Poder Normativo Primário dos Conselhos Nacionais do Ministério Público e de Justiça: A Gênese de um Equívoco

Enviado por Emerson Garcia


  1. Considerações Iniciais
  2. O Estado Democrático de Direito
  3. O Conteúdo do Princípio da Legalidade
  4. Regimento Interno dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público
  5. O Poder Normativo dos Conselhos à luz dos Princípios Gerais de Direito Sancionador
  6. Epílogo

1.    Considerações Iniciais

A Emenda Constitucional no 45, de 8 de dezembro de 2004, introduzindo profundas inovações na linha evolutiva dos tradicionais mecanismos de checks and balances que permeiam as relações entre os órgãos de soberania, criou o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, órgãos que, desde a sua origem, foram concebidos como mecanismos de controle externo.

Em comum, apresentam uma composição híbrida, na qual coexistem membros dos órgãos controlados e agentes estranhos aos seus quadros; possuem atribuição para rever atos de cunho administrativo; têm poder disciplinar, podendo aplicar sanções que não a perda do cargo; serão municiados com informações colhidas por ouvidorias a serem criadas e devem elaborar relatório anual sobre as suas atividades e a situação dos órgãos controlados no Brasil, relatório este que integrará a mensagem a ser encaminhada ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa. Embora não tenham ingerência direta nos atos de cunho funcional, é manifesta a influência que podem exercer na atividade regular dos membros do Ministério Público e do Judiciário.

Considerando o caráter nacional do Poder Judiciário e do Ministério Público, ambos os Conselhos foram aquinhoados com o poder de expedir atos regulamentares e de recomendar providências, o que certamente contribuirá para uniformizar procedimentos e aumentar a eficiência da estrutura administrativa, com inevitáveis reflexos no aprimoramento da atividade finalística.

O exercício desses poderes, no entanto, deve estar necessariamente associado às atribuições constitucionais dos Conselhos: a) em relação ao Conselho Nacional de Justiça, "zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura";1 e b) quanto ao Conselho Nacional do Ministério Público, "zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público".2

Apesar da pureza dos fins almejados, qual seja, aperfeiçoar a estrutura das Instituições controladas de modo a eliminar os abusos que teriam sido praticados sob o signo da autonomia, a operação de transposição da plasticidade de suas linhas estruturais para a realidade tem ensejado o surgimento de não poucas dúvidas. Em caráter meramente enunciativo, podem ser apontadas: a) o alcance do poder normativo dos Conselhos; e b) a identificação da linha limítrofe entre a atuação dos Conselhos e a autonomia das Instituições controladas.

Referidas dúvidas, que pouco prestígio teriam num ambiente puramente acadêmico, terminaram por ser alçadas ao seleto patamar das questões palpitantes, onde teses e antíteses afloram com frenética celeridade, em muito dificultando a obtenção de uma conclusão que, conquanto sensível à realidade do País, ande de braços dados com a lógica e a razão. Como elemento propulsor dessa ascendência, tem-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de cognição sumária, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, sendo relator o eminente Ministro Carlos Ayres Britto, em que se reconheceu, na Resolução do Conselho Nacional de Justiça, a "força de diploma normativo primário".

As circunstáncias inerentes ao referido julgamento são bem conhecidas. O Conselho Nacional de Justiça, com amplo e irrestrito apoio da opinião pública, editou a Resolução nº 7, que proscrevia o nepotismo no ámbito do Poder Judiciário. Essa medida moralizadora foi desautorizada por vários tribunais do País, motivando o ajuizamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade e o correlato pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Conquanto suscitado o argumento de que a prática do nepotismo seria diretamente vedada pela Constituição da República, sendo desnecessária a mediação legislativa, prevaleceu a tese de que o Conselho Nacional de Justiça estava autorizado a editar atos normativos com o fim de proibir referida prática.

Como afirmou o relator, esse ato deveria ser considerado uma "entidade jurídica primária", pois "seguia imediatamente à vontade da própria Constituição, sem outra base de validade que não seja a Constituição mesma". Após realçar que a lei é a fonte primária por excelência, ressaltou que a própria Constituição contemplou a existência de atos com força normativa que não a lei: a) as múltiplas competências do Senado Federal3 ; b) as medidas provisórias editadas pelo Poder Executivo4 ; c) o regimento interno dos tribunais5 ; d) o regimento interno dos tribunais de contas; e) os decretos autônomos, passíveis de serem editados pelo Presidente da República, que podem dispor sobre "organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos"7


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