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Balanço de carboidratos em gemas florais de dois genótipos de pereira sob condição de inverno ameno (página 2)

Angela Campos

Material e métodos

O experimento foi realizado na Embrapa Clima Temperado, em Pelotas-RS, no laboratório de Fisiologia Vegetal, em 2002. Utilizaram-se plantas de pereiras de duas cultivares, pertencentes à coleção instalada na Estação Experimental da Cascata, localizada nas coordenadas 32º 51' S e 52º 21' W e altitude de 230 m. A cultivar Kieffer (P. communis x P. pyrifolia) apresenta reduzido índice de abortamento, e a cultivar Housui (P. pyrifolia) apresenta problemas de adaptação e altos índices de abortamento quando crescidas em região de inverno ameno.

As coletas e análises de gemas florais e bases das gemas foram realizadas mensalmente, em ramos do ano, dos quatro quadrantes de cada planta, desde o final de fevereiro até o final de setembro. As gemas coletadas desses ramos, juntamente com seu tecido basal adjacente (base da gema), foram imediatamente imersas em nitrogênio líquido, no campo, para inativação enzimática e posterior liofilização em laboratório. Por meio da metodologia descrita por Rodrigues et al. (2005), analisou-se por cromatografia gasosa, nas gemas e bases das gemas, a concentração (mg g-1MS) de açúcares solúveis (frutose, glicose, sorbitol, sacarose), em 500 mg de matéria seca (liofilizada). Posteriormente, determinou-se a percentagem de amido por espectrofotometria, utilizando-se de 100 mg de peso seco do precipitado utilizado na extração dos açúcares solúveis. Para a quantificação do amido, procedeu-se de acordo com o método Starch Assay Kit (Amylase/Amyloglucosidase Method) Kit STA-20, da marca SIGMA, e fez-se a leitura da absorbância a 540 nm, em espectrofotômetro Shimadzu UV-1601 PC.

O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, com três repetições, sendo a unidade experimental constituída por uma planta, num arranjo fatorial AxBxC, sendo as cvs. Housui e Kieffer (A), gema e base da gema (B), em parcelas, e época de coleta (C) em subparcelas. Realizaram-se a análise de variação e a comparação entre as médias pelo teste Duncan (a=0,05). Todas as análises foram realizadas pelo programa SANEST (Zonta & Machado, 1991).

Resultados e discussão

A partir dos resultados, observaram-se variações nos teores de carboidratos analisados, tanto nos tecidos vegetais quanto na época de coleta.

Em ambas as cultivares, o nível de amido foi maior no tecido da base da gema do que na gema, em todas as épocas de coleta (Fig. 1 e 2), sendo um importante local de acúmulo de amido. Em pessegueiro, Bonhomme (1998), comparando os teores de amido na gema e no ramo, também obteve maiores teores no ramo comparado àqueles obtidos nas gemas, em todas as épocas estudadas. 

 Observou-se na cultivar Housui reserva reduzida de amido na gema (Fig. 2) e, tendo a gema a necessidade de proteger seus tecidos contra o frio invernal, no período de ocorrência das menores temperaturas, essa demandou maior degradação de amido da base durante o inverno (Julho), o que refletiu na acumulação de açúcares solúveis nos tecidos da gema e base da gema (Fig. 2). Por outro lado, a cv. Kieffer não teve similar degradação do amido na base da gema (Fig. 1), isso porque já possuía alta concentração de açúcares solúveis para serem translocados, e maior nível de amido na gema, que, posteriormente, na retomada de crescimento, em agosto, se converteu em açúcares solúveis. Isto pode ser um indicativo de que a cv. Kieffer, que necessita de menor acúmulo de frio, está mais adaptada.

As plantas da cv. Kieffer requerem muito menos acúmulo de frio e têm melhor adaptação nas condições climáticas de inverno de Pelotas. As plantas da cv. Kieffer necessitam de 300 horas de frio (< 7,2ºC) e têm apresentado menores índices de abortamento floral, enquanto a cv. Housui necessita de 720 horas de frio (< 7,2ºC) e tem tido baixa adaptação nessa região. A acumulação de frio no inverno de 2002 foi de 396 horas (< 7,2ºC).

A maior porcentagem de amido nas gemas da cv. Kieffer em relação à cv. Housui, a partir de junho (Fig. 1 e 2), é algo a ser considerado quanto ao abortamento floral. Justamente nos meses que antecedem a brotação, a cv. Kieffer encontra-se com mais reserva energética. Já a cv. Housui se apresenta com maior esgotamento de reservas, possivelmente devido à manutenção de altas taxas respiratórias.

De acordo com Sauter & Kloth (1987), o amido é degradado pela ação de fosforilases e amilases. Quando são necessárias grandes quantidades de glicose, esta degradação ocorre essencialmente por intermédio das amilases. Tal degradação tem importância na resistência ao frio, sendo que esse processo de transformação é fortemente controlado pelas temperaturas. Segundo Yoshioka et al. (1988), no inverno, aumenta a atividade da amilase, sacarose-6-P-sintase e sacarose-sintase nos tecidos do lenho e da casca, convertendo amido em glicose, frutose e sacarose. Esses carboidratos solúveis possuem uma função importante na resistência ao frio, bem como prover energia e substratos para o crescimento inicial dos ramos na primavera.

Possivelmente, a degradação do amido esteja ligada à síntese de carboidratos solúveis durante o repouso (Gardin, 2002; Yoshioka et al., 1988). Segundo Rakngan (1995), o conteúdo de amido em pereiras asiáticas aumenta durante o período de crescimento vegetativo e decresce durante o inverno, aumentando o conteúdo de açúcares. Desta forma, justifica-se a diminuição de amido nas gemas no mês de agosto, nas cvs. Housui e Kieffer (Fig.1 e 2), época precedida pelas menores temperaturas do ano, no início de julho (Fig. 5), seguido do aumento de temperatura no mês de agosto e a subseqüente saída da dormência. Segundo Gardin (2002), a redução no conteúdo de amido pode ser causada pela mobilização de fotoassimilados das fontes para os drenos. 

 Houve importante aumento nos açúcares solúveis, nos tecidos das gemas florais de ambas as cultivares, previamente à brotação (Fig. 1 e 2); resultados semelhantes também foram observados por Gardin (2002). Entretanto, a acumulação de açúcares solúveis totais nas gemas de cv. Housui, em setembro (38,33 mg g-1 MS – Matéria Seca), foi menor que na cv. Kieffer (50,39 mg g-1 MS). Esse aumento nos açúcares solúveis, no final do inverno, deve-se, em parte, à translocação destes açúcares da base para a gema, a fim de desenvolver a estrutura floral.

A menor concentração de açúcares solúveis nos tecidos da base da gema na cv. Housui (Fig. 2), durante maio e junho, pode ter sido devida à translocação desses compostos para as gemas, em função da temperatura durante o período (Fig. 5). Flutuações térmicas e altas temperaturas têm influência no metabolismo de carboidratos e, conseqüentemente, na adaptação das cultivares.

Em ambos os tecidos, das duas cultivares (Fig. 3 e 4), o sorbitol, seguido da sacarose, foi o açúcar solúvel mais expressivo na dinâmica dos carboidratos solúveis, nas pereiras em estudo, concordando com os resultados de Gardin (2002). De acordo com Rakngan (1995), em gemas de pereira (Pyrus pyrifolia), o sorbitol é o açúcar mais abundante, seguido da glicose, frutose e sacarose.

O sorbitol pode ser formado a partir da redução da glicose, frutose ou sorbose e exerce importante função de transporte, sendo a principal função proteger os tecidos contra a desidratação, a salinidade e a resistência ao frio (Loescher & Everard, 1996; Loescher, 1987; Bieleski, 1982), caracterizando-se também como um carboidrato de reserva.

Em plantas da família Rosaceae, à qual pertence a pereira, a sacarose é encontrada na seiva do floema, porém o sorbitol aparece em maior quantidade, sendo o mais importante produto da fotossíntese (Salisbury & Ross, 1992; Loescher & Everard, 1996).

Conclusões

1. A base das gemas é um importante local de reserva em plantas de pereira das cvs. Kieffer e Housui.

2. Na fase que antecede a brotação, ocorreu significativo aumento de açúcares solúveis nas gemas das duas cultivares.

3. Em setembro, os açúcares solúveis totais na matéria seca, nas gemas florais da cv. Housui, foram menores do que os observados na cv. Kieffer, cultivar melhor adaptada às condições climáticas.

4. O sorbitol, seguido pela sacarose, foi o açúcar mais abundante em ambos os tecidos das duas cultivares de pereira.

Referências

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Alexandre Couto RodriguesI; Flávio Gilberto HerterII; Valtair VeríssimoIII; Ângela Diniz CamposII; Gabriel Berenhauser LeiteIV; João Baptista da SilvaV
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IEngº. Agrº, Dr., Pesquisador RD/CNPq, Embrapa Clima Temperado, Br 392, Km 78, Cx. Postal 403, 96001-970, Pelotas-RS
IIEngº. Agrº, Dr., Pesquisador, Embrapa Clima Temperado, Br 392, Km 78, Cx. Postal 403, 96001-970, Pelotas-RS

IIEngº. Agrº, Doutorando UFPEL/ FAEM, Dpto. Fitotecnia - Fruticultura, Cx. Postal 354, CEP 96001-015, Pelotas-RS
IVEngº. Agrº, Dr., Pesquisador, EPAGRI – Caçador-SC
VEngº. Agrº, Dr., Livre docente, Prof. Titular IFM-UFPEL, Pelotas-RS

Artigo original: Rev. Bras. Frutic., Abr 2006, vol.28, no.1, p.1-4. ISSN 0100-2945 



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