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Novos mecanismos e dispositivos tecnológicos no combate a violência doméstica e familiar contra mulher no estado do Maranhão (página 2)


Partes: 1, 2, 3

Keywords: Domestic violence. control mechanisms. Maria da Penha Law. New technological tools.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Art. – Artigo

ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADC – Ação Direta de Constitucionalidade

CF – Constituição Federal

CP – Código Penal

CPC - Código de Processo Civil

CPP - Código de Processo Penal

DJE - Diário Judicial Eletrônico

GPS – Sistema de Posicionamento Global (Global Positioning System)

IPEA – Institutos de Pesquisas Econômicas Aplicadas

IOS – Sistema Operacional Telefônico (Iphone operating system)

LMP- Lei Maria da Penha

MA – Maranhão

MP – Ministério Público

OMS – Organização Mundial da Saúde

ONG – Organização Não Governamental

ONU - Organização das Nações Unidas

PJE - Processo Judicial Eletrônico

SPM/PR - Secretaria de Política para Mulheres da Presidência da República

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ- Supremo Tribunal de Justiça

TJ/MT– Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso

TJ/MA – Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

INTRODUÇAO

Durante muito tempo o ambiente familiar foi tratado como um lugar privado e restrito, ao Estado não se permitia à invasão da privacidade e da intimidade das pessoas, o que somado a outros fatores contribuiu para o expressivo aumento da violência em âmbito doméstico e familiar. O medo, a vergonha e a falta de informação contribuíram para que mulheres agredidas dentro desse espaço não denunciassem seus agressores, principalmente por se tratar, na maioria das vezes, de pessoas muito próximas, como: maridos, companheiros, namorados, pais, irmãos, filhos.

Mas, assim como variado é o perfil dos agressores, diversificado também é o perfil das vítimas do crime doméstico e/ou familiar, abrangendo mulheres, crianças, idosos, deficientes físicos/mentais (em geral indivíduos de baixa resistência física e/ou altamente vulneráveis), conforme preconiza a lei 12.403/2011, que trouxe mudanças substanciais quanto a decretação de prisão preventiva a agressores enquadrados na Lei Maria da Penha ou diplomas afins.

Este trabalho monográfico tem por finalidade promover uma discussão acerca da temática em epígrafe, com vista ao levantamento de dados quantitativos e qualitativos no Estado do Maranhão, particularmente na capital, de modo a se construir um quadro informativo e atualizado de dados sobre a temática em âmbito local, afim de que de posse deste dados, possamos caminhar para o segundo propósito deste estudo, que é o de promover o levantamento dos mais modernos mecanismos empregados atualmente no combate e na erradicação dos crimes domésticos e familiares ou contra a mulher e, de apoio as vítimas. O foco é identificar aquele que melhor se adeque as características sociais, econômicas e políticas do Estado do Maranhão. O estudo da viabilidade quanto a aplicação de novos dispositivos tecnológicos (aplicativos androids, apple, tornozeleiras eletrônicas, outros) no controle do crime doméstico e contra mulher em nosso Estado constitui-se em elemento central de nosso estudo.

Neste contexto termos como propósito à construção de um entendimento dialético acerca da realidade penal local, em especial quanto aos casos de crimes que tenham mulheres por vítima e, os casos de crimes de ordem doméstica e familiar de um modo geral. Com fins de compreender se é viável a adoção em nosso Estado de modernas políticas penais (uso de GPS, aplicativo - celular 180, pulseiras eletrônicas, botão-vítima, outras) como alternativa eficaz na redução de vítimas e no combate a estas tipologias criminosas no Estado do Maranhão. Para tanto foi feito um estudo comparativo de nossa realidade com a de outras regiões do país que já aplicam tais medidas, com fins de concluir acerca da viabilidade econômica, política e social da adoção de tais mecanismos cautelares em nosso Estado. Logo, um dos grandes propósito deste trabalho monográfico é levantar o maior número possível de "dispositivos e aplicativos tecnológicos" atualmente empregados no combate aos crimes domésticos e contra a mulher (inclusive feminicídio). E de posse destes dados, promover à análise da relação custo x benefício quanto à aplicação destes recursos tecnológicos na política processual local, com vista à redução dos índices alarmantes destes crimes em nosso Estado.

Os métodos selecionados e empregados neste trabalho monográfico foram o comparativo e o histórico/dialético: consistente no levantamento da situação da mulher ao longo do transcurso histórico, das principais formas de abusos e agressões por elas sofridas no decorrer dos anos e, de como a sociedade e as autoridades viam e puniam estes casos a época; até se chegar as atuais formas de interpretação dos crimes em referência e das principais medidas preventivas, protetivas e punitivas aplicada, para os casos em comento, em nossos dias.

Temos uma pretensão ainda maior, com a utilização de tais métodos de pesquisa: a de se chegar aos mais novos mecanismos e tecnologias criados (e timidamente empregados hoje) no combate e erradicação da violência doméstica e contra mulher. E a partir do levantamento desses novos métodos e tecnologias empregadas, proceder ao estudo comparativo e de viabilidade da implementação destes novos mecanismos cautelares à sistemática penal local, com fins a redução drástica dos crimes em referência em nosso Estado (estudo de caso).

Ainda sobre os aspectos metodológicos, ressaltamos que na construção das informações contidas neste trabalho, a técnica de pesquisa adotada, primou pelo levantamento de dados in loco juntos à Delegacia da Mulher de São Luís - Ma, Vara de Execuções Penais da capital, Vara da Mulher, Ministério Público do Estado e demais órgãos de proteção à família e à mulher presente no Estado, bem como, por meio da rede mundial de computadores.

Como técnica de pesquisa nos preocupamos em apresentar gráficos quantitativos e qualitativos da realidade penal local, particularmente voltados, a situação de violência doméstica e familiar contra a mulher (levantados juntos aos principais órgãos de proteção à mulher em âmbito nacional e local), visando à análise da viabilidade do emprego de softwares/aplicativos específicos (ao menor custo possível) no combate aos crimes domésticos e contra a mulher no Estado do Maranhão. Por seu turno, a técnica de pesquisa bibliográfica abarcou à análise de doutrinas, livros e artigos científicos, bem como de publicações jornalísticas e revistas que se encontram à disposição do público.

Para apresentação dos resultados obtidos, com este trabalho monográfico, nós dividimos o mesmo em 04 (quatro) capítulos principais. O primeiro aborda os aspectos gerais pertinentes a matéria em estudo (violência doméstica e familiar contra a mulher: histórico, conceitos e formas, estatísticas mundiais e nacionais); o segundo abarca as principais medidas preventivas, protetivas e punitivas previstas na Lei 11.340/2006 e no CPP; o terceiro capítulo apresenta dados levantados sobre a matéria no Estado do Maranhão e, o quatro e último capitulo expõe os mais novos mecanismos tecnológicos criados no combate e erradicação da violência doméstica e contra a mulher e promove uma discussão acerca de qual destes dispositivos melhor se adequaria à realidade penal local, com fins de redução dos alarmantes índices identificados.

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER: ASPECTOS GERAIS

  • Histórico

Problema que há muito assola a sociedade (em especial o instituto familiar), denegrindo a dignidade, a honra e integridade física de mulheres (das mais diferentes classes sociais, nível de instrução e faixa etária), que aterroriza a vida de crianças, jovens, idosos, deficientes e demais cidadãos com pouca ou nenhuma capacidade de resistência as agressões sofridas. A violência doméstica (explícita ou velada, literalmente praticada dentro de casa ou no âmbito familiar, entre indivíduos unidos por parentesco civil ou natural) é problemática que se alastra, vitimando fatalmente inúmeras mulheres; deixando cicatrizes em muitas outras e, fixando marcas incicatrizáveis no psicológico de tantas outras vítimas. É fato criminoso, que vem destruindo a vida de muitas famílias no Brasil e no mundo e, crescido assustadoramente nos últimos anos; chamando à atenção de estudiosos e das autoridades competentes.

[...] A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) reconhece a violência doméstica e familiar contra a mulher como: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Conforme o artigo 61, II, f do Código Penal Brasileiro, mencionado anteriormente, o réu fica sujeito às outras vicissitudes que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) traz. [...] (DIAS, 2007).

Desde tempos imemoriais, as mulheres tem sido alvo de discriminações de gênero, que diuturnamente se fizeram refletidas na forma de agressões, pressões psicológicas, violência sexual, maus-tratos (SANTIAGO, et al 2011). Assim muito embora nos esforçamos para negar tal assertiva, é bem provável (e é o que a história mostra) que as questões relativas à violência doméstica e contra a mulher tenham raízes históricas. Vale lembrar que somados a estes resquícios de ordem histórica existem uma teia de fatores (de ordem econômica, social, política, cultural) importantes e que, portanto, não podem ser negligenciados no estudo da problemática em referência.

Desde tempos imemoriais, a mulher vem se tornando alvo de diversas formas de violência provocadas pelas desigualdades de poder nas relações afetivas, sociais, políticas, econômicas e religiosas. Seja por razões ligadas ao gênero, raça/etnia e sexualidade, a mulher frequentemente sofre violação dos seus direitos e é violentada no lar, na rua, nas organizações, no campo jurídico, na mídia e na literatura. (SANTIAGO, et al, 2011).

Entre estas civilizações, era comum o entendimento de que a mulher e sua prole, assim como os demais membros da família eram na verdade um bem do homem e/ou só mais um bem que compunha o patrimônio do patriarca.

A origem etimológica da palavra família (famulus) significa servo ou escravo, o que mostra que, primitivamente, a família era um conjunto de escravos ou criados de uma mesma pessoa. O casamento sempre foi, portanto, um terreno propício ao exercício do poder. Assim, a monogamia hetero-normativa tem a ver com a sujeição de um sexo a outro, a serviço do poder econômico. No Direito Sumério da Mesopotâmia (2000 a.C.), por exemplo, o matrimônio era considerado como a compra de uma mulher (VICENTINO, 1997).

Mais tarde, quando já instituído o Direito Romano, firmou-se o entendimento de que os casos de adultérios seriam da competência do patriarca quanto à aplicação da pena a mulher adultera e, não do Estado. Era o que dispunha, por exemplo, a chamada "Ordenação das Filipinas", que previa ainda, a possibilidade de uma apreciação em segunda instância do mérito da causa por uma Corte Régia, somente na hipótese de ter a concubina situação econômica melhor do que o patriarca.

Direito Romano não cabia ao Estado a punição do delito da mulher, ficando esta tarefa sob responsabilidade do homem. De acordo com a lei instituída pela Ordenação das Filipinas, ao marido "traído" era permitido o delito de matar a sua mulher e o seu rival. Contudo, se o amante tivesse uma condição melhor que a do marido, a questão passaria para a Justiça Régia. Verificamos, assim, que, desde então, a situação econômica e a ideia de defesa da honra integram as noções de masculinidade e virilidade (BLAY, 2003).

Na Idade Média, a mulher desempenhava o papel de mãe e esposa. Sua função precípua era de obedecer ao marido e gerar filhos. Nada mais lhe era permitido.

O Cristianismo retratou a mulher como sendo pecadora e culpada pelo desterro dos homens do paraíso, devendo por isso seguir a trindade da obediência, da passividade e da submissão aos homens, — seres de grande iluminação capazes de dominar os instintos irrefreáveis das mulheres — como formas de obter sua salvação. Assim a religião [...] foi delineando as condutas e a "natureza" das mulheres e incutindo uma consciência de culpa que permitiu a manutenção da relação de subserviência e dependência. (PINAFI, 2007).

Na Idade Moderna, apesar dos avanços nos mais diversos ramos do conhecimento e do saber, a cultura de inferioridade acerca do gênero feminino ainda estava enraizada na mente da população, sendo numerosos os casos de homicídios cometidos por seus companheiros ou mesmo o estimulo ao suicídio, como modo de honrar o instituto familiar.

Ao lado da queima de sutiãs em praças públicas, simbolizando a tão sonhada liberdade feminina, vimos também as esposas serem queimadas nas piras funerárias juntas aos corpos dos marido falecidos ou incentivadas, para salvar a honra da família, a cometerem suicídio, se houvessem sido vítimas de violência sexual, mesmo se a mesma tivesse sido impetrada por um membro da família, um pai ou irmão, que nem sequer era questionado sobre o ato (DIAS, 2010).

E mesmo nos tempos áureos "Iluministas e das Grandes Revoluções" a visão acerca da mulher, ainda se mantinha deturpada, preconceituosa e desigual:

A visão naturalista que imperou até o final do século XVIII determinou uma inserção social diferente para ambos os sexos. Aos homens cabiam atividades nobres como a filosofia, a política e as artes; enquanto às mulheres deviam se dedicar ao cuidado da prole, bem como tudo aquilo que diretamente estivesse ligado à subsistência do homem, como: a fiação, a tecelagem e a alimentação. (Ibidem, 2010).

Mesmo em épocas mais recentes (século XIX e XX) a missão de uma mulher no ambiente familiar era de cuidar do lar e da prole e resignar-se frente às decisões do marido. Isso inclusive se fez refletir no próprio Código Civil de 1916.

[...] Quando foi criado o Código Civil de 1916, incluiu- se neste que a mulher, para trabalhar, deveria ter autorização do marido, com o objetivo de se proteger a família. Tal inclusão se deveu às crises e à desagregação familiar, que eram interpretadas como ligadas ao trabalho feminino e a paixão. (BLAY, 2003).

De um modo geral os doutrinadores, ao analisarem a temática, tendem a defini-la como fruto da "intolerância da igualdade de direitos entre os gêneros ou como fruto do desrespeito aos que oferecem menor capacidade de resistência", donde estariam inclusos não só as mulheres, mas idosos, crianças, adolescentes e portadores de necessidades especiais.

Como enfatizado, em linhas anteriores, é preciso ter em mente, que junto a estes fatores de ordem histórica e cultural, se somam outros fatores não menos importantes (sociais, econômicos, políticos) que contribuem de modo significativo para o aumento dos casos criminosos em referência, além dos ditos fatores próprios (cada caso é um caso, cada crime traz consigo peculiaridades próprias).

  • Violência doméstica: Conceito e formas

Conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.340/2006, a violência doméstica e familiar abrange toda espécie de agressão (ação ou omissão) dirigida contra a mulher (vítima certa), num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e de dano moral ou patrimonial.

Como bem salientou o Conselho da Europa, trata-se de "qualquer ato, omissivo ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meio de enganos, ameaças, coação ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, e tendo por objetivo e como efeito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental, moral ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais. (CUNHA et al, 2014).

Assim, conforme preconiza o artigo supra, em seus incisos I, II, III, os âmbitos de ocorrência da referida tipologia criminosa, situam-se deste a esfera doméstica/familiar até qualquer relação íntima de afeto, onde os "maus-tratos e as agressões" se façam presente. Senão vejamos:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I- No âmbito da unidade doméstica, compreendida como espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas

II- No âmbito da família, compreendida como comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

III- Em qualquer relação íntima de afeto, no qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação.

Parágrafo Único. As relações enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (Lei 11.340/2006).

A referida lei traz (ainda que de modo exaustivo) em seu art. 7º, as principais formas de violência doméstica e familiar contra à mulher.

Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda a sua integridade ou saúde corporal

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou lhe prejudique e perturbe o pleno de desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação, do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à saúde psicológica e à autodeterminação;

III- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso de força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais reprodutivos;

IV- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentais pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (Lei 11.340/2006).

Conforme exposto, ver-se que o artigo 5º é reflexo direto de uma preocupação do legislador com à configuração genérica acerca do conceito "violência contra mulher". E em contrapartida o artigo 7º, consubstancia-se num cuidado do legislador, que transcende a mera construção genérica e, de modo peculiar (e por vezes até exaustivo) explica minuciosamente as suas diferentes facetas.

  • Violência doméstica e familiar contra mulher: problema global de proporções epidêmicas (Cenário mundial e nacional).

"Cerca de um terço das mulheres em todo o mundo já foram agredidas física ou sexualmente por um ex ou atual parceiro". (OMS/2013). Especialistas estimam, que: "aproximadamente 40% (quarenta por cento) das mulheres assassinadas no mundo foram mortas por um parceiro íntimo. Neste sentido define-se a violência física como:

Ser golpeada, empurrada, perfurada, sufocada ou atacada com uma arma. Violência sexual foi definida como ser fisicamente forçada a ter relações sexuais, ter relações sexuais porque está com medo do que seu parceiro possa fazer e ser obrigada a fazer algum ato sexual considerado humilhante ou degradante (OMS, 2013).

Quanto à violência doméstica, os cientistas analisaram informações de 86 (oitenta e seis) países com foco em mulheres com mais de 15 (quinze) anos de idade. Eles também avaliaram estudos de 56 (cinquenta e seis) países sobre a violência sexual feita por alguém que não fosse um parceiro, embora não tivessem dados do Oriente Médio. O relatório descobriu que cerca de 7% (sete por cento) das mulheres em todo o mundo já tinham sido vítimas de violência por parte de alguém que não era um parceiro.

Globalmente, a OMS descobriu que 30% (trinta por cento) das mulheres são afetadas por violência doméstica ou sexual vinda de um parceiro. O relatório foi baseado em grande parte em estudos de 1983 a 2010. De acordo com as Nações Unidas, mais de 600 (seiscentas) milhões de mulheres vivem em países onde a violência doméstica não é considerada um crime. A taxa de violência doméstica contra as mulheres foi maior na África, no Oriente Médio e no Sudeste da Ásia, onde 37% (trinta e sete por cento) das mulheres sofreram violência física ou sexual de um parceiro em algum momento de sua vida. A taxa foi de 30% (trinta por cento) na América Latina e na América do Sul, e 23% (vinte e três por cento) na América do Norte. Na Europa e na Ásia, foi de 25%. (OMS, 2013).

Assim, com fulcro no estudo supra, pesquisadores concluíram que mais de 38% (trinta e oito por cento) das mulheres assassinadas no mundo foram (e são diuturnamente) mortas por um ex-parceiro ou atual.

Segundo a pesquisa Percepções sobre a Violência Doméstica contra a Mulher no Brasil, realizada pelo Instituto Avon / Ipsos e Pesquisa Data Senado (2011): "Seis em cada dez brasileiros conhecem alguma mulher vítima de violência doméstica".

Enquanto isso, a pesquisa "Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado" chegou à conclusão que: "uma em cada cinco mulheres consideram já ter sofrido alguma vez algum tipo de violência por parte de algum homem, conhecido ou desconhecido". (FUNDAÇAO PERSEU ABRAMO, 2010).

As referidas pesquisas, também concluíram, que o medo é o principal fator a impedir que às denúncias venham a ser realizadas: "o medo continua sendo a razão principal (68%) para evitar a denúncia dos agressores. Em 66% dos casos, os responsáveis pelas agressões foram os maridos ou companheiros". (FUNDAÇAO PERSEU ABRAMO, 2010).

Os percentuais são realmente alarmantes, conforme ratificou levantamentos realizados no ano de 2014, pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República (SPM/PR, 2014):

Apesar de ser um crime e grave violação de direitos humanos, a violência contra as mulheres segue vitimando milhares de brasileiras reiteradamente: 43% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 35%, a agressão é semanal. Esses dados foram revelados no Balanço dos atendimentos realizados em 2014 pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). [...]. Em 2014, do total de 52.957 denúncias de violência contra a mulher, 27.369 corresponderam a denúncias de violência física (51,68%), 16.846 de violência psicológica (31,81%), 5.126 de violência moral (9,68%), 1.028 de violência patrimonial (1,94%), 1.517 de violência sexual (2,86%), 931 de cárcere privado (1,76%) e 140 envolvendo tráfico (0,26%)". (SPM/PR, 2014).

O IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) em pesquisa intitulada: Avaliação da Efetividade da Lei Maria da Penha, traçou a evolução das taxas de homicídios em residências no Brasil, entre os anos de 2000 à 2011 (Gráfico 1) e concluiu que 90% (noventa por cento) dos casos de assassinatos de mulheres no Brasil, têm por homicida: familiares, pessoas próximas e/ou conhecidas.

A análise dos homicídios dentro das residências é importante, pois, segundo as evidências internacionais e nacionais, em mais de 90% dos casos, os responsáveis são conhecidos, familiares da vítima, configurando situações tendentes a se aproximar mais dos eventos associados às questões de gênero. (IPEA, 2015).

Gráfico 1. Taxa de homicídio ocorridos em residência – Brasil (2000-2011) (Por 100 mil habitantes).

Monografias.com

FONTE: Sistema de informações sobre mortalidade (SIM)

Elaboração: Diest/ IPEA 2015.

Vale frisar, que a referida pesquisa, trouxe também boas notícias para o ano de 2015, ao concluir que: "a Lei nº 11.340/2004", levou a diminuição de cerca de 10% das taxas de homicídios contra mulheres, praticados dentro das residências das vítimas, o que implica dizer que a LMP fora responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país".

O Ipea divulgou em março de 2015 [...] um estudo sobre a efetividade da Lei Maria da Penha (LMP). Por meio de um método conhecido como modelo de diferenças em diferenças – "em que os números de homicídios contra as mulheres dentro dos lares foram confrontados com aqueles que acometeram os homens "–, os pesquisadores do Instituto utilizaram dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do SUS para estimar a existência ou não de efeitos da LMP na redução ou contenção do crescimento dos índices de homicídios cometidos contra as mulheres. [...]Os resultados indicam que a LMP fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências, o que "implica dizer que a LMP foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país". Os autores ressaltam, no entanto, que a efetividade não se deu de maneira uniforme no país, por causa dos "diferentes graus de institucionalização dos serviços protetivos às vítimas de violência doméstica". (IPEA, 2015).

Outros estudos, voltados à temática em epígrafe, chegaram a mesma conclusão, conforme se pode constatar do mais recente relatório, disponibilizado acerca da matéria em análise e, intitulado "Mapa de Violência contra Mulher (2015)", elaborado pelo instituto FLACSO BRASIL, em parceria com a ONU Mulheres, Ministério das Mulheres da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde e Governo Federal (Gráfico 2, 3) fruto da " Campanha Una-se pelo fim da Violência contra as mulheres, lançada pelo secretário geral das Nações Unidas.

Gráfico 2. Evolução das taxas de homicídio de mulheres (100 mil). Brasil. 2003/2013.

Monografias.com

[...] Limitando a análise ao período de vigência da Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006 [...] num primeiro momento, em 2007, registrou-se uma queda expressiva nas taxas, de 4,2 para 3,9 por 100 mil mulheres, rapidamente a violência homicida recuperou sua escalada, ultrapassando a taxa de 2006. Mas, apesar das taxas continuarem aumentando, observamos que a partir de 2010 arrefece o ímpeto deste crescimento (WAISELFISZ, 2015).

O gráfico acima, fruto dos estudos da FLACSO BRASIL, atestou o ano de 2007 (dois mil e sete), como aquele de importante queda dos índices de homicídios de mulheres no país, uma decorrência direta da publicação da Lei Maria da Penha no ano anterior. Mas, a pesquisa em comento, também não deixou de apontar o ano de 2010, como àquele onde se mostrou substancial crescimento dos assassinatos de mulheres no país.

Gráfico 3. Evolução das Taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil). Brasil. 2013.

Monografias.com

Assim, apesar de uma eventual redução das taxas de homicídios e crimes correlatos, no ano de 2006 e 2007, por ocasião da publicação da Lei 11.340/2006, tal redução ainda não mostrou-se expressiva. O próprio instituto FLACSO BRASIL, em estudo supramencionado, além de apontar o ano de 2010, como um dos mais sangrentos para as mulheres brasileiras, atestou 30 (trinta) anos de significativo crescimento dos casos de homicídios de mulheres no Brasil, no intervalo de tempo identificado, entre os anos de 1983 à 2013. (Tabela 1). Senão vejamos:

[...] entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do tempo, tanto em número quanto em taxas, morreu um total de 103.093 mulheres, vítimas de homicídio. Efetivamente, o número de vítimas passou de 1353 mulheres em 1980, para 4.762 em 2013, um aumento de 252%. A taxa, que em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, passa para 4.8 em 2013, um aumento de 111,1. (WAISELFISZ, 2015).

Tabela 1. Taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil/hab). Brasil. 1980/2013.

Monografias.com

Frente, aos números ainda expressivo, de mortes de mulheres em âmbito doméstico e familiar no Brasil, foi que no ano de 2015, o ordenamento jurídico brasileiro veio a ser agraciado com à publicação da Lei 11.104/2015, intitulada "Lei do Feminicídio", o referido diploma apresentou-se com mais um dispositivo legal, no reforço à tutela e proteção à mulher brasileira.

A referida lei entrou em vigor em 10 de março de 2015, alterando de modo significativo o art. 121 do CP, na medida em que incluiu, no referido dispositivo, uma qualificadora para o crime em referência: o feminicídio (morte e/ou assassinato de mulheres por razões de gênero, tendo ou não relação com violência doméstica e familiar). A Lei 11.104/2015, acrescentou ainda, uma causa de aumento de pena para as situações em que o crime venha a ser praticado contra mulher gestante, menor, deficiente, idosa ou cometido na frente de ascendente ou descendente (pena aumentada de 1/3 à metade). Outra novidade trazida pelo referido diploma legal, foi a inclusão do homicídio de mulheres em decorrência de violência de gênero, no rol dos crimes hediondos (Lei 8.072/90).

Entrou em vigor, no dia 10 de março, a Lei 13.104/2015, que trata do feminicídio. O Brasil foi o 16º país da América Latina a prever tal figura. As três importantes novidades para o direito penal são as seguintes: I. Alterou o art. 121 do Código Penal para incluir como circunstância qualificadora do homicídio o feminicídio, descrevendo seus requisitos típicos; II. Criou uma causa de aumento de pena (um terço até a metade) para os casos em que o feminicídio tenha sido praticado: - durante a gestação - nos três meses posteriores ao parto - contra pessoa menor de quatorze anos- contra pessoa maior de sessenta anos - contra pessoa deficiência - na presença de descendente da vítima - na presença de ascendente da vítima III. Incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos trazidos pela Lei 8.072/90 (GOMES, 2015).

Para a configuração do crime de feminicídio, conforme dita norma supramencionada, não é suficiente que a vítima seja mulher. A morte tem que ocorrer por "razões da condição de sexo feminino". Tais razões, são elencadas no § 2º- A do art. 121 do Código Penal, quais sejam: violência doméstica e familiar contra a mulher, menosprezo à condição de mulher e discriminação à condição de mulher.

De acordo com a novel Lei, passa a ser homicídio qualificado a morte de mulher por razões de sexo feminino (CP, art. 121, § 2º, VI). No § 2º-A do mesmo artigo, o Código Penal elenca as situações que são consideradas como razões de condição do sexo feminino: violência doméstica e familiar, menosprezo à condição de mulher ou discriminação à condição de mulher. A Lei do Feminicídio faz referência expressa à vítima mulher. Tal também se dá no âmbito da Lei Maria da Penha (LMP - Lei 11.340/2006). Quando se trata da aplicação da LMP, há decisões jurisprudenciais e parte da doutrina que se posiciona no sentido de aplica-la para situações que envolvem transexuais, travestis, bem como relações homoafetivas masculinas. A LMP cuida primordialmente de medidas protetivas. Nesse terreno, a analogia é válida para proteger até mesmo o homem (nas relações homoafetivas). (Ibidem, 2015).

Destarte, a Lei 13.104/2015, consubstancia-se como mais um instrumento legal no combate ao crime contra à mulher. Juntas a "Lei 11.340/2006 (Maria da Penha) e nova Lei 13.104/2015 (Feminicídio)", trazem perspectivas de melhores dias às mulheres vítimas de violência doméstica, familiar ou de qualquer natureza. Neste desiderato, providências mais rígidas já começam a ser tomadas em prol da redução dos elevados índices de mortes, agressões e ameaças as mulheres na República Federativa do Brasil.

[...] "Sabe-se que as mulheres são assassinadas em circunstâncias em que os homens não costumam ser e que é necessário expor tais circunstâncias, a fim de que o público as conheça e se sensibilize com a situação dessas mulheres", explica. "Espera-se que com essa caracterização os dados possam ser compilados de uma forma mais adequada e apareçam mais claramente, tornando mais visível este grave fenômeno e possibilitando a criação de políticas públicas de prevenção e combate à violência contra a mulher". (PAGAN, 2015).

Neste contexto, faz-se pertinente a observação, acerca da aprovação da recente Lei 13.239/2016, que garante às mulheres vítimas de agressões, o direito à cirurgia plástica reparadora das sequelas decorrentes da violência sofrida, no Sistema Único de Saúde – SUS. Demostrando, mais uma vez, o respeito e a preocupação das autoridades brasileiras para com a causa.

DOS ATUAIS MECANISMOS DE CONTROLE AOS CRIMES DOMÉSTICOS E DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ATUALMENTE PREVISTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

  • Dos Mecanismos de controle previstos na Lei 11.340/2006 e CPP

Dentre os mecanismos de controle aos crimes domésticos e familiares atualmente aplicáveis e previstos em lei especial (Lei 11340/2006) e subsidiariamente disciplinados nas disposições gerais do Código de Processo Penal e leis esparsas, incluem-se deste medidas de caráter preventivo, à aplicação de medidas protetivas de urgências (em situações de risco iminente à vítima) até à aplicação de medidas punitivas ao agente, conforme o caso.

  • Das medidas integrativas de prevenção

No tocante, às medidas integrativas de prevenção, apontam-se políticas públicas usuais, voltadas à prevenção da violência doméstica e familiar contra mulher, através de um conjunto multidisciplinar de ações dos entes Federativos, conforme extrai-se do art. 8º, incisos I a IX, da Lei 11.340/2006. Dentre os quais: programas de prevenção, interações operacionais, atendimento policial especializado, realização de campanhas educativas, assistência a mulher, outros.

Conforme depreende-se da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (mais conhecida como: Convenção de Belém Pará) realizada no ano de 1994, as medidas preventivas devem compor-se de um conjunto articulado de ações entre os entes Federativos e instituições não governamentais, em prol do combate a violência doméstica e contra a mulher.

Art. 8º. A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações de União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais, tendo como diretrizes:

I-A integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II- A promoção de estudos, pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectivas de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência de violência domésticas e familiar contra a mulher [...] (CONVENÇAO DE BELÉM PARÁ, 1994).

Dentro desta perspectiva de atuação preventiva, destaca-se, em oportuno, a necessidade de um maior estreitamento de relações entre os aparelhos que compõem o Estado, conforme advertiu a socióloga Wânia Pasinato Izumino (2014).

O debate gerado com relação ao julgamento dos casos de violência contra a mulher trouxe a discussão quanto à necessidade de estreitar as relações entre polícia e justiça. Na prática, observa-se uma separação entre as duas esferas, embora a Justiça dependa do bom trabalho realizado pela polícia para processar e julgar os crimes com rapidez e justiça.

Neste sentido, criminalistas, sociólogos e estudiosos do Direito Penal, a exemplo de Ronaldo Pinto, Rogério Sanches e Wânia Izumino, foram unânimes em identificar a falta de integração entre órgãos estatais como uma das causas principais da impunidade e do combate à criminalidade em nosso país, interferindo sobremaneira na erradicação dos crimes em referência. Fato, que contrapõe-se ao que preconiza no art. 8º, inciso I, da Lei 11340/2013, que estabelece exatamente o contrário.

Uma das causas que se identifica como maior responsável pela falência do combate à criminalidade em nosso país é, exatamente, a falta de integração entre os diversos órgãos componentes do aparelho estatal [...] A divisão das polícias em federal e estadual e, pior, destas últimas em civil e militar, com os corporativismos e desconfianças mútuas que daí resultam, impede que se estabeleça um eficaz comunicação entre elas. O isolamento do Poder Judiciário e o Ministério Público, impostos, não raras vezes, pelos próprios membros dessas instituições, é outro fator a conspirar contra a eficiência do serviço público prestado. (CUNHA et al, 2015).

Em se tratando de prevenção aos crimes domésticos e familiares, faz-se pertinente ainda à referência a Assembleia Geral organizada pela ONU no ano de 1979, evento este que culminou na aprovação da "Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher" e que teve por slogan: a mudança nos padrões socioculturais de homens e mulheres, com vistas à eliminação de práticas baseadas na ideia de inferioridade ou de superioridade de qualquer dos sexos; o referido evento lançou, as bases para construção dos atuais conceitos de igualdade de gênero, reforçando a necessidade de discussão da temática em âmbito universal.

Dispõe o art. 5º, a, da Convenção, que os Estados adotarão as medidas necessárias para modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias, ou de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres (Ibidem, 2014).

Em matéria de medidas integrativas de prevenção, os meios de comunicação esboçam-se como outro importante veículo, na difusão dos ideais dos programas, convenções e plano de controle, combate e erradicação destas tipologias criminosas, nos termos do art. 8, inciso III, da Lei 11.340/2006. Todavia, adverte-se acerca da necessidade de utilização planejada e consciente deste meios, uma vez que é forte a influência que estes exercem sobre as massas, impulsionando-as tanto de modo positivo como negativo.

Neste contexto, conforme assevera Rogério Sanches (2015): a nota publicada pelo então jornalista Eduardo Reis, no Jornal Estado de Minas, em 20 de janeiro de 2011, sob o título Confirmação, é um exemplo concreto da forma preconceituosa pela qual, ainda nos dias de hoje, é tratada a mulher". Constitui-se, a referida nota, prova viva de que ainda há um olhar pejorativo, depreciativo e de inferioridade sobre o gênero feminino. Senão vejamos:

Os 30 anos da morte de Nelson Rodrigues, em dezembro passado, serviram para confirmar sua lição de que toda mulher gosta de apanhar. Mulher normal, bem entendido, sempre que possível muito bonita. Se não fosse verdade, como explicar a atração que modelos e atrizes sentem pelo jovem Dado Dolabella¿ O rapaz bate, xinga, aranha o carro da gata, que se queixa à delegacia da mulher baseada na Lei Maria da Penha. Não é mais simples arranjar namorado que não espanque¿ Aparentemente sim, mas deve existir qualquer bizu em ser espancada [...]. (CUNHA et al, 2015).

No ano em que foi publicado o texto supra, o mesmo obteve grande repercussão geral, chegando inclusive ao conhecimento da SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres), que em resposta apresentou nota de repúdio aos termos do artigo publicado.

O Brasil e as mulheres brasileiras não podem tolerar colocações como essas que enfraquecem e desqualificam uma história de enfrentamento à violência doméstica, cujo o ponto alto é a entrada em vigor da Lei Maria da Penha em 2006. A SPM lembra ao colunista Eduardo Reis que ninguém gosta de apanhar e de receber maus-tratos e que a vida sem violência é um direito de todas as mulheres. Quando uma mulher apanha, deve saber que estar sendo vítima de um crime que pode e deve ser punido com rigor [...]. (SPM/PR, 2011).

Apesar de inconvenientes como o acima exposto, faz-se mister ressaltar, o relativo cuidado que à Constituição Federal (1998), demostrou para com os direitos humanos da mulher.

A Constituição do Brasil de 1988 significou um importante marco para a transição democrática brasileira. Denominada Constituição Cidadã trouxe avanços no tocante ao reconhecimento dos direitos individuais e sociais das mulheres. Na legislação infraconstitucional, fazia-se imperiosa uma reformulação para derrogar leis, normas e expressões discriminatórias contra a mulher, que estabelecesse a igualdade entre homens e mulheres, tal como assegurada na Constituição Federal (BARRETO, 2010).

No contexto das medidas preventivas prevista no ordenamento jurídico pátrio, particularmente aquelas expressamente dispostas na Lei 11.340/2006, destaca-se ainda à criação de delegacias especializadas para defesa da mulher (art.8, inciso IV), sendo as mesmas espaço essencial ao trato com às vítimas, uma vez que conforme prever a norma supra, deve as mesmas contar com corpo técnico-profissional especializado e preferencialmente mulheres, dada a delicadeza e sutileza com a qual costumam lhe dar com as situações em comento.

Um interessante trabalho, acerca da temática em epígrafe, foi elaborado no ano de 2010 (dois mil e dez), pela Presidência da República junto a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), intitulado "Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas no atendimento as mulheres", neste reuniu-se todo um protocolo que abarcou deste o trato a recepção da vítima, atendimento, bem como a adoção de medidas policiais ou cautelares, que se fizerem necessárias ao caso in concreto. A referida norma, enfatizou ainda, questões de horário de funcionamento das delegacias especializadas, dias de funcionamento e número ideal conforme dado estatístico populacional. Traçando um objetivo a ser seguido por estes órgãos de proteção à mulher e estabelecendo metas de qualidade no atendimento.

A norma técnica recomenda, ainda o funcionamento ininterrupto das Delegacias especializadas, por 24 horas, inclusive, aos sábados, domingos e feriados. E indica o número de tais delegacias em consonância com a população de cada cidade, a saber com até 300 mil habitantes, 2 delegacias, para aquelas até 500 mil habitantes, 3 delegacias; de 500 mil a 1 milhão de habitantes, 4 delegacias; mais de 1 milhão 05 delegacias. Trata-se de fórmula que, conquanto trace um panorama ideal, ainda que distante de nossa realidade (CUNHA et al, 2014).

O artigo 8º, da Lei Maria da Penha, ao estabelecer às medidas de caráter preventivo, preocupou-se ainda em disciplinar os mecanismos de assistência à mulher vítima de agressões e violência. Assim, neste sentido, seu foco estar baseado num tripé: assistência social, assistência à saúde e proteção às vítimas.

Os mecanismos de assistência à mulher tripartem-se em: (a) assistência social (Lei 8742. 1993), incluindo a ofendida no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal; (b) " a saúde" (Lei 8080.90), compreendendo o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual; (c) "a segurança pública", garantindo a vítima proteção policial, bem como abrigo e lugar seguro, quando houver risco de vida e, se necessário acompanhamento da ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local de ocorrência ou do domicílio familiar (Ibidem, 2014. p. 84).

Ainda acerca das medidas de cunho preventivo, vale dizer, que a Lei Maria da Penha, também não esqueceu de enfatizar a necessidade de conscientização da população sobre a matéria em destaque, através do desenvolvimento de programas educacionais do governo e junto a esfera privada, como medida preventiva de grande valia. Ips literi, a lei em destaque, em seu artigo 8º, inciso V, estabelece: "a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta lei e dos instrumentos de proteção dos direitos humanos das mulheres".

Noutras palavras, a Lei Maria da Penha, expressamente, preconizou a necessidade de levar ao conhecimento das comunidades: informações acerca dos direitos das mulheres (e das vítimas de crimes domésticos e familiares, de um modo geral), orientações de como estas devem proceder em caso de agressões e abusos; quais os órgãos e entidades localizados nas adjacências e, quais as principais medidas protetivas que a lei disponibiliza em casos de ameaça e/ou violência deste gênero e/ou espécie.

  • Das medidas protetivas de urgência

As medidas protetivas de urgência aplicáveis, em favor das vítimas de crime doméstico e/ou familiar contra à mulher, bem como aquelas que obrigam os agentes, encontram-se dispostas nos arts. 22, 23 e 24 da Lei 11.340/2006.

Particularmente, a Seção III, dos arts. 23 e 24 da Lei Maria da Penha, preceitua às principais medidas aplicáveis em favor das vítimas de crimes domésticas e/ou familiares contra à mulher. Senão vejamos:

Em assim sendo, a teor do artigo 23, o juiz poderá determinar diversas cautelas visando resguardar a pessoa vítima e dos seus dependentes, sem prejuízo de outras que entenda necessárias. São elas: a) encaminhamento da ofendida e dos seus dependentes para programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento (inciso I), significando dizer que os poderes públicos devem criar as condições materiais para tanto; b) determinação de recondução da ofendida e dos seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor (número III); c) ordenação de afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos aos bens, guarda dos filhos e alimentos (item III); e d) decretação da separação de corpos entre vítima e agressor (inciso IV). Por outro lado, o artigo 24, objetivando o resguardo do patrimônio da sociedade conjugal, bem como da propriedade particular da mulher, o juiz fica autorizado a determinar liminarmente diversas medidas que considerar necessárias (LIMA, 2014).

Dada a gravidade, urgência e delicadeza das circunstâncias tuteladas pela Lei Maria da Penha, permite-se à vítima buscar auxilio do Estado tanto nas delegacias especializadas, como junto ao Ministério Público, assim como diretamente perante o juiz de Direito. Neste último caso, a concessão de medida protetiva de urgência é pleiteada pela parte ofendida diretamente ao juízo competente e sem necessária habilitação de advogado ou mesmo intermediação do Delegado de Polícia ou Ministério Público do Estado. Devendo ser apreciadas pelo magistrado de plano, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, nos termos do art. 18 do referido diploma legal.

Vale dizer, dada à urgência da situação, a exigir, como tal, a adoção de medidas imediatas de proteção à vítima, pode ela mesma se dirigir à presença do magistrado, postulando por seus direitos. Parece salutar, que uma vez passada a situação de urgência, se torne à regra geral do art. 27, nomeando-se advogado para acompanhamento da mulher vitimada (PINTO et al, 2015).

Cabe ressaltar, que em benefício das vítimas de crimes domésticos e familiares, já um ano após a publicação da Lei 11.340/2006, a mesma vem sendo utilizada, para proteger não só as mulheres vítimas de agressão em âmbito doméstico, mas a todo aquele que manteve vinculo familiar com o agressor.

[...] Quanto à amplitude do conceito de sujeito passivo [...] não só as esposas, companheiras e as amantes estão no rol de abrangência do delito de violência doméstica e familiar, mais, ainda as filhas e netas do agressor, bem como sua mãe, avó, sogra ou qualquer outra parente que mantém, ou manteve, vínculo familiar com ele, podem integrar o polo passivo da ação delituosa (DIAS, 2007).

Outro aspecto intrigante acerca da referida lei, é que a mesma fora idealizada com o intuito de proteger um público especifico e mais vulneráveis as agressões (público feminino), mas devido a amplitude e complexidade dos casos que abarcam, acabou por ser utilizada em benefício de um grupo cada vez maior de vitimados em âmbito doméstico, seja este do gênero feminino ou não.

Notável a inovação trazida pela lei neste dispositivo legal, ao prever que a proteção à mulher, contra a violência, independe de orientação sexual dos envolvidos. Vale dizer, em outras palavras, que também a mulher homossexual, quando vítima de ataque perpetrado pela sua parceira, no âmbito da família – cujo conceito foi nitidamente ampliado, pelo inciso II, deste artigo, para incluir também as relações homoafetivas – encontra-se sob a proteção do diploma legal em estudo (CUNHA, 2008).

Neste contexto até mesmo os homens vítimas do crime em referência, passaram a ser beneficiados com o manto protetor da Lei 11.340/2006, conforme entendimento jurisprudencial minoritário. "A aplicação da Lei Maria da Penha para transexual masculino foi reconhecida na decisão oriunda da 1ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis, juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães (Proc. Nº. 201103873908, TJGO)".

Homem como vítima e aplicação de medidas protetivas

"Medidas protetivas. Lei Maria da Penha. Aplicação analógica visando estender a lei em favor do homem. Possibilidade. Lei "Maria da Penha" que visa equilibrar as relações domésticas ou familiares ou violência oriunda de tais relações. Jurisprudência tem tão somente com base no âmbito em que a violência ocorreu. Pedido liminar concedido. Aplicação analógica da Lei 11340/2006" (TJSP, Ap. 0001537-14.2011, j.03.12.2013, rel. Ruy Alberto Leme Cavalheiro).

Já no tocante às medidas protetivas que obrigam os agressores dos crimes em referência, estão: o afastamento do agressor do lar ou de sua aproximação à vítima (com a fixação de limite mínimo de distância), a prestação de alimentos provisórios, proibição de visitas ou contatos do agressor com a ofendida, bem como seus familiares ou testemunhas do crime, suspensão de visitas aos dependentes menores, suspensão ou restrição do porte de arma de fogo. Nos termos do art. 22 do referido diploma legal.

Art. 22. Constata a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei, o juiz poderá aplicar de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I- Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei 10.826, de 22 de Dezembro de 2003;

II- Afastamento do lar, domicilio ou local de convivência com a ofendida;

III- Proibição de determinadas condutas, entre as quais:

  • a) Aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

  • b) Contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

  • c) Frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV- Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V- Prestação de alimentos provisionais ou provisórios (Lei 11.340/2006).

Neste contexto, importante se faz mencionar, a atuação obrigatória do membro do parquet, conforme preceitua o art. 25 e 26 da Lei 11.340/2006. Atuando seja em causas de ordem cível como criminal. "No âmbito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a situação da mulher agredida sempre recomendará essa participação". (CUNHA et al, 2015).

Não há dúvida quanto a obrigatoriedade do Ministério Público nas ações penais que envolvam a temática em referência, até porque boa parte dos casos relacionados a ação penal é pública incondicionada. A dúvida residiria quanto as causas de ordem cível relacionadas com a violência doméstica e familiar contra mulher, que a depender das circunstâncias não exigiria a obrigatoriedade da atuação do membro do parquet, devendo ser analisado caso a caso. Dentre os melhores posicionamentos acerca da matéria em tela estaria aquele que adverte para a audiência do Ministério Público para todos os casos que envolvam violência doméstica e familiar.

[...] Nas ações penais não há qualquer dúvida quanto à obrigatoriedade de atuação do Ministério Público, até porque na imensa maioria dos casos de violência contra a mulher, a ação penal é pública, tendo o parquet como seu titular. Quanto a obrigatoriedade de atuação do Promotor de Justiça em todos as ações cíveis que guardem alguma pertinência com a prática de violência doméstica temos alguma dúvida. De sorte que – insistimos – parece que essa situação deve ser analisada caso a caso e se imporá quando se detectar uma situação de efetiva hipossuficiência da mulher. Sendo ela maior e capaz, litigando contra réu na mesma situação, estando devidamente acompanhada por advogado, não nos parece seja obrigatória a participação do Ministério Público – para tomarmos o exemplo acima – em uma ação de indenização em que se discute um dano moral suportado por uma mulher [...] Para a validade do processo, salvo melhor juízo, basta a audiência do Ministério Público nos autos a fim de que seu representante verifique a presença ou não, de interesses que deva defender por determinação constitucional. (CUNHA, 2014).

O papel do membro do parquet de modo sintético se resume a três verbos: "requisitar, fiscalizar e cadastrar", conforme disciplina o art. 26 da Lei Maria da Penha:

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

  • I- Requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

  • II- Fiscalizar os esclarecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas

  • III- Cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 11.340/2006).

  • Das medidas punitivas do agente (penas x cautelares previstas x polêmicas envolvidas quanto a sua aplicação).

A Lei 11.340/2006 não prever pena mínima ou máxima em abstrato aos crimes que tenham por resultado (ou meio para sua consumação) à violência doméstica e familiar contra mulher, o que ela adverte é quanto a execução e consumação destes em situações que envolvam violência em âmbito doméstico e familiar, o que justificaria a aplicação de causa de aumento de pena, ao teor do art. 129 § 9º do Código Penal. Noutras palavras, a Lei Maria da Penha, não prever crime algum em seus termos, tão pouco pena, mas preocupou-se em enfatizar as principais medidas preventivas para sua contenção, bem como medidas protetivas de urgências para os casos em que esteja a mulher em situação de risco ou vulnerabilidade.

Um aspecto bem importante trazido, pela referida lei, foi a possibilidade de decretação de medidas cautelares (prisão preventiva) ao agente agressor, quando do não cumprimento das medidas protetivas impostas. Havendo ainda entendimento favoráveis a substituição de pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, mas desde que não seja penas de cestas básicas ou prestação pecuniária que isolada ou cumulada, conforme preceitua os arts. 17 à 20 da referida lei.

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

[...] Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida

§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independente de manifestação das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo ser prontamente comunicado.

§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados.

[...] Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Lei 11.340/2006).

Como visto acima, a lei é expressa quanto a vedação da aplicação de penas de cestas básicas ou de multa (pena pecuniária), mas silencia quanto as demais penas restritivas de direito. Neste sentido há controvérsias: havendo os que defendem a possibilidade de tal substituição, deste que respeitada expressa vedação legal (cesta básica e multa não) e, havendo os que não cogitam tal possibilidade em hipótese alguma. Senão vejamos:

Substituição de pena privativa de liberdade por restritivas de direitos - possibilidade.

Constatando-se que a sanção imposta for inferior a 4 (quatro) anos e que se cuida da contravenção penal prevista no art.21 do Dec. Lei 3888/41- vias de fato- infração de natureza menos grave, possível e socialmente recomendável a substituição da sanção privativa de liberdade por restritivas de direitos, desde que não se resuma ao pagamento de cestas básicas, de prestação pecuniária ou de multa, isoladamente, como expressamente determinado no art. 17 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Precedente deste STJ. A concessão da permuta, na espécie, de forma alguma colidiria com a proposta de combate a violência doméstica, tendo em vista a sua adequação às finalidade de aplicação da pena, que são a retribuição e a ressocialização do condenado, servindo ainda para prevenção geral, na medida em que afasta a ideia de impunidade. O deferimento do benefício também não ofenderia o previsto no art. 41 da Lei Maria da Penha, pois aqui o que se impede é a aplicação das medidas benéficas prevista na Lei 9099-95 aos delitos cometidos no âmbito doméstico ou familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista ou efetivamente aplicada" (STJ, HC 207978-MS, j. 27.03.2012, rel. Min Jorge Mussi, Dje 13.04.2012).

Em sentido contrário

Não se mostra possível a substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direito, apesar de estabelecida a pena corporal em patamar inferior a 04 (quatro) anos de reclusão, pois se trata de delito cometido com violência, o que impossibilita a pretendida substituição" (STJ, HC 199928-MS, j.09.10.2012, rel. Campos Marques, Dje 15.10.2012).

"Incabível, na hipótese, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista que o paciente não preenche o requisito previsto no art. 44, I, CP, pois, não obstante a pena imposta tenho sido inferior a 4 (quatro) anos, trata-se de delito cometido com violência contra a vítima, o que impossibilita a pretendida substituição" (STJ, HC 192417- MS, j. 06.12.2011, rel. Min. Laurita Vaz, Dje 19.12.05.2011).

Em se tratando da aplicação de medidas cautelares em face de crimes cometidos em âmbito doméstico e familiar, faz-se pertinente frisar, a publicação da Lei 12.403/2011. A nova redação trazida pelo art. 4º da lei em referência, provoca a revogação imediata do IV do art. 313 do CPP e prever a decretação de prisão preventiva em todos os casos em que se constate: "violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência" (Lei 12.403/2011). O referido dispositivo legal, pôs fim ao anterior por ser mais abrangente e enfático. Penalistas e estudiosos da matéria demostram uma certa inquietude quanto a aplicação efetiva do referido diploma legal, uma vez que como dizem, pode o mesmo não estar eivado da ponderação devida e adequada à dosimetria e aplicação das penas cabíveis ao caso in concreto, conforme adverte NUCCI (2013):

Fundamental muita cautela para tomar essa medida. Há delitos incompatíveis com a decretação da prisão preventiva. Ilustrando: a lesão corporal possui pena de detenção de três meses a três anos; a ameaça de detenção de um a seis meses, ou multa. São infrações penais que não comportam preventiva, pois a pena a ser aplicada no futuro, seria insuficiente para "cobrir" o tempo de prisão cautelar (aplicando-se naturalmente, a detração, conforme art. 42 do CP). Leve-se em conta, inclusive, para essa ponderação, que vigora no Brasil a chamada "política da pena mínima", vale dizer, os juízes, raramente aplicam pena acima do piso e, quando o fazem, é uma elevação ínfima, bem distante do máximo".

Outra alteração importante, trazida por este mesmo diploma (Lei 12.403/2011), se deu sobre o art. 282 §2º do CPP, a nova redação prever a decretação ex officio de cautelar (prisão preventiva) pela autoridade judiciária, somente durante a fase de instrução criminal, distintamente do que previa a redação anterior. A nova redação, terá reflexos diretos na primeira parte do art. 20 da Lei Maria da Penha, conforme prever juristas e estudiosos da matéria.

Outra alteração introduzida pela Lei 12.403, de 05 de Maio de 2011 e, que interessa, especificadamente, ao nosso estudo, se refere à nova redação do art. 282, § 2º do CPP, pela qual "as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público". Pela nova sistemática, portanto, durante o curso do inquérito policial não é possível que o juiz, ex ofício, decrete alguma medida cautelar – aí incluindo, nos parece claro, a prisão preventiva -, em iniciativa que compete, apenas à autoridade policial (mediante representação) ou ao Ministério Público (por meio de requerimento). Sendo assim, cremos que essa limitação introduzida no Código de Processo Penal, tem incidência na Lei Maria da Penha, especificadamente na primeira parte do art. 20, que concedia ao juiz a possibilidade de decretação de prisão preventiva de ofício, ainda que na fase de inquérito policial. (CUNHA et al, 2015).

A Lei 12.403/2011 (nova lei das medidas cautelares) inovou ao trazer a possibilidade de decretação de prisão provisória, para além daquelas elencadas no art. 313 do CPP, inovando inclusive ao revogar expressamente o inciso IV deste dispositivo, que tratava especificamente da decretação de prisão preventiva aos autores de crimes domésticos e familiares contra mulher, quando do não cumprimento da medida protetiva de urgência contra ele imposta. A nova lei como já anteriormente mencionado, dispõe de maneira mais especifica acerca dos sujeitos por ela tutelados (mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo, deficiente), afim de garantir maior proteção ao maior número possível de vítimas de crimes domésticos e familiares, prevendo a decretação de prisão preventiva de agressores até mesmo quando estes cometam crimes de natureza menos gravosa, mas desde que atinjam o grupo por ela delimitado expressamente em seu art. 4º; o que tem gerado polêmica entre juristas e doutrinadores. Senão vejamos:

A lei em estudo inovou no sentido de admitir a prisão preventiva para outra hipótese além daquelas relacionadas no art. 313 do CPP. Assim, por exemplo, perpetrado um delito de lesão corporal leve contra mulher, nos moldes expostos pelo estatuto em exame, pode seu autor ter decretada a prisão preventiva, embora este crime seja apenado com pena de detenção (art. 44 da lei). De forma que, essa espécie de prisão provisória, na redação anterior do art. 313 do CPP, praticamente não existia para os crimes apenados com detenção (a menos que fosse o réu vadio ou pairasse dúvida quanto a sua identidade, hipótese raríssimas de se verificarem ou se, antes tivesse sido condenado pela prática de crime doloso), ganhou novo fôlego a partir da Lei Maria da Penha (Ibidem, 2015).

Dentre os defensores das medidas mais rigorosas trazidas pelo do novo diploma legal estão aqueles que veem nela o instrumento coercitivo necessário a plena execução das medidas protetivas e a garantia da integridade física e psíquica das vítimas.

O dispositivo é providencial, constituindo-se em um utilíssimo instrumento para tornar efetivas as medidas de proteção preconizadas pela nova legislação. Não houvesse essa modificação, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ficaria privada do instrumento coercitivo da prisão preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados no art. 312, CPP, tradicionalmente e nos casos de cabimento arrolados no art. 313 do CPP. (CABETTE, 2014).

Há ainda aqueles que recomendam cautela, quanto da aplicação da nova lei (Lei 12.403/2011), uma vez que ainda faz-se necessário o preenchimento dos requisitos gerais dispostos no art. 312 do CPP, que tratam dos pressupostos para decretação da prisão preventiva e a demonstração do binômio fumus boni iuris e do periculum in libertatis. O risco é se aplicar uma medida cautelar mais gravosa que futura pena prevista para o crime em comento, ferindo o próprio dispositivo legal e os direitos humanos do apenado. Tais autores reconhecem a extrema fragilidade e vulnerabilidade das vítimas desta tipologia criminosa, mas recomendam cautela quanto da aplicação do novo diploma, afim de se evitar atropelos, excessos e injustiças.

[...] recomendamos cautela na abordagem do tema [...] Primeiro, porque não basta, para a decretação da medida de exceção, que o crime seja perpetrado contra a mulher, no âmbito doméstico ou familiar. É preciso que, além disso, estejam presentes, também os pressupostos e fundamentos justificadores da prisão preventiva, elencados no art. 312 do CPP, de início, se exigirá a presença de prova da existência do crime e de indício de sua autoria, a configurar o fumus boni iuris. [...] Insistimos, a nova possibilidade que se inaugura para a decretação da prisão preventiva não pode ser interpretada de forma isolada, impondo, ao revés, que se atente ao preenchimento dos requisitos gerais de toda e qualquer prisão dessa espécie, mencionada no art. 312 do CPP. (CUNHA et al, 2014).

Cabível se faz, ainda, observar que a nova lei (art. 42, da Lei 12.403/2011) ao ampliar a redação do art. 313 do CPP, permitindo a prisão preventiva como garantia pelo não cumprimento das medidas protetivas de urgência (art. 18 à 24 da Lei 11340/2006) trouxe à tona nova polêmica, visto que boa parte das medidas protetivas de urgência previstas aos acusados possuem caráter civil, o que contraria o próprio texto constitucional (e o Pacto de São José da Costa Rica, firmado em 2005), uma vez que atualmente nosso ordenamento jurídico pátrio só admite uma única hipótese de prisão civil que é o do devedor de alimentos. Nestes termos, tal dispositivo, feri também o disposto nos art. 312 e 313 do CPP (que trata dos requisitos básicos para decretação de prisão preventiva) uma vez que estes dispositivos só admitem a decretação desta espécie cautelar em situações que configurem crime e, não nas hipóteses mera desobediência civil, do qual o juiz dispõe de instrumento próprio: tutela específica prevista na art. 22, § 4º, da Lei 11.340/2006.

Com efeito, se a medida protetiva é de caráter civil, a decretação da prisão preventiva, em um primeiro momento, violará o disposto nos arts. 312 e 313 do CPP, que tratam, por óbvio, da prática de crimes. E pior, afrontará princípio constitucional esculpido no art. 5º, LXVII, que autoriza a prisão civil apenas para as hipóteses de dívida de alimentos [...]. Tais hipóteses, como é cediço, compõem um rol taxativo que, por importarem em restrição da liberdade, não admitem ampliação. De forma que, ao se imaginar possível a decretação da prisão preventiva para assegurar o cumprimento de uma medida de urgência de índole civil, se estaria criando uma nova hipótese civil, por iniciativa que é vedada ao legislador infraconstitucional (PINTO et al, 2015).

Nunca é por demais reforçar, que a decretação de qualquer cautelar, a exemplo da prisão preventiva, só se faz cabível e legal quando já imposta uma medida protetiva de urgência e, esta deixou de ser devidamente cumprida pelo acusado. O que justificaria à aplicação da cautelar, tendo em vista a segurança da vítima, de seus familiares e da própria sociedade. Sendo ilegítima e arbitrária a decretação de prisão provisória sem anterior descumprimento cautelar.

Cabimento da prisão preventiva

[...] A prisão preventiva somente é cabível, nos termos do art. 42 da lei, para garantir a execução das medidas protetivas. Pressupõe assim, necessariamente, que medidas protetivas à vítima já tenham sido deferidas e, posteriormente, descumpridas pelo agressor. [...] Há, portanto, por assim dizer, uma ordem cronológica a ser seguida: primeiro são impostas medidas de proteção e, segundo, caso descumpridas, se decreta a prisão preventiva. Sua decretação de plano, sem se observar a primeira cautela, fere o próprio texto legal, como se vê da leitura do art. 42. (Ibidem, 2015).

Cabimento da prisão preventiva

"É legal o decreto da prisão preventiva que, partindo da singularidade do caso concreto assevera a necessidade de acautelamento da integridade, sobretudo físicas em se considerando o histórico do paciente. A despeito de os crimes pelos quais responde o paciente serem punidos com detenção, o próprio ordenamento jurídico – art. 313, IV, do CPP, com a redação dada pela Lei 11.340-2006 – prevê a possibilidade de decretação de prisão preventiva nessas hipóteses, em circunstâncias especiais, com vistas a garantir a execução das medidas protetivas de urgência" (STJ, HC 132379-BA, j. 26.05.2009, rel. Laurita Vaz, DJe 15.06.2009).

Cabimento da prisão preventiva

"A prisão cautelar, assim entendida aquela que antecede a condenação transitado em julgado, só pode ser interposta se evidenciada a necessidade da rigorosa providência. 2. Na hipótese, a decisão que decretou a custódia do paciente se justifica não apenas pelo descumprimento da medida protetiva anteriormente imposta, mas também porque baseada na possibilidade concreta de ofensa à vítima. Diante da presença dos requisitos do art. 312 do CPP e, em especial, da necessidade de assegurar a aplicação das medidas protetivas elencadas pela Lei Maria da Penha, a prisão cautelar do agressor é medida que se impõe. (STJ, HC 109674MT, j. 06.11.2008, rel. Org Fernandes, Dje 24.11.2008).

Outra importante mudança se deu com o julgamento da ADIn 4424/DF, ADC 4.424 e ADC 19/DF pelo STF no ano de 2012, donde passou-se a dispensar a representação da vítima como condição de procedibilidade para ação penal nos casos de crimes de lesão corporal que envolva violência doméstica e contra mulher. A ação penal, dita antes condicionada a representação da vítima, passou ao caráter de ação penal pública, para o conjunto de crimes que envolvam violência doméstica, sem necessidade de tal instrumento para sua procedibilidade; a mesma linha de raciocínio é seguida quanto a aplicação de cautelares ao réu da ação.

[...] para quem entendia que a ação penal se condicionava à prévia representação da vítima, não poderia ser decretada a prisão preventiva sem que se contasse com essa prévia condição de procedibilidade. Não faria sentido que se decretasse a prisão preventiva (pouco importa que se de ofício ou mediante requerimento ou requisição do Ministério Público ou da autoridade policial), se a ofendida, de plano, manifestava sua intenção de não representar contra seu ofensor. Em outras palavras, se não deflagrado o processo criminal, pois a vítima deixara de formular seu pedido de autorização, muito menos poderia ser decretada a prisão preventiva, medida extrema, que tem caráter instrumental, intimamente ligada à conveniência do processo. Isso se aplica com mais razão ainda, quando o crime for daqueles que se processam mediante ação penal privada. Agora porém com o julgamento, pelo STF, da ADIn 4424 e na ADC 4.424, em 09 de fevereiro de 2012, que considerou a ação penal pública incondicionada, nos crimes a envolver violência doméstica, a questão quanto a necessidade de prévia representação da vítima se esvaziou (Ibidem, et al 2015).

Acordo no âmbito cível não prejudica prosseguimento da ação penal

"Embargos de declaração com efeitos infringentes em habeas corpus. Omissão inexistente. Ação cautelar de medidas protetivas. Acordo entre ofensor e ofendida. Não obsta prosseguimento da ação penal. Coação ilegal não caracterizada. Embargos improcedentes. O acordo celebrado entre o ofensor e ofendida no âmbito da ação cautelar de medidas protetivas, não obsta o prosseguimento da ação penal, na apuração do crime de lesão corporal de violência doméstica e familiar contra a mulher, por ser ação pública incondicionada, por essa razão, o prosseguimento da mesma não configura coação ilegal. E se a questão foi discutida e julgada, não que se falar em omissão a ser suprida por meio de embargos de declaração" (TJMT, EDcl com efeitos infringentes em HC 757.39/2007, rel. Juvenal Pereira da Silva).

Partes: 1, 2, 3


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