Sobre o tempo da loucura em Nise da Silveira



  1. Resumo
  2. Escrita sobre o tempo... o tempo e o hospital psiquiátrico
  3. A emoção de lidar: o tempo da loucura em Nise da Silveira
  4. Considerações finais
  5. Referências

RESUMO

Trata-se de um ensaio sobre a vivência do tempo no âmbito do hospital psiquiátrico. Após breve incursão acerca da escrita sobre o tempo e o tempo no hospital psiquiátrico, nos detemos no enfoque da psiquiatra e pesquisadora Nise da Silveira, cujo trabalho foi desenvolvido no Centro Psiquiátrico Nacional do Engenho de Dentro Rio de Janeiro (antigo Centro Psiquiátrico Pedro II e atualmente denominado Instituto Municipal Nise da Silveira), onde criou, em 1946, a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR), chamada por um interno de "a sala da emoção de lidar". O tempo da loucura em Nise equaciona a síntese tempo versus afeto, sem reservas para com as susceptibilidades de um saber científico, mas em busca da real complexidade da condição humana. Reportando-se da vida ao sofrimento, Nise trouxe o afeto como condição sine que non para a compreensão da diferença e no limite para o questionamento do que o jargão psiquiátrico preconizava/esquadrinhava como "desorientado no tempo e no espaço". Com a tendência da reestruturação dos serviços psiquiátricos no Brasil, o tempo revisitado da loucura enclausurada traz a contribuição de Nise da Silveira como atitude digna de sobrevivência em tempos de atenção psicossocial.

Palavras-chave: Tempo, Psiquiatria, Nise da Silveira

Time in mental illness according to Nise da Silveira

ABSTRACT

This research is about time at psychiatric hospitals. After a brief review of the literature on time and time at a psychiatric hospital, the author focused on psychiatry's approach and on studies by Nise da Silveira, a researcher who worked at the Centro Psiquiátrico Nacional do Engenho de Dentro, Rio de Janeiro (now named Centro Psiquiátrico Pedro II), where in 1946 she founded an Occupational Therapy and Rehabilitation Division, which a patient named "the emotions coping room". Time of mental illness according to Nise is equal to the synthesis of time versus affection, with no considerations towards the sensitivities of scientific knowledge, but instead is a search for the real complexities of the human condition. Referring back on life and then suffering, Nise instead she considered affection as a sine qua non condition for the understanding of "difference" and "at the limit" referring to what the psychiatric jargon called " time and space disorientation ". Considering the trends of the adoption of new policies in psychiatric care in Brazil, an alternative for secluded time of mental illness is a contribution from Nise da Silveira as a dignifying survival measure in a time of psychosocial care.

Key words: Time, Psychiatry, Nise da Silveira

Escrita sobre o tempo... o tempo e o hospital psiquiátrico

Falar sobre o tempo no âmbito da loucura e seu espaço secular articula, pelo menos, três componentes da história da psiquiatria/saúde mental: o paciente psiquiátrico, o trabalhador em saúde mental e o manicômio. Podendo ser sintetizado da seguinte forma: quais os subterfúgios usados pelo paciente psiquiátrico, com história de longa internação, para apreender/registrar o tempo? A negação da cronologia do tempo para os pacientes psiquiátricos instutucionalizado é um fato comprovado pela ausência de símbolos como relógios e calendários nas grandes enfermarias e pavilhões hospitalares e que estão postos na literatura da área. Assim como a guarda dos eventuais relógios de pulso e espelhos e a ambientação geralmente escura e úmida dos espaços, principalmente, destinados aos indigentes nos hospitais psiquiátricos seculares. Se o tempo instituído, esse então que conhecemos hoje, convencionado pelos relógios e calendários, foi negado ao paciente psiquiátrico institucionalizado e indigente, sendo sua percepção subjetiva de tempo, em geral, considerada como sintoma da doença, de alguma maneira este paciente deve ter reconstruído/reinventado mecanismos de validação. Assim, "qual a trama dos hábitos que sustentam/sustentaram a temporalidade da vida cotidiana"1 desses pacientes? Isso porque acreditamos que no ato do conformismo transborda resistência, e o fenômeno tempo atravessa a condição humana de maneira que pode até se travestir no seio de uma mesma sociedade, de forma diversa da convencional o seu aspecto cronológico das sociedades industriais porém, se manifesta, se expressa na cotidianidade implacável do passar das horas.

E se o tempo é essa "coisa" que não se pode perceber apenas pelos sentidos, mas que também não é só essa "coisa" revelada pelos relógios, não convence o cânone psiquiátrico que assinala o paciente como "desorientado no tempo e no espaço".

Norbert Elias2 escreveu um ensaio intitulado Sobre o Tempo, onde discorreu sobre a apreensão do sentido do tempo desde as sociedades ditas primitivas até as sociedades estatais/industriais e compartilhou conosco uma constatação instigante, a de que ainda hoje meditamos sobre o tempo sem saber se ele é um objeto de processos naturais ou se é um objeto cultural. E conclui: O que é, afinal, que realmente indicam os relógios, ao dizermos que dão a hora?

Elias2 refere à mistura do conhecido-e-desconhecido (instrumental-e-mistério) que se opera na síntese dos homens sobre o tempo, destacando que é fácil de compreender que os relógios sejam instrumentos construídos e utilizados em função das exigências da vida comunitária, mas que o tempo tenha igualmente um caráter instrumental é algo que não se entende com facilidade. "Será que seu curso não se desenrola de maneira inexorável, sem levar em conta as intenções humanas? O uso lingüístico também contribui para confundir o panorama, dando a impressão de que o tempo é aquele algo misterioso cuja medida é dada por instrumentos de fabricação humana, os relógios".

Já o historiador Marc Bloch3 sintetizara que o tempo humano há de ser sempre rebelde tanto à implacável uniformidade como ao seccionamento rígido do tempo do relógio.

A teoria do conhecimento na tradição filosófica se alimentou dessa antinomia sobre a natureza do tempo, gerando a polêmica que opunha de um lado a interpretação do tempo como um dado "objetivo", independente da realidade humana, e de outro, a interpretação "subjetiva", enraizada na natureza humana, sobre o que Elias2 considera como hipóteses "artificiais", cujos "debates intermináveis que opõem seus respectivos partidários são estéreis", uma vez que nosso saber resulta de um longo processo de aprendizagem, que não teve um começo na história da humanidade. Todo indivíduo, por maior que seja sua contribuição criadora, constrói a partir de um patrimônio de saber já adquirido, o qual ele contribui para aumentar. E isso não é diferente no que concerne ao conhecimento do tempo.


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