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Nem mais uma palavra (página 3)


Partes: 1, 2, 3

Eu sou um mito

Que ainda vaga pelo mundo

Por seu desgosto profundo,

Pela força do castigo.

Sou impulsivo

Em meus mandos e desmandos.

Sou desumano

Tão insano quanto o rito

Desses nativos

Submissos aos reclamos

De um suposto paraíso.

SE

Se o mundo se tornasse

Um lugar de alegoria,

Onde a lenda e a fantasia

Fossem tudo que restasse,

Eu duvido que prestasse

Sem o toque de magia

Que encanta noite e dia

Que é a própria realidade.

Por ser tão só

Em meio à solidão da vida,

Seiva mantida

Nas voltas de rijo cipó,

Sou como um nó

Em uma corda apodrecida,

Sem serventia,

Capaz de desfazer-se em pó.

MEU DESERTO

O meu deserto

É infinito em tons de areia,

É a mais lúgubre certeza

De que não há ninguém por perto,

É tão concreto

Quanto a pedra que alheia,

Delineia

Meu lugar no cemitério.

MESMO CALADA

Teus olhos querem por fim,

Dizer-me calma.

Mas, tua alma

Pede muito mais de mim.

Tua boca ainda diz sim,

Mesmo calada.

Sabe que nada

Vai tirar você de mim.

PERSONAGEM LITERÁRIA

Personagem literária

Que teima em ganhar a vida

Numa ascensão desmedida

A uma estação elevada.

Não pode ser derrubada,

Nem jamais ser ofendida.

Desconhece a dor sentida

Por ser mera fantasia

De uma mente alucinada.

Em si mesma, não é nada,

Por ser massa fictícia.

Criador que é mera cria,

Entre páginas antigas,

Criação mitificada.

HESITADO ANDAR

Quão difícil compreender essa mulher

Que ainda me quer

Mas não quer se dividir.

Ela teima em fugir por sua fé,

Manter de pé

Cada dia do existir.

Seus lábios teimam em pedir

O que a boca diz negar.

Quer me amar

Sem me sentir.

Sua fidelidade ao lar, se faz ouvir.

Enquanto a vejo se afastar

Com aquele hesitado andar

De quem deseja me seguir.

SOB PESTANAS PISCADAS

Sob pestanas piscadas,

Meus olhos buscam por ti

Na densa névoa de lágrimas

Desse meu torpe existir.

Ainda a vejo aqui,

A me sorrir, encantada

Com as mais doces palavras

Que tentam te iludir.

Mas se dissipa, a fugir

Nessa volátil fumaça,

Tão irreal que se apaga.

 

Entre meus lábios, fumada.

Entre meus dedos, deixada,

Relegada ao desistir.

ADEUS SEM ACENO DE MAO

Talvez nem você compreenda

Como uma paixão tão intensa

Pôde arrefecer-se no tempo.

Hoje, um breve pensamento,

Uma distante ameaça.

Como um vendaval que passa

E nos deixa mitigados

Pelos danos serem parcos,

Foi esse amor relegado

A uma distante lembrança.

Fica, quem sabe, a esperança

De que essa imposta distância

Foi a melhor decisão.

E que cada coração

Siga a seta já mirada.

Você não me deve nada,

Pois me deste a maior paga,

Um amor sem restrição.

Deste adeus à ilusão,

À improvável realidade

Que pode haver felicidade

Onde há infidelidade,

Mentiras e dissensão.

Dou adeus sem aceno de mão,

Não por falta de ousadia,

Mas por ausência de alegria

E por mortificação.

 

Fim por tudo ter acabado.

Sempre é algo inalcançável.

Esperar é frustração.

À DISTANCIA

Em minha dor sem dó,

Tenho as mãos lavadas.

Em duras palavras,

A verdade é uma só:

Ao soprar-lhe em pó,

Não me restou nada.

Nem uma marca d"água,

Nem sombra e/ou traço

De que ainda há algo,

Foi-me revelada.

Já não tenho mais alma

Que me leve ao céu.

Não há versículo em papel

De um anjo cruel

Que ande pelo meu chapéu,

Circulando a aba.

Num berço de palha,

Um rei sem nobreza,

Morreu na certeza

De sua própria farsa.

Sua lenda afaga

Pela ignorância,

A falsa esperança

De uma suposta graça.

Os delírios em massa

Com a sua arrogância,

Mantêm crucificada,

A razão humana.

Enquanto à distância,

Essa vida passa.

Enquanto essa vida passa

À distância.

A FLOR DO JARDIM ALHEIO

Eu me perdi de você por algum tempo,

Entretido em pensamento,

Encantado com outra flor

Que vi no jardim alheio.

Não me perdi por inteiro,

Talvez por tenaz amor

A quem me tinha primeiro.

Se eu não fui verdadeiro

Com cheiro tão sedutor

Que me atraiu e me deixou

Sem rumo, sem paradeiro,

Peço perdão a quem for,

Seja a você meu amor

Ou à vicejante flor

D"aquele jardim alheio.

Não haveria outro meio

De reencontrar o caminho,

Se eu não ficasse sozinho,

Sem a flor do jardim alheio.

Ela murchou-se no canteiro

Por zelo e por carinho,

Não sei se a mim, descaminho

Ou ao seu amor primeiro.

Estou de volta e receio

Que a flor do jardim alheio

Renasça em novo botão

E que sua bela visão

Arraste o meu coração

À devoção e ao enleio.

COMO NUM PASSE DE MÁGICA

Quanto teve que esperar

A minha mãe emprenhada,

Que eu ainda em larva

Viesse a me transmudar?

Tanto quanto a se moldar

Numa versão transformada,

Uma figura que nada

Na escuridão do lugar.

Nasci sem me demorar,

A luz do mundo me abala,

Enquanto uma mão me afaga

Na intenção de calar.

Entre falar e andar,

Eu comecei criar asa

E mesmo dentro de casa,

Já começava a voar.

Meu pai ao me abraçar,

Sempre me aconselhara,

Desde a criança deixada

Até o meu madurar.

Que a vida tende a passar

E de maneira tão rápida

Como num passe de mágica,

Como fumaça no ar.

Filho, viva com vagar,

Sustenha cada passada.

Ante tão breve jornada,

Nunca se deixe apressar.

Sigo, rumo ao que virá,

Relembrando da estrada

Que por mim já foi trilhada.

A chegada, meu fim será.

No mais singelo olhar,

Na mais vulgar das palavras,

Na mais simplória risada,

Vejo algo singular.

Não me canso de pensar:

O intelecto é uma dádiva

Que a evolução legara

Ao encéfalo angular.

Vivo a me extasiar,

A realidade basta.

A matéria é tão vasta

Quanto se possa alcançar.

É fantástico imaginar,

Mantendo os pés nas sandálias,

Pois as nuvens são levadas,

Transparece a luz solar.

O meu ímpar pede par.

Filhos andam pela casa.

Eis que a vida se desbasta

Entre as portas de um lar.

Com o tiquetaquear,

Ouço a vida oscilada

Pelo tempo que não para,

Que não para de contar.

Corre solta, sem parar,

Feito égua numa raia,

Essa vida que esbarra

Numa faixa a enlutar.

Decrepitude e pesar,

Eis minha vida ceifada.

Deixo de ser quase nada

Para nada me tornar.

O PEIDAO

Digo logo, de antemão,

Que o ato é repulsivo,

Constrangedor, descabido,

E é falta de educação.

Peidar pra ele é missão.

O mau cheiro é divertido.

Mas parece desprovido

De tão sutil sensação

Que passa pra acusação,

Sem rodeios, diz convicto:

Você peidou, fui eu não.

Veja que situação:

Cheirar seu peido expelido

E ainda assumir a emissão.

SE EU JÁ TIVESSE MORRIDO

Se eu já tivesse morrido

Há alguns anos atrás,

Não me seria demais

Pensar num túmulo florido.

Entre lápides e gemidos,

Seriam lidos os meus ais.

Ante a morte dos demais,

A minha perde o sentido.

Tal destino está predito,

É a predica dos mortais,

Cada qual por um delito.

Todos buscam um veredito

Entre Deus e Satanás.

Eu desprezo esse prescrito.

COMPLEXA UNICIDADE

Vejo o todo, essa complexa unicidade,

Não como uma divindade que possa raciocinar.

Apesar de sua singularidade,

É a mera totalidade do que há.

Não pode se aperceber por não pensar,

Incapaz em sua materialidade.

Não há forma que o possa deslindar

Por sua incomensurabilidade.

A despeito da arrogante vaidade

Que tem a medíocre humanidade,

Cabe-lhe uma função peculiar,

Como partícula, mesmo que elementar,

Tem por si, a sua essencialidade:

Manter do todo, a soma, a integralidade.

ÚNICA QUEIXA

Foi sua infidelidade

Que me permitiu amá-la.

Contudo, sua dignidade,

Apesar de afastá-la,

Não me fez esquecê-la.

Como posso demovê-la

De uma decisão tão árdua,

Quando devo acatá-la e reconhecê-la?

Sei que fiz por merecê-la,

Não devo enganá-la.

Quem dera poder beijá-la

E novamente tê-la.

Sentir tanto a sua falta

É o que me agasta,

É a minha única queixa.

SUCUMBIR DIÁRIO

Meu inevitável sucumbir diário,

Eu assiná-lo com enorme vagar,

Nas finas páginas de um calendário

Que estático teima em me apressar.

Meus dias gastos, passo-os a contar

Sob a ilusão de que é temporário

Esse meu hábito de cronometrar,

Esse maldito ato costumário.

Sou consciente ser desnecessário

O meu esforço de desacelerar

Ou de poder tornar estacionário

O constante badalar do horário

Que o pêndulo insiste em reverberar

Em meu ouvido refratário.

JAMAIS TERMINA

Não sei se a amo ainda

Na mesmice e na rotina,

Depois de tantos anos.

Enchi nossa casa de sonhos

Que entre paredes e planos

Perderam-se sob a míngua

Desse ingrato sentimento

Desgastado pelo tempo

E pela luta contínua.

O amor não nos ensina

Quanto a perdas e ganhos.

Nós descontinuamos.

Mas, jamais termina.

PAIXAO DESVAIRADA

Estou tentando esquecer,

A cada dia que passa,

Essa paixão desvairada

Que vive a me endoidecer.

Essa angústia em querer

Como se tão necessária

Que ao não poder alcançá-la

Creio não possa viver.

Essa paixão desvairada é você

Que atormenta minha alma,

Que me condena a sofrer.

Ah! Por que fui me aprazer

De uma dona obstinada

Que já não quer se envolver?

ATEU PERNICIOSO

Quem é aquele pálido horroroso

Em meio à multidão de galhardos,

Aquele de olhos esbugalhados

E de semblante asqueroso?

É o único disposto

A lutar pelos mais fracos.

É também um dos fanáticos?

É mais um religioso?

Não, é um ateu pernicioso.

Diz que Deus é um escárnio

Ao intelecto do povo.

Enquanto o mesmo, de novo,

É deixado ao descaso

À espera de um ato milagroso.

BOSQUE DE TRISTEZA

No teu rosto por inteiro,

Há uma proporção perfeita.

Tua boca tão afeita,

Dá-me medo.

Medo de ser condenado

A amar sem ser amado,

A sofrer uma desfeita.

No teu colo, uma colheita

Entre frutos perfumados,

Sutilmente adocicados

Pelos lábios de quem beija.

Uma dona que alheia

Aos meus cuidados,

Me mantem enclausurado

Em um bosque de tristeza.

Caem folhas sobre a cesta

Onde guarda meus recados.

Em meus olhos lacrimados,

Se espelha.

Não me avilta que me veja

Eternamente enraizado,

Sendo arbúsculo vergado,

Nesse bosque de tristeza.

OLHAR VOCÊ

Meus olhos teimam em falar

O que eu não posso dizer.

Eu não consigo fechar

Meus olhos sem não te ver.

Não há milagres, nem flores,

Nem mesmo filhos e amores

Que me façam parar de olhar

Você.

A VIZINHA

Enquanto a casa, eu retelho,

Para uma arrumação.

A vizinha tão sem zelo,

Chama a minha atenção.

Linda, nua em pelo,

Olha-me com o mesmo anseio

Que há em meu coração.

Eu não faço uma oração

Porque não creio.

Porém, fico de joelhos

E imploro que não,

Não me deixe na mão,

Preciso mesmo.

DÚBIA EXISTÊNCIA

Toda essa miséria é relegada

Aos pés da indiferença

E do silêncio.

Assim como eu, são tantos outros,

Sem o menor esforço

Para dirimir o sofrimento,

Para uma mais justa equivalência.

Não me aborreça, não me ofenda

Com essa fervorosa crença

Em um deus que é muito pouco

Para a minha inteligência.

A subserviência,

Deixar-me-ia louco.

Não há conforto para um morto,

Sua dúbia existência.

A...

Esse "A" disperso em frases,

Ainda me leva Àquelas tardes

De Ai, quantas saudades

De nós dois!

"A" de Antes e depois,

De Amenidades.

"A" de Animosidade que se foi.

Esse "A" de dar Adeus sem merecer,

De Além do que eu posso fazer,

É o "A" que diz seu nome.

"A" de Alguém que não responde

Aos Aulidos do meu triste padecer.

Esse "A" deixou de ser.

"A" de Amada fez-se Amiga

Na esperança que Algum dia

Esteja Amadurecida

Para o caso inverter.

Esse "A" que Ainda tento entender

Por que Abdicou de mim,

É o início, é o fim

Do meu doce bem querer.

Esse "A" de Amo você,

De Abandono, de Acabou,

É o mesmo de Aquela que não vê

Que não vai deixar de ser

O meu único Amor.

Esse "A" que me restou

É de Algo mais,

Não define os meus Ais,

Mas Assiste à minha dor.

QUEBRANTO

Sinto tanto a tua falta,

Tanto quanto

Me entristeço e me espanto

Com a ausência que se arrasta,

Com o silêncio que te cala,

Caio em pranto.

O teu rosto tem o encanto

Que me basta.

Tua boca agora casta,

Friamente se afasta

E me deixa ao quebranto.

NO VAI E VEM DO CAMINHAR

O que é o ladrão,

Senão o mesmo cidadão

Com o intuito de roubar?

O que divide esse mar

De ilusão

Onde boiam precisão

E bem-estar?

No vai e vem do caminhar,

Não há razão

Que uma tênue emoção

Não tenha força pra dobrar.

O que devemos esperar

Diante da indefinição

Onde uma mínima ação

Pode ao futuro transmudar?

Como calar

Perante a imane frustração

Que enfurece o mais afável coração,

O acicatando a clamar?

DE VOLTA PARA CASA

Traga-me de volta para casa.

Manter a porta escancarada,

Não me faz entrar.

Preciso novamente te amar.

Corte-me as asas,

Eu não quero mais voar.

A liberdade que me fez vagar

Pelas mesmas estradas,

Silenciosas e solitárias,

Que eu vivia a imaginar,

Já não consegue fascinar.

E a clausura de um lar

Parece-me agora, tão necessária

Quanto essa ação involuntária,

Essa vontade de chorar.

COMO AMEI OUTRORA

Eu a amo ainda,

Quando o dia finda

E você vai embora.

Como amei outrora,

Nas primeiras horas,

Eu a amo ainda.

Você ilumina

Com a luz da retina,

Minha vida umbrosa.

Precavida, ignora

Este que fixo, a olha,

E lhe descortina.

JASMIM

Você ficou em mim,

Como uma tatuagem,

Gravada sua imagem

Em tinta de nanquim.

Em meu deserto, enfim,

Você é a miragem

Que me dá a coragem

De ir até o fim.

No sáfaro jardim,

É a verde folhagem

E se mantem assim.

Seu cheiro de jasmim

Que veio com a aragem,

Ainda respiro em mim.

CORAÇAO DO PRÓXIMO

A crescente esperança se avoluma

Ao sabor das palavras que consolam,

Fechando as feridas que as nossas próprias unhas

Em mãos humanas, nos esfolam.

Os olhos ainda choram

Entre o medo e o gesto de nobreza.

Sorrimos ante a face da tristeza,

Por sentirmos tanto ódio.

A bênção do perdão é o próprio ópio,

O milagre do remorso

De quem se torna perverso

Nas emoções de um outro universo,

Que é o coração do próximo.

ROSTO

Fujo desse rosto que me intriga

Numa acusação desmedida de meus erros.

Julga ter direitos em cobrar-me uma conduta

Que me livre de uma culpa

Que não cabe em si mesmo.

Passo os dedos entre os meus cabelos,

Afastando o peso da memória.

Vejo que o espelho já não chora

Na esperança que agora

Eu atenda aos seus apelos.

UM SOPRO DE VIDA

Corro desesperadamente à procura de saída

Dessa maldita vida

Que me prende a esse corpo

Que quase morto

Minha alma ainda habita

E por ser nele finita,

Vai se desfazendo aos poucos.

Corro feito um louco,

Sem saber que me orbita

A razão que me elucida,

E de nada valeria meu esforço.

Por ser tão moço,

Eu jamais concordaria.

Continuo nessa agonia

De correr na ventania

Contra um sopro

Que afaga o meu rosto

Com malícia

Na intensão que eu não veria

Que ainda sofro.

AOS PAIS

Onde anda a obediência

Dos filhos aos pais?

São sinais

De mau tempo

Quando se elevam ao vento,

As ofensas e os ais.

NA PRAÇA

Há um casal sentado na praça,

Sob um céu pálido de raro entardecer,

Que lembra eu e você

No mesmo estado de graça

Que só no amor pode se ver.

Enquanto tento descrever,

Eu emudeço entre lágrimas.

A linha parece ocupada;

Do outro lado ela tenta entender.

Alô, amigo é você,

O que se passa?

Enfim respondo: Não é nada,

Estou sentindo a sua falta,

Preciso muito lhe rever.

Não, você tem que se conter,

O meu consorte está em casa,

Seja mais forte, tenha calma,

Aos poucos, vai me esquecer.

E sem mais nada pra dizer,

O celular assim se cala.

E a saudade vira mágoa.

O mesmo amor que me desarma,

Em minha alma continua a combater.

MEU CAO PASTOR

Jeová, meu cão pastor,

Cruelmente escavacou

O éden, nosso jardim.

Com o pontapé que dou,

Ele corre com a dor,

Ele grita então, Caim!

Jeová não é ruim,

É um cão farejador

Que procura com ardor

Uma presa pra seu fim.

Quando a gente pensa, enfim

Jeová se acalmou,

Ele mostra seu furor,

Os seus dentes de marfim.

Jeová é um cão assim,

Late com o seu Senhor

Implorando por amor.

Quer ser o meu salvador,

Mas só é salvo por mim.

LÁBIOS SELADOS

Quem poderia saber

Que em meus lábios selados,

Que em meus olhos velados

Estava o ato de morrer?

Quem poderia entender

Que exorcizava meus medos,

Que exercitava meus erros

Para tentar aprender?

Ninguém. Posso eu mesmo responder,

De meu cadáver inumado.

AO SABOR DO VÍCIO

Na solidão da rua,

Na embriaguez do copo,

A timidez nos olhos

Continua...

Ele observa a lua

Enquanto vive o ócio,

Por já não ser mais sócio

Da labuta.

Não acredita em culpa,

Por não sentir remorso.

Fará qualquer negócio,

Menos pedir desculpa.

E se alguém lhe acusa

De não manter-se sóbrio,

Sorri pelo que é óbvio:

Viver é melancólico;

Morrer, simples recusa.

OS MEUS OLHOS

Os meus olhos me observam do espelho

Como se conscientes de si mesmos.

Reconhecem em minha face, os seus erros

E silenciam como cúmplices

Do meu silêncio,

Da minha sorte.

Os meus olhos num só corte,

Perdem o medo

De jamais verem o que vejo,

A minha morte.

UM NÓ NA ALMA

Eu deveria desatar

O nó que prende minha alma.

Talvez deixasse de ser nada

Além de um homem tão vulgar.

Talvez pudesse encontrar

O Eu que não me procurava.

Que simplesmente se enforcava

Num nó suspenso, a balançar.

ABSTRAÍDO

Eu sinto a espuma do mar

Tocar de leve meus dedos.

Eu teimo em caminhar,

Seguir o dia inteiro

E adentrar pela noite,

Enquanto o vento em açoite,

Assanha os meus cabelos.

Afasto os meus pesadelos

Entre o marulho do mar

E o barulho do vento.

Entregue aos meus pensamentos,

Eu sou capaz de voar.

Ouço uma voz me chamar

À realidade do instante:

Sou um sonhador errante,

Sou um jovem cadeirante

Que observa radiante,

A imensidão do mar.

DESALENTO, DOR E SOLIDAO

No começo, ao desabrochar a flor,

O perfume que exala é sedução;

O querer servir não é escravidão,

É apenas gratidão ao seu senhor.

Essa força que não há como se opor,

Que nos tira o equilíbrio e a razão

É aquela chama acesa, a paixão;

É o fogo que nos queima, é o amor.

Uma página que o tempo apagou,

A magia que perdeu a ilusão,

Eis a lágrima de uma separação

A estranha comoção, o desamor.

No silêncio, é o grito de horror

Que eclode na extrema escuridão.

Desalento, dor e solidão

São as sobras relegadas pelo amor.

PRISIONEIRO

Não existe uma alma

No meu corpo solitário.

Não existe um dinossauro

Em meu quintal.

Sou mamífero mortal

Que não se cala,

Uma vítima de um mundo temporal.

Fui deixado à mercê, em uma vala;

Fui julgado pela convenção moral;

Prisioneiro de uma humanidade falha

Que se basta na ilusão de bem e mal.

AO REFLEXO NO ESPELHO

Quem é você?

Eu me pergunto e jamais soube responder.

Você que vive e não sabe o porquê.

Você que luta inutilmente pra viver

E sem poder

Deseja ter a melhor sorte.

Você que foge de si mesmo

Por ser real seu pesadelo,

Um ser que solitário morre.

SOB LUAS, SOB SÓIS

Assim vamos cada um de nós

Soterrados pelas pás dos coveiros

Entre passos sorrateiros

Sob luas, sob sóis.

E em cada dia o que dói,

Que parece um pesadelo

É tão frágil, passageiro,

Que a si mesmo se destrói.

Eis que o tempo nos corrói

E temos medo

Por saber que estamos sós.

OS AMIGOS

Os amigos dispersos na vida,

Já não se veem mais.

Seu amores ficaram pra trás

Com seus ais e alegrias.

Suas conversas foram esquecidas,

Se tornaram banais.

Suas condutas não serão jamais

Como foram um dia.

AMOR IRRESTRITO

De quem era aquela mão

Que me afagava os cabelos,

Acalentava e acalmava

Os meus torpes pesadelos?

Nunca precisei chorar,

Ajoelhar e rezar

Ou fazer milhões de apelos

Pra essa mão me abençoar

Ao saber me perdoar

Por tantos erros.

Apontava meus defeitos

Sem jamais me ameaçar

Ou impor qualquer castigo.

Seu amor era irrestrito.

Sempre me fez se orgulhar

De ser seu filho.

A TRISTEZA DO MEU ROSTO

Será que o lençol cobre meu corpo

Por estar morto

Sobre a penumbra do arrebol?

Eis que alguém levanta o lençol

Para ver qual é o rosto.

Quem sabe está pensando: era tão moço,

Talvez desgosto,

Não verá mais a luz do sol.

E cobre novamente com o lençol,

A tristeza do meu rosto.

OLHOS DE EXTREMA AGONIA

Esses olhos de extrema agonia

Que me observam em silêncio

São da morte

Que me corrói por dentro

Procurando uma saída.

Esse espelho me arrepia,

Expressão de sofrimento

De um olhar que é só tormento

Pela falta de alegria.

Essa dor em mim contida,

Faz a noite mais comprida,

Faz mais vasto o breve tempo.

Busco em vão nesse momento,

Um pensamento

Que não seja o fim da vida.

ENQUANTO ABRAÇO A SOLIDAO

Será que tenho mesmo que mentir

Para aplacar meu coração?

Nos braços tenho a estranha sensação

De que ainda está aqui.

E minha alma põe-se a sorrir

Enquanto abraço a solidão.

As lágrimas que me turvam a visão

São as mesmas que a viram então partir.

Agora, teimam em me iludir,

Vejo você na escuridão.

Estendo a minha mão

Na intensão de impedir

A sua imagem de se diluir,

Mas você teima em sumir

Enquanto abraço a solidão.

CORTESA AFOITA

E quando os filhos dormem,

Ela se entrega a mim...

Louca, por que se dá assim?

Enquanto beija a minha boca,

Ela se deixa, solta,

Ser penetrada enfim.

A minha língua nua sorve

Seus grandes lábios de carmim.

Ela se abre toda,

Tal qual flor no jardim.

Os seus gemidos dizem sim

Para que eu não me sufoque,

Sofregamente em cada toque,

Ela prolonga junto a mim.

Acende-se um estopim:

Ela transmuda-se de esposa

Em cortesã afoita.

Exaustos e sem roupas,

Não temos mais escolha,

E chegamos ao fim.

 

Autor:

Joao Felinto Neto

joaoneto.felinto[arroba]bol.com.br

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