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Política Habitacional Brasileira: trajetória de uma política de exclusão (página 4)

Marcos Antonio Julkovski
Partes: 1, 2, 3, 4, 5, 6

Quanto às iniciativas de alcance social do início da primeira administração FHC, merece destaque o Programa de Conclusão de Empreendimentos Habitacionais, que visava recuperar investimentos já realizados com recursos do FGTS que não geraram os benefícios esperados, especialmente para viabilizar a comercialização de conjuntos habitacionais contratados até 1991 por empresas privadas, que se encontravam inacabados em virtude de problemas de financiamento na época.

Quanto às linhas de crédito os Programas de Crédito Direto ao Cidadão, denominados Cred-Mac e Cred-Casa, eram voltados para famílias com até oito salários mínimos de renda média mensal (atuando, inclusive, no setor informal), grifo do autor, possibilitariam a oferta de crédito para a aquisição de materiais de construção, visando à melhoria ou à construção de habitações.

Bonduki (2008, p. 79) problematiza que o financiamento para material de construção, embora tenha o mérito de apoiar o enorme conjunto de famílias de baixa renda que auto-empreeende a construção da casa própria e de gerar um atendimento massivo (567 mil beneficiados no período, a de maior alcance quantitativo), tende a estimular a produção informal da moradia, agravando os problemas urbanos, além do baixo valor do financiamento e a ausência de assessoria técnica que não permitiam que as famílias beneficiadas alcançassem condições adequadas de habitabilidade.

No setor social, destacam-se ainda, o Pró-Moradia e o Programa Habitar Brasil, voltados para o poder público, estados e municípios, e financiados, respectivamente, com recursos do FGTS e do Orçamento Geral da União (AZEVEDO, 1996, p 24).

Seus principais objetivos seriam a urbanização de áreas degradadas para fins habitacionais, a regularização fundiária e a produção de lotes urbanizados. Nessas duas iniciativas, buscava-se beneficiar 677.100 famílias, investindo R$ 5,2 bilhões, sendo R$ 4 bilhões de recursos do FGTS e R$ 1,2 milhão da contrapartida de estados e municípios (SEPURB, 1996a, 1996b apud AZEVEDO, 1996, p.24), no entanto 1996 e 2000, o desempenho do governo, no que diz respeito à política de habitação popular stricto sensu, pode ser considerado pífio, ficando aquém do inicialmente planejado, pois para o programa Pró-Moradia foram investidos cerca de R$ 830 milhões, em recursos do FGTS, para a construção de 155.219 unidades residenciais, a um custo médio unitário de R$ 5.400,00. No mesmo período, com recursos a fundo perdido do OGU, foram alocados no Morar Melhor / Habitar Brasil em torno de R$ 860 milhões que resultaram na construção de 294.595 moradias, com custo unitário médio de R$ 2.920,00 (CAIXA, 2000 apud AZEVEDO, 1996, p. 24).

Ressalte-se, entretanto, que para as políticas habitacionais populares os aportes da União foram bem mais substanciais, já que por meio de financiamento do FGTS, o Governo Federal investiu, entre 1996 e 2000, em torno de R$ 2,7 bilhões em saneamento básico (Pró-Saneamento).

Nesse período, foram aplicados cerca de R$ 2,5 bilhões de recursos orçamentários do OGU em diversos programas de infraestrutura e saneamento (CAIXA, 2000).

Por fim, quanto às propostas não dinamizadas de novas políticas habitacionais, deve ser lembrado o Programa de Arrendamento Residencial - PAR, voltado para atingir uma clientela na faixa entre quatro e seis salários mínimos de renda familiar. Azevedo (1996, p. 25) comenta:

Ainda que proposto como forma de leasing habitacional, esse programa parece não ter sido pensado com a mesma filosofia de seus congêneres europeus. O "arrendamento" aqui teria mais o objetivo de facilitar a retomada dos imóveis em caso de inadimplência do mutuário, evitando longas batalhas judiciais (AZEVEDO, 1996, p. 25)

Outros programas permearam esse período, como: o Programa Carta de Crédito, para os setores médios de renda familiar mensal de até 12 salários mínimos, que utiliza recursos do FGTS e das cadernetas de poupança com o objetivo de fornecer linha de crédito direta ao cidadão, dentre as modalidades de aquisição de habitação pronta, nova ou usada; o Programa de Financiamento à Produção e ao Crédito Individual, voltado para apoiar a indústria da construção civil na produção de projetos habitacionais destinados à parcela da população de renda média e alta que opte por um contrato de financiamento vinculado ao imóvel, programa praticamente similar ao que foi hegemônico durante o período BNH para os setores de maior renda, exceto no que respeita ao financiamento que, além dos recursos das cadernetas de poupança, abre a possibilidade de outras fontes complementares (Companhias Hipotecárias e Fundos de Investimentos Imobiliários) (AZEVEDO, 1996, p 25).

As alterações acima mencionadas, embora pudessem expressar uma renovação na maneira como a questão da habitação passou a ser tratada pelo Governo Federal, rompendo a rígida concepção herdada dos tempos do BNH, de fato não se efetivou como nova política e acabou por gerar um conjunto de efeitos perversos, do ponto de vista social, econômico e urbano (BONDUKI, 2008, p. 79).

Bonduki (2008, p.79) aponta ainda que "o financiamento para aquisição de imóveis usados, que absorveu 42% do total de recursos destinados à habitação (cerca de 9,3 bilhões), é um programa com escasso impacto", não sendo assim, capaz de gerar empregos e atividade econômica. Já o financiamento para material de construção, embora eficaz no apoio ao conjunto de famílias de baixa renda que autoempreende a construção da casa própria e gerou um atendimento massivo (567 mil beneficiados no período, a de maior alcance quantitativo), "tende a estimular a produção informal de moradia", sendo assim, instrumento agravante dos problemas urbanos. Além do que, o baixo valor do financiado e a ausência de assessoria técnica não permitiram que as famílias beneficiadas alcançassem as condições adequadas de habitabilidade (BONDUKI, 2008, p. 80).

Mas, a maior novidade na área habitacional nos anos 1990, segundo (AZEVEDO, 1996, p 25; ROYER, 2009, p.15) foi a aprovação, através da Lei Federal 9.512 / 97, do denominado Sistema Financeiro Imobiliário - SFI, em moldes totalmente diferentes do SFH, criado junto com o extinto BNH.

Inspirado na experiência norte-americana, o sistema opera exclusivamente com recursos da iniciativa privada nacional e internacional. Sendo ponto de destaque do SFI a chamada alienação fiduciária, pela qual o mutuário somente torna-se proprietário do imóvel quando quita o financiamento. Com isso, o financiador pode retomar rapidamente os imóveis em inadimplência (AZEVEDO, 1996, p.25; ROYER, 2009, p.14).

O objetivo de seus mentores seria atrair não só capitais internacionais como recursos dos fundos de pensão, uma vez que financiando apenas parte do custo do imóvel (cabe ao comprador arcar diretamente com parte dos custos) e com a possibilidade de rápida retomada em caso de inadimplência – além da inexistência de regulação governamental para prazos, taxa de juros e comprometimento máximo de renda familiar com as prestações – dificilmente haveria possibilidade de prejuízo para o investidor.

Evidentemente, este é um sistema que somente pode ser utilizado para setores de renda mais alta, uma vez que seria duvidoso que, em uma conjuntura de juros altos, fosse capaz de atingir uma clientela mais ampla (AZEVEDO, 1996, p.26).

Assim, é preciso fazer ressalvas à capacidade do SFI em atacar, de modo efetivo, o problema do déficit habitacional, dada às especificidades do processo de urbanização brasileiro e às necessidades habitacionais da nossa sociedade, já que fica evidente a ineficiência do SFI como modelo de financiamento apto a estruturar políticas habitacionais universalizantes e a sua vocação para a captura do crédito imobiliário em favor dos grupos de maior poder (ROYER, 2009, p.17; MCidades, 2004, p. 12).

Observa-se, sobretudo, que a política de acesso ao crédito está vinculada à consolidação de uma visão bancária no financiamento habitacional, personificado no papel central que passou a ter a CEF, como o único agente financeiro a operar os recursos destinados à habitação (BONDUKI, 2008, p. 80).

A CEF, enfim, empenhada em evitar rombos nos fundos destinados a habitação, sobretudo o FGTS, privilegiando a concessão de créditos em condições de maior garantia e de mais fácil acompanhamento, o que explica a preferência pelo financiamento do imóvel usado, na mesma lógica financeira. No entanto, a implementação desses programas não significou interferir positivamente no combate ao déficit habitacional, em particular nos segmentos de baixa renda (BONDUKI, 2008, p. 80).

Observa-se que neste contexto se manteve ou mesmo se acentuou uma característica tradicional das políticas habitacionais no Brasil, ou seja, de um atendimento privilegiado às camadas de renda média.

Tomando como exemplo o gráfico abaixo, referente aos anos de 1995 e 2003, observamos que 78,84% do total dos recursos foram destinados a famílias com renda superior a 5 salários mínimos, sendo que apenas 8,5% foram destinados para a baixíssima renda (até 3 salários mínimos) e onde se concentram 83,2% do déficit quantitativo (BONDUKI, 2008, p. 80).

Gráfico 03 - Contratações do FGTS. Programas por faixas de renda (em %) 1995/2003

Monografias.com

Gráfico 3- Fonte: Bonduki, (2004).

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A dupla gestão do governo FHC encerra-se com a aprovação do Congresso Nacional e promulgação presidencial do Estatuto da Cidade, em 2001, depois de 13 anos de tramitação, o que criou a possibilidade de se fazer valer a função social da propriedade.

Cabe-se ainda observar que no final do primeiro mandato, o Presidente FHC e sua equipe prometeram retomar o desenvolvimento econômico do país em um eventual segundo mandato, com a alegação de que o primeiro fora caracterizado pela conquista da estabilidade. O povo brasileiro apostou na promessa e o elegeu no primeiro turno. Uma vitória do Plano Real e da esperança pelo desenvolvimento do Brasil.

O êxito alcançado no controle inflacionário, por meio dos instrumentos do Plano Real, colaborou com a reeleição do Presidente FHC. A novidade na política econômica, a partir de 1999, foi a adoção de uma estratégia baseada em um sistema de metas inflacionárias, cujo objetivo era manter a estabilidade dos preços, mas também estabelecer taxas de inflação compatíveis com a dos países ricos, e assim, tomar a diretriz para fixação do regime de política monetária.

No entanto, o que caracterizou o segundo mandato do Presidente FHC foi a crise econômica, iniciada no final do seu primeiro mandato, no segundo semestre de 1998, junto com a campanha eleitoral.

Naquele período, o governo brasileiro conseguiu um mega empréstimo, concedido pelo Tesouro norte-americano, Banco Mundial, FMI e bancos privados, de US$ 44 bilhões. A dimensão da crise fez cair a máscara, desvalorizou-se o real, em janeiro de 1999, implantou-se o regime de metas para inflação e eliminou as bandas cambiais, isto é, adotou-se, de uma vez por todas, o câmbio flutuante, apertando ainda mais o ajuste fiscal (PEDREIRA, 2006, p. 70).

2.1.6 A Política Habitacional do Governo Lula 2003/2011

Em 2003, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cria-se o Ministério das Cidades, com a promessa de mudanças no quadro habitacional brasileiro (MCidades, 2004, p. 13).

Foram criadas, no primeiro dia de governo, quatro secretarias nacionais (Habitação, Saneamento, Mobilidade Urbana e Programas Urbanos), com objetivo de articular as políticas setoriais e enfrentar a questão urbana.

No mês de outubro do mesmo ano, foi realizada a 1ª Conferência Nacional das Cidades, com 2.500 delegados em um processo de mobilização social que buscava a consolidação das bases da atuação do governo, visando ainda, a criação e composição do Conselho Nacional de Habitação, instalado em 2004.

No entanto, desde o inicio, por conta de uma rígida política monetária e de escassos recursos orçamentários e, ainda, por prevalecer a lógica dos programas do FGTS, sob o comando ortodoxo do Ministério da Fazenda, a proposta do Ministério das Cidades em priorizar a população de baixa renda, onde está concentrado o déficit, encontrou enormes dificuldades (BONDUKI, 2009, p. 11).

Portanto, o Ministério das Cidades foi criado com o caráter de órgão coordenador, gestor e formulador da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, envolvendo, de forma integrada, as políticas ligadas à cidade, com a promessa de ocupar um certo vazio institucional, resgatando para si a coordenação política e técnica das questões urbanas.

Coube-lhe, ainda, a incumbência de articular e qualificar os diferentes entes federativos na montagem de uma estratégia nacional para equacionar os problemas urbanos das cidades brasileiras, alavancando mudanças com o apoio dos instrumentos legais estabelecidos pelo Estatuto das Cidades (BONDUKI, 2008, p. 97).

Mesmo levando em conta o avanço que representou a criação do Ministério, é necessário ressaltar que uma das suas debilidades é sua fraqueza institucional, uma vez que a CEF, agente operador e principal agente financeiro dos recursos do FGTS, é subordinada ao Ministério da Fazenda.

Em tese, o Ministério das Cidades é o responsável pela gestão da política habitacional, mas, na prática, a enorme capilaridade e poder da Caixa, presente em todos os municípios do país, acaba fazendo que a decisão sobre a aprovação dos pedidos de financiamentos e acompanhamento dos empreendimentos seja de sua responsabilidade (BONDUKI, 2008, p. 97).

As atribuições da CEF, enquanto prestadora de serviços, estão presentes no Manual de Instruções para contratação e execução dos programas e ações do Ministério das Cidades - Exercício de 2008 - nos subitens:

2.2.1 A Caixa Econômica Federal – CEF é encarregada da operacionalização dos Programas/Ações do Ministério das Cidades, conforme definido no Contrato de Prestação de Serviços nºs 06/2006 e 44/2007 e seus respectivos aditivos, na Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, bem como nesta Portaria.

2.2.2 As atribuições da CAIXA são, em síntese: analisar a documentação apresentada pelos proponentes; celebrar contratos de repasse e Termos de Compromisso em nome da União; zelar para que os requisitos para contratação das iniciativas, estabelecidos pelo Gestor, sejam fiéis e integralmente observados; acompanhar e atestar a execução físico-financeira dos objetos contratuais; analisar as prestações de conta parciais e finais e adotar as providências cabíveis; instaurar Tomada de Contas Especial, na forma da lei, e manter o Gestor informado sobre o andamento das operações propostas/contratadas, por meio do encaminhamento periódico de informações gerenciais e do atendimento às solicitações extraordinárias de informação a respeito dessas operações (MCidades, 2008, 4-5).

Feita essas considerações, observa-se que a nova Política Nacional de Habitação - PNH incorporou a maioria das propostas do Projeto Moradia, mas aspectos importantes não puderam ser implantados de imediato.

Sem subsídios significativos, prevaleceu a visão bancária da CEF, sem alterações substanciais na concessão do crédito.

Quanto ao Fundo Nacional de Habitação - FNH, reiterado na 1ª Conferência Nacional das Cidades, encontrou-se forte oposição na equipe econômica e apenas foi aprovado em 2005 e instalado em julho de 2006.

Em vez de ser institucionalizado como um fundo financeiro, foi instituído como um fundo orçamentário, limitado a cumprir seu papel. O governo, entretanto, comprometeu-se a aportar R$ 1 bilhão por ano para subsidiar os programas habitacionais (BONDUKI, 2009? p. 11).

A mesma política instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e exigiu de estados e municípios a criação de uma estrutura institucional, com fundo, conselho e plano de habitação, para que tivessem acesso aos recursos federais.

A substituição de Olívio Dutra por Márcio Fortes em julho de 2005, por indicação do Partido Popular, do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, em meio a uma forte crise política, representou o início do processo de desarticulação de um órgão que ainda buscava se estruturar, em seu papel de formulador da política urbana para o País. (BONDUKI, 2009? p. 12).

Em 2007, com a substituição de todos os secretários nacionais do ministério indicados por Dutra, com exceção da Secretaria Nacional de Habitação, esse processo trágico se completou.

No mesmo ano, o governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, objetivando implantar grandes obras de infraestrutura, mas incluiu entre seus componentes um programa de caráter social, a Urbanização de Assentamentos Precários, prevendo-se recursos orçamentários inusitados para o setor da habitação.

No âmbito da habitação de mercado, as medidas governamentais para ampliar a produção para a classe média foi a promulgação da Lei nº 10.931/2004 que determinou juridicamente ao mercado e ao Banco Central, a exigência dos bancos de utilizarem os recursos da poupança para financiar a habitação. Num quadro favorável da economia, essas medidas geraram uma elevação de R$ 2,2 bilhões para R$ 27 bilhões, entre 2002 e 2008, no investimento em habitação do SBPE.

Com a abertura de capital de 24 empresas do setor imobiliário e uma forte inversão de capital externo, iniciou-se uma avassaladora procura por terrenos, num processo especulativo que chegou a ser chamado, entre 2007 e 2008, de boom imobiliário (BONDUKI, 2009? p. 12).

A esse respeito Henrique Andrade Camargo, do Mercado Ético, em entrevista com Raquel Rolnik, uma autoridade mundial em moradia, relatora especial para o Direito à Moradia da Organização das Nações Unidas - ONU, arquiteta e urbanista da Universidade de São Paulo – USP e que condena a política habitacional do governo Lula.

Para ela, o Ministério das Cidades, onde trabalhou de 2003 a 2007, age de forma "esquizofrênica" e só pensa em resultados rápidos e quantitativos. "A qualidade, como no plano Minha Casa Minha Vida, foi totalmente descartada. Corre-se o risco de se criar guetos de pobres, com violência e sem acesso ao trabalho e à educação".

A alternativa que ela defende é a criação de um modelo de gestão democrática para além dos requisitos formais. O objetivo é incorporar a totalidade dos habitantes e moradores em uma condição de cidadania.

No final de 2008, a crise econômica internacional, iniciada no setor imobiliário americano, chegou ao Brasil, gerando incertezas e paralisando ainda mais o setor.

Nessa conjuntura, a decisão governamental de investir com vigor no setor habitacional (cerca de 34 bilhões), culminou com um "pacote", maturado inicialmente no Ministério da Fazenda, cunhado como emergencial e anticíclico, buscou o apoio do setor privado para evitar o aprofundamento do desemprego, ameaça concreta na virada de 2009 (BONDUKI, 2009? p. 12).

A intervenção da Secretaria Nacional da Habitação, lastreada no processo de elaboração do Plano Nacional de Habitação - PlanHab, possibilitou que essa ação anticíclica ganhasse algum conteúdo social, muito aquém do que seria possível se a estratégia do PlanHab fosse a referência para as medidas emergenciais a serem tomadas.

Quanto a essa injeção de dinheiro, Raquel Rolnik[23](2009) argumenta que ao disponibilizar 34 bilhões para a construção, sem nenhuma intervenção em termos urbanísticos e fundiários, provocou-se um processo inflacionário resultando em um aumento, considerável, no preço dos terrenos.

O que eu tenho apontado é que muito provavelmente o subsídio vai parar no bolso do proprietário do terreno. Eu dou dois ou três meses para os empresários dizerem que não está dando mais para fazer casas de 60 e 70 mil (reais). Agora eles já estão dizendo que não dá para fazer de 50 mil. E não é porque a casa custa 50 mil reais. É porque a terra custa isso. Quer dizer que o nosso dinheiro foi diretamente para o bolso dos proprietários do terreno (ROLNIK, 2009).

No papel o Plano Nacional de Habitação e a PlanHab, um dos componentes centrais dessa política, objetivava planejar as ações públicas e privadas, em médio e longo prazo, para equacionar as necessidades habitacionais do País no prazo de quinze anos. Assim foi concebido como um plano estratégico de longo prazo articulado com propostas operacionais a serem implementadas a curto e médio prazo, tendo como horizonte 2023.

As propostas de implementação deverão se articular com a elaboração dos PPAs, prevendo-se monitoramento, avaliações e revisões a cada quatro anos (2011, 2015, 2019) ainda como estratégia de ação, foram pensados quatro eixos, que devem também estar intrinsecamente articulados, para que ocorram alterações substanciais na política habitacional, são eles: financiamentos e subsídios; arranjos institucionais; cadeia produtiva da construção civil; estratégias urbano-fundiárias (BONDUKI, 2009? p. 12).

Considera-se ainda que, a falta de capacidade das prefeituras, estados e do próprio agente financeiro (Caixa) para uma atuação em larga escala, e os constrangimentos da cadeia produtiva, cujos produtos, em geral, não estão adequados para atender à demanda prioritária. Somada à dificuldade de acesso e o custo da terra urbanizada e regularizada para a produção da Habitação de Interesse Social - HIS, em condições urbanas e ambientais adequadas, são obstáculos para uma apropriada aplicação dos recursos, com foco na população prioritária.

Sintetizando, o Sistema Financeiro de Habitação desde a extinção do BNH, criou um vazio com relação às políticas habitacionais, num processo de desarticulação progressiva da instância federal, fragmentação institucional, perda de capacidade decisória e redução significativa dos recursos disponibilizados para o investimento na área.

O "Plano de Ação Imediata para a Habitação (governo Collor, 1990), os programas "Habitar Brasil" e "Morar Município" (governo Itamar Franco, 1994) e a reorganização institucional empreendida por FHC marcam uma tendência de progressiva descentralização, o que gerou uma situação ambígua.

Por um lado, ampliaram-se as condições de autonomia e de iniciativas locais (estaduais e municipais) na definição de agendas e na implementação de políticas. Por outro, os mecanismos de financiamento revelaram um caráter fortemente regressivo e propicio a manipulações políticas. Abaixo, encontram-se as principais Leis Federais de incentivo a financiamento de casa própria no período acima estudado.

Tabela 10 - Relação das Leis Federais para Habitação de 1974 a 2011

Leis

Programa

Característica

Lei n.º 6.168/74 Governo: Ernesto Gaisel (1974 -1979)

Cria Fundo de Apoio ao

Desenvolvimento Social FAS.

Destinado a dar apoio financeiro a programas e projetos de caráter social.

Decreto Lei n.º 1.405/ 75

Gov.: Ernesto Geisel

(1974-1979)

Dispões sobre Recursos

destinados ao Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social FAS.

A renda líquida das Loterias Esportiva e Federal que for recolhida ao Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social – FAS.

Lei nº. 8.677/93

Gov.: Itamar Franco

(1992-1995)

Dispõe sobre Fundo de

desenvolvimento Social FDS.

O FDS destina-se ao financiamento de projetos de investimento de interesse social nas áreas de habitação popular.

Lei n.º 10.188 /01.

Gov.: Fernando Henrique

(1999-2003)

Cria Programa de Arrendamento

Residencial Institui o

Arrendamento Residencial com

Opção de Compra PAR

Fica instituído o Programa de Arrendamento Residencial para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda.

Lei n.º 10.257/01.

Gov.: Fernando Henrique

(1999-2003)

Regulamenta os Arts. 182 e 183

da Constituição Federal

Estabelece Diretrizes Gerais da

Política Urbana.

Lei denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Lei n.º 10.859/04.

Gov.: Luis Inácio Lula da

Silva

Institui o Programa de

Arrendamento Residencial PAR.

A aquisição de imóveis para atendimento dos objetivos do Programa será limitada a valor a ser estabelecido pelo Poder Executivo.Lei n.º 10.998/04.

Governo: Luis Inácio Lula da Silva (2003-2007)

(1930-1945)

Altera o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social

PSH.

O Programa de Subsidio à Habitação PSH objetiva tornar acessível a moradia para os segmentos populacionais de renda familiar alcançados pelas operações de financiamento ou parcelamento habitacional de interesse

social.

Lei n.º 11.124/05.

Governo: Luis Inácio Lula da Silva (2003-2007)

Dispõe sobre Sistema Nacional

de Habitação de Interesse Social- SNHIS, Cria o Fundo Nacional de Interesse Social- FNHIS e Institui o Conselho Gestor do FNHIS

Instituído o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS.

Lei n.º 11.888/08.

Governo: Luis Inácio Lula da Silva (2007-2011)

Assegura às Famílias de Baixa

Renda Assistência Técnica Pública e Gratuita para o Projeto

e a Construção de Habitação de

Interesse Social e Altera a Lei

11.124 de jun.2005

As famílias com renda mensal de até 3 (três) salários mínimos, residentes em áreas urbanas ou rurais, têm o direito à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social para sua

própria moradia.

Fonte: METELLO, Humberto; ANNUNCIAÇAO Luiz de. A Problemática de Habitação no Brasil e em Mato Grosso: normas e legislação para a política habitacional. 3 °Seminário mato-grossense de Habitação de Interesse Social. UNEMAT, 2009?

CAPÍTULO 3

MARCHA PARA O OESTE: marchando para o agravamento da questão habitacional da região Centro-Oeste

3.1 SÍNTESE HISTÓRICA DO PROCESSO DE COLONIZAÇAO DA REGIAO CENTRO-OESTE

Da perspectiva do governo Vargas (1930), um dos caminhos para o progresso nacional estaria na efetiva ocupação e integração das várias regiões do interior do país, bem como na exploração de suas riquezas (TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2007, p. 39).

A Marcha para Oeste, como foi chamado pelo governo, representou um projeto para o enfrentamento da crise econômica e política na qual o Brasil estava envolvido, devido aos efeitos do crack da bolsa de valores de Nova York, em 1929, os quais percorreram toda a década de 1930, período conhecido como a Grande Depressão.

Contribuindo para tornar mais complexo e instável o cenário internacional, tal conjuntura fez com que crescesse, perigosamente, o descrédito quanto à possibilidade de políticas de orientação democrático-liberal em resolver questões como o desemprego e a falta de moradia. (LENHARO, 1987 Apud TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2007, p.39).

A construção da Marcha contribuía para a idealização do governo em criar uma imagem da nação em movimento à procura de si mesma, de integração, de movimento, de conquista e de expansão, estimulando assim, uma sensação de participação coletiva na política, onde o Estado Novo falasse pelos outros, ou seja, pelo "conjunto dos brasileiros, de quem precisava interpretar corretamente seu pensamento e para quem precisava encaminhar diretrizes políticas, que todos, supostamente, desejam e aprovam". Foi nesse contexto que Vargas lançou o lema da campanha: "O verdadeiro sentido da brasilidade é a marcha para o oeste. (TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2007, p.39-0).

No plano nacional, a crise que se abateu sobre a produção do café, provocou o êxodo da zona rural para as grandes cidades, provocando uma pressão populacional destas, ocorrendo o acúmulo de pessoas sem ocupações fixas ou mal "remuneradas".

Classificados pelas autoridades públicas como "indesejáveis" e "classes perigosas" estavam os ladrões, prostitutas, lavadeiras, capoeiras, costureiras, dançarinas, malandros, desertores do exército, ciganos, ambulantes, tropeiros, criados, serventes de repartições públicas, engraxates, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptadores e pivetes, entre tantos outros, e que mais compareciam nas estatísticas criminais da época, especialmente nas referentes às contravenções do tipo desordem, vadiagem, embriaguez e jogo (TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2007, p.40).

Feita essa classificação, restava ao governo, que idealizava transformar o escopo do "novo-homem" idealizado pelo Estado Novo, demarcando os limites que separariam do trabalhador ordeiro, forte e saudável, ou seja, o "cidadão-trabalhador", símbolo do crescimento e do progresso econômico da nação, dos "indesejáveis."

Também era foco do governo intervir no impacto causado pelo rápido crescimento populacional sobre as condições de vida, com o agravamento quantiqualitativo de muitos problemas, como os de habitação e abastecimento de água, de saneamento e de higiene que, a exemplo do ocorrido no início do século XX, poderiam agravar os surtos de epidemias (TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2007, p.39-0).

Diante desse quadro iniciou-se, por parte do Estado, uma política de colonização centralizada e nacionalista, com a intenção de conquistar e ocupar os ""espaços vazios"", ou "sertões", do interior do país, integrando-os ao restante da nação (TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2007, p.41).

A Marcha para Oeste pretendia desarticular o latifúndio na região sul de Mato Grosso, já que na retórica dos ideólogos, os grandes latifúndios eram tidos como fator que emperrava o desenvolvimento da agricultura, ao mesmo tempo em que impedia a extensão ao campo das conquistas sociais já alcançadas nas cidades.

Nessa medida, a ocupação deveria ser pautada na pequena propriedade e no corporativismo agrícola, a exemplo do que ocorreria na Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), criada em 1943, para qual se dirigiram migrantes de inúmeras partes do país (TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2007, p.41).

Desta forma, migrantes paulistas, catarinenses, nordestinos, paranaenses e, sobretudo, gaúchos, promoveriam uma lenta modificação estrutural no estado de Mato Grosso em geral, e na região sul em particular, atraídos principalmente pelos baixos preços das terras, pelo incremento da agricultura e das atividades comerciais a ela vinculadas, contribuindo também, para a formação do contingente populacional, e de introduzirem na região novos elementos culturais e sociais que se refletiam na maior presença do poder federal na região (TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2007, p.42).

Desta forma, em 1940, através do decreto-lei nº 2009, define-se a organização dos núcleos-colônias e são estabelecidas as normas reguladoras das relações entre empresas de colonização e colonos.

Os objetivos pretendidos, de "fomento da pequena propriedade", deveriam ser perseguidos pelo Estado, através de ações como: auxílios governamentais e supervisão de órgãos técnicos até a emancipação dos núcleos; e assistência social às famílias. (SEPLAN, 2008? p. 01).

Neste mesmo ano, novo decreto dispunha sobre os projetos de colonização dos Estados e Municípios, submetendo-os à aprovação do governo central, por intermédio do Conselho de Imigração e Colonização. Dentro desta política, em 1943, é criada a Colônia Agrícola Nacional de Dourados, no sul do Estado de Mato Grosso.

Apesar de ter sido objeto de intensa propaganda pelo Estado Novo, que a apresentava como colônia-modelo, a implantação efetiva da colônia atrasou-se consideravelmente. Somente em 1948 é que o Governo Federal demarcou a área e os limites para sua instalação. Ainda assim, a forte propaganda realizada sobre esta colônia funcionou como grande atrativo a novos fluxos migratórios dirigidos à região.

Também em 1943, o Governo Federal promovia a Expedição Roncador/Xingu[24]que tinha como finalidade ocupar as áreas do Araguaia e Xingu até Manaus para promover a colonização da região do Centro Oeste brasileiro.

Essa expedição teve como base a localidade de Barra do Garças, com o primeiro posto-base da expedição, localizado às margens do Rio das Mortes, dando origem à atual cidade de Nova Xavantina, onde foi sediada a Fundação Brasil Central - FBC, criada no mesmo ano.

A estratégia de colonização através de pequenos núcleos de colonos fracassou como também fracassou o projeto global de colonização concebido, então, para a região.

Os principais motivos apontados para o insucesso da estratégia colonizadora do governo deveu-se aos litígios acerca do domínio das terras, por já estarem ocupadas por cerca de 30 mil garimpeiros e por constituírem-se de terras indígenas, como no caso das terras Xavantes, em que a tentativa de ocupação gerou vários conflitos e violências (SEPLAN, 2008? p. 02).

Desta forma, a primeira tentativa oficial de colonização das terras matogrossenses não representou praticamente nenhuma alteração significativa no processo de ocupação populacional (SEPLAN, 2008? p. 02).

Em 1940, registrava-se 192.531 habitantes no estado de Mato Grosso, ou seja, 15,39% da região Centro-Oeste e 0,46% do total nacional. No período de 1940/1950, Mato Grosso apresentou a menor taxa de crescimento populacional da região, ou seja, 0,96% ao ano.

A partir de 1950 a redefinição da política governamental de ocupação e colonização de Mato Grosso e da região Centro-Oeste, parte da colonização pública e parte da colonização privada, tinham como objetivo a absorção dos excedentes populacionais de outras regiões brasileiras (SEPLAN, 2008? p. 02).

Quanto à colonização deste período os dados da SEPLAN (2008?) mostram que:

Nas décadas de 50 e 60 foram parcialmente implantadas 29 colônias oficiais, ocupando um total de 400.668 ha., cerca de 0,32% da superfície do antigo Estado de Mato Grosso. Com exceção da colônia Rio Branco, com área de 200.000 ha, as demais constituíam-se de glebas inferiores a 500 ha. (75% destas) ou inferiores a 1.000 ha. (25% do total). Segundo os dados oficiais, foram retalhadas 8.739 parcelas, com lotes variando entre 10 e 15 ha, que acolheram 68.920 colonos.

A mesma fonte ainda registra as dificuldades vivenciadas por estes colonos e suas precárias condições de vida e de trabalho, revelando que a maior parte das avaliações feitas do processo de colonização oficial conclui pelo "insucesso" da mesma, não conseguindo o Estado atender sequer às exigências mínimas e promessas relativas à infraestrutura das "colônias", tais como: a construção de estradas de acesso às áreas e vias de circulação interna nos projetos; a disponibilização de serviços de educação e de saúde; além de não proporcionar assistência técnica aos colonos e financiamento à produção.

Da mesma forma, no que se referem à colonização particular ou privada, os contratos celebrados em áreas médias de 200.000 ha também não obteve êxito. Alegam como principal motivo o fato de que as empresas concessionárias, embora tendo adquirido terras tituladas pelo Estado em condições especiais, não cumpriram os compromissos assumidos, notadamente quanto à implantação de infraestrutura social e econômica, como previam os contratos.

Além disso, as irregularidades ocorridas nas transações de venda de terras a particulares, realizadas inclusive pelas próprias instituições do Estado, também são consideradas entraves ao êxito do projeto de colonização da época (SEPLAN, 2008? p. 05).

No entanto se considerarmos que a avaliação do Estado não estava limitada aos resultados de uma política de promoção do desenvolvimento dos colonos, da agricultura familiar e do mercado interno, mas sim, no processo de industrialização concentrado no eixo urbano Rio/São Paulo, o processo de colonização teve seu objetivo alcançado, já que o modelo tradicional de agricultura, com fins apenas de produção de alimentos estava implantado (SEPLAN, 2008? p. 05).

Assim, a dimensão do processo de incorporação de novas terras ao processo produtivo foi tal, que a participação do número de estabelecimentos agropecuários na área total do território nacional mais do que duplicou, no período de 1940 a 1960 (21,5% e 43,5%, respectivamente). Mas o fato é que, a expansão da fronteira agropecuária nos anos 50 ocorreu em áreas próximas ao núcleo dinâmico da economia nacional, estendendo-se por terras do Paraná; em Minas Gerais, na região do chamado Triângulo Mineiro; no Oeste Paulista e no Rio Grande do Sul.

Na região Centro-Oeste esse avanço só viria a ocorrer, pelo menos, uma década mais tarde, concentrando-se predominantemente na porção sul dos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul. Nessas áreas, a disponibilidade de terras baratas favoreceu a ocupação com pecuária, o que ocorreu através da implantação de projetos de colonização privada, promovidos pelos frigoríficos da região Sudeste.

Espacialmente, verificava-se a ocorrência de algumas regiões ocupadas com pastagens, enquanto sua maior extensão territorial permanecia desocupada e à margem do processo produtivo (SEPLAN, 2008? p. 05).

A incorporação da região Centro-Oeste ao espaço econômico nacional, no período em questão, ocorreu, sobretudo, a partir da transferência da Capital Federal para o Planalto Central, quando se reforçam também os investimentos governamentais em infraestrutura viária (rodovia Belém-Brasília, abertura das BR-364, BR-163) e a implementação de programas de ocupação e colonização na região.

Ainda assim, essa ocupação e expansão populacional, em nível regional, não se deu uniformemente no espaço e tempo: inicialmente, no estado de Goiás (até 1970, detinha 50% da população regional) e em Mato Grosso do Sul e, a partir da década de setenta, também no estado de Mato Grosso.

Certamente, a contribuição da região Centro-Oeste ao processo de industrialização nacional do período 1950-70, não foi nem uma importante absorção de excedentes migratórios originados do Sul-Sudeste, nem uma significativa participação na oferta de alimentos para esses mercados (SEPLAN, 2008? p. 05).

A grande contribuição foi dada no sentido de que a abertura desses novos espaços, através da infraestrutura rodoviária disponibilizada pelo Estado, permitiu colocar no mercado nacional um grande volume de terras a preços baixos, refreando, assim, o processo em curso, de supervalorização nas áreas de ocupação antiga e o repasse disto aos preços dos produtos alimentares - basicamente no setor produtor de carnes.

Nestes termos, a colocação das terras matogrossenses, dentre outras, no mercado nacional, quando o próprio Estado - regional e nacional - ainda desconhecia seus domínios, apenas contribuiu para agudizar o já tumultuado processo de ocupação do meio rural, dando ampla margem à especulação, à fraude e à violência.

Nas décadas de 50 e 60, grandes fatias do território foram praticamente distribuídas a grupos locais e nacionais, através da expedição de falsos títulos de propriedade, emitidos inclusive pelo próprio Departamento de Terras do estado de Mato Grosso, infligindo a própria lei que limitava a extensão das terras adquiridas (SEPLAN, 2008? p. 06).

Para se ter uma dimensão desta prática, segundo pesquisa realizada nos arquivos públicos de Mato Grosso, Moreno (2007), denuncia que o Governo do Estado, Correa da Costa, em 1952, dispôs em um relatório o movimento "surpreendente" de vendas de terras devolutas, expedindo mais de 1500 títulos de terras entre provisórios e definitivos.

Dois anos mais tarde o Departamento de Terras em Cuiabá e em Campo Grande haviam recebido 7.895 requerimentos de compra, sendo expedidos 7.833 editais e firmadas 3.214 concessões, chegando a um total, somente naquele ano, de 1.564 títulos expedidos em caráter provisório, o que compreendia 4.013.398 hectares[25]e 947 títulos definitivos que correspondiam a 2.608.546 hectares (MORENO, 2007 apud MACHADO, 2009, p.81-2).

Desta forma, uma das principais fontes de arrecadação do Estado (1951 a 1955) foi a venda de terras ditas devolutas, com 20.756 requerimentos de compra, 10.533 expedições de títulos, somados os provisórios e os definitivos, chegando a uma extensão de 32.909.346 hectares. É imprescindível ressaltar o baixo valor pago e até mesmo a "doação" dos latifúndios a empresas colonizadoras, fenômeno que evidenciou a facilidade de aquisição das terras.

Segundo Correa da Costa (1955) em análise da política de terras de seu governo afirma:

[...] a política de terras do governo tem sido a mais realística possível. Desejamos que o fértil solo matogrossense deixe de ser um repositório potencial de riqueza para ser um elemento dinâmico da prosperidade pátria (MORENO, 2007 apud MACHADO, 2009, p.81-2).

O que na verdade essa política "realista" proporcionou foi a entrega de terras a preço irrisórios a companhias de colonização, em que pagavam de Cr$ 7,00 a Cr$ 10,00 e revendiam por Cr$ 100,00 a Cr$ 300,00 o hectare. Foram ainda firmados 22 contratos com empresas privadas em terras ainda não discriminadas (MORENO, 2007 apud MACHADO, 2009, p.81-2).

Além desta prática o Departamento de Terras e Colonização foi envolto em denúncias de empreguismo, falta de cadastro das terras, imprecisão das cartas geográficas dificultando qualquer trabalho técnico nas áreas atendidas e "passividade" do Estado na venda das terras onde imperava a vontade do comprador (MORENO, 2007 apud MACHADO, 2009, p.81-2).

O volume de irregularidades foi tal que o Estado, em 1966, reconhecendo a fraude ostensiva nas transações imobiliárias e a perda total do controle da situação, foi obrigado a fechar o Departamento de Terras e Colonização, passando o controle das vendas para a guarda dos Cartórios de Fé Pública (SEPLAN, 2008? p. 06).

A partir de então os negócios ilícitos de terra se acentuaram - generalizando-se as vendas de Títulos Provisórios, das posses lícitas e ilícitas – facilitando que se burlasse a lei, principalmente através de instrumentos como as procurações, que estabelecem e substabelecem direitos para a venda de terras de terceiros.

Note-se ainda que, no caso dos projetos de colonização oficial, houve uma grande permissividade, por parte do Estado, no sentido de facilitar a migração dos colonos para outros projetos ou para centros urbanos, favorecendo aos mesmos, tanto a aquisição de novos lotes em outros núcleos de colonização, como a devolução ao Estado das parcelas adquiridas.

Assim, os primeiros colonos de Dourados foram os de Rondonópolis, sendo que parte deles também desbravou as glebas da região de Cáceres e parte seguiu para o Território de Rondônia e Estado do Acre (SEPLAN, 2008? p. 06).

Portanto, a lógica subjacente da política de ocupação dos anos 1940/50, via colonização, não era outra senão a de criar as condições materiais e não materiais, como: abertura de estradas, reserva de mão de obra, propriedade privada da terra como reserva de valor etc, para a apropriação do espaço pelo capital agrário, comercial e financeiro.

Nestes termos, o projeto de colonização oficial foi bem sucedido, embora apresentasse tímidos resultados em termos de ocupação e promoção do desenvolvimento rural na região.

A esse respeito Joanoni Neto (2007, p. 20) afirma que os efeitos concretos, pós Marcha para o Oeste, só vieram nos anos 70, justamente com a transformação da região em "Fronteira Agrícola" e fartos incentivos do governo aos empresários, com incentivos fiscais, linhas de financiamento, juros subsidiados e longos prazos, através de órgãos como a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste - SUDECO e programas governamentais como o Programa de Integração Nacional - PIN[26]e o Programa de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil – POLONOROESTE.

No entanto, foram poucos os resultados destas políticas para o desenvolvimento do Estado, devido à ingerência e corrupção, principalmente na SUDAM, onde a maioria dos projetos agropecuários e agroindustriais tinha caráter fictício, sendo abandonados logo após a liberação de recursos.

Outros órgãos como o Departamento de Terras e Colonização – DCT, ao qual tinha a função de emitir títulos, fiscalização e demarcação de lotes agrários, chegou a ser fechado pelo governo do Estado de Mato Grosso, devido ao alto nível de corrupção, no entanto, o Instituto de Terras de Mato Grosso – INTERMAT, órgão que o substituiu em 1975, não coibiu o processo fraudulento que se enraizara no Estado, além das inúmeras denúncias de irregularidade no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA[27](JOANONI NETO, 2007, p. 23-4).

Além do desvio de recursos, identificou-se, via Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos – NERU da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, sérios problemas de acompanhamento dos promotores dessa política de ocupação, sendo inexistente a falta de assistência técnica, infraestrutura, além do isolamento dos lavradores em várias regiões

Na contramão da política de desenvolvimento econômico, observou-se no período, um crescimento no número de municípios em Mato Grosso, onde em 1940 contava com 18 municípios e já em 1970, quando teve início o processo de divisão do antigo Estado, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, apenas na região do primeiro encontrava-se 38 municípios, sendo que em 25 anos esse número subiu para 142, onde apenas 18 deles estavam acima de vinte mil habitantes (MIRANDA; AMORIM apud JOANONI NETO, 2007, p. 23).

As estruturas dessas cidades estavam de tal modo organizadas, que a elas cabiam a exclusão da população pobre do acesso a terra, em condições precárias de moradia e ao trabalho análogo a escravidão (JOANONI NETO, 2007, p. 23).

Deste modo as novas cidades que aglutinam esse tipo de população em seu perímetro urbano [...] já nascem velhas, reproduzindo modelos urbanos carcomidos, revelando desde já os problemas da sociedade capitalista globalizada, agudizadas em regiões em que o direito à vida e à propriedade tem poucas garantias (GUIMARAES NETO. 2000, p. 183 apud JOANONI NETO, 2007, p. 23).

Concomitante a esse modelo de ocupação, observa-se uma forte presença da iniciativa privada e a falta de capacidade do Governo Estadual na fiscalização das transações de compra e venda de terras somadas a anuência do Governo Federal frente a esse cenário (JOANONI NETO, 2007, p. 24).

Assim, o resultado prático dessa incapacidade do poder público para gerir recursos destinados a essa população migrante é a não demarcação e uma precária infraestrutura nos assentamentos gerando o abandono das áreas, grilagem e violência (JOANONI NETO, 2007, p. 26).

Essa realidade observada nos municípios matogrossenses por conta do processo migratório, também teve seus reflexos na capital do Estado. Migrantes insatisfeitos com as áreas de fronteira acabaram por fixar-se em Cuiabá.

O resultado desse refluxo pode ser observado no grande número de ocupações irregulares ocorridos nos anos de 1970, 1980 e 1990, culminando com o surgimento de "grilos", mais tarde regularizados em bairros sem nenhuma infraestrutura (JOANONI NETO, 2007, p. 54).

As consequências deste processo de ocupação foram além do crescente déficit habitacional, estimado atualmente entre 30 e 40 mil moradias, repercutiu na saúde pública, educação, saneamento e na segurança, colocando Cuiabá como a segunda capital mais violenta da Federação, perdendo apenas para Salvador (BA).

Assim, essa periferia com seus milhares de habitantes, é ponto de confluência da ineficácia do poder público e a ação incontrolada das forças de mercado (JOANONI NETO, 2007, p. 55).

Desta forma conclui-se que as promessas de colonização que caracterizaram a intensa migração da região Centro-Oeste, foram pautadas pela falta de prioridade e/ou a pouca atenção para os problemas habitacionais por parte do governo Federal, Estadual e Municipal, agravando, sobre medida, o déficit habitacional e seus efeitos perversos aos extratos populares em todo Estado.

As relações abusivas entre arrendatários e a inexistência de uma política creditícia e de incentivos ao pequeno produtor, agravaram o êxodo rural em Mato Grosso, causando ainda mais dificuldades às inúmeras famílias que, incentivadas pelo governo, buscaram melhores condições de sobrevivência, contribuindo para a formação dos grandes bolsões de miséria.

Diante desse quadro, o governo Estadual optou a editar legislações (tabela 11) e incrementar programas de habitação de Interesse Social, principalmente após a extinção da COHAB-MT substituída pelo INTERMAT[28]que possuía uma proposta de Regularização Fundiária Urbana e uma prática voltada a atender apenas o meio rural.

Assim, devido à abrangência, relevância e complexidade, o desafio da questão habitacional, que não se realiza por medidas e políticas verticalizadas, pois requer o envolvimento e a participação de toda a sociedade, o que se revelou foi o agravamento dos efeitos deletérios de uma ocupação desordenada e excludente, como o aumento do déficit habitacional refletindo nas ocupações ditas irregulares.

Tabela 11 - Relação das Leis sobre Habitação no Estado de Mato Grosso

Leis

Programas

Características

Lei n.º 6.763/96.

Governo:

Dante de Oliveira.

Dispõe sobre a extinção da Companhia de Habitação Popular do Estado de Mato Grosso - COHAB/MT,

Fica o Poder Executivo autorizado a extinguir, mediante liquidação, a Companhia de Habitação Popular do Estado de Mato Grosso - COHAB/MT, sociedade de economia mista, criada por autorização da Lei n° 2.408, de 28 de junho de 1965, observadas as disposições legais pertinentes.

Lei n.º 7.263/00.

Governo:

Dante de Oliveira.

.

Cria o Fundo de Transporte e

Habitação - FETHAB, estabelece condições para o deferimento do ICMS

O Fundo criado destina-se a financiar o planejamento, execução, acompanhamento e avaliação de obras e serviços de transportes e de habitação em todo o território mato-grossense.

Lei n.º 7.540/01.

Governo:

Dante de Oliveira.

Reestrutura o Conselho

Estadual de Habitação – CEH.

Reestruturado o Conselho Estadual de Habitação -

CEH, no âmbito da Secretaria Estadual de Transportes, com a finalidade de consolidar o planejamento habitacional global, definindo a política de habilitação popular e coordenando, em nível estratégico, as atividades de desenvolvimento do Programa Habitacional no Estado.

Lei n.º 7.728/02.

Governo:

Dante de Oliveira.

Autoriza o Poder Executivo a promover recompra, compra e

desoneração de garantias de

contratos de habitações de padrão popular financiadas pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a promover a reversão para o patrimônio do Estado de Mato Grosso, sob a forma de recompra ou compra, dos ativos representados por contratos oriundos da carteira imobiliária da extinta COHAB-MT, de unidades habitacionais localizadas no âmbito do Estado de Mato Grosso.

Lei 8.22/04.

Governo:

Blairo Maggi.

Dispõe sobre a Política Estadual de Habitação de Interesse Social, reestrutura o Conselho Estadual de Habitação e Saneamento, e altera a Lei nº 7.263, de 27 de março de 2000, e dá outras providências.

São beneficiários: famílias contempladas com benefícios da Política Estadual de Habitação de Interesse Social, através do recebimento de lotes ou unidades habitacionais dotadas de infraestrutura e acesso aos logradouros públicos, melhorias ambientais, unidades educacionais, áreas de lazer, complexos esportivos, bibliotecas, regularização fundiária, conjuntamente com políticas de emprego e renda, que possibilitem o desenvolvimento humano e a sua inserção social;

Lei n.º 8.432/05.

Governo:

Blairo Maggi.

Altera os dispositivos da Lei nº 7.263, de 27 de março de 2000, que criou o Fundo de Transporte e Habitação – FETHAB, cria o Fundo de Apoio à Cultura da Soja – FACS e o Fundo de Apoio à Bovinocultura de Corte – FABOV.

O FETHAB destina-se a financiar o planejamento,

execução, acompanhamento e avaliação de obras e

serviços de transportes, habitação, bem como o

desenvolvimento da agricultura e pecuária.

Lei n.º 9.095/09.

Governo:

Blairo Maggi.

Cria no âmbito do Estado de MT o Projeto "Escritura na Mão".

Cria no âmbito do Estado de Mato Grosso o Projeto

"Escritura na Mão", o qual autoriza o Poder Executivo a fazer doação das Unidades Habitacionais construídas através do Plano Estadual de Habitação aos seus beneficiários nos mais diversos Programas desenvolvidos pelo Estado de Mato Grosso, cujos recursos financeiros empregados sejam exclusivamente oriundos do Governo Estadual.

Fonte: METELLO, Humberto; ANNUNCIAÇAO Luiz de. A Problemática de Habitação no Brasil e em Mato Grosso: normas e legislação para a política habitacional. 3 °Seminário mato-grossense de Habitação de Interesse Social. UNEMAT, 2009?

Em suma, o que se percebe em Mato Grosso é que este Estado, hoje, particularmente em termos migratórios, está muito aquém daquilo que foi na década de 70 e parte dos anos 80, fruto do progressivo desaparecimento de um dos fatores que mais contribuíram para a sua ocupação: a expansão e/ou manutenção das áreas de fronteira agrícola.

Não é por acaso que o Estado, atualmente, apresenta elevado grau de urbanização, onde os centros urbanos tornaram-se as últimas opções para a permanência dos migrantes ali chegados, situação que se agrava quando se considera o reduzido potencial de absorção demográfica da maioria deles (CUNHA, 2006, p.02).

3.2 SÍNTESE HISTÓRICA DO PROCESSO DE URBANIZAÇAO DE CUIABÁ 1970/2008

Após 1964, com o projeto do Governo Federal direcionado à expansão capitalista da região amazônica, a política de integração das áreas periféricas se manifestou em prol de uma ideologia, onde, a ocupação produtiva dos "espaços vazios", que são qualquer espaço não integrado ao modo de produção capitalista, compreendeu as áreas historicamente ocupadas por povos indígenas ou por camponeses (VILARINHO NETO, 2005 apud VASCONCELOS, 2007, p. 05).

Assim, após o auge desse processo de integração, Cuiabá passou a receber grande fluxos migratórios, sofrendo um forte crescimento populacional, por conseguinte a ampliação em sua área de ocupação. Levando-se em conta que, para a elite nacional, as pessoas têm necessidades essenciais em função da classe à que pertencem, as elites e as classes médias [vêem] seu atendimento médico, seu acesso a educação, sua moradia, como seu e não dos outros, cabendo aos pobres outro padrão. Mesmo a luta dos despossuídos para melhorar a própria vida é vista como perigosa e subversiva (JOANONI NETO, 1996, p 50 apud JOANONI NETO, 2007, p 56).

A citação acima expressa o modelo político implementado para combater os efeitos perversos causados pelo grande crescimento populacional da capital, notadamente voltado aos interesses individuais e mercadológicos e, principal mecanismo gerador dos problemas urbanos: dispersão/hiperconcentração, déficit habitacional, crescimento periférico, alto custo dos equipamentos urbanos, etc. (RIBEIRO, 1981, p. 31).

O processo de reestruturação das cidades e sua relação com o mercado de terras é visto como consequência das imperfeições do funcionamento desse mercado que permite a especulação com os preços fundiários e também da estreita ligação entre valorização fundiária e investimentos públicos em infraestrutura e equipamentos urbanos (RIBEIRO, 1981, p. 31) – portanto, é nesta direção que as observações a respeito do enfrentamento da questão habitacional, por parte dos gestores públicos do município de Cuiabá se processam.

Isto posto, com o crescimento populacional algumas medidas urbanísticas foram adotadas pelo governo local, como: a abertura de um amplo corredor a partir da Igreja do Rosário até o Porto, através da canalização do Córrego da Prainha; da construção de pontes de concreto e da implantação de pistas laterais; o asfaltamento e a arborização da Avenida 15 de Novembro até a ponte Júlio Müller; a iluminação a vapor de mercúrio; a construção da primeira rodoviária de Cuiabá, na Rua Miranda Reis; abertura da estrada para Campo Grande, que facilitou a expansão da cidade em direção ao Coxipó, ampliando consideravelmente o espaço urbano da capital (BERNARDINO, 2004; ROMANCINI 1996 apud VASCONCELOS, 2007, p. 05).

Como exemplo desse processo de "evolução urbana da cidade", ou também chamado de "processo de descentralização" direcionado pelo Poder Público (FREIRE, 1997 apud VASCONCELOS, 2007, p. 05) ressalta-se a implantação da Universidade Federal de Mato Grosso, que polarizou o crescimento da cidade na direção do Coxipó da Ponte, pois com a expansão da infraestrutura destinada à Cidade Universitária foi possível a massificação de um comércio de maior porte na Avenida Fernando Corrêa da Costa, além do surgimento de conjuntos habitacionais para a classe média financiados pelo poder público.

Isso possibilitou a valorização das áreas próximas, provocando a especulação do solo urbano fomentando empreendimentos imobiliários para comercialização de lotes e habitações individuais e prédios de apartamentos, como por exemplo, o conjunto habitacional do IPASE e do conjunto habitacional do Jardim Petrópolis, este último, de iniciativa privada. Já os loteamentos dos Jardins Boa Esperança, Shangri-lá e Califórnia foram destinados à população de maior poder aquisitivo. (VASCONCELOS, 2007, p. 05).

A criação, na década de 1970[29]do Centro Político Administrativo (CPA) teve como motivação, resolver os problemas no trânsito do centro da cidade que "dificultava" o acesso das pessoas aos serviços públicos. A área destinada para esse fim foi planejada, ainda, a manter grandes espaços para futuras construções. Ampliou-se o perímetro urbano da cidade (ROMANCINI, 1996 apud VASCONCELOS, 2007, p. 05-6).

Outras obras de descentralização são relatadas por (FREIRE, 1997 apud VASCONCELOS, 2007, p. 05) como o prolongamento da Avenida da Prainha, que possibilitou a ligação do Centro Político Administrativo com o centro da cidade, paralelamente o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER pavimentou o anel rodoviário (Avenida Perimetral) e construiu o viaduto no cruzamento com a Avenida do CPA. Assim possibilitou a construção da Estação Rodoviária, esta criou um novo polo de crescimento urbano entre o centro e o CPA.

Neste processo, os bairros Santa Helena e Quilombo passaram por um processo de valorização da área e implantação de loteamentos, isto atraiu a classe média, que resultou na gradativa expulsão dos antigos moradores para áreas mais distantes.

Sobre esse fenômeno cabe citar Álvaro Pessôa, O Uso do Solo em Conflito, onde afirma que:

...o número de ocupações de pessoas por cômodo passou de dois para quatro nos últimos dez anos [de 1070 a 1980] - grifo nosso – morava-se no Brasil cada vez pior e em menores cômodos. Aliás, a simples visão dos conjuntos habitacionais recentemente edificados já demonstra que os edifícios estão, devido ao custo cada vez mais inacessível do solo, paulatinamente sendo construídos mais e mais próximos uns dos outros, e cada vez mais longe do centro da cidade (PESSOA, 1981, P. 83).

Através da implantação do Centro Político Administrativo - CPA a cidade expandiu-se em direção ao novo eixo, norte/nordeste, de uma altitude de 145m para uma de 245m. Assim, o centro da cidade ficou destinado ao comércio e as áreas livres provocaram a construção de conjuntos habitacionais (VILARINHO NETO, 1983; ROMANCINI, 1996 apud VASCONCELOS, 2007, p. 06).

De acordo com (FREIRE, 1997 apud VASCONCELOS, 2007? p. 06) o norte da Avenida do CPA foi destinada áreas livres para a construção de conjuntos habitacionais para atender à população de baixa renda (CPA-I, II, III, IV) e classe média onde hoje se encontra o bairro Morada do Ouro. Ressalta-se que o Conjunto Habitacional CPA foi considerado diferente dos outros conjuntos habitacionais, uma vez que existia a possibilidade de ampliação das casas, pois os lotes dos terrenos tinham 280m² maiores que os lotes-padrão da Companhia de Habitação - COHAB[30]com 250m², Além de áreas para equipamentos de uso comunitário, como centro comunitário, escolas, mercados, praças, etc.

A entrega desse conjunto habitacional CPA I à população foi em 1979, e os CPA II, III e IV foram entregues entre 1980 a 1985[31]

Assim o CPA I, II, III, IV e outros que surgiram em seu entorno, formam um grande aglomerado urbano. Morada da Serra, Segundo IPDU (2007) o entorno seria formado pelos desmembramentos: Jardim Brasil, Ouro Fino, Três Lagoas, Vila Nova, Vila Rosa e Tancredo Neves.

Na década de 1980 e 1990[32]o processo de verticalização cresce em Cuiabá, principalmente ao longo da Avenida Historiador Rubens de Mendonça, visto como um dos símbolos mais importantes da modernização urbana. Já coincidindo em nível social e cultural com profundas mudanças da moradia urbana e do estilo tradicional das classes média e alta, sobrepondo a uma piora no padrão de moradia da população de baixa renda (COY, 1994, p. 148 apud VASCONSELOS, 2007, p. 06-7).

Na década de 1990[33]com a construção do primeiro shopping center na cidade, "Goiabeiras Shopping", observou-se a valorização imediata dos entornos para localização de moradias, em função da importância comercial, mas, sobretudo, devido à importância sócio-cultural dos Shoppings como pontos de encontro, áreas de lazer, cinemas, restaurantes e como pontos de orientação das "modas locais", e porque não, mais uma barreira entre classes (COY, 1994, p. 150 apud VASCONSELOS, 2007, p. 06).

Em relação à centralidade provocada pelos shoppings centers, a aglutinação de várias atividades num mesmo empreendimento torna os shoppings centers "paradigmas" de um novo tipo de "centralidade" e, paradoxalmente, de "extraterritorialidade".

Desta forma, a nova lógica de ordenação das cidades, pós-shoppings centers, desconstrói a lógica que caracterizara as cidades ditas modernas, onde as áreas comerciais eram distintas daquelas dirigidas a outros usos e funções (como trabalho, lazer, consumo, etc.) (VASCONSELOS, 2007, p. 06-7).

Em Cuiabá, Mato Grosso, observando essa centralidade, provocada, de início, pelo shopping Goiabeiras, através da edificação dos condomínios em torno dos espaços vazios, intencionalmente produzidos pelo poder público para favorecimento da iniciativa privada e da especulação imobiliária, verificou-se a continuidade desta lógica com o surgimento do shopping Três Américas Center, no final da década de 1990, onde novamente observou-se o surgimento de novos condomínios como os dos bairros Jardim das Américas, Belvedere e Alphaville. Mais recentemente, com a inauguração do Pantanal Shopping, em 2004, as incorporadoras receberam uma nova área para construir seus condomínios Bonavita, a ser inaugurado em 2010/2011 (VASCONSELOS, 2007, p. 07).

Segundo a Prefeitura de Cuiabá, gestão 2005/2010, atualmente a expansão da cidade ocorre principalmente através dos condomínios fechados. Como consequência a prefeitura elaborou a Lei Complementar n.º 056/99 e a Lei Complementar n.º 100 de 03/12/2003, para estabelecer normas para este tipo de empreendimento. Paradoxalmente, observa-se a normatização, por parte do gestor municipal, de áreas irregulares como as – APP, áreas verdes e loteamentos clandestinos, sem nenhuma observação desses executores, das normas estabelecidas no Estatuto das Cidades.

Observa-se que um fato importante para o desenvolvimento urbano de uma cidade é o atendimento da determinação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano - PDDU através da elaboração da Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano – Lei Complementar n.º 044/97, onde se destaca a Lei de Hierarquização Viária - Lei n.º 3.870/99, que buscou fortalecer a política do "crescer para dentro", com a ocupação dos vários vazios urbanos, cujo objetivo é evitar que a cidade se espalhe ainda mais, o que possibilitará torná-la mais cara operacionalmente.

No entanto, esses "vazios" se tornaram espaços privilegiados de classe hegemônica que sobrevive, entre outras coisas, da especulação. Assim, as ocupações de espaços distantes continuam a ser incentivadas direta ou indiretamente pelo poder público e sua clientela seleta.

A ausência de política urbana no país por décadas produziu segregação socioespacial, com o uso e ocupação dos espaços urbanos, marcado pela expulsão da população pobre no que diz respeito à habitação, infraestrutura urbana e saneamento durante o século XX, quando do processo de industrialização/ urbanização (QUINTO JUNIOR, 2003, p. 34).

Somente a partir de 1940, com a consolidação da industrialização de produtos nacionais, que veio substituir as importações, é que o poder público brasileiro começou a investir em programas de urbanização das cidades, período este marcado por intenso crescimento demográfico e desenvolvimento elevado, quando foram atraídos para os grandes centros das cidades enormes contingentes de migrantes em busca de emprego e da realização do sonho de melhoria de vida (MARICATO apud ROSA, 2008, p.01).

Por sua vez, enquanto os centros urbanos eram estruturados com instalação de vias de circulação dentre outras melhorias, a população de baixa renda foi sempre empurrada para os locais mais afastados dos centros urbanos, mesmo quando ocorriam programas de habitação pelo setor público, pois se tornou comum o espaçamento entre um aglomerado e outro, em que os vazios territoriais eram sempre destinados ao setor privado que, por questão estratégica, investia-se na especulação imobiliária (ROSA, 2008, p.01).

A esse respeito cabe citar Chiletto (2009)[34]: "Quando a valorização do lugar faz aumentar o preço da terra e consequentemente as taxas e impostos, temos a "expulsão" da população com menos poder aquisitivo para outras áreas mais distantes, ou seja, periféricas.

Cuiabá em seu processo de desenvolvimento foi marcado por uma urbanização cuja ausência de planejamento urbano associada aos processos socioeconômicos, terminou por construir um modelo excludente em que muitos perdem e pouquíssimos ganham (ROLNIK, 2007, p.15), o que, por muitos anos, imprimiu à mesma uma urbanização desordenada.

Assim, o primeiro Plano Diretor do município data de 1992, não contribuiu de forma efetiva à organização espacial e urbanização da cidade, associadas ao crescimento acelerado e à mobilidade capital-interior, provocou intenso crescimento de Cuiabá, na mesma proporção dos problemas sociais.

O segundo Plano Diretor foi elaborado em 2007, com o compromisso de ser realizado de forma participativa, de acordo com as diretrizes do Estatuto das Cidades e a Lei do Aglomerado Urbano em tramitação na Assembleia Legislativa.

Em decorrência desta falta de planejamento urbano e intenso processo migratório nos anos de 1970 a 1980, Cuiabá foi palco de inúmeras ocupações irregulares, inclusive orientadas por políticos que, quando estavam fora do poder as incentivavam e quando o assumiam criavam mecanismos inibidores da continuidade do processo.

Não obstante, o processo de ocupação de áreas urbanas foi a forma encontrada pelas famílias para suprir os efeitos do crescente déficit habitacional, principalmente devido a ausência de uma política habitacional para o país, ainda mais, após a extinção do BNH (ABRAMIDES, MAZZEO e FINGERMANN, 1980, p. 13), e consequentemente Cuiabá sofreu o impacto à medida que, segundo dados do IBGE à época, a capital cresceu 6% ao ano em densidade populacional.

Mesmo na época de atuação do BNH e da COHAB essas instituições não conseguiram dar resolutividade às demandas por habitação, vez que grande parte da migração era constituída de famílias de baixa renda não respondendo aos critérios estabelecidos para a obtenção de moradia (CARVALHO, 1991, p.34).

No contexto mais amplo, a luta pelo direito à moradia, emergente neste período, impulsionava a população de baixa renda a ocupar terras periféricas nos grandes centros, única possibilidade para, mesmo que aos poucos, irem construindo suas casas, espaços estes geralmente sem qualquer infraestrutura (ROSA, 2008, p.13).

Os modelos de política e planejamento urbano adotados no contexto citado foram marcados por uma visão estadista da política urbana, pois influenciados pelo período do "milagre brasileiro" estas foram formuladas e implementadas a partir de caráter autoritarista do regime político, e o Estado financiava habitação para a classe média e classe alta com os recursos da classe trabalhadora (ROSA, 2008, p.13; CARVALHO, 1991, p.35).

Atualmente Cuiabá, com seus 291 anos, é formada por uma área de 3.984,94 km², localizada no Centro Geodésico da América do Sul, sofreu grandes alterações sendo sua economia diversificada baseada no setor de serviços e comércio de mercadorias. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, no Censo/2000, 482.498 habitantes, com uma taxa de crescimento populacional de 2,75% com relação ao Censo/1996. Esse crescimento vertiginoso tem alterado profundamente o espaço urbano do município, marcado por contrastes estruturais cada vez mais crescentes.

A capital do Estado de Mato Grosso apresenta mudanças significativas com economia diversificada e abrigando pessoas de todas as regiões do país, que chegam em busca de emprego, moradia e melhores condições de vida. Com uma população estimada em 544.737 habitantes (IBGE, 2009), apresentando todas as manifestações da Questão Social, dentre elas o déficit de moradias, ocupação de espaços irregulares, sem infraestrutura, contaminando mananciais com degradação ambiental, bem como um número significativo de famílias sem documentação de suas moradias, por falta de regularização fundiária.

O déficit habitacional atual estimado pela gestão municipal no site oficial da prefeitura de Cuiabá[35]é de aproximadamente 40 mil moradias, e desse total, cerca de sete mil famílias vivem em áreas de risco e assentamentos precários nas 21 micro-bacias que compõem as bacias dos rios Coxipó e Cuiabá, segundo levantamento feito pelo Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLHIS, ainda em processo de elaboração.

Na grande região urbana o desemprego e subemprego converteram-se em problema estrutural crescente, que coloca em risco o processo econômico (produção - circulação - distribuição), num contexto social geral mais amplo. Isso implica na manifestação de múltiplas expressões da Questão Social, entre elas, crianças e adolescentes de/e na rua, adultos na condição de moradores de rua, famílias em condições de extrema vulnerabilidade social e consequente aumento da desigualdade social e violência (ROSA, 2008, p. 14).

Nesta direção, como consequência de uma sociedade desigual, em Cuiabá 40% dos desempregados são chefes de família, com o 1º grau de instrução [ensino fundamental]; 65,6% possuem baixa qualificação profissional, trabalharam ou encontram-se no setor econômico de serviços, e não possuem carteira de trabalho assinada no último emprego (IBGE, 2000), realidade que rebate nas famílias que vivem nos espaços ocupados nas periferias que compõem o aglomerado urbano.

Ainda segundo o Censo 2000, do total de habitantes de Cuiabá, 96.669 estão na faixa etária entre 05 e 14 anos de idade, e 50.578 entre 15 e 19 anos de idade, perfazendo um total de 147.427 que representam 30% da população do município.

No que se refere ao número de estabelecimentos de ensino, este foi expressivo na década de 1980, porém, havendo declínio em 1990, sobretudo daqueles que ofereciam o Ensino Fundamental. Atualmente, Cuiabá conta com 317 instituições de ensino, sendo 243 escolas públicas e 74 privadas, encontrando-se estas muitas vezes distantes dos bairros não regularizados, mesmo situando estes próximos ao centro da cidade (ROSA, 2008, p. 14).

Como se sabe, o uso e a ocupação do solo dos espaços urbanos não têm ocorrido de forma que todos que constroem as cidades tenham o direito de nela morar com condições propícias de habitação, já que a ausência de uma política habitacional e de planejamento urbano produziu danos irreparáveis, a exemplo de vários bairros de Cuiabá que se transformaram em verdadeiro apartheid social[36](ROSA, 2008, p. 15).

Após o movimento pela reforma urbana, ao obter-se a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, instrumento que tem como pretensão garantir a democratização do direito à cidade, Cuiabá passou a ser "beneficiada" pelo Programa de Aceleração do Crescimento - PAC - do Governo Federal, iniciado em 2008, com promessa de ações, sob frentes diversas: saneamento e habitação, a partir da Regularização Fundiária de áreas irregulares.

Nesse sentido, o Ministério das Cidades assinou ainda dois convênios para Capacitação e Assistência Técnica no Programa de Fortalecimento da Gestão Urbana, sendo que um se destina ao desenvolvimento de atividades de Capacitação e Assistência Técnica para Apoio à Implementação de Instrumentos do Estatuto da Cidade na Região de Planejamento denominado Vale do Rio Cuiabá[37]

A Universidade Federal do Mato Grosso participa desse processo a partir do Edital de Chamada Pública SNPU nº 01/2007 com Apoio a Projetos de Assistência Técnica à Implementação de Instrumentos de acesso a terra urbanizada dos Planos Diretores Participativos, Implementação de ZEIS[38]vindo o Ministério das Cidades apoiar a Elaboração do Plano de Regularização Fundiária e Instituição de Zona Especial de Interesse Social nos bairros Itapuã, Três Poderes e Paiaguás II na cidade de Cuiabá.

Cabe ressaltar que a Agência Municipal de Habitação entregou 2.216 mil títulos de regularização fundiária em 2007, atendendo a população dos bairros Doutor Fábio, Altos da Serra, Novo Colorado, Três Barras, Vale do Carumbé, Novo Mato Grosso, Novo Terceiro e Novo Paraíso. Há ainda outros três mil projetos de aprovação para a regularização fundiária aguardando registro em cartório, em análise na Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (Smades), em fase de levantamento cadastral imobiliário no Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat) ou na Secretaria de Administração para registro em cartório.

Partes: 1, 2, 3, 4, 5, 6


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