A crise financeira tem jeito?

Enviado por Ladislau Dowbor


"É esta associação de aumento de lucros com investimento estagnado, desemprego crescente e salários em queda que constitui a verdadeira causa de preocupação"- Unctad (1)

"As nossas recomendações eram boas, mas foram mal aplicadas"
Michel Camdessus, FMI (2)

O prêmio nobel de 1998 não foi para especialistas em mecanismos econômicos de curto prazo e especuladores financeiros, mas para Amartya Sen, um especialista em problemas dramáticos do subdesenvolvimento como a fome. A reviravolta é significativa, pois mostra o fim da grande festa liberal de comemoração da derrota do modelo soviético, e a volta aos problemas estruturais que o capitalismo realmente existente enfrenta neste fim de milênio.

Somente os mal-informados acharam que tinhal algo a comemorar. Nunca as pessoas estiveram tão inseguras como hoje frente ao nosso futuro comum. E um mínimo de realismo nos leva à consideração seguinte: como foi possível que, enquanto a bolha especulativa mundial funcionava, achássemos a miséria no mundo uma coisa normal, um defeito temporário de um sistema no conjunto positivo?

Foi preciso a bolha estourar para despertarmos? O que é uma economia que não responde às nossas necessidades essenciais? É significativo Ignacio Ramonet escrever, na primeira página do Le Monde Diplomatique: "O que fazer frente à crise atual? Em primeiro lugar, desarmar, em escala internacional, os mercados financeiros. A amplitude da crise atual deve abrir os olhos de todos os que acreditaram que a pilotagem da economia mundial deveria ser abandonada tão somente ao mercado".(3)

Já incorporamos esta mentalidade de que a economia é um jogo de sinuca, e não a organização sistêmica de atividades socialmente úteis. De tudo se fala, do cassino global, da bola da vez, do colchão de reservas. Embalados no jargão da moda, acabamos esquecendo o que deveria ser afinal a principal função da intermediação financeira, a de agregar poupanças individuais para permitir investimento produtivo, gerando bens, serviços, emprego e renda.

O essencial, para nós, é que o ciclo de reprodução social exige não só a produção, mas também a distribuição para que haja consumidores, e os empregos para que haja massa salarial e um mínimo de estabilidade social e política. Isto por sua vez implica o financiamento dos produtores, viabilizando os investimentos e as transformações estruturais de médio e longo prazo, a chamada construção da economia.

O pano de fundo da problemática que discutimos, portanto, é o fato de termos um sistema capitalista que representa um bom instrumento de organização da produção, mas não sabe distribuir, organiza muito precariamente a absorção produtiva dos recursos humanos, e desvia para atividades especulativas a já precária poupança da população.

Estas tres grandesdeficiências do sistema liberal, nos planos da distribuição, do emprego e da alocação de recursos, viram-se dramaticamente agravadas nos últimos anos.

No plano da distribuição, o liberalismo havia gerado, com Keynes, um subsistema social-democrata. Frente aos dramas do desemprego e subconsumo dos anos 30, Keynes mostrou que frentes de trabalho e apoio financeiro aos desempregados, gerando uma massa salarial e maior capacidade de compra, dinamizariam o mercado, provocando uma recuperação da conjuntura capitalista via demanda. Em outros termos, Keynes demostrou aos ricos que a miséria é ruim para os ricos, e não apenas para os pobres. A social-democracia não apelava, em termos econômicos, para a generosidade do capitalista, e sim para a dimensão macroeconômica dos seus interesses objetivos. Boa parte do sucesso da sua filantropia teórica deve-se seguramente a este fato.

No entanto, o sistema proposto supunha uma forte capacidade de Estado, que cobraria impostos das empresas para financiar a redistribuição e a dinamização econômica. Hoje, com a globalização, qualquer reforço de impostos leva as empresas a emigrar para regiões onde se produz mais barato. Em outros termos, a economia se globalizou, enquanto os instrumentos de política econômica, essenciais para uma política keynesiana, continuam sendo nacionais, e portanto de efetividade cada vez mais limitada. Como não há governo mundial, que possa retomar o mecanismo já no nível planetário, regrediram as políticas de redistribuição, e voltamos a um capitalismo selvagem próximo do antigo liberalismo: o neo-liberalismo. No longo prazo, o prmeiro a morrer foi o próprio Keynes.

No plano do emprego, as transformações recentes são igualmente profundas, na medida em que a revolução tecnológica gera uma redução absoluta do nível de emprego. Estima-se hoje que, na média, um crescimento de 5% ao ano seria necessário para manter o emprego no nível existente. O crescimento mundial, no entanto, se reduziu de cerca de 4% ao ano nos anos 70, para cerca de 3% nos anos 80, e 2% nos anos 90, segundo o relatório da Unctad 1997. A simultanea redução do ritmo do crescimento econômico e da capacidade de geração de emprego das unidades produtivas leva a uma situação dramática que envolve bilhões de pessoas no planeta.

Fator insuficientemente mencionado, a dramática urbanização dos últimos anos tirou as populações dos campo, onde sempre há um mínimo de alternativas de atividade, e as jogou nas periferias das cidades. Assim, os especuladores fundiários, ao acumularem terras improdutivas, contribuem diretamente para os dramas do desemprego. Hoje o Brasil cultiva cerca de 60 milhões de hectares dos 370 milhões de solo agrícola disponível, enquanto 80% da população do país se concentra nas cidades, onde a base de emprego não só não se expande, como se contrái.


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