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Susceptibilidade de bovinos das raças Jersey e Gir à acidose láctica ruminal: I - Variáveis ruminais (página 2)

Enrico Lippi Ortolani

Material e métodos

Foram utilizados quatro garrotes da raça Jersey (Bos taurus) e quatro da raça Gir (Bos indicus), providos de cânula ruminal e com peso vivo variando de 160 a 310kg. Para propiciar a uniformização da microbiota ruminal, foi oferecida aos animais uma dieta padronizada, por um período de dois meses precedentes à indução de ALR. A quantidade total de matéria seca (MS) ingerida correspondia a 2,7% do peso vivo individual, sendo composta de 70% da MS de feno de capim coast-cross e 30% de concentrado (80% fubá de milho e 20% farelo de soja). A indução de ALR seguiu a técnica descrita por ORTOLANI (1995), com administração intra-ruminal de quantidade variável de sacarose, de acordo com o peso metabólico corrigido. A fim de minimizar o risco de morte dos animais, optou-se por diminuir em 15% a quantidade calculada de sacarose, de acordo com a técnica descrita acima. Foi feita a indução apenas uma vez em cada animal. As colheitas de suco de rúmen e de fezes foram feitas nos seguintes momentos: zero, 14, 16, 18, 20, 22 e 24 horas após a indução. O pH do suco ruminal e das fezes foi mensurado imediatamente após as colheitas, em potenciômetro digital. As concentrações de ácido láctico total (ALT) e de seu isômero L (AL-L) no suco de rúmen e nas fezes foram determinadas pela técnica colorimétrica de PRYCE (1969) e por um kit diagnósticoa, respectivamente. Os teores de ácido láctico-D (AL-D) foram estimados através da subtração da concentração do AL-L do ALT.

A análise estatística foi feita utilizando-se programa computadorizado MINITAB. As comparações dos valores médios entre e dentro dos grupos foram inicialmente avaliadas pelo teste F e quando significativas confrontadas pelo teste t de Student. Realizou-se também a comparação das médias gerais das variáveis entre as raças estudadas. Para tal cálculo, foram considerados todos os momentos de colheita, com exceção do tempo zero, dentro de cada grupo animal. Para o estudo da relação entre as variáveis, foram utilizados coeficiente de correlação e análise de regressão linear, com sua significância avaliada pelo teste F (LITTLE & HILLS, 1978).

Resultados

Não ocorreram diferenças significativas nas médias de pH do suco ruminal (p > 0,18) e nas concentrações de ALT neste fluido (p > 0,17) entre os bovinos Jersey e Gir, nos diversos tempos após a indução (Figura 1).

 Não existiram diferenças significativas das concentrações de AL-L (p > 0,23) e AL-D (p > 0,16) no suco ruminal das raças estudadas (Figura 2). A análise conjunta dos dados, independente da raça, demonstrou que não ocorreram diferenças entre as concentrações dos isômeros AL-L e AL-D no suco ruminal (p > 0,17) durante todo o experimento (Figura 2). O mesmo ocorreu com as concentrações desses dois isômeros nas fezes (p > 0,76), apresentando as seguintes médias gerais: 53,8 mMol/L de AL-L e 52,5 mMol/L de AL-D.

  Quanto maior a concentração de ALT nas fezes, menor foi o pH fecal (r = - 0,65) (Figura 3). Não existiu influência racial sobre os valores de pH fecal; o pH foi menor entre os momentos 14 e 22 horas do que na zero hora (p < 0,013), em ambas as raças (Figura 4).

 Discussão

Os bovinos de ambas as raças apresentaram semelhantes valores do pH e das concentrações de ALT e dos seus isômeros L e D no suco ruminal, durante todo o período experimental (Figuras 1 e 2). A drástica queda no pH do suco de rúmen, da zero hora para a 14ah, associada à inversa elevação de ALT indicam claramente que este composto foi o responsável pela intensa acidificação do conteúdo do rúmen (Figura 1). Tais resultados demonstram que o modelo utilizado para indução da ALR foi adequado, independendo de fatores ponderais ou raciais. Os dados obtidos, em especial a constatação de baixo pH de suco ruminal (4,23) e da alta concentração de ALT neste fluido (116 mMol/L), permitem afirmar que a acidose ruminal foi marcante nos animais de ambas as raças estudadas e que apresentou maior intensidade que a descrita por BRAWNER et al., (1969) (pH = 4,56 e concentração de ALT = 99,4 mMol/L). Segundo KROGH (1960), quando o pH do suco ruminal atinge valores entre 5,0 e 4,5, o prognóstico é regular e abaixo de 4,5 reservado.

Os presentes resultados contrapõem as afirmações citadas por HENTGES (1970), ou seja, que os zebuínos acumularam maiores concentrações de ácido láctico no suco ruminal que os taurinos, durante a ALR. O presente trabalho demonstrou que desde que haja uma idêntica adaptação ruminal e que a quantidade de substrato hiperglucídico utilizada seja equivalente ao peso metabólico corrigido, a produção e o acúmulo de ácido láctico no rúmen serão semelhantes entre as raças estudadas.

As concentrações semelhantes dos isômeros L e D no suco ruminal, no decorrer da indução, evidenciaram que a síntese destes compostos ocorreu de forma similar (razão L:D - 1,16 : 1) , independente do fator racial (Figura 2). A razão entre as concentrações destes dois isômeros no suco ruminal é de importância na patogenia da ALR, pois caso haja predomínio da forma D sobre a L a absorção será maior da primeira forma, acarretando uma acidose sistêmica mais pronunciada (DUNLOP & HAMMOND, 1965). Enquanto o isômero D é pouco metabolizado no organismo, o inverso ocorre com a forma L, que é rapidamente oxidada ou transformada em glicose pelo ruminante, consumindo íons H+ e promovendo um efeito tampão (PRINS et al., 1974).

Houve uma marcante diminuição, na ordem de 1,8 graus, do pH fecal no decorrer da ALR, em ambas as raças (Figura 4). Esta queda no pH foi causada pelo aumento da concentração de ALT nas fezes (Figura 3), oriundo basicamente da excessiva fermentação ruminal. Esta diminuição do pH fecal tem grande importância para o diagnóstico da ALR, principalmente em condições de campo, já que a colheita das fezes e a determinação do seu pH são de fácil execução, podendo substituir ocasionalmente a colheita de suco ruminal para confirmar o diagnóstico clínico da enfermidade. Não ocorreram diferenças na excreção fecal dos isômeros de lactato, indicando que ambos foram eliminados em quantidades semelhantes, independente da raça.

Conclusões

A acidose ruminal foi marcante e idêntica em ambas as raças estudadas, não ocorrendo diferenças também nos valores de pH e nas concentrações de ácido láctico total e de seus isômeros no suco ruminal. A produção e excreção dos isômeros D e L foram semelhantes no suco ruminal e nas fezes, independente da raça.

O pH fecal pode ser utilizado como um meio alternativo no diagnóstico clínico da acidose láctica ruminal.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pela concessão da bolsa de Mestrado do primeiro autor; às técnicas Clara Satsuki Mori e Regina Mieko Sakata Mirandola pela colaboração nas determinações laboratoriais.

Fontes de aquisição

a - Kit LACTATE (nº 735-10) da SIGMA DIAGNOSTICSâ .

Referências bibliográficas

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 Artigo original: Cienc. Rural, Fev 2002, vol.32, no.1, p.55-59. ISSN 0103-8478 

Celso Akio Maruta (1)  Enrico Lippi Ortolani (2)
ortolani[arroba]usp.br

1. Médico Veterinário, Mestre em Clínica Veterinária pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo (FMVZ-USP).

2. Médico Veterinário, PhD, Professor do Departamento de Clínica Médica, FMVZ-USP, Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, 05508-000, São Paulo, Brasil, FAX 055-11 - 38187944, R-283.



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