Resoluções de processo disciplinar. Questões complexas de processo disciplinar, resolvidas de acordo com a evolução do direito europeu



  1. Princípio da precaução
  2. A problemática dos deveres
  3. Teoria do controle da qualificação dos fatos
  4. Princípio da unidade da infração
  5. Princípio da oportunidade
  6. Bibliografia

Questões complexas invadem o desenvolvimento do processo administrativo disciplinar, sem resposta objetiva nos estatutos de servidores e mesmo em normas processuais e materiais nas quais buscamos socorro, como os diplomas penal e processual penal. Por isso, precisamos fazer o enfrentamento com uma visão mais ampla do instituto disciplinar, recorrendo ora a princípios do processo administrativo, do processo penal ou a princípios gerais do direito, ora ao direito comparado, especialmente o europeu, sensivelmente avançado em relação ao nível de improviso com o que a matéria é tratada no Brasil.

Vamos, nessa linha, desenvolver breve estudo de temas que servirão de referências às comissões processantes, às consultorias jurídicas, aos patronos de defesa e às autoridades julgadoras de processos disciplinares. Fomos, para tanto, recolher elementos na clássica doutrina européia, sobretudo em Portugal, França e Alemanha, países que tratam a ordem disciplinar com sistema, com lógica, com civilidade, com ciência; e transportamos tais ensinamentos para a aplicação plena e imediata na resolução de incidentes que não encontram resposta na rotina da tresloucada Administração Pública brasileira.

1. O princípio da precaução

O princípio da precaução ganhou dimensão na União Européia, com o Tratado de Maastricht, que, no § 2º do artigo 130-R, vinculou a União ao imperativo de gerir as suas intervenções no campo do meio ambiente em obediência às ações de prevenção. Essa orientação foi reescrita por ocasião do Tratado de Amsterdam, no qual ficou como o artigo 174.

O professor Mário Frota, da Universidade de Paris e da Universidade Lusíada do Porto, reportando-se ao tema, ensina que o princípio da precaução

"é invocável em situações em que os saberes científicos não permitem, no estado em que se acham, afastar a regra que justifique a prevenção, mas supor tão só a consistência de um risco".

Podemos dizer que esse princípio permite - ou determina - a adoção de medidas que visam reduzir um possível risco. Aplica-se, portanto, como bem destaca o citado mestre, "em caso de uma forte probabilidade de prejuízos". No processo administrativo disciplinar, podemos encontrar várias situações de risco em potencial, que exigem cautela da Administração Pública. Um expediente mal conduzido, com avaliação equivocada do mérito ou com ausência de segurança jurídica, pode conduzir o Poder Público a uma aventura, ou absolvendo um servidor verdadeiramente faltoso e, assim, patrocinando a impunidade; ou, no outro extremo, condenando alguém sem garantias, levando o processo ao plano judicial onde, anos depois, acaba fulminado. Nesta hipótese, a reintegração do funcionário, com todas as vantagens, transforma-se em uma dívida imprópria, pesada, debitada na conta do contribuinte. Acaba sendo este o verdadeiramente penalizado no processo.

Um processo disciplinar mal conduzido pode levar à anulação e à reintegração do servidor faltoso anos depois, com todas as vantagens. Neste caso, o processo serviu para condenar, na verdade, uma única pessoa: o contribuinte.

São as seguintes as situações de aplicação do princípio da precaução, com emprego no processo disciplinar, como decorrência de uma construção que fazemos a partir das linhas do direito europeu:

a) Incerteza científica - Os conhecimentos científicos pelo menos indicam probabilidade de perigo. Pode acontecer, por exemplo, diante a uma perícia não conclusiva, suscetível de questionamento. Assim, a comissão acolhe, para efeitos de recomendar a condenação, um laudo pericial dúbio, com pontos obscuros, com imprecisão de métodos, com quesitos respondidos de forma subjetiva. Não há dúvida que há risco em potencial. A perícia é o auxílio da ciência e esta não pode ser incerta. Incerta é a avaliação do leigo. Logo, em nome do princípio da precaução, há que se determinar o esclarecimento das obscuridades ou o refazimento da prova. Em que pese eventual custo ao erário - ou comprometimento de prazos - impõe-se o princípio, guia maior que o texto frio da lei.

b) Incerteza jurídica - A incerteza jurídica pode vir de duas formas:

* incerteza jurídica propriamente dita - ausência de prova provada, ou seja, de prova recolhida aos autos do processo, de maneira a dar garantia quanto ao mérito. Se diferentes pessoas examinarem os autos, basta que uma tenha dúvida sobre a materialidade ou a autoria. Não há, neste caso, certeza. Há, sim, risco em potencial, que enseja a prevenção pela retomada da instrução processual até exaurir o esclarecimento.

* Insegurança jurídica - aqui, a dúvida repousa em aspectos de direito. Por exemplo: quando não se tem a certeza de que o meio processual empregado é o legítimo; que a forma adotada para aquele ato é a correta; que a conclusão atende a um acertado e pacificado entendimento jurídico. Havendo margem para dúvida, recomenda-se, em nome do princípio da precaução, a consulta à area jurídica, que deverá aprofundar o estudo, examinando ao extremo as cautelas que os tribunais têm indicado como balizas.


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