde nesses serviços foram identificados como desfavoráveis. No pós-parto, podem-se mencionar ainda as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em aderir a práticas sexuais seguras. Esse aspecto é preocupante, já que se sabe que as mulheres tendem a não aderir à prevenção sexual com parceiros fixos, e comportamentos sexuais de risco podem ter consequências sérias para a saúde dessas mulheres, como possível reinfecção pelo VIH, agravamento do quadro imunológico e infecção por outras DST.

Enfim, aderir ao tratamento implica uma ampla mudança de hábitos na vida da mulher, principalmente com a chegada de um filho. São necessários cuidados com a própria saúde e com a do bebé. No caso da maternidade, este pode ser um momento oportuno para a reflexão sobre o futuro, despertando o senso de responsabilidade pelo bebé e, com isso, uma maior motivação para a manutenção da própria saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que a gestação, o parto e os primeiros meses após o nascimento do bebé se constituem em um importante momento de transição e adaptação à maternidade, fica evidente que a infecção pelo VIH/SIDA pode trazer importantes impactos psicológicos para ambos os genitores. Por mais que estejam disponíveis tratamentos medicamentosos que ajudam a manter a saúde física das mães, existe a necessidade de adaptações emocionais e mudanças de comportamentos, para que seja possível tanto a prevenção da TMI como a prevenção de agravos advindos de uma infecção já instalada. Dentre as dificuldades que frequentemente acometem essas mães, destacam-se sentimentos de culpa e medo quanto à possibilidade de infecção do bebé, instabilidade das relações familiares e conjugais, ansiedade e desinformação quanto a alguns procedimentos da profilaxia da TMI, além das dificuldades para a manutenção do próprio tratamento após o parto, a revelação do diagnóstico ao parceiro ou a outros familiares que pudessem ser fontes de apoio.

Considerando-se as lacunas na literatura, no que diz respeito a intervenções voltadas para as necessidades específicas das gestantes vivendo com VIH/SIDA, os achados relatados neste artigo reforçam a importância de iniciativas nesse sentido. Assim, no presente artigo, foram identificados diversos temas que podem subsidiar a construção de uma intervenção direccionada ao contexto de pré-natal de mulheres vivendo com VIH/SIDA. Buscaram-se as bases para a escolha de uma modalidade de intervenção, bem como para os temas a serem abordados. Nesse sentido, identificou-se a educação para a saúde, articulada com os pressupostos da abordagem sistémica, como bases teóricas propícias para subsidiar intervenções nessa área, em particular por destacar as potencialidades da família, por contemplar as dimensões física, psicológica, social e interpessoal, e por ter um carácter psicoeducativo. Além disso, tal intervenção voltada para gestantes atenderia ao formato de aconselhamento, amplamente utilizado na área de VIH/SIDA em que se oferecem, a partir da escuta activa, a avaliação de riscos e o apoio educativo e emocional. Por fim, essa modalidade pode ser facilmente adaptável à realidade dos serviços de pré-natal, sendo de curta duração, focalizada na problemática específica vivenciada pelas famílias que precisam realizar a profilaxia da TMI do VIH.

Em consonância com essas proposições, o presente artigo também destacou diversos temas a serem abordados em uma intervenção com as gestantes. Assim, foram identificados vários aspectos importantes relacionados à gestação (em seus aspectos físicos e emocionais), ao parto, ao puerpério e ao desenvolvimento inicial do bebé, além de aspectos relacionados à família, tais como apoio social e convivência com os tratamentos necessários à mulher e ao bebé. Acredita-se que abordar essas temáticas durante a gestação seja de fundamental importância para diminuir o impacto do VIH/SIDA nas famílias, ajudando as gestantes que vivem com VIH/SIDA a lidar com o tratamento e suas repercussões sociais e familiares. Actuando tanto sobre questões práticas e informativas associadas à gestação no contexto do VIH/SIDA, bem como nos seus aspectos emocionais, sugere-se que a elaboração de uma intervenção possa auxiliar as gestantes no enfrentamento da infecção, na redução do sofrimento psíquico diante das tarefas próprias da maternidade e no processo de diagnóstico e de cuidado do filho após o nascimento.

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  • 23- REGATTO, V. C.; ASSMAR, E. M. L. A Aids de nossos dias: quem é o responsável? Estudos de Psicologia UFRN, v. 9, n. 1, p. 167-175, 2004.

  • 24- REMOR, E. A. Abordagem psicologica da AIDS através do enfoque cognitivo-comportamental. Psicologia: reflexão e crítica, v. 12, n. 1, p. 89-106, 1999.

  • 25- SERRUYA, S. J.; CECATTI, J. G.; LAGO, T. G. O programa de humanização no pré-natal e nascimento do Ministério da Saúde no Brasil: resultados iniciais. Cadernos de SaúdePública, v. 20, n. 5, p. 1281-1289, 2004.

  • 26- SILVA, P. A. A (in)certeza da vida: representações sociais de gestantes soropositivas ao HIV/Aids sobre o nascimento de seu filho(a). 2003. 128 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia)–Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.

  • 27- SZWARCWALD, C. L.; SOUZA-Jr., P. R. Estudo de estimativa da prevalência de HIV na população brasileira de 15 a 49 anos, 2004. In: BRASIL. Boletim Epidemiológico –Aids e DST, ano III, n. 1, 1a-26a de 2006 – semanas epidemiológicas, janeiro a junho de 2006. Brasília: Ministério da Saúde, Programa Nacional de DST e Aids, 2006.

 

Autor:

Mario Zaldivar

mzaldivar1959[arroba]gmail.com

MsC Irma Borges Ponce de Leon

Profesora Asistente del ISP Huambo –Angola.



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