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A dissociação entre a licenciatura e a pósgraduação em História (página 2)

Giselda Brito Silva

A sociedade atual tem requerido do egresso dos cursos de História, uma nova dinâmica que vai da sala de aula aos arquivos, museus e outros lugares de estudo e preservação da memória. Essa dinâmica é fomentada pelas novas abordagens e produções historiográficas, por meio das quais foram estabelecidas novas formas de ver, estudar, interpretar e escrever a história. Uma das exigências desse novo ofício é a já apontada não-dissociação do ensino com a pesquisa não apenas como requisito necessário para sua atuação no campo profissional, mas como condição para seu melhor preparo para ingressar na pós-graduação stricto sensu, que, por sua vez, o devolve para a sociedade com melhores condições de atuação nesses campos.

Partindo dessas novas requisições é que os representantes da área passaram a defender questões como: a) a luta contra a falta de efetivação da relação ensino, pesquisa e extensão por meio da superação da dicotomia bacharelado versus licenciatura; e b) o investimento na interdisciplinaridade (trabalho com outras ciências e especialistas), já que do professor de História passaram a ser cobrados novos conhecimentos relativos à ampliação do seu campo de atuação, requerendo-se a aproximação com outros saberes. Para esses historiadores, entre os quais nos posicionamos, os dois aspectos mencionados viriam a estabelecer uma relação mais próxima entre a graduação e a pós-graduação.

A defesa dessas questões é de suma importância porque representa a procura de adequação a uma nova realidade para a formação do historiador, isto é, uma formação capaz de atuar em todos os campos profissionais em que se exige a construção do conhecimento histórico, aí incluídos: o magistério, o trabalho com arquivos, museus, eventos científicos, trabalho em instituições de pesquisa públicas e privadas, etc. Campos de atuação esses, inclusive, já defendidos nas propostas e objetivos dos vários cursos de graduação em História das principais universidades do País.

Alguns historiadores, defensores dessas propostas, participaram da formulação das Diretrizes Curriculares para os cursos de História, com os órgãos competentes, nela estabelecendo o perfil do graduado que se desejava formar para atender às necessidades sociais atuais. No teor de suas propostas ficou definido que

o graduado deverá estar capacitado ao exercício do trabalho de Historiador, em todas as suas dimensões, o que supõe pleno domínio da natureza do conhecimento histórico e das práticas essenciais de sua produção e difusão. Atendidas estas exigências básicas e conforme as possibilidades, necessidades e interesses das IES (Instituição de Ensino Superior), com formação complementar e interdisciplinar, o profissional estará em condições de suprir as demandas sociais relativas ao seu campo de conhecimento (magistério em todos os graus, preservação do patrimônio, assessorias a entidades públicas e privadas nos setores culturais, artísticos, turísticos etc.). Neste sentido, não se deve pensar num curso que forma apenas professores, uma vez que a formação do profissional de História se fundamenta no exercício da pesquisa, não podendo a formação do docente ser compreendida sem o desenvolvimento de sua capacidade de produzir conhecimento. Tal concepção funda-se no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como entre licenciatura e bacharelado.

Como se pode perceber, a proposta tem sido defender um curso que forme o historiador (professor e pesquisador em História) em suas amplas dimensões de funções. No seu item III, a proposta deixa clara a necessidade de se organizar um curso de História que congregue Licenciatura e Bacharelado, como meio de promover a formação integral do profissional de História, levando-se em conta a complexidade do conhecimento histórico na atualidade. Nesse sentido, a indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa se efetiva com a rejeição da divisão rígida entre esses cursos, que acaba segmentando e desarticulando as dimensões inerentes ao processo educativo na área de História. Ainda com base no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para a área de História, os cursos de graduação em História têm como objetivo, propiciar aos que nele ingressam a possibilidade de construção do conhecimento nos seus vários âmbitos de modo a permitir ao formando uma compreensão das experiências vividas pelas diferentes sociedades, em tempos e espaços diversos, assim como capacitá-los a possibilitar a compreensão por outros indivíduos do mundo em que vivem, por meio da produção e da transmissão do conhecimento histórico pelas práticas diversas.

Esses conhecimentos se consolidam, principalmente, na Pós-Graduação stricto sensu, onde se estabelece a formação de um lugar epistemológico que proporciona aos pós-graduados a possibilidade de compreensão das diferentes sociedades e indivíduos. Nesse sentido, a relação Graduação – Pós-graduação se constitui, conforme também estabelece o documento das Diretrizes, pelo contínuo diálogo "entre os saberes acadêmico e escolar, sem que isto signifique escolarizar o saber acadêmico ou academicizar o saber escolar".

Ainda segundo o documento acima mencionado, reconhecem-se como fios fundamentais da tessitura da formação de docentes da área de História, estes aspectos: a) que o professor atua como agente do processo educacional; b) que a atividade docente pauta-se na articulação entre teorias e práticas (sendo que os estágios devem ser concebidos também como elementos fundantes das pesquisas); c) que a prática

profissional não é o simples locus de aplicação de saberes universitários, mas de produção de saberes docentes, escolares, os quais, por sua vez, devem promover e/ou fortalecer a possibilidade da produção do

conhecimento histórico pelos seus futuros alunos. Ou seja, ao se focalizar como eixo da discussão, relativa à formação do licenciado e à problemática da produção do conhecimento histórico-educacional pelos

sujeitos envolvidos, reconhece-se a importância da ampliação do conhecimento das condições de produção do saber e objetos da História, permitindo-lhes a capacidade de avaliação das tendências teóricas e culturais que prevalecem na contemporaneidade.

A necessidade de atualização da formação dos graduados em História e sua necessária formação continuada para o nível de pós-graduação têm, então, como meta rever algumas propostas curriculares dos cursos de História. Muitas dessas propostas não apenas limitam seu campo de atuação para a docência, por estarem ainda presas a um tipo de história factual que se desvincula do campo de pesquisa histórica, mas determina um tipo de posição política no processo educativo que, muitas vezes, não corresponde ao tipo de sociedade que se deseja formar na atualidade.

Com o desenvolvimento de uma nova consciência social, cuja valorização, manutenção e preservação da memória passaram a ser uma prioridade – assim como o compromisso com a análise das condições de produção do saber –, novas habilidades e competências foram associadas à dinâmica da produção do conhecimento e passaram a ser incorporadas às novas exigências do ofício do professor de História. Atualmente, são cobrados novos conhecimentos desse profissional que ultrapassam a simples transmissão dos conteúdos de História. Requer-se hoje dele que conheça as condições de produção historiográfica, que esteja capacitado para avaliar os livros didáticos e que possa enriquecer seus recursos com as diversas fontes de pesquisa histórica que hoje chegaram à sala de aula ampliando as formas de ler e interpretar a História.

Sobre essas habilidades e competências, o documento produzido pelos representantes da Anpuh tem sido claro nos seus objetivos ao definir que ao historiador compete: 1. Dominar as diferentes concepções metodológicas que referenciam a construção de categorias para a investigação e a análise das relações socioistóricas; 2. Problematizar, nas múltiplas dimensões das experiências dos sujeitos históricos, a constituição de diferentes relações de tempo e espaço; 3. Conhecer as interpretações propostas pelas principais escolas historiográficas, de modo a distinguir diferentes narrativas, metodologias e teorias; 4. Transitar pelas fronteiras entre a História e outras áreas do conhecimento, sendo capaz de demarcar seus campos específicos e, sobretudo, de qualificar o que é próprio do conhecimento histórico; 5. Desenvolver a pesquisa, a produção do conhecimento e sua difusão não só no âmbito acadêmico, mas também em instituições de ensino, em órgãos de preservação de documentos e no desenvolvimento de políticas e projetos de gestão do patrimônio cultural.

Para atingir essa meta, segundo o mesmo documento, é fundamental que as instituições que abrigam os cursos de graduação em História mobilizem-se para a implantação de uma pós-graduação em História para consolidar a já frisada relação entre ensino, pesquisa e extensão. A implantação de novos cursos de pós-graduação em alguns Estados, especialmente nos ainda deficitários na oferta desses cursos, deverá ampliar o conhecimento do campo da pesquisa entre os alunos da graduação, por meio da convivência mais próxima com o campo da pesquisa em laboratórios, núcleos e outros setores voltados para a pesquisa ligada à pós-graduação. Por essas questões se pode concluir que, é senso comum entre os historiadores, que a formação do licenciado em História não pode ser separada da formação em pesquisa sendo esses campos parte integrante e essencial das novas habilidades do historiador educador e pesquisador. Na atualidade, ensinar História começa com o estudo da produção do livro didático, de sua abordagem, discurso e escrita; necessita da utilização das fontes de pesquisa como material de apoio; começa com a História da historiográfica.

É no estágio da pós-graduação que essas competências e habilidades deverão consolidar-se, fornecendo para a sociedade um profissional mais qualificado com seus novos papéis. Por outro lado, não se pode deixar de enfatizar que a formação continuada para esse estágio, proporciona ainda a ampliação das condições de atuação desse profissional. Pois, a rigor, a pós-graduação constitui-se não apenas como um lugar por excelência da produção científica e do conhecimento, mas também como um lugar de ampliação das perspectivas de trabalho em um mundo cada vez mais competitivo. Sob esse aspecto, não podemos deixar de destacar que o ingresso na pós-graduação afirma-se como um passo na luta contra o desânimo que tomou conta de alguns educadores do ensino médio e fundamental. Um desânimo que vai desde as precárias condições de trabalho no cotidiano da violência na sala de aula, passando por questões como os baixíssimos salários e as elevadas cargas de aulas, chegando à impossibilidade de capacitação pela falta de poder aquisitivo para a compra de livros, participação em congressos e eventos científicos, alguns dos quais com valores de inscrição fora de suas realidades.

Diante desse quadro, o investimento em uma formação continuada para a pós-graduação apresenta-se como um caminho de ampliação do seu saber, fazer e estar em uma nova realidade de sua profissionalização. Assim visualizada, a pós-graduação projeta a imagem de um lugar de possibilidades que vai além dos fatores puramente acadêmicos. Entretanto, as condições de sua formação, voltadas unicamente para a sala de aula, apresentam-se como uma barreira para seu ingresso nesse nível.

É nesse contexto e situação que vimos surgir a ampliação da procura pelos cursos de pós-graduação lato sensu, como uma forma de se preparar para a seleção dos mestrados. Daí seu grande incremento nos dias atuais com a intensa procura de licenciados em História, havendo mesmo poucos bacharéis inseridos nesse estágio de formação. No Estado de Pernambuco, esses cursos se fazem necessários justamente porque os egressos de licenciatura em História vêem-se despreparados para elaborar seus projetos ou planos de pesquisa e enfrentar a seleção, sabendo que não podem competir com candidatos provenientes do bacharelado, alguns inclusive já professores de universidades e com experiência em pesquisa. Muitos deles não sabem sequer como elaborar um projeto de pesquisa para suas monografias, havendo muitos que não sabem sequer o que seja um tema de pesquisa em História. Quando se fala da metodologia a ser adotada na pesquisa é como se perguntássemos algo totalmente desconhecido: o silêncio responde à realidade desses egressos das licenciaturas que vêm às especializações em busca de algum contato com o mundo da pós-graduação. Acrescente-se a isso que alguns cursos de Licenciatura, ainda no Estado de Pernambuco, não permitem a amplitude dos campos teórico e metodológico da História, distanciandose do que se tem requerido nas pós-graduações: oscilando esses cursos entre uma formação fechada com as posturas tradicionais ou positivistas da História ou, algumas vezes, defendendo a modernidade com suas verdades absolutas, em pleno começo do século XXI, quando temos esses paradigmas sendo rediscutidos ou revistos no programa de pósgraduação em História desde o começo da década de 90.

De acordo com esses problemas, já detectados em outros momentos da história, nos cursos de licenciatura em História, o que mais salta aos olhos é a deficiência desses profissionais em relacionar a História da historiografia com os conteúdos da História, ou seja, estabelecer uma relação entre o fato e as diversas formas de ler, interpretar e analisar o acontecimento histórico. Essa deficiência tem levando esses profissionais a manterem no campo do ensino de História uma posição passiva diante do livro didático e das informações por ele veiculadas sem que se proceda à análise das condições de possibilidade de constituição do discurso histórico e suas respectivas conseqüências nas formas de relacionar o presente ao passado dos alunos. É sabido entre os historiadores que o conhecimento dos desdobramentos da investigação (pesquisa) histórica é fundamental para a formação do licenciado, vindo a habilitá-lo para uma dada ação pedagógica, na medida em que o prepara para analisar seus recursos didáticos e conteúdos disciplinares. A associação entre a licenciatura e o bacharelado é, então, apontada pelos historiadores como uma forma de sanar o problema acima mencionado, devendo ter seus reflexos, principalmente, na sua formação continuada no nível de pósgraduado stricto sensu, uma vez que também o prepara para lidar com as condições requeridas pelos programas de pós-graduação.

As condições requeridas pelas pós-graduações, e que acabam se consagrando como pólos fomentadores da competitividade, estão, basicamente, ligadas ao rigor e critérios definidos pelos programas no processo de seleção e que decidem em larga medida o nível do candidato a se inserir no programa. Além de um projeto de pesquisa coerente com os interesses da área de concentração e linhas de pesquisa do programa, os candidatos em potencial são aqueles que apresentem um currículo que indique alguma experiência na área de pesquisa. Essas exigências são importantes para promover certa garantia de produtividade do programa diante da avaliação trienal promovida pela Capes, definidora do credenciamento e reconhecimento do curso perante a comunidade acadêmica e social.

Apesar de o problema ter como base as questões internas da graduação em História, suas conseqüências atingem diretamente os programas de pós-graduação em dois aspectos bastante relevantes: a) no processo de seleção que, em virtude das poucas vagas oferecidas gera um tipo de competitividade que acaba favorecendo aos mais aptos a ingressar no campo da pesquisa, a saber, os bacharéis em História; b) no processo de avaliação e re-credenciamento dos programas que podem vir a sofrer uma baixa na sua produtividade em decorrência das dificuldades sentidas pelos licenciados que conseguem ingressar no programa, mas que apresentam falhas em sua formação para o campo da pesquisa, gerando, muitas vezes, a necessidade de dilatamento dos seus prazos para a defesa da dissertação.

Tanto sob o primeiro aspecto, como sob o segundo, ressaltamos dois compromisso assumidos pelas representantes do MEC e da Capes no Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG 2005-2010) no qual relaciona os problemas vivenciados pela graduação como do âmbito e preocupação da pós-graduação: primeiro, o compromisso com "o padrão de qualidade das Graduações que, necessariamente, se encaminham para a pósgraduação"; segundo a preocupação com "o princípio constitucional de igualdade de oportunidades que se preocupaa com o fluxo de uma educação básica forte, qualificada, equânime e democrática, conforme determina o texto". A questão da dissociação entre a licenciatura e o bacharelado toca diretamente a pós-graduação quando a política defendida para o PNPG defende, claramente, "a articulação entre a graduação e o sistema nacional de pós-graduação", apesar de reconhecer que "a graduação foi exposta ao sabor das conjunturas, sem o suporte de uma política educacional mais sistemática e adequada" na qual se visualiza problemas que afetam a graduação de forma ampla e complexa. Por meio do PNPG, a política que rege as pós-graduações assume o compromisso de investir em uma maior integração da pós-graduação com a graduação, o que será, "altamente benéfico para ambos os níveis", segundo os resultados esperados pelo Plano. Além de uma política de investimento na articulação entre a graduação e a pós-graduação, assume-se pelo PNPG a tarefa de capacitar os docentes tanto para a educação básica quanto para a superior. Os problemas da dissociação entre a licenciatura e o bacharelado em História constituem-se em um problema que afeta direta e indiretamente a pósgraduação, integrada que está nestes níveis de ensino como locus importante de sua formação continuada e como tarefa que se coloca para uma nova política de ação com a sociedade.

Finalmente, destacamos que os dados aqui apontados nos levam a considerar como inadequadas as reformas propostas pelas políticas educacionais que, apesar de defenderem veementemente a articulação do ensino com a pesquisa, vêm sendo implementadas em um sentido contraditório a seus discursos, especialmente no que se refere à sua relação com a pós-graduação stricto sensu. Pois as atuais reformas, tantas vezes repetidas em outros momentos históricos, ao invés de solucionarem os muitos problemas já detectados, tendem a ampliá-los ainda mais, aprofundando a distância entre esses cursos e as possibilidades de acesso às pós-graduações e à formação de uma nova competência e habilidade. Assim, compete à licenciatura batalhar por uma política mais condizente com o tipo de profissional que deseja formar e à pós-graduação em História stricto sensu compete participar mais ativamente das discussões, propondo ações que ampliem a relação entre a licenciatura e a pósgraduação apontada como fundamental para o tipo de profissional do ensino de História que se defende em nossa sociedade.

 

Giselda Brito Silva*



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